Cap 58. Falar a verdade
Uma vez deitada, no silêncio do quarto do hospital, foi mais fácil perceber o quão forte e rápido batia o meu coração. O corpo trepidava sobre a cama. Quando o médico chegou para me examinar, e contei a ele sobre o tanto de energético com álcool que havia tomado, levei uma bronca, as mesmas advertências recebidas de Nathan.
O médico me confirmou o que o enfermeiro dissera; que eu tomaria pelo menos duas bolsas de soro, e avisou que, enquanto isso, eu ficaria em observação. Ele me disse, também, que em alguns minutos eu seria levada para fazer exames cardiológicos e um raio-x do tornozelo, pois devido a aparência e a dor relatada, poderia até ser que tivesse sofrido uma luxação.
Felizmente, após os exames, não foi constatado problema cardíaco algum. Comprovou-se apenas uma entorse, o que me rendeu uma bota de gesso e recomendação de uma semana de repouso, sem pisar no chão. Permaneci no quarto da emergência, deitada com a perna imobilizada, até acabarem as duas bolsas de soro. Só então fui liberada para ir para casa.
— Este acidente lhe servirá de lição — disse Nathan, acomodando-me no banco traseiro do carro. — Nunca mais você repetirá o tanto que bebeu. Nem de champanhe e nem do tal Mucho Loko, ou de qualquer outro energético.
Ele ainda estava chateado. Certeza. Se estivesse bem, não falaria daquele jeito. Faltava-lhe a sua comum delicadeza. Também, pudera; eu o havia tirado de seu justo descanso para me socorrer de um porre, coisa que ele abominava, e havia lhe dado de brinde um pé torcido para cuidar. Sem contar a visão de um loiro maravilhoso; que ele não se tocara de quem se tratava, mas que, óbvio, tinha lhe causado ciúme.
Eram 6 da manhã no momento em que Nathan saiu com o carro do estacionamento do Ronald Regan e fomos, enfim, para a mansão. Assim que chegamos, ele me pediu para esperar sentadinha onde estava, pois buscaria as muletas que guardara desde que o próprio havia torcido o pé há dois anos. Já de posse das muletas, com dificuldade, caminhei até o meu quarto, onde ele terminou de cuidar de mim. Nathan me deu um banho quente, com um saco amarrado na bota de gesso, ajudou-me a vestir uma camisola e me acomodou na cama.
— Está com fome? — perguntou. — Quer que eu faça um sanduíche, um suco?
Sim, eu estava com fome, mas como Nathan continuava chateado — era visível no seu rosto e no modo que falava comigo, seco e direto — respondi que não.
Precisava dar um jeito de amenizar o clima ruim entre a gente, pois jamais conseguiria dormir sem lhe pedir desculpas ou ouvir o seu desabafo. Fazia horas que ele não falava nada, e duvidava que ele não tivesse algo a dizer.
— Você está chateado comigo, eu sei. Mas quanto?
Aguardei a resposta, tensa, enquanto os pássaros cantavam do lado de fora.
— Estou cansado para conversarmos agora. Preciso esfriar a cabeça, e você precisa reajustar a sua, que, mal ou bem, continua sob efeito de álcool. Amanhã teremos o dia todo para falarmos sobre o que aconteceu. Descanse.
— Mas... — choraminguei. — Não quero que fique com essa cara. Durma aqui comigo, vamos fazer as pazes.
— Não estamos brigados, Isabelle, eu só quero descansar agora. E você também precisa de descanso. Vou fechar as cortinas, você vai tentar dormir, e qualquer coisa você me chama. Estarei no quarto ao lado. Vou deixar o seu celular aqui, basta me dar um toque. — Ele arrumou o aparelho sobre a cama, ao alcance das minhas mãos.
— Você não vai ficar aqui comigo? Preciso da sua companhia... — Não era ao The Heat que pedia que fosse, e sim que dormisse ao meu lado na cama. O que lhe custava?
Nathan se curvou e me deu um breve beijo nos lábios, aparentemente um pouco mais leve do que alguns minutos antes. Aproveitei para retribuir com a melhor expressão de cachorro pedinte, pois sabia que ele não resistiria ao meu charminho. E foi o que aconteceu.
— Linda... Tudo bem. Dormirei aqui com você. Mas antes vou jogar uma água no corpo, para tirar o cheiro de hospital. Feche os seus olhos e respire devagar, pense em coisas boas, logo estarei de volta.
— Obrigada — agradeci, segurando sua mão, com os olhos cheios d'água. Nathan era o melhor namorado do mundo.
*****
Tentei fazer o que meu príncipe sugeriu; fechar os olhos e respirar pausadamente, mas o celular apitou uma mensagem, e um sobressalto interrompeu a meditação. Levei uma das mãos ao peito, massageando o coração disparado, e, com a outra, peguei o aparelho. Eu tinha certeza de que era o maldito. Pensei em ignorar, mas logo chegou uma segunda mensagem, então achei melhor checar o remetente, antes que Nathan voltasse para o quarto e aquela merda continuasse vibrando sobre a cama, no meio da gente.
Como você está? Melhorou das vertigens? E o pé? Não consegui dormir, só pensando no nosso encontro, preocupado com você.
Te amo. T.
Taylor continuava agindo como se eu não fosse comprometida, desrespeitando o meu pedido para que ficasse longe. Mandar mensagem fofa não me ajudaria a melhorar em nada. Inclusive, cheguei ver o quarto rodar só de ler o seu texto. Respondi, para encerrar o assunto:
Estou bem. Esperando meu namorado vir se deitar. Não fique pensando no nosso encontro, porque aquilo não foi um encontro. Por favor, não me procure mais. Tenha um bom dia.
Responder o maldito apertou o meu peito. Não era fácil mandá-lo para longe quando parte de mim o queria por perto. Mas dane-se! Dane-se o meu lado burro e emotivo, porque, alguma vez na vida, eu teria que agir pela razão.
Quando me dei conta, as lágrimas haviam se apossado dos meus olhos, escorriam pelo rosto e molhavam o travesseiro. Nem esperei Taylor mandar uma réplica — seria ótimo se nunca mais falasse nem oi —, desliguei o celular e o deixei de lado. Em prantos, esperei pela volta de Nathan.
Meu namorado retornou ao quarto um pouco depois e, logo que me viu chorando, deitou-se na cama, grudadinho em mim. De bruços, com um braço sobre o meu peito, ele enxugou minhas lágrimas tristes.
— O que aconteceu, linda? Está sentindo dor?
— Uhum. Dor. Um aperto aqui. — Levei a mão dele até o meu coração. — Parece que está esmagado.
— O aperto tem a ver com o que andou bebendo. Precisa que seu corpo se livre de todas as substâncias estimulantes, para voltar a melhorar.
— Não é só isso... — Funguei e respirei fundo em seguida, mas logo voltei a chorar. Não era apenas a bebida, não eram apenas os energéticos.
Reencontrar Taylor havia me levado ao limite, e ele não tornara as coisas mais fáceis ao enviar mensagem às 7 da manhã, cheio de preocupação e dizendo me amar. Além disso, parte da opressão em meu peito, devia-se ao fato de que não queria mais esconder de Nathan o que acontecia dentro de mim. Poderia ser desastroso me abrir sobre o meu passado amoroso; mas esperava que, ao falar sobre a dor do término, isso me ajudasse a me entender, a Nathan me entender, e, quem sabe, libertar-me do sofrimento, do fantasma insistente. Talvez assim eu conseguisse me entregar totalmente à nova relação. Estava decidida a colocar as cartas na mesa e não queria esperar nem mais um segundo para começar.
Corri o dorso da mão pelo rosto de Nathan, brincando com a sua barba, subindo pelos lábios, nariz, até segurar os seus óculos. Nathan ajudou, retirando-os de uma vez e esticando o braço para deixá-los sobre o colchão, longe de nós dois.
— Obrigada por ser assim... — disse a ele, chorando — tão compreensivo.
Entrelacei os dedos em sua nuca, acariciando os cabelos úmidos do banho, e meu peito se comprimiu ainda mais. Ignorei o incômodo, erguendo um pouco a cabeça, para aproximar o meu rosto do dele, e rocei os lábios nos seus, compartilhando o sabor salgado das lágrimas. Nathan tomou a minha boca, e me entreguei à sua língua e ao sentimento sincero de desculpas, que expressávamos com o beijo.
— Fiquei chateado e estressado com o que aprontou hoje. — Nathan encarou-me com os olhos tranquilos, mas expressivos, que tinham o charme das pálpebras ligeiramente caídas. — Esperava que voltasse para casa como o combinado, e não que tomasse um tombo e me fizesse parar no hospital às 2 e 15 da madrugada. — Seus lábios se esticaram em um sorriso contido.
Surpreendi-me por Nathan não ter citado Taylor.
— Você ficou chateado por que aquele cara me acompanhou até o hospital, não ficou?
— Não por tê-la acompanhado até o hospital, mas porque você estava com ele antes disso — admitiu. — É um rapaz boa pinta... Claro que me incomodou.
— Eu não dancei para ele. Lola, quando eu ia embora, disse que tinha alguém esperando por mim no quarto VIP Gold. Ela não foi específica, e pensei que fosse você me fazendo uma surpresa. Ao entrar, dei de cara com ele. Mas nós não fizemos nada... Nada além de conversar.
Difícil acreditar que um homem como Taylor se despencaria até o The Heat, no sábado de madrugada, apenas para conversar. Provavelmente por isso Nathan manteve-se calado. Mas ele confiava em mim, tanto que nem contestou a minha afirmação.
— Linda — seus dedos acariciaram a lateral do meu rosto —, mesmo se tivesse dançado para ele, eu seria obrigado a aceitar. Preciso trabalhar o ciúme, de saber que tira a roupa para outros homens, porque é isso o que você faz e ponto. Sou humano e me permito ficar chateado, mas reconheço que meu desconforto pode atrapalhar a nossa relação. E não quero que nada atrapalhe o que temos. Esta noite passou, vamos apagar o acontecido. — Ele estalou um beijo em meus lábios, como se encerrasse o assunto.
— Nathan... Também desejo que nada atrapalhe o que temos, por isso preciso continuar esta conversa. Não quero parecer desonesta com você. — Remexi-me na cama, inquieta antes de falar. — A visita desse cara ao The Heat mexeu muito comigo... De um jeito negativo.
Nathan me interrompeu:
— Ele fez alguma coisa de que não gostou? Por isso está assim, tão abalada?
Voltei a chorar e tapei o rosto com as mãos, arrumando coragem para falar o que estava entalado na minha garganta. Nathan tinha direito de saber, e eu precisava colocar para fora, antes que explodisse.
— Diga, ele fez alguma coisa? Abusou de você? — insistiu.
— Me ajude a sentar — pedi para me encostar à cabeceira da cama. Não queria expor a situação deitada.
Nathan arrumou um travesseiro sob as minhas costas e outro debaixo dos meus pés. Em seguida, ele se acomodou ao meu lado, também encostado na cabeceira. Segurei firme a sua mão, para me certificar de que permaneceria do meu lado, mesmo depois do que estava prestes a dizer.
— Esse cara, esse cliente de hoje, ele não era um qualquer... — Olhei para o rosto de Nathan, que me escutava atento, e respirei devagar, tomando coragem para seguir em frente. — Taylor entrou na minha vida há muitos anos. Nós nos conhecemos ainda adolescentes... Ele... Ele foi... Ele foi meu primeiro namorado. O único antes de você.
Silêncio. Nem mesmo os pássaros ousaram continuar a cantoria. Apertei a mão de Nathan e olhei para o seu rosto indecifrável, à espera de uma reação. Porém, levou um tempo até que ele falasse alguma coisa.
— Então, aquele cara... Seu namorado?... Ex...
Poderia apostar que o discurso de Nathan, "vou controlar o meu ciúme", fora por água abaixo. No entanto, não havia como afirmar, pois, apesar das palavras entrecortadas, sua expressão permaneceu neutra.
— Mais do que apenas namorados; fomos noivos, íamos nos casar. Mas então, uns dias antes da cerimônia, na verdade, dois dias antes, tivemos uma briga... — Meu choro tornou-se mais abundante ao relembrar o que havia acontecido após a despedida de solteira. — Terminamos na véspera de dizer sim. Só que não foi um fim amigável e tranquilo, como aconteceu com você e a Gigi. Tenho marcas até hoje... — Levei a mão ao peito enquanto soluçava.
Nathan me abraçou, meio de lado, e fechou a mão sobre a minha, repousando o queixo em meu ombro. Não consegui decifrar o que ele pensava ou sentia, mas o fato de ter chegado mais perto, encorajou-me a continuar.
— Ele não tinha nada que ir atrás de mim no The Heat. Nada! — desabafei em meio aos espasmos, soluços e engasgos causados pelo choro.
— Esse seu ex... Ele a procurou outras vezes, não procurou? Eu lembro. Lembro-me de um telefonema no mês passado, quando você esqueceu o celular no apartamento do Max. Taylor... Era ele, não era?
Balancei a cabeça, concordando.
— Não falei nada para você antes, porque... Porque eu e você estávamos nos conhecendo, e achei que não devia falar do meu ex... — Eu tentava, mas as lágrimas não davam trégua. — Recentemente ele chegou a me procurar de novo, pelo telefone... Desculpe não ter lhe contado, mas, de novo, não queria falar do meu relacionamento anterior e deixar um clima ruim entre nós dois.
— Em que momento aconteceu esse telefonema?
— Naquele final de semana que passei aqui.
— Hum — murmurou, após refletir um pouco. — Foram aquelas mensagens recebidas durante nosso sexo, não foram? Devia ter pensado que havia algo de estranho. Depois disso, eu lembro; você se mordeu e se feriu. — Nathan inspirou e expirou perto da minha orelha, talvez um pouco menos neutro do que antes. Havia incômodo na sua respiração e, também, nas suas palavras. Restava saber se era apenas preocupação com o jeito autodestrutivo como eu reagia ao contato de Taylor, ou porque sentia ciúme. Talvez fosse um pouco dos dois. — Você disse para mim que as mensagens tinham a ver com um problema antigo, que o resolveria.
— E o resolvi. No dia seguinte, enviei uma mensagem para ele, mandei me esquecer...
— Mas parece que ele não lhe esqueceu.
— Isso é problema dele! — rebati. Um movimento brusco fez Nathan afrouxar os braços que me envolviam e chegar mais para o lado.
— Problema dele, seu, e, de certa forma, nosso. Se você disse a ele que não o quer por perto, e ele insiste com telefonemas e aparições, temos que ver um jeito de fazê-lo parar.
— Ele vai parar! Já dei um basta.
— Lá no hospital, ele não pareceu querer dar um basta. — Nathan bufou. — E olhe só como você ficou depois desse encontro. Mal hoje, mal no dia que mordeu a mão, e, pelo visto, mal há muito tempo.
— Desculpe pelo constrangimento. Não era para ele ter ficado no hospital, não era para ele sequer ter ido ao The Heat.
— O que, exatamente, você sentiu ao vê-lo? — Nathan perguntou com toda calma do mundo.
Eu, por outro lado, não tive a menor calma para lhe responder.
— Raiva! Foi raiva que senti! — berrei, incomodada com a pergunta de Nathan. Se pudesse andar, teria me levantado da cama e me trancado no banheiro. — Como assim o que senti?... Raiva! Raiva, ora! Eu já o tinha mandado ficar longe. Não falei?
Havia raiva, mas também sentimento. Havia mais raiva justamente por ainda rolar sentimento. Muito. Porém, apesar do peito sangrando e me pedindo para dar a Taylor uma chance, eu continuaria lutando contra.
— Shhh. Shhh. — Nathan afagou meus cabelos e encostou o nariz na minha bochecha, evolvendo-me em seus braços.
— Vou contar a história toda, desde o início, e você me dirá se não é raiva o que tenho que sentir.
— O que desejamos sentir e o que de fato sentimos são duas coisas bem diferentes. — Nathan voltou a se sentar direito e completou: — E mais; não tenho como dizer o que você deve ou não sentir. Mesmo se me contar alguma história de amor que eu julgue absurda, só você poderá saber o que se passa aí dentro.
Engoli o choro, em silêncio, absorvendo e pensando nas últimas palavras de Nathan. Ele não era bobo. Paciente, compreensivo, apaixonado por mim, mas não bobo.
— Você não faz ideia do que aconteceu... Você nem faz ideia de quem ele é, pelo que percebi. — Limpei a coriza com a mão e olhei para Nathan, esperando que, com a dica, ele se tocasse de quem era Taylor, de que era famoso. No entanto, não demonstrou qualquer alteração. Nathan gostava de rock, era mais velho, tinha outros interesses, normal que não estivesse muito por dentro do cenário pop-adolescente.
— Você tem certeza de que quer continuar falando do seu passado, de todo esse incômodo agora? Não se force a falar se achar que não vai conseguir.
— Eu preciso falar! — A agressividade e o bolo na garganta me sufocaram.
— Calma, não está lhe faltando ar. — Nathan me amparou. — Respire, expire, devagar. Estou aqui, você está aqui, não há nada errado.
Suas palavras, sussurradas ao pé de ouvido, trouxeram-me de volta ao racional, e o ar passou livre pelos meus pulmões. Ele me colocou na horizontal e desceu da cama, dando-me um aviso:
— Evitei até agora, mas vou buscar um ansiolítico. Vai lhe fazer bem. E prometo que, quando seu desconforto diminuir, vou escutar tudo o que quiser colocar para fora.
A claridade da manhã entrava pelas frestas das cortinas. Talvez a intenção de Nathan, ao me dar o remédio, não fosse apenas me acalmar. Talvez quisesse me colocar para dormir e deixar a conversa para outra hora. No entanto, eu não conseguiria ficar em paz, não até contar a ele todo o meu passado com Taylor. Sem adiar.
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