Cap 5. Gigi
Eu deveria ter imaginado que não encontraria uma aglomeração na porta e, muito menos, gente se estapeando lá dentro. Naquela loja encontrava-se apenas a mulherada riquíssima da elite de Los Angeles. E eu. Um peixe fora d'água. Era exatamente assim que eu me sentia. Já Mirana não tinha o menor problema com desfilar pelo chão quadriculado de mármore preto e branco, fingindo ter milhões na conta, sustentando a personagem no seu vestidinho bordado, réplica de marca italiana, enquanto segurava uma taça de champanhe rosé.
— Você não quer ter essa vida maravilhosa? Então comece a fingir que tem. Jogue para o Universo. Eu estou só atraindo.
Não era naquele caso uma questão de fingir, bastava nos olhar para ficar claro que não pertencíamos ao conjunto. As bananas enquanto todo resto eram maçãs.
— Você até agora não me disse como conseguiu esse par de convites — sussurrei porque tinha certeza de que não fora pelos métodos convencionais.
— Eu roubei. Tá bom?
Meus olhos arregalados devem tê-la assustado, porque ela logo corrigiu:
— Mentira, sua boba. Encontrei caído no chão do The Heat. Achado não é roubado, né?
— Mas para isso existe a seção de achados e perdidos.
— Isabelle, relaxe e agradeça ao Universo. E agradeça duplamente por não terem sido convites nominais.
— Alguém deixou de vir ao evento hoje por nossa causa.
— Não foi por nossa causa — frisou, com o dedo em riste. — Se esse alguém tivesse tomado conta dos convites direito, estaria aqui agora. Mas o dono devia estar muito ocupado com gostosas para se importar com um desfile de esquálidas.
Eu queria saber se ela estava me colocando no bolo das gostosas, porque os meus ossos da bacia evidentes já podiam me agrupar no lado das esquálidas.
Ficamos em pé na entrada do salão principal da imensa loja, toda decorada de preto, rosa e detalhes em dourado, cercadas por patricinhas — e essas eram mesmo de Berverly Hills —, escutando o burburinho misturado à música pop instrumental, enquanto aguardávamos o momento do desfile da coleção exclusiva.
Já tinham passado pela gente Lindsay Lohan, Mandy Moore e Mila Kunis, cada uma mais linda do que a outra, e fui me curvando aos poucos, ofuscada, sentindo-me inferior naquele lugar.
— Nós já vimos como é isso aqui, será que podemos ir embora? — perguntei à Mirana, que observava o enorme lustre de cristal sobre as nossas cabeças.
— Mas nem pensar! Eu só saio daqui depois de ver o desfile, o corte da faixa inaugural e pegar o brinde.
Revirei os olhos, e Mirana continuou:
— Assim que liberarem o acesso para o resto da loja, vou querer olhar tudinho.
Nada do que eu dissesse a faria mudar de ideia. Com o nível de empolgação que ela demonstrava, seria mais fácil eu conseguir a paz mundial a tirar Mirana de lá.
— Eu vou me sentar ali então. — Apontei para uma poltrona rosa de estilo renascentista que milagrosamente estava desocupada.
— E vai me deixar aqui sozinha? Estamos na cara do gol. Tão pertinho, olha isso.
De fato estávamos bem posicionadas, bem em frente à majestosa escada que levava aos outros andares, de onde as modelos desceriam durante o desfile. Mas tudo o que eu queria evitar era justamente ficar em evidência.
— Só mais um pouquinho... — Mirana implorou, fazendo um olhar pidão.
Não teve jeito. Mesmo. Assim que ela terminou sua ceninha de convencimento, a música mudou de instrumental para uma versão remixada de Fever da Madonna. Uma das Angels surgiu no topo da escada, entre os guarda-corpos e corrimãos luxuosos de vidro e metal, descendo totalmente confiante, com o tipo de autoestima que eu gostaria de ter toda vez que pisasse no palco.
Assim foram descendo todas as outras modelos representantes da marca, com asas de penas verdadeiras combinando com as lingeries em seus corpos, seguindo dali para outro ambiente do térreo, onde provavelmente trocariam de roupa para uma nova entrada.
Eu me sentia perdida com tanta beleza, luxo e informação, quando minha visão periférica me avisou da chegada de um intruso pela esquerda. Não. Não. Virei e o meu olhar deteve-se por um instante. Sim, era ele mesmo. Sem os óculos e de roupa social, o que dificultou um pouco o reconhecimento. Mas era Nathan Smith pedindo licença entre as pessoas, aproximando-se lentamente de onde eu estava. No segundo seguinte, arrumei um jeito de sair apressada daquele lugar.
— Isabelle! — Ouvi Mirana chamar meu nome, quando já me encontrava distante do aglomerado perto da escada. Ela estava com o semblante fechado. — O que deu em você, hein?
— Vamos embora daqui. Estou tentando evitar um desastre.
— Desastre? — Mirana não entendeu nada, olhando ao redor.
Sim, evitar um desastre. Juntando as peças, eu tinha quase certeza de que o dono dos convites perdidos no The Heat era Nathan ou algum conhecido seu. E seria vergonhoso se ele também juntasse as peças e concluísse que eu estava ali de penetra. Na realidade, seria um desastre se ele me reconhecesse, de qualquer maneira.
— A coleção de babydolls é a mais importante, e ainda tem o...
— Eu não estou me sentindo bem — falei sério, cortando Mirana. Não era verdade, mas precisei apelar.
— O que você tem? Vai desmaiar? — Ela olhou ao redor novamente, alarmada. — Meu Deus, eu vou chamar alguém.
— Não! — Eu vi que ela atrairia atenção para nós duas bem no meio do evento, e isso sim me faria sentir mal de verdade. — É só uma dorzinha de cabeça, volte para o desfile e eu ficarei aqui esperando. Venha para cá assim que acabar.
— Tem certeza?
— Tenho. Vai lá, vai lá...
Sentei-me na poltrona rosa que já tinha sido meu alvo anteriormente e fiquei observando o movimento de longe. Estavam todos de costas para mim, atentos ao desfile, e agora as únicas pessoas que eu conseguia reconhecer eram as modelos, mesmo assim só quando surgiam no topo da escada.
O desfile chegava bem perto do fim quando Gigi Robins apareceu para receber os aplausos. A tão badalada estilista do momento, a menina prodígio de apenas 18 anos, notícia em todas as revistas de moda, sobrinha do CEO da marca. Como se tudo isso não bastasse, mesmo lá de baixo deu para perceber, ela ainda podia muito bem ser confundida com uma das modelos. Magra, loira, feições e pele perfeita. Ela tinha, simplesmente, beleza e talento. De sobra.
A essa altura eu já estava doida para que Mirana aparecesse no lugar marcado para me encontrar. Mas, com sua demora, acabei me levantando para procurá-la entre as outras cabeças. Foi então que eu vi, de longe mesmo, que Mirana estava plantada onde Gigi cortaria a faixa inaugural, levando muito a sério aquele evento, totalmente deslumbrada.
Fiquei em pé de tocaia, esperando o melhor momento para ir até ela e obrigá-la a ir embora, mas, quando dei por mim, Mirana estava agarrada à estilista tirando uma foto, como se fosse íntima. No instante seguinte, era Nathan quem ela cumprimentava sorridente, falando alguma coisa que, pela distância, não consegui distinguir.
Encerrado o assunto dos dois, ela finalmente saiu daquele meio, mas eu continuei acompanhando os movimentos de Nathan: um abraço demorado em Gigi, seguido por um carinho gentil no rosto, sorrisos, e, por fim, um delicado beijo nos lábios.
Eu gelei.
— Oi. Oi. Mas que espetáculo, hein? — Mirana já devia estar pulando na minha frente há um tempinho quando enfim a notei.
— Shh. Espere aí. — Desviei o rosto para continuar olhando para Nathan e Gigi, que agora conversavam de mãos dadas, num grupinho de gente importante.
— Você está pálida.
— Eu disse que não estava muito bem, não disse? — E agora era verdade.
— Já vi quase tudo, posso deixar as compras para outro dia. Não quero que tenha um troço aqui.
Ela já tinha visto quase tudo. E eu já tinha visto tudo e um pouco mais. A visão de Nathan com Gigi acabara comigo e eu nem conseguia, de maneira sensata, entender o porquê.
*****
Deixamos a loja e andamos até um restaurante ali perto, porque "talvez o seu problema seja fraqueza", como Mirana afirmou. Não deixava de ser, mas não a proporcionada pela fome, e sim por eu me sentir arrasada diante do que tinha visto.
— Gigi Robins é tão simpática. Você viu, você viu quando estávamos tirando foto? Olhe isso. — Ela estendeu o visor da máquina na minha direção enquanto caminhávamos. — Gente, e aquele namorado dela? Nossa, que gato! Essa aí nasceu com a bunda para a lua.
Eu não podia discordar. Ela tinha mesmo muita sorte. Uma vida de sonhos, carreira, fama, luxo, dinheiro... um namorado. Enquanto eu, na idade dela, tinha sido burra o bastante para "jogar tudo isso no lixo". Não era apenas questão de nascer com a bunda virada para a lua, era saber manter a bunda nessa mesma direção durante a vida.
E quanto a Nathan, ele não chegava a ser aquilo tudo, aquele gato que Mirana estava enaltecendo, mas, até que arrumadinho e sem os óculos, chegava perto do Superman. A versão que eu conhecia até então era a do Clark Kent em final de expediente.
— Esse cara frequenta o The Heat, sabia? — Soltei.
— Ah, é? — Ela arregalou os olhos para mim, sorrindo depois. — Tem certeza? Eu nunca o vi lá. Não que eu me lembre... Mas que ótimo saber disso! — Comemorou batendo palminhas.
— Mirana, o cara tem namorada.
Ela riu, com certo deboche.
— E daí? A gente não tem que se importar com esses detalhes. Homens não são fiéis mesmo. E quando aparece um gatinho assim, ainda dá para tornar o trabalho bem divertido.
— Não dá, não. — Dança privada nunca seria divertido, nem com um deus grego.
— Quando foi que você viu esse ursinho ruivo por lá?
Ursinho ruivo? Puta merda.
— Ontem. Foi ele... Foi ele quem me deu os cem dólares — falei, diminuindo a voz enquanto terminava a frase.
Ela deu um gritinho estridente que fez os passantes na calçada olharem para a gente na mesma hora.
— Você seduziu o homem da Gigi! Sua danada. Agora o cliente é seu, não posso nem tirar uma casquinha.
— Não assinamos nenhum acordo — respondi, um pouco irritada. — Fique com ele para você. Quer?
— Ele é bonito e paga bem, e você aí fazendo essa oferta... Não quero, não, porque sei que você vai se arrepender.
O arrependimento viria, ou melhor, já tinha vindo, mas não porque eu estava abrindo mão de Nathan. Na madrugada anterior eu já me sentira suficientemente arrependida de fazer danças privadas, de maneira geral. Agora estava adicionando mais um agravante: sentindo-me burra por ter insistido e puxado Nathan para o canto escuro dos sofás no The Heat, quando segundos antes ele havia hesitado. Não só uma, mas duas vezes. Eu devia ter percebido que havia um motivo.
Nathan Smith pertencia à Gigi Robins.
.......
[ Notas ]
Patricinhas de Berverly Hills - referência ao filme Clueless (As Patricinhas de Beverly Hills) de 1995.
Música citada:
"Fever" (MADONNA, 1992)
.......
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top