Cap 29. Baoding balls
Seria bom se Nathan me desse, de uma vez, explicações sobre o que aconteceu no Valentine's Day; o motivo pelo qual havia partido no auge do negócio com a desculpa de ir embora por "me querer bem". Eu gostaria muito desse esclarecimento antes de a gente realmente começar a se envolver. Mas lá estávamos nós dois de mãos dadas, dedinhos entrelaçados, como se já tivéssemos a nossa situação muito bem resolvida.
Aquele ato simples, de pegar a minha mão e caminhar ao meu lado, fez-me flutuar. Quase a mesma sensação do efeito inicial do MDMA, com a diferença que, nesse caso, eu flutuava e prendia a vontade de cagar na calça. Apesar disso, a situação era boa demais para ser verdade: Nathan completamente disponível — era o que tudo indicava —, todo carinhoso e envolvido. A noite tinha tudo para ser perfeita.
A porta dos fundos do Ambassador não estava concorrida como a principal, havia apenas um grupinho de umas dez pessoas na nossa frente tentando entrar. Eu e Nathan esperamos a nossa vez na fila, ainda de mãos dadas, ouvindo o som abafado da banda de abertura, que tocava um cover de rock farofa. Não chegamos a ficar nem uns cinco minutos ali fora no sereno e logo ganhamos nossas pulseiras identificadoras.
— É bom ter contatos — disse Nathan. — Max sempre consegue entradas VIPs.
Ah, não. Eu não tinha ouvido aquele nome. Não, não. Imediatamente me lembrei das minhas mãos na bunda e no saco enrugado daquele sujeito, e o quanto poderia ser desastroso ele aparecer ali. Não devia ter comemorado a perfeição da noite com tanta antecedência.
— Esse seu amigo vem? — perguntei, preocupada e com medo da resposta.
— Já deve estar aí dentro. Chegamos um pouquinho tarde.
Ah, merda! Não, não, não. Agora sim tinha me dado dor de barriga de verdade. Por que Nathan não me avisou que teríamos companhia? Por que, meu Deus? Saí de casa achando que iria a um encontro romântico — ou quase — e não a um encontro traumático com a derrota.
— Adorei que você aceitou o meu convite, assim a noite vai ser bem mais agradável do que se eu passasse o tempo somente na companhia de Max. — Ele deu uma risadinha.
Era mais agradável passar a noite na campainha de qualquer um, até nas mãos de um orc nojento, contanto que não fosse na de Max. Essa era a verdade. Comecei a suar frio.
— Espero que sim. — Eu não estava acreditando, ainda, que teria que passar por aquilo. Se eu pudesse voltar no tempo daria retornaria dali mesmo. — Tem certeza de que não vou atrapalhar o programa de vocês?
— De maneira alguma. E vai ser uma ótima oportunidade para vocês resolverem aquele mal-entendido da festa.
Ah, ia sim. Lógico. Lógico que não.
Tudo indicava que Max não contara para Nathan que havia me encontrado de novo, muito menos sobre o three-some comigo e Lola no quarto VIP Gold. Mas isso não me deixava nem um tiquinho a mais aliviada. Era questão de tempo para a história vir à tona. Assim que me visse o playboy poderia se lembrar do nosso envolvimento, dar com a língua nos dentes e decretar o fim do meu lance com o seu amigo. Não precisava nem de bola de cristal para visualizar o óbvio.
*****
Logo que pisamos no salão de entrada da casa de shows, no espaço do bar — que não estava muito cheio e não permitia nenhuma camuflagem —, Max apareceu e veio cumprimentar o amigo.
— Grande Nathan! — Segurando um copo de cerveja em uma das mãos, ele usou a outra para cumprimentar Nathan, do jeito bruto que homens se cumprimentam. E, depois, virou-se para mim. — Ora, ora, meu amigo, então sua companhia misteriosa é a Penny Riot? Por que não me falou? Está muito bem acompanhado... Penny Riot, a inesquecível Penny Riot... Que surpresa!
— Oi.
— Já soube que está trabalhando com a Lollie. A Lollie é dez. Não é, baby? Fez bom negócio... Vocês duas, grande parceria... — Saquei de cara que ele já estava completamente bêbado, o que aumentava a chance de falar merda. — Baby, baby, então hoje você veio com o inigualável Nathan... — Max deu dois tapinhas no ombro de Nathan, e percebi que ele ficou incomodado com a saudação.
— Não disse a você que traria alguém supreendentemente especial? — Nathan soltou a minha mão e me puxou pela cintura, trazendo-me para perto dele. — Achei que viria acompanhado também.
— Eu? Você me conhece; não sou de ninguém. Sou como a Penny. Não é, baby? De todos. Opa! Ou seria de todas? Ou de ambos? Todos. Todas.
— Max, acho que você deveria maneirar no álcool. — Nathan tentou tirar a cerveja da mão do amigo, sem sucesso. Max levou o copo até a boca e tomou o resto de uma vez só. — Não gostaria que falasse assim da Penelope. Por favor, um pouquinho mais de respeito.
Max deu uma risada alta e acabou cuspindo um pouco de cerveja.
— Eu só posso respeitar quem se dá o respeito. Ela fica nua na frente de todo mundo!
— Nós vamos dar uma volta — disse Nathan, para livrar-se de Max. — Nos esbarramos por aí mais tarde.
Fiquei impressionada com a calma de Nathan diante da situação. Se fosse eu no lugar dele, ouvindo meu amigo zoar sua garota, teria arrumado um barraco de proporções homéricas. A minha vontade era voar no pescoço de Max e apertá-lo até ficar azul. Mas, como precisava manter a classe perto de Nathan, apenas o segui calada.
Saímos do salão do bar para o espaço principal, bem mais escuro que o anterior, mas ainda com a mesma decoração rústica do tipo saloon de velho oeste; com muita ripa de madeira nas paredes, mesas de sinuca nos cantos, dardos e letreiros de cervejas em neon. O palco, bem em frente à porta dupla vai-e-vem, que também dava para o bar, agora estava vazio. A banda de abertura tinha acabado de tocar e somente um som ambiente rolava.
Sentamo-nos em um banco acolchoado, forrado com lona vermelha presa com tachinhas, perto de uma das mesas de sinuca, com os ares entre nós praticamente carregado e destruído pelo climão com Max.
— Desculpe, Penelope. Não a devia ter trazido para o mesmo lugar que Max. Ainda mais que você teve um problema com ele naquele dia na cobertura. Mas eu achei que poderiam acertar os ponteiros e conviver em harmonia. Eu ficaria feliz se isso acontecesse, já que vamos nos relacionar mais intimamente daqui para a frente.
Oi? Isso era ele que estava dizendo. Não que eu não quisesse e não tivesse ficado feliz com o seu desejo de termos uma relação mais íntima, mas era muito cedo para essa afirmativa. Além de lacunas abertas para esclarecer, o filho da mãe de seu amigo indiscreto poderia acabar com as nossas pretensões em um piscar de olhos.
— Max é muito inconveniente. Jamais vamos acertar os ponteiros.
Falando nele; não adiantou fugir. Logo Max veio ao nosso encontro no cantinho da sinuca.
— Sabe Nathan, estou morrendo de ciúme. — Ele abriu espaço, jogando-se entre nós, passando um dos braços por trás do meu pescoço e outro pelo de Nathan. — Gosto muito da Penny, gosto muito. Mas você foi mais rápido.
— Max, eu não estou entendendo aonde quer chegar. — Nathan olhou para ele com o semblante fechado, um vinco formando-se na testa. — Qual é a sua?
— Você não me disse que estava de casinho com a gostosona do The Heat. — Ele deu uma cheirada no meu cangote. Que nojo! — Se tivesse sido meu amigo e me contado, eu teria falado pra você: "Epa! Epa! Também estou interessado, vamos disputá-la no palitinho".
— Venha cá.
Nathan levantou repentinamente e levou Max para perto da mesa de sinuca, onde um grupo jogava. E eu, quase desfalecendo, prevendo a hora da minha morte moral, tentei espiar os dois entre os jogadores, que se movimentavam para lá e para cá com os tacos. Talvez desse para decifrar, pelos gestos e leitura labial, o que conversavam. Achei que fosse ser bem difícil e preferia que tivesse sido. Assim, teria evitado o início de um derrame ao ver Max catar duas bolas em cima da mesa de feltro e manuseá-las com certa destreza, usando apenas uma das mãos, como se desestressasse com baoding balls.
Nathan deu uma viradinha súbita e me pegou observando os dois. Desviei o olhar, morta de vergonha, com 99% de certeza de que agora ele sabia que eu havia apalpado as bolas de Max.
A vontade que me deu foi sair correndo dali na mesma hora, pegar um táxi e me mandar para casa. No entanto, o meu estado de choque me prendeu, e fiquei paralisada acompanhando o resto.
Nathan deu dois tapinhas no peito de Max, dando certa empurrada, e o deixou para trás, vindo em minha direção, confuso, como se tivesse presenciado a morte de alguém.
Acabou tudo. O que nem começou direito. Isso era certo em minha cabeça. Eu podia ler Nathan todinho e ver que era o fim. Meus olhos encheram-se de lágrimas, antecipando o momento do adeus, do encerramento do sonho, quando ele, visivelmente reflexivo, voltou a se sentar do meu lado, sem falar nada. Nada. Como uma estátua.
— Max é um... — soltou, de repente, como se falasse para si mesmo, e sacudiu a cabeça. — Não sei nem o que dizer.
Mas eu sabia. Max, aquele filho da mãe, bêbado e sem noção, invejoso de uma figa, tinha nada que equilibrar bolas de sinuca e revelar que eu tinha feito pior com as suas. Estraga prazeres. Eu tinha certeza de que ele entregara tudinho para Nathan.
Era burrice chorar na frente de homem, especialmente sendo o homem de meu interesse, mas eu não era feita de pedra e me sentia humilhada. Controlar o choro foi a última coisa que tentei fazer. Tanta expectativa, tantos planos para aquela noite, tanto gloss para grudar na boca alheia, calcinha de strass, e tudo que eu havia conseguido era ver o meu fim.
— Ei. — Ele percebeu que lágrimas tímidas escorriam. — O que foi? Por que está chorando?
— Quero ir pra casa — respondi, depois de fungar.
— Ei. — Nathan me puxou para perto dele num abraço, mas eu me desvencilhei.
— Sério, quero ir pra casa. Depois dessa, não tem mais por que ficar... — Enxuguei as lágrimas. — É isso mesmo...
Com aquele "é isso mesmo..." achei que tivesse dado uma dica de que ele ouvira de Max uma verdade, mas Nathan continuou com cara de interrogação.
— Isso mesmo o quê? Vamos lá fora beber uma água? — Nathan coçou a cabeça, meio sem saber como agir, típico de homem quando vê mulher chorando.
— Não... Deixa.
O aglomerado em frente ao palco estava bem maior do que cinco minutos antes. O som ambiente havia cessado e a banda, liderada por Bret Michaels, com uma cabeleira loira de permanente, surgiu no palco. Os acordes de guitarra de Nothin' but a good time estouraram nos amplificadores logo em seguida, dando fim ao silêncio. Puxei Nathan pelo braço um pouco mais para perto e disse:
— Começou. Vai lá, vai lá... Eu vou pra casa.
— Não vou a lugar algum sem você — respondeu no meu ouvido, para que eu pudesse escutar, enquanto acariciava meus cabelos. — Ou você vai lá para frente comigo, ou vamos juntos para casa.
Nathan não parecia agir diferente comigo, pelo contrário, tratava-me ainda melhor. Mesmo com tudo que provavelmente ouvira de Max, não queria ficar longe de mim. Ou ele era tonto demais ou raro demais. E eu, independentemente da opção, constatei que tirara a sorte grande ao encontrar um homem que se ligava mais no que ele achava de mim do que na opinião os outros sobre a minha pessoa.
Nas minhas crenças limitantes, alguém como Nathan não existia. No entanto, para me provar o contrário, ele estava ali diante de mim, de pé, com as mãos estendidas, chamando-me para curtirmos o show.
Ressabiada, relutei em me levantar, mas então ele me pegou pelas duas mãos e me puxou para os seus braços, falando ao pé do ouvido:
— Eu esperei muito para ter essa oportunidade, então não vou deixar você ir embora tão facilmente. Tem um show muito bom rolando, estou na companhia de uma garota maravilhosa. Hoje eu não quero mais nada além de me divertir.
Abracei Nathan e recostei minha cabeça em seu ombro, olhando para o palco enquanto agradecia ao Universo por ter colocado aquele anjo em minha vida. E então as lágrimas voltaram a cair, mas desta vez de felicidade.
.......
[ Notas ]
Baoding balls - bolas de metal pequenas o suficiente para segurar em uma mão. Eles também são conhecidos como bolas de exercício chinesas. As bolas Baoding são usadas girando duas ou mais bolas repetidamente na mão. Destinado a melhorar a destreza dos dedos, relaxar a mão, ou ajudar na recuperação da força muscular e habilidades motoras após a cirurgia. (Wikipedia)
Orc - aparece nas línguas germânicas e nos contos de fantasia medieval como uma criatura deformada e forte, que combate contra as forças "do bem".
Three-some - atividade sexual que envolve três pessoas ao mesmo tempo. Também pode se referir a um triângulo amoroso, um relacionamento romântico de três vias.
Música citada:
"Nothin' but a good time" (POISON, 1991)
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