Cap 24. Só por hoje

— Sabe quem apareceu de novo lá no The Heat? Tem alguém muito empenhado em reencontrar outro certo alguém... — falou Mirana, toda felizinha, quando chegou em casa de madrugada depois do trabalho e me encontrou no sofá assistindo à TV.

Eu havia passado a tarde e a noite inteira depressiva, com a minha mão dolorida, chorando vez ou outra, ainda pensando em Taylor, em Emmeline e no meu fracasso generalizado. Então, apenas olhei para Mirana e não lhe respondi. Eu já sabia que ela se referia a Nathan.

— Não vai dizer nada? — insistiu, diante do meu silêncio.

— Que psicopata.

— Que psicopata lindo! Eu o deixaria me matar... de tanto amor. — Suspirou.

— Quando foi que você se tornou brega? — Joguei uma almofada em cima dela, que se aproximava do sofá. — Ah, esqueci que você escuta Alejandro Sanz e Ricky Martin.

Mirana riu e arremessou a almofada de volta na minha direção.

— Você não vai querer saber mais detalhes?

— Não, obrigada. — Louca para saber, mas fingi não querer. Saco preto, saco preto, saco preto. Nathan estava lá, amarradíssimo.

— Então tá. — Deu de ombros. — E como ficou sua mão durante o tempo em que estive fora? Essas primeiras horas devem ser bem ruins...

— Estou tomando o analgésico de quatro em quatro horas, só assim para aguentar a dor. Não sei onde eu estava com a cabeça para dar um soco no espelho... — Agora que eu tinha recuperado parte da minha sanidade, era fácil me questionar e apontar meu erro. Difícil era não pensar besteiras com a cabeça cheia de Taylor Hanson.

— Sabemos bem onde estava a sua cabeça, mas vamos voltar ao que interessa. — Ela acendeu o abajur na mesinha ao lado do sofá e sentou perto de mim. — Você vai me matar, mas falei com Nathan.

— Você o quê? — Por um segundo eu quis mesmo matá-la.

— Entenda. Ele estava lá no bar de novo, bebendo aquela aguinha sem graça de sempre, e eu sabia que ele estava esperando você aparecer, e você não ia aparecer... Ah, tadinho. Então eu me aproximei, perguntei se ele queria alguma coisa, e ele foi bem específico: "Sabe se a Penelope virá esta noite?"

Meu estômago deu sinal de nervosismo, junto com o meu intestino frágil. E, apesar de querer fazer picadinho de Mirana, minha curiosidade foi maior.

— E você disse o quê?

— Avisei que você não trabalhava mais lá. Falei a verdade. Então acho que agora ele vai desistir. Não era isso que você queria?

Não! Se eu estivesse seguindo de fato aquela coisa de colocar Nathan no saco do esquecimento, eu teria ficado feliz com a notícia, mas eu não estava. Não estava, mesmo. Eu não era forte para isso. Ele e Taylor continuavam sapateando na minha cara do lado de fora, como Gene Kelly sorridente cantando na chuva. Ora um, ora outro. Se eu ficara triste com os últimos acontecimentos, certa de que Taylor nunca mais seria meu, saber que Nathan também desistiria de mim, colocou-me para baixo de vez.

— Mentira, sua boba! — Riu. — Você precisava ver a sua cara de decepção. Falei para ele que você não trabalhava mais lá, e o ursinho perguntou se eu sabia onde você estava trabalhando.

— E você disse o quê? — Eu me ajeitei, tensa, debruçando-me sobre a almofada em meu colo.

— Falei que você não estava mais no ramo, mas que ele poderia encontrá-la pelo celular. Dei o seu número.

Se eu fosse um cachorro, minhas orelhas estariam em pé.

— Ele pediu o meu número ou você que se precipitou?

— Não faz diferença. — Mirana prendeu o riso, mas dei-lhe uma encarada, e ela soltou em seguida: — Você venceu! Peguei um guardanapo e uma caneta no bar, escrevi lá a porcaria do seu número e dei na mão dele. Não comece a ficar paranoica com isso. Ele ia pedir, eu sei que ia; só me antecipei.

— Se antecipou, sei... — Se minha mão direita não estivesse enfaixada e inútil, eu enforcaria Mirana naquele instante.

— Eu teria que ser muito pouco sua amiga para deixar passar a chance de um cara como aquele entrar em contato com você. Ainda mais agora que você está precisando de companhia para sair, espairecer, se divertir...

— E o que ele fez depois que você entregou o meu telefone?

— Me agradeceu, guardou o papel dobrado no bolso, deu um último gole no copo d'água, deixou uma gorjeta no bar e foi embora do clube. Está suficientemente detalhado?

Depois de toda aquela explicação sobre o ocorrido, tive certeza de que Mirana não estava blefando. Ela era louca a ponto de me aprontar uma dessas, com certeza. Dar o meu número para um desconhecido, o que ela sabia, e muito bem, que era uma das coisas que strippers jamais deveriam fazer.

Passada a tensão inicial, comecei a ficar animada com a possibilidade de receber uma ligação de Nathan. Seria interessante. É, bem interessante, se ele me chamasse para sair e eu pudesse usá-lo para esquecer Taylor. Afinal, era isso que eu estava, efetivamente, tentando fazer, até Nathan se pirulitar do The Heat na noite do Valentine's.

— Amanhã, no primeiro horário, você pode ir comigo comprar um celular? — perguntei, mais do que arrependida de ter arremessado o meu aparelho no armário.

Mirana começou a rir, alto desta vez.

— Agora se animou para sair de casa? Ótimo. Porque se um chá de ânimo como Nathan estivesse para me ligar, eu também ficaria assim. Claro que vou com você, para que servem as amigas?

— Além de passar o meu número, sem autorização, para um possível psicopata? — Eu ri e dei outra almofadada nela.

*****

— Como se sente dona de um celular de última geração? — perguntou Mirana quando saímos da loja com o aparelho todo configurado.

— Quinhentos dólares mais pobre.

— Pelo menos agora você vai poder ser contatada pelo gostoso do Nathan. Ai, ui, ai, ui. — A doida simulou uns gemidos, chamando atenção para a gente na calçada.

— Mirana, ele não é assim tão gostoso. É bonitinho, mas está fora de forma.

— Aquelas gordurinhas você tira com sexo. Sexo, minha amiga. Coloque-o para queimar.

— Eu não estou pensando nisso. Você é muito afobada. Vamos com calma, ele ainda nem ligou.

— Ainda. Ainda você não está pensando em sexo, e ainda ele não ligou. Isso aí é questão de tempo. E pouco tempo. Você não me engana; naquele momentinho a sós no quarto VIP você não perdeu tempo e sapecou o cara.

— Sapequei? Que termo é esse? Só você...

— Sapecou bonito. — Ela deu um pulinho enquanto caminhava e virou-se de frente para mim, fazendo-me parar. — Quer aproveitar e ir daqui direto à Beverly Angels comprar lingeries novas? Você vai precisar de algo bem especial para esse encontro.

— Eu não vou usar com ele calcinhas desenhadas pela Gigi. Me poupe. — Segui andando. — E, olhe, eu já sou uma pessoa ansiosa. Então que tal você colaborar para me manter no presente? Eu não quero ficar pensando em coisas que talvez não cheguem a acontecer. Antes de rolar qualquer intimidade com o Nathan, ele precisa me explicar algumas coisinhas.

— Que coisinhas?

— Se ele está ou não comprometido, ora. Não pense que me esqueci disso. Lá no The Heat eu o "sapequei", ignorando a razão, mas agora não vou ceder. E ele tem que me dizer com ordem de quem atendeu uma chamada feita para o meu celular.

— Nem pense em colocar o cara contra a parede, ouviu? Vai assustá-lo de primeira.

— Ou fica tudo às claras, ou não tem conversa.

— Então torça para ele não querer deixar às claras o fato de você ter chacoalhado o saco do amigo dele.

Congelei entre os transeuntes. Meu rápido envolvimento despudorado com Max era uma granada lançada, mas que eu não queria que explodisse. Mirana poderia ter me poupado de relembrar esse fato nojento.

— Ei. Por que parou? — Ela me puxou pela mão esquerda, como se não tivesse falado nada demais.

Mantive-me onde havia parado, agora sentindo muito mais frio do que o que fazia naquela manhã. E, com o semblante preocupado, pensei alto:

— Acho que se Nathan soubesse disso, não teria voltado a me procurar...

— Ou teria, né? — Mirana deu um empurrãozinho em meu ombro. — Vai saber que tipo de coisa ele gosta. Vai que ele é voyeur, frequenta casas de swing, participa de bacanais...

— Além de praticar bondage. Como poderíamos esquecer? — Acabei relaxando e entrando na zoação.

— Verdade, ainda tem isso. É muito fetiche para um homem só. Aiiiii. E você vai experimentar de tudo com esse homem... Que inveja!

— Mirana! Pare com isso! — A censura não foi por ela invejar meu possível envolvimento sexual com Nathan, mas pela dramaticidade exagerada ao falar sobre isso na frente dos pedestres. — Venha. Vamos até a Gymx. — Puxei-a pelo braço na direção da academia.

— Tem certeza de que você está mesmo me propondo a irmos à academia?

— Sim, estou, mas não para malhar, apenas para eu dar um jeito nesse cabelo e fazer as unhas... Sei que é caro, mas estou precisando elevar um pouquinho mais o meu humor. Aquele centro de beleza deve ser capaz de me proporcionar o tipo de satisfação que preciso.

Nathan, ao insistir em me procurar no clube, já tinha colaborado com o aumento de minha autoestima, mas agora eu tinha que fazer a minha parte.

Eu me sentia tão mais disposta em relação ao dia anterior, que sequer me reconhecia. Em todas as outras vezes que ficara triste por causa de Taylor, havia levado bem mais tempo para me recuperar. Muito mais tempo para sair da cama, na verdade. Ainda não dava para dizer que eu estava recuperada, mas a expectativa de receber uma ligação de Nathan e, quem sabe, sair com ele, tinha me catapultado da letargia para a vida com certa facilidade.

Ruim era ter certeza de que eu só estava melhorzinha devido à possibilidade de me encontrar com Nathan. Era bem vergonhoso saber que minha felicidade dependia do envolvimento com um macho. Mas já que dependia, que pelo menos eu estivesse bonita para desfrutar do prazer.

— Tudo bem, eu pago. Fica como presente, para comemorar essa nova fase. Você disse que estaria mudada e resolvida em uma semana, e eu não acreditei. Mas se no dia seguinte você já está assim mais animadinha, imagine no final de sete dias. Agora só falta arrumar um emprego.

— Esse é o próximo passo.

*****

Assim que chegamos à Gymx, Mirana resolveu aproveitar que vestia legging e tênis para se exercitar enquanto durasse o tempo dos meus tratamentos no salão.

— Me procure na sala de bike quando acabar de se embelezar. Capriche! — Ela me abraçou e, ao se afastar, jogou um beijo, visivelmente satisfeita por eu estar ali.

A área do centro de beleza, Gymx SPA, estava com a reforma finalizada. Se parecia sensacional antes, faltando retoques e equipamentos, agora eu não conseguia encontrar adjetivos para qualificá-la.

A entrada dava em um corredor comprido e largo, com o chão todo coberto de pedras. Estreitos canteiros de gramas naturais enfeitavam as laterais da passagem, e as paredes revestidas de bambu de verdade davam um toque oriental. Tudo isso e a iluminação fraca e indireta, com luzinhas embutidas no teto rebaixado, parecia ter sido colocado estrategicamente para começar o relaxamento desde a primeira pisada naquela área. Os sons de pássaros e ondas do mar se alternavam, completando a atmosfera zen.

Se eu pudesse passar 24 horas do meu dia ali dentro, provavelmente seria capaz de esquecer completamente os problemas do mundo lá fora. O que não seria possível naquele exato momento.

Lola vinha pelo corredor na direção contrária, com o cabelo escovado e as mãos esticadas com os dedos abertos, provavelmente para não borrar as unhas de porcelana pintadas de vermelho.

— Penny Riot, querida! — Ela parou para me cumprimentar, no meio do corredor. — Que prazer encontrá-la. O que foi isso em sua mão? Andou brigando?

— Um acidente doméstico — respondi, seca.

— Veio se embelezar para o trabalho? Já arrumou outro clube?

Eu seria uma espécie de aberração se tivesse conseguido outro emprego em menos de dois dias. Ainda mais tendo passado esse tempo sofrendo com a ressaca da droga e com o resultado da ligação para Taylor.

— Ainda estou procurando.

— Pensou na minha proposta? Não é tão ruim assim... Eu diria até que é muito boa. Veja só; daqui a duas horas tenho um servicinho de dois mil dólares.

Minha mão chegou a coçar.

— Dois mil dólares, limpos, na minha bolsa, depois de duas horas — reforçou Lola. — Onde mais você acha que conseguiria tanto, assim tão rapidamente?

Era realmente muito tentador me bandear para o lado dela, principalmente quando eu pensava no quanto eu ganharia por mês se em míseras duas horas eu poderia ganhar dois mil. Mas, como certamente por trás dessa abundância toda deveria ter um preço alto a se pagar, preferi me desvencilhar da vagaba novamente.

— Eu pretendo, mesmo, arrumar um emprego normal. Estou tentando colocar minha vida nos eixos, portanto largar o trabalho como stripper está na minha lista de prioridades.

— Deixe disso, Riot. Pense no carro, nas roupas de marca, no apartamento que você não vai mais precisar dividir... É a sua independência em jogo. Você quer um empreguinho miserável que apenas permitirá que você pague as contas? Ou você quer poder ter tudo que imaginou ter?

Mas que diabo de garota!

— Olhe, eu tenho hora marcada, preciso ir. — Eu não tinha, tentaria um encaixe, mas queria me livrar dela.

— Fique com o meu número. Anote aí.

Tirei o celular da bolsa e disquei os números conforme ela foi falando, depois fiz a ligação para salvar o seu contato e ela ficar com o meu.

— Ótimo — disse Lola. — Se mudar de ideia, é só me dar uma ligada. Boa sorte na busca!

.......

[ Notas ]

Voyeur - indivíduo que obtém prazer sexual através da observação de pessoas nuas ou praticando sexo.

Swing - troca de casais com envolvimento sexual.

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