Cap 121. Voando alto

A vida de recém-casada foi repleta de bajulação. Meu marido perfeito me acordava todas as manhãs com o café servido na varanda de nosso quarto, como se mesmo um dia atribulado pela frente não fosse uma desculpa para perder o romantismo. Quando dava tempo, nós nos amávamos no sofá redondo, sob o sol, seguindo para o banho logo depois. O tédio ficava bem longe de nós dois e eu não tinha do que reclamar, nem mesmo da presença de meus sogros no convívio diário.

Paralelamente à vida conjugal, minha vida profissional ia de vento em popa. Nancy comandava tudo, sem autoritarismo, e sempre conversávamos como grandes amigas para tomar qualquer decisão.

As fotos para os produtos e propagandas da Angelical Touch foram tiradas uma semana após o meu casamento, e a minha felicidade transferiu-se com muita facilidade para o trabalho, a cada expressão leve — como pedia a linha — e a cada sorriso espontâneo. Os elogios vieram de todos os envolvidos no processo; maquiadoras, figurinistas, assistentes, fotógrafos e, o mais importante, da Gigi. A segunda etapa, algumas semanas após as fotos, foi a minha participação na gravação do comercial para a TV, que iria ao ar no mês de dezembro, como estratégia de vendas da Beverly Angels para o Natal. Não poderia dizer que passei por esse período livre de crises de ansiedade, pois a pressão era muita. O nervosismo sempre batia diante de novos desafios, mas com a ajuda da terapia, que eu continuava frequentando sem falta, atividades físicas, dieta saudável, exercícios de relaxamento e o apoio do meu amor, o fardo se tornava mais leve.

No início do último mês daquele ano de 2003, o grande momento chegou. Como de costume, Gigi preparara uma festa para comemorar o lançamento de sua nova linha. Era a noite de apresentação da Angelical Touch e a minha entrada oficial para o time de modelos da Beverly Angels. Todos os olhares estariam voltados para mim.

Passei horas em um quarto separado na mansão dos Smith arrumando-me para o evento. E, sem exagero, devia ter umas dez pessoas encarregadas do meu cabelo, da maquiagem e do figurino. O vestido longo, de meia manga e cheio de brilhos, era azul turquesa, combinando com a cor da identidade visual dos novos produtos, em embalagens de um turquesa mais claro e tons de verde água. O modelito comportado na frente seria quase angelical, se não fosse o decote até o cóccix na parte de trás.

— Hoje você é a estrela — disse Nancy, quando deram o embelezamento como finalizado. — Olhe só quanto deslumbre! Brilhe, minha querida, se jogue para o mundo, pois aposto que em um ano, no máximo, você estará do lado das outras, como uma Angel da BV.

— Vamos com calma, senhora Nancy, esse ainda é o meu primeiro passo.

— Sim, o primeiro passo, e dará mais alguns, contudo eu tenho certeza de que logo, logo, você não estará mais com os pés no chão, mas voando alto por aí!

*****

A entrada na mansão de Gigi foi um pouco tumultuada e diferente do que acontecera em outros eventos ali. Não seguimos para a área da festa sem antes pararmos em frente a um backdoor com os logotipos da Beverly Angels e da Angelical Touch repetindo-se no fundo. Flashes e pedidos de poses diferentes pareciam infindáveis para mim e Nathan. Depois assumi a posição sozinha, com o maxilar doendo de tanto sorrir. "Isabelle, Isabelle, só mais uma", os fotógrafos pediam.

— Não esperava por isso. — Voltei a dar os braços a Nathan quando terminou a sessão de fotos. — Das outras vezes passamos direto por aqui.

— Das outras vezes, minha princesa não era a modelo de um lançamento importante. Será sempre assim agora, e até mais agitado. — Nathan beijou-me nos lábios, tomando cuidado para não borrar o meu batom.

Meu rosto impresso em cartazes e totens do meu corpo inteiro, em tamanho real, receberam-nos no caminho até a piscina. A passagem repleta de Isabelles sorridentes aumentou a noção de minha importância naquela noite e, de tabela, gelou minha pele, começando pela nuca. O que imaginei nas semanas que antecederam o evento nem de perto alcançava o tamanho da recepção.

— Acho que hoje não vamos conseguir fugir para o lavabo — sussurrei para Nathan, olhando de rabo de olho para Nancy e Simon, que nos acompanhavam ao lado. Lembrei a ele que o problema não era somente a presença de seus pais: — Tem muita gente, e o foco hoje sou eu.

— Deixe a festa rolar... — Nathan sorriu para mim e sacudiu a cabeça, dando a entender que escaparíamos de qualquer jeito para a nossa rapidinha.

Apertei a mão que segurava e, sentindo um friozinho na barriga, cantarolei Send me an angel, hit anos 1980 de um grupo australiano. A música, que eu sabia de cor por ser trilha sonora da campanha, animava os convidados. Modelos e artistas conversavam e dançavam com seus drinques coloridos no jardim dos fundos. A luz azul da piscina deixava a água ainda mais bonita, refletindo o rosa e o amarelo do pisca-pisca da pista de dança.

Gigi não demorou a me ver acompanhada da família Smith, vindo nos cumprimentar em um tubinho longo, de seda, que marcava seus ossos da bacia. O rosa pálido do tecido combinava com o tom de seu batom, o mesmo que eu escolhera para completar meu visual.

Rosé Wings. — Ela levou o indicador aos lábios, orgulhosa de um dos batons da Angelical Touch. — Isabelle, você está demais! Olhe só tudo isso. Arrasou!

A estilista cumprimentou Nathan, Nancy e Simon e avisou que separara um lugar para a gente ficar durante a festa. O conjunto de sofás, na área coberta, era o mesmo que eu e Nathan ocupáramos uma vez, debaixo do letreiro de neon com a frase If you do not love me I shall not be loved.

— Vou roubar a Isabelle de vocês um pouquinho. Você, venha comigo. — Simpática, Gigi estendeu a mão para mim. — Quero apresentar minha modelo para algumas pessoas. Prometo que não vamos demorar, com licença.

Depois de um beijo estalado em meus lábios, Nathan sentou-se com os pais na área reservada. Sem graça com a abordagem inesperada, segui com Gigi para o burburinho perto do bar. Após alguns contatos com modelos e outros nomes da moda, ela me levou para o seu escritório, a fim de conversarmos a sós.

— Menos barulho — comentou, abafando o som da música e das conversas ao fechar a porta atrás de mim. — Serei rápida, não quero que deixe de aproveitar a festa. Sente-se.

— Aconteceu algum problema? — O alerta para situações tensas soou. Se tudo seguia bem em minha vida, era melhor desconfiar. Por mais que eu estivesse feliz, sempre esperava a hora de algo dar errado.

Puxei a cadeira acolchoada e me sentei enquanto a estilista se ajeitava atrás da mesa e tirava uma pasta da gaveta.

— Nenhum problema. Pelo contrário; satisfação atrás de satisfação. Amanhã estreia nas emissoras de TV o nosso comercial, e, veja, antes de atingir o grande público, a pré-venda dos produtos Angelical Touch em nossas lojas já alcançou um número considerável. — Ela esticou um relatório para mim, apontando um valor grandinho destacado com marca-texto.

— Que ótimo! — Voltei a respirar normalmente, aliviada de saber que Gigi estava contente com os resultados.

— E isso é só o começo. — Bebeu um gole do champanhe que ela havia levado para o escritório. A taça ficou quase vazia sobre a mesa. — Como você sabe, esse ano inaugurei uma grande loja na Rodeo Drive, e agora em novembro inaugurei outra na Times Square. Faremos eventos de divulgação dos novos produtos nessas duas lojas, nas duas semanas anteriores ao Natal. Vou comunicar à Nancy. Quero que separe sua agenda para o dia 13, aqui em Beverly Hills, e no próximo sábado, dia 20, em Nova York. Serão dois coquetéis de lançamento da Angelical Touch abertos ao público. Algumas das Angels, pela popularidade e capacidade de atrair fãs, estarão presentes para sessões de autógrafos, mas claro, sua presença é essencial.

— Minha primeira oportunidade ao lado das Angels, isso me fará sentir o gostinho de ser uma delas. — Sorri, mal cabendo em mim de tanta satisfação.

— Quando sua hora chegar, já estará mais do que acostumada ao destaque que as tops recebem. — Ela sorriu de volta para mim e bebeu o restinho do champanhe. — Agora vamos, em breve apresentaremos o comercial no telão e faremos nosso discurso.

Junto à pista de dança havia um pequeno palco, de onde Gigi falou sobre o crescimento da marca durante o ano, sobre suas expectativas para o novo lançamento e agradeceu aos convidados pela presença. Foi dali de cima que fui oficialmente apresentada a todos como nova modelo da Beverly Angels, a maior aposta para o próximo ano. Foi dali de cima que acenei e agradeci, especialmente às minhas novas famílias, a da BV, e a dos Smiths, que olhavam para mim com admiração. Nathan enviou-me um beijo de onde estava e mandei outro de volta, acenando para os presentes quando, após os trinta segundos do comercial, aplausos encerraram aquele momento.

— Minha linda, você foi ótima. — Nathan me abraçou quando desci do palco. — Se estava nervosa, não deixou transparecer.

— Como não? Achei que veria tudo preto quando a plateia, sem mais nem menos, começou a girar. E tenho certeza de que só para mim pareciam estar em um carrossel. Algumas situações ainda são um desafio.

— Mas você as enfrenta, e com muita bravura. — Ele me abraçou mais forte. — Sinto muito orgulho da minha princesa. Situações difíceis sempre existirão, mas você não se deixará engolir por elas.

— Nem você, príncipe. Somos dois vencedores.

Um garçom se aproximou, oferecendo-nos champanhe, mas recusamos gentilmente. E era sobre isso a que me referira, sobre a força de vontade de Nathan, ao fato de ele permanecer sóbrio desde que reiniciara o tratamento. Meu amor passara por diversas situações que o poderiam fazer cair em tentação; o nosso casamento, sobre o qual, ao ser consultado, ele optara por servir álcool aos convidados; a lua de mel em Las Vegas, onde viu pessoas consumindo bebidas alcóolicas até nas ruas; e festas e mais festas regadas a drinques, como aquela em que estávamos.

— Somos dois vencedores, e se, porventura, um dia fraquejarmos, sabemos que temos o apoio incondicional um do outro.

— Todo. — Colei os lábios nos de Nathan, sem me preocupar com o batom, sentindo nosso amor, paixão e desejo a cada esbarrar de nossas línguas. — Acho que agora dá para escaparmos... — Murmurei com meu rosto febril colado ao dele, referindo-me à fuga para o local onde sempre transávamos em festas na casa da Gigi. — Seus pais estão dançando, e, se disfarçarmos, ninguém notará nosso sumiço.

Nathan, com os dedos na pele exposta de minha cintura, puxou-me ao encontro de seu corpo, deixando-me sentir a ereção que se formava.

— Você está deliciosa nesse vestido. — Correu o indicador um pouco mais abaixo, pelo meu cóccix, invadindo o decote profundo. — Azul lhe cai muito bem.

— E a calcinha é da mesma cor... — Enfiei a língua em sua boca, girando-a lentamente enquanto seu pau crescia.

Nathan interrompeu o beijo cinematográfico com um estalinho e manteve seus lábios úmidos apenas tangenciando os meus.

— Não parece que está usando lingerie — sussurrou. Seu indicador procurou a parte de cima da calcinha, deslizando de um lado para o outro sob o tecido do vestido, cada vez mais para baixo. — Mas se diz que a cor é azul, eu acredito. Estamos combinando. A minha também é...

— Azul?

Mordisquei seu lábio inferior, puxando-o para mim. Nathan gemeu, finalmente enroscando o dedo na alça superior do meu fio-dental.

— Pequenininha, Isabelle? Que maldade...

— Uhum. — Sorri com os lábios colados aos de Nathan e, de olhos fechados, cheia de tesão, aprofundei nosso beijo. — Minúscula. Não vejo a hora de colocar a renda para o lado e me sentar no seu pau.

Um último beijo e, com Nathan abraçado a mim, por trás, para disfarçar sua excitação, fomos dar asas à nossa fantasia.

*****

Carregada de trabalho e com o natural movimento acelerado de fim de ano, cheio de preparativos para o Natal e Ano-Novo, os dias passaram rápido. O primeiro coquetel da Angelical Touch na Rodeo Drive foi um evento maravilhoso, com presença de amigos — Mirana superfeliz por estar noiva de Daniel —, de familiares e... fãs. Eu mal conseguia acreditar, mas, era verdade, mesmo com o pouco tempo de divulgação, havia meninas presentes apenas para me ver. Eu duvidei quando Gigi me falara sobre isto ao conversarmos à respeito de minha contratação, mas começara, de fato, a virar um espelho para as adolescentes. Esperava poder continuar honrando o sopro de angelitude e a aureola que haviam colocado sobre a minha cabeça.

O sucesso do primeiro evento deixou-me ainda mais animada para o segundo, especialmente porque o de Nova York seria maior. Além dos convites entregues antecipadamente, senhas seriam distribuídas durante o dia, em filas formadas na calçada em frente à loja. O último acontecimento do ano contaria com um desfile das Angels em lingeries natalinas, e eu faria uma entrada especial logo depois. Segundo Gigi, o grand finale serviria para promover a linha recém-lançada e testar o meu potencial em desfiles.

Era muito importante para mim que meu marido estivesse presente nesse desfile, no último coquetel do ano, e eu contava com isso, mas, cinco dias antes, aconteceu o que ninguém esperava. Ou esperava. Max acabou dando fim à sua vida, e Nathan, como seu melhor amigo e sentindo-se fracassado por, apesar de todos os esforços, não o ter conseguido ajudar, avisou que ficaria em Los Angeles para participar do funeral — marcado para o mesmo dia do evento da BV — e prestar solidariedade à família.

— É o mínimo que posso fazer. Nós tínhamos uma ligação forte e... poderia ter sido eu. — Aos prantos, deitado com a cabeça em meu colo, ele justificou a sua escolha. — No dia eu posso tentar dar um jeito de sair direto do enterro para o aeroporto, talvez dê tempo de chegar para o desfile.

— Não, meu amor. Está tudo bem. Ainda que dê tempo, você não terá cabeça. É um evento importante, minha estreia na passarela, mas não posso pensar somente em mim. Viva o seu luto. — Acariciei seus cabelos e limpei as lágrimas que escorriam pelo rosto sardento. — Irei acompanhada de sua mãe, e a Mina disse que também estará presente. Não se preocupe. Meu coração é que ficará apertadinho por não poder permanecer ao seu lado nesta hora.

Ajeitei-me na cama, beijei seus lábios úmidos e disse o quanto o amava. Os soluços e fungadas do choro de Nathan ocuparam o quarto. E porque eu não era nenhuma insensível, também tocada pela tragédia, soltei as lágrimas que prendera até então.

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[ Nota ]

Música citada:
"Send me an angel" (REAL LIFE, 1983)

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