Cap 1. Blackout
Quando abri os olhos e me dei conta de onde estava, a única vontade que tinha era sair dali. Meu corpo quase nu em contato com o chão gelado do palco me fazia sentir vulnerável, e os vários rostos que me encaravam de cima, formando um círculo abafado ao meu redor, tornavam o ambiente assustador e claustrofóbico.
— O que houve? — perguntei ainda atordoada, levando uma das mãos espalmada à frente dos olhos, para tentar identificar as pessoas contra a luz estroboscópica.
Pela expressão do gerente e das outras meninas, constatei que o som da minha voz lhes trouxera alívio. Ao menos eu não estava morta. Tudo que eles não precisavam era de um óbito para arruinar a reputação do estabelecimento.
— Você apagou durante a dança — falou o homem que media a minha pulsação, agachado ao meu lado. — Você usou drogas?
Mas era claro que não!
Muitas profissionais naquele meio usavam os mais variados tipos de merda, de naturais a sintéticas, era verdade. Fumar, cheirar ou injetar era basicamente um padrão para aguentar aquele estilo de vida, então eu entendi a pergunta do sujeito. Mas eu estava limpa. Óbvio que sim.
Eu não me encontrava na melhor fase da minha vida, aliás, estava muito perto do pior momento, o que poderia me levar direto para o buraco, mas tinha convivido o suficiente com uma viciada e um alcóolatra para não desejar aquilo para mim. Eu jamais me encheria de porcarias para acabar com o meu dinheiro, a minha beleza e saúde. Esta última, em particular, já andava bem ruim, sem que eu precisasse me esforçar.
O som no ambiente parecia três vezes mais alto, mas certamente tocava no mesmo volume anterior ao blackout. Apesar de continuar um pouco desorientada, reconheci o final de She drives me crazy, do Fine Young Cannibals, a segunda música da minha série. Isso significava que eu ficara desacordada por no máximo o quê? Uns... cinco minutos?
O chão pulsava com a batida da música, emitindo vibrações desconfortáveis sob a minha pele. E a angústia, minha fiel companheira, montada sobre mim, fazia a pressão de uma tonelada sobre o meu peito.
Eu me concentrei no meu diafragma, subindo e descendo num ritmo frenético, e definitivamente aquilo não estava normal. Precisei fazer um esforço enorme para tentar controlar a minha respiração, e a sensação de que eu ficaria sem ar a qualquer momento se tornou mais do que presente.
No meio daquela confusão, alguém apareceu com um aparelho para aferir minha pressão e um estetoscópio, passando para o rapaz que me examinava. E eu só fiquei observando a movimentação à minha volta, imóvel, querendo me livrar logo daquilo.
— Taquicardia. Pressão alta — ele falou para outra pessoa após terminar. — Melhor chamar uma ambulância.
— Eu não quero uma ambulância — protestei, ainda com a voz fraca, tentando fazer força para me levantar.
— Alguém pode então trazer um copo d'água? — pediu o rapaz, mais incisivo, apressando os curiosos.
Ergueram o meu tronco para que eu ficasse sentada e puxei o ar com dificuldade, vendo tudo rodar enquanto me abanavam com uns folhetos promocionais com a minha foto estampada. Como era ruim ficar exposta. Cruzei os dois braços segurando os meus ombros para tapar os seios e abaixei a cabeça, esforçando-me para não chorar. Enquanto eu reprimia as lágrimas, alguém chegou do bar com a água mineral, impedindo que eu começasse um círculo de pensamentos destrutivos.
— Você precisa beber muita água e colocar os pés para cima — disse o rapaz que cuidava de mim, enquanto girava a tampa da garrafa. — Aconselho ficar de repouso nas próximas horas e acompanhar essa frequência cardíaca. Você tem certeza de que não tomou nada?
Ele continuava insistindo naquela história de drogas. Não era nada daquilo.
— Eu já disse que não.
— Álcool?
Havia consumido álcool, sim, porque eu precisava de coragem para tirar a roupa na frente de estranhos. Ou ele achava que era supertranquilo fazer aquilo a seco?
— Um pouco de vodca — admiti. — Mas nada demais.
Com o fim do atendimento, o burburinho à minha volta logo se dispersou, e eu deixei de ser o centro das atenções. Ótimo, pois era para eu ter atraído os holofotes pela minha apresentação e não por causa de uma síncope.
Dois seguranças me colocaram de pé com cuidado, e depois de ver tudo preto por uma fração de segundo, olhei atentamente para as laterais do suntuoso salão, examinando o bar e os sofás, para ver se encontrava o motivo do meu desmaio. A busca, porém, foi em vão.
Antes que eu pudesse me questionar sobre uma possível alucinação, Mirana, quase tão desnuda quanto eu, apareceu do meu lado segurando o meu sutiã e ofereceu o seu ombro para que eu me escorasse até os bastidores.
— O que foi que aconteceu, Isabelle? — ela perguntou com seu jeito afetado e seu sotaque cubano assim que pisamos no vestiário. — Foi demais para você? Tudo bem se não conseguir, nem todas conseguem.
— Não... — Eu balancei a cabeça enquanto me sentava no banco perto do meu escaninho, ainda abalada com tudo. — Foi tão louco...
— Sim, foi. Você tirou o sutiã e apagou de repente. Menina, você caiu desse salto 15, some isso aí à sua altura. Se tivesse batido com a cabeça faria um estrago.
Não teria sido nada mal, talvez assim as coisas voltassem para o lugar.
— Eu estou enlouquecendo, sim... — murmurei, enquanto meu ouvido zumbia, e me dei conta de que havia expressado em voz alta parte do meu pensamento.
Mirana seguiu ignorando a minha colocação supostamente aleatória e voltou a atenção para a minha condição física.
— Você acabou de despencar no palco. Não é melhor a gente checar se não torceu ou quebrou alguma coisa? Eu posso chamar um táxi, vou com você até um hospital.
— Não, eu já estou melhor. Estou inteira. Vou colocar a minha roupa e vamos para casa. Só preciso descansar.
Mirana tirou do escaninho a minha bolsa com as roupas, colocando-a do meu lado no banco, e depois pegou a dela, deixando-a junto à minha. Guardei o par de meias 7/8 que tinha acabado de tirar e peguei um conjunto esportivo de plush verde-água que havia comprado recentemente em uma loja de departamento.
— Essa vida não é fácil, eu avisei para você... — disse ela, colocando um vestido larguinho por cima do seu traje de trabalho.
Mirana me alertara sobre todas as dificuldades que eu enfrentaria, mas também tinha sido ela a me incentivar a sair de trás do balcão do bar, onde eu havia trabalhado por quase um ano, para assumir um lugar no palco, onde eu conseguiria gorjetas muito mais generosas e trabalharia muito menos horas.
— E quando foi que eu afirmei o contrário? — respondi, depois de pensar quantas vezes eu havia hesitado em aceitar a proposta. — Mas a ideia é ganhar dinheiro. E eu vou ganhar.
— Se você quer mesmo faturar mais de cinco mil por mês, primeiro vai ter que conseguir se manter em pé no palco.
— Eu estava indo bem, não estava? — perguntei enquanto calçava o tênis.
— Muito bem... — Mirana parou para pensar. — Para a primeira vez.
O que eu gostava nela era a sinceridade.
— Vamos logo para casa, ficar aqui não vai ajudar em nada — determinei.
*****
Mirana e eu morávamos juntas em um apartamento em Westwood, a uns 20 minutos de carro do The Heat, o clube onde trabalhávamos em Bervely Hills. O nosso prédio ficava bem perto do campus da UCLA, e todos os moradores, exceto nós duas, eram universitários. Apesar de as acomodações serem simples — com uma cozinha pequena aberta para a sala, um quarto e um banheiro —, ainda assim, o ambiente era bastante decente.
Chegamos a casa à uma hora da madrugada, bem antes do que normalmente chegávamos, mas a exaustão era semelhante a de uma madrugada inteira trabalhada. Larguei minha bolsa na sala, junto com os cílios postiços que havia arrancado no caminho, e fui direto para o banheiro.
Enquanto a banheira enchia lentamente, formando bolhas com o sabão líquido que havia jogado, eu me despia sem jeito no pequeno espaço entre a bancada da pia e a porta, revelando toda vergonha até então escondida debaixo do conjunto de plush.
É, Isabelle, onde você se meteu?
Contorci o meu tronco para olhar minha bunda naquela calcinha fio-dental rosa-choque metalizada e foi então que vi uma enorme mancha vermelha na lateral da nádega direita. Era óbvio que eu não passaria ilesa de um tombo daqueles. Depois de tocar a região com cuidado, para me certificar de que, sim, estava dolorido, abaixei devagar e terminei de retirar a peça íntima.
Completamente nua, lavei o rosto para remover o excesso da maquiagem e enrolei meus cabelos num coque no alto da cabeça, prendendo todo o volume sem me preocupar se os cachos se desfariam ou não. Ainda na bancada da pia, acendi duas velas aromáticas que geralmente só serviam de enfeite e apaguei as luzes, preparando o ambiente para relaxar.
Em seguida, fui até a banheira, girei a torneira para interromper o fluxo de água e me ajeitei no meio da espuma, apoiando os dois braços nas bordas. Então, ali deitada, de olhos fechados e em total silêncio, ficou claro perceber que, apesar de agora respirar normalmente, meu coração continuava acelerado. Quando é que o desconforto passaria? Fazia uma hora desde o meu desmaio, e meu corpo estava em repouso, então não havia motivo para aquilo. Pelo menos era o que eu achava.
Foi a primeira vez que eu fiquei realmente preocupada com a minha situação, mas imaginei que se me mantivesse ali parada, quietinha na água quente, em breve voltaria ao normal. Tinha que voltar.
Só que nada, nada naquela noite trágica, poderia me trazer de volta à normalidade. Por mais que eu estivesse quieta, a minha mente vagava agitada, com o ritmo dos meus pensamentos seguindo o do coração; a mil por hora — ou a mais de cem batimentos por minuto. Minha cabeça dava voltas e mais voltas, e eu não conseguia parar de pensar em como e por que tudo tinha dado errado naquela apresentação.
Pisei no palco confiante, o passo firme coincidindo com a primeira batida grave da música. Não tinha mais volta. A minha estreia como dançarina exótica acabara de começar.
Iniciei de costas para o público, levantando um pouco do cabelo com as duas mãos, deixando uma parte do meu pescoço e ombros à mostra enquanto descia até o chão, rebolando com as pernas abertas, quase encostando as nádegas no assoalho de madeira. Empinei o quadril de maneira sensual e depois fiquei de quatro, virando em seguida para encarar a plateia, engatinhando lentamente em direção ao centro do palco. Levantei-me com o corpo rente ao poste, sentindo o frio do metal arrepiar a minha pele, e em seguida girei com uma das mãos agarrada a ele.
Eu mantinha os meus lábios entreabertos, simulando uma expressão de prazer enquanto encarava os clientes, coincidindo com um dos versos da música L'amour toujours, do Gigi D'Agostino, que tinha sido sucesso dois anos antes. I still believe in your eyes. I just don't care what you've done in your life. A melodia e as palavras ressoando a minha realidade. "Eu continuo acreditando em seus olhos, eu apenas não me importo com o que você fez na sua vida".
Mentalmente eu cantava junto, pensando...
Pensando que devia me concentrar e seguir a coreografia que havia ensaiado durante semanas, abaixei perto de um moreno muito bonito e juntei os meus seios com as mãos, insinuando-me para ele. Mordi o meu lábio inferior de leve e pisquei como se estivesse convidando-o para o sexo, e aquele gesto garantiu a minha primeira gorjeta da noite.
O incentivo verde com o rosto de Abraham Lincoln me fez ficar cada vez mais solta, e dali para frente todos os passos marcados foram trocados pelo instinto.
Every day and every night. I always dream that you are by my side. A segunda parte da música começou um pouco depois, mais intensa e sensual, e ainda agachada de frente para o moreno gato, aproveitei a empolgação e arranquei o meu sutiã, disposta a arrancar mais uns dólares dele.
Arqueei meu corpo para trás, deitando-me sobre os joelhos flexionados, e então... "Todo dia e toda noite, eu sempre sonho que você está do meu lado". Instinto ou loucura. Ainda não sei. De ponta-cabeça e de relance, eu o vi: Taylor, do outro lado do palco, acomodando-se em uma poltrona de uma mesa VIP.
Meu corpo reagiu instantaneamente, trêmulo e frio, alternando ondas de calor e tontura, e aos poucos as sensações que eu conhecia muito bem se apossaram de mim.
Levantei-me rápido, querendo fugir, e depois disso não vi mais nada.
.......
[ Notas ]
Dançarina exótica - tradução de exotic dancer, o mesmo que stripper.
Músicas citadas:
"She drives me crazy" (FINE YOUNG CANNIBALS, 1989)
"L'amour toujours/I'll fly with you" (GIGI D'AGOSTINO, 2000)
.......
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