Capítulo 1 Pobre menina rica

Eu acordo tarde naquela manhã, meu corpo parece que foi atropelado por um caminhão. Estou exausta e meus olhos ardem muito; é como se nadassem em grão de areia. Torço os lábios, sei o motivo do cansaço e a ardência nos olhos. Tenho estudado muito para passar no vestibular. Resmungo um palavrão e afasto edredom quadriculado. Antes de levantar, estico os braços para o alto, depois deixo-os cair pesadamente sobre a cama. Minhas costas estão um pouco encurvadas e minhas pernas meio arqueadas. Giro o corpo e desço da cama, corro os olhos pelo tapete em busca das pantufas amarelas.Meus passos são lentos e descoordenados, antes de ir ao banheiro, vou até a janela e afasto a cortina rosa choque. Pela vidraça, observo as árvores dançando com soprar do vento. Uma brisa fresca bate em meu rosto, então, abro um pouco mais a janela, para que o ar puro entre. Meu quarto é espaçoso e os móveis são planejados. A cabeceira da minha cama tem duas prateleiras repletas de livros e ursinhos de pelúcia. Encostada junto ao parapeito observo o jardim, a grama está alta e os canteiros descuidados. Sorrio forçadamente, e em meus pensamentos faço uma comparação interessante. O jardim é o retrato perfeito dos meus conflitos interiores, o aspecto é tão deprimente quanto meu estado emocional. De cabeça baixa, caminho em direção ao banheiro, sento-me no vaso e ouço o barulho do xixi caindo, sinto aquela uma sensação prazerosa ao esvaziar a bexiga.Já estou no quarto novamente, agora procuro um elástico para amarrar meu cabelo. Em meio a livros e bichinhos de pelúcia, encontro um elástico marrom, escondido dentro de uma apostila. Enquanto faço um rabo de cavalo meio torto, bocejo por duas vezes.Minha barriga faz um barulho estranho, como se eu tivesse engolido um gato. Àquela hora da manhã, eu preciso é de um bom café. Meu estômago urgi por comida, e ronca mais uma vez. Saio do quarto e desço a escada quase correndo, vez em quando minhas mãos tocam o corrimão dourado, em poucos minutos chego a sala principal. Eu gosto muito dessa sala, é o maior cômodo da casa. A decoração é toda em tons pastéis, as cores neutras dão uma certa nostalgia bucólica ao ambiente. Para quebrar a suavidade das cores dos móveis, mamãe colocou grossas cortinas verde musgo, que escondem as duas enormes janelas de vidros, que tomam quase toda a frente da casa. O tecido grosso e escuro deixa a sala quase que na penumbra. Meu olhos se fixam no candelabro de prata sobre o comprido balcão oval, aproximo-me, e quase encosto os dedos na chama da vela perfumada. O calor quase queima as pontas dos meus dedos, afasto rapidamente a mão e engulo em seco, estou desmotivada e meu coração é um abismo inabitado.Meus passos tornam-se mais lentos, chego à sala de jantar, e aproximo-me da enorme mesa de cedro. A madeira é tão brilhante, que posso ver meu rosto. A imagem disforme não está distante da realidade. Com uma das mãos acaricio a delicada toalha rendada. O tecido macio exala requinte e bom gosto, aliás, tudo em minha casa foi metodicamente planejado, maneio a cabeça, lembro-me de que minha mãe entende de decoração mais do que entende de sentimentos.Adentro a cozinha, e sento-me junto à pequena mesa com tampo de vidro, e pigarreio. Rosa, uma das empregadas da casa está lavando a louça, (temos quatro ao todo) ela deixa a esponja sobre a pia e me olha sorrindo levemente, com um gesto pede-me para esperar um pouco. O cesto de pães e a garrafa de café estão sobre o balcão. Ela vai até a geladeira, pega uma jarra de suco e enche um copo com o líquido amarelo, depois, entrega-o a mim. Agradeço com gesto de cabeça, ela traz o cesto de pães e a garrafa de café e coloca-os sobre a mesa, e faz a pergunta rotineira.— Quer mais alguma coisa, Beatriz? — Sim, Rosa. Por favor traga-me um iogurte com granola. — Respondo após beber mais um gole do suco.— Sua mãe foi à casa do senhor Antônio, ela disse que o jardim não pode esperar até que ele se cure. — Ela faz uma pausa, e torce os lábios e arregala um pouco os olhos. — Se bem que acho difícil ele resistir a doença. Fico triste ao ouvi-la falando dessa forma, sei, no entanto, que ela tem motivos para tal conjectura. Cerro um pouco os olhos, coloco o copo vazio sobre a mesa, levanto os olhos para encarar Rosa, e argumento.— Pobre senhor Antônio! Adoeceu tão de repente. Será que Deus é justo, Rosa?Ela não me responde, me entrega o iogurte, maneia a cabeça e encosta-se junto a pia. Rosa é uma mulher simples, com quase nenhuma instrução, ela trabalha conosco há mais de quatro anos, é uma jovem senhora meio gorda, que gosta de usar blusas justas e bermudas jeans. Quando minha mãe não está em casa, ela me faz alguns mimos. Eu sei que no fundo ela sente pena de mim, ela sabe o quanto sou solitária, e o quanto minha mãe me cerceia. Após comer o iogurte, faço-lhe outra pergunta.— Se o senhor Antônio está doente, quem cuidará do jardim, Rosa?— Sua mãe pretende arrumar outro jardineiro. — Ela responde enquanto corta uma fatia de mamão e a coloca em um prato pequeno. — Tomara que seja tão bom quanto o senhor Antônio, eu gostava quando ele contava histórias de sua vida.— Eu sei! — Ela ri e maneia cabeça. — Você passava horas no jardim. Coloco meus cotovelos sobre a mesa e apoio meu queixo com ambas as mãos.— E minha mãe morria de raiva. Ela odiava me ver conversando com o senhor Antônio! — Falo pensativa.Rosa coloca o pedaço da fruta sobre mesa. Avidamente como a fatia de mamão, ela pergunta se quero mais alguma coisa, faço um gesto negativo com o dedo indicador, sinto que finalmente meu estômago está cheio.Antes de levantar da cadeira, estico minha coluna, faço uma careta e resmungo um som parecido com (Hum ou Ham).— Eu vou tomar um banho e descansar um pouco, estou demasiadamente cansada. Você acredita que passei a noite estudando, Rosa? — Falo ao me levantar. Ela sorri levemente, expressando sentir pena de mim, docilmente, ela se aproxima e dá dois tapinhas em meu ombro. É, ela sente pena de mim.Eu a deixei na cozinha com seus afazeres e volto para o meu refúgio. Ao subir a escada, ouço o barulho de um carro entrando na garagem. É minha mãe que está chegando. Torço os lábios e continuo subindo os lances da escada.Já em meu quarto tiro minha roupa e vou até um grande espelho fixado na parede, próximo a uma bancada repleta de perfumes, hidratante e poucas maquiagens. olho-me demoradamente, acho-me magra e feia, meu reflexo não me agrada, solto meu cabelo embaraçado, os cachos desalinhados deixam minha aparência ainda pior, pareço desleixada e com aspecto doentio.— Você está horrível! — Falo para imagem refletida no espelho. Vou até o closet, pego uma toalha e entro no banheiro. (Meu closet fica entre a porta do banheiro e a entrado do meu quarto).Passo um bom tempo lavando meu cabelo, depois do banho, enrolo-me na toalha macia, o delicioso cheiro de limpeza envolve-me, eu me sento leve e menos cansada. Antes de ir para o quarto, calmamente enxugo-me, o tecido felpudo desliza por meu corpo, provocando uma sensação agradável, quase prazerosa. Logo que saio do banheiro estou novamente no closet procurando algo para vestir. Olho as muitas peças de roupas dependuradas e outras dobradas, maneio a cabeça.— Por que eu tenho tanta roupa, se pouco saio de casa? — Penso enquanto escolho entre duas camisetas. Torço os lábios e decido pela camiseta branca que comprei na última viagem de férias com meus pais. Após me vestir, sento-me na cadeira perto da penteadeira, e começo a pentear meu cabelo. Pacientemente desfaço os nós da minha longa cabeleira, castanho-claro. Pouco a pouco meus os cachos vão ficando definidos e maleáveis. Enquanto me penteio, alguns cachos caem sobre meu rosto cobrindo parcialmente minha visão. Neste momento alguém abre a porta, e entra no meu quarto. Assusto-me ao ver a pessoa entrando repentinamente. Afasto os cachos de cabelo que cobrem meu rosto, e a olho. Como sempre ela está bem vestida e discretamente maquiada.A figura taciturna em minha frente parece compenetrada, calmamente, ela tira os óculos escuros e o coloca sobre o alto da cabeça, suspira longamente, e senta-se na beirada da cama. Enquanto os olhos passeiam pelo quarto, mantém o corpo ereto. Coço a cabeça deixo a escova sobre a bancada de mármore branco e rosa, então, pergunto-lhe.— Aconteceu alguma coisa? Você quase nunca vem ao meu quarto.Ela move os lábios, ensaia um riso, ou algo parecido com um riso, alisa o tecido do lençol, só então me responde.— Não creio que seja algo tão importante... Mas, sei o quanto você gosta do senhor Antônio.― Ele está bem? — Pergunto levantando as sobrancelhas.― Não. Ele não está nada bem, Beatriz. Talvez não resista por mais de uma semana.— Uma semana? Não podemos fazer nada? Talvez você possa ajudar com alguma coisa! Um médico particular ou talvez um...Ela levanta a voz me interrompendo.— Eu já fui visitá-lo. É o suficiente, acho que fiz minha obrigação cristã. — Ela suspira antes de prosseguir. — Eu vou continuar pagando o salário dele e a metade do tratamento.— Obrigada por ajudá-lo, mãe.— Não me agradeça. — Ela levanta um pouco as sobrancelhas e comprime ligeiramente os lábios. — Come eu disse, só estou cumprindo com minhas obrigações, ademais, eu não quero problemas com a justiça trabalhista.

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