Prólogo

Os dedos dela agarravam as raízes presas na borda do penhasco, enquanto seu corpo balançava no ritmo da ventania. Muito abaixo, o mar estourava contra os rochedos em uma cadência sombria.

Em seu colo, preso por um suporte, estava seu bebê. O choro assustado da criança dilacerava a noite.

— Calma, meu amor. Nós vamos sair daqui. Confie em mim.

Continuou descendo; a rocha começou a ficar mais lisa, e ela lutou para manter o equilíbrio. No ponto mais baixo, via as cavernas, as piscinas naturais cobertas pelas águas ondulantes e a faixa de areia. Se chegasse ali, encontraria uma embarcação e desapareceria para sempre.

O choro do bebê se misturava ao gosto salgado do vento. Ela ergueu o rosto ao ouvir o som grave de uma trombeta.

Aurora virou a cabeça abruptamente.

Não poderia permitir que eles a encontrassem.

A trombeta soou outra vez, profunda e fria, quando ela conseguiu ficar em pé sobre uma rocha mais plana. Apertou o bebê e olhou para baixo. Estava ofegante. Havia muita descida pela frente ainda.

— Nós vamos ficar bem. Nós vamos ficar bem.

Nuvens colidiam no céu; onde elas se dividiam, uma luz dourada e pálida passava, tremeluzindo sobre o oceano agitado.

Contra a vontade, analisou o alinhamento das estrelas. Cada ponto cintilante era como um mapa que fechava todos os caminhos à sua volta.

Encontrarei uma rota alternativa.

Uma sombra saltou de cima do penhasco, fincando os pés com um equilíbrio perfeito diante de Aurora.

Com uma mão, protegeu o bebê contra o peito; com a outra, comprimiu o punho da adaga que levava consigo. Tocá-la diminuía as batidas do seu coração.

— Eu não voltarei! — gritou para a sombra, engolindo o medo trepidante. — Nenhum de vocês pode me obrigar!

A sombra se moveu, revelando a silhueta de uma garota jovem, de pele negra e vestes cerimoniais de combate, que a fitava com os olhos escuros e penetrantes.

Aurora a encarou de volta, o ar saindo dos pulmões.

— Helen.

— Você precisa voltar. — Não havia ameaça na voz de Helen, apenas um alerta preocupante. Os cachos dos cabelos dela eram ricocheteados pelo vento. — Assim como eu te encontrei, eles vão te encontrar. Lúcio vai nos alcançar a qualquer momento.

Aurora deu um passo involuntário para trás.

— Não.

— Casimir e Alyssa estão mortos. Mestra Siena está furiosa. E isto vai ser só o começo se você e a criança não voltarem comigo. — Enquanto falava, Helen olhava para cima a todo instante, checando as sombras que manchavam o céu. — Você sempre soube das consequências. Olhe para o céu, é a noite do alinhamento das estrelas. O bebê não pode sair do Santuário. Não vou conseguir te proteger se você não se render.

— Não? — O coração acelerou. — Você fez uma promessa.

— A promessa não está acima do Santuário.

— Mas e da amizade?

Helen engoliu em seco; parecia estar em pânico, assim como ela.

— O bebê não pode sair do Santuário — repetiu. — Deixar este lugar é um ato de traição grave, tanto para mim quanto para você. Sabe disso. Por que está desobedecendo?

Mais ondas violentas quebraram contra o penhasco, borrifando cristas espumosas no ar.

A trombeta ressonou ao longe.

— Não queria uma vida como a sua. Vazia, solitária e sem sentido — Aurora cuspiu as palavras em cima dela. Raiva borbulhava no sangue. — Não queria que meu bebê tivesse a vida que você tem.

Viu o rosto de Helen se contrair em um misto de dor e mágoa. Em outras circunstâncias, jamais teria dito aquilo, mas estava desesperada.

— Por favor, Helen, me deixe partir, me dê cobertura. Cumpra o juramento que você fez para mim quando cheguei aqui.

Um lampejo de hesitação encheu as feições de Helen. Aurora engoliu em seco. Elas estavam em um redemoinho de vento e água, cercadas pelo caldeirão fervilhante do oceano.

— Aurora... Não pos...

Algo rasgou o ar, de cima do penhasco, atingindo Aurora nas costas. A dor aguda veio na hora. Ela arquejou, caindo no chão, os braços protegendo a criança. O gosto do sangue a afogou.

— Aurora!

Helen se curvou sobre ela, uma mão pairando em cima do ferimento, a outra buscando a sua, os dedos se envolvendo em um aperto frágil.

Seu braço livre abraçou o bebê. A dor era dilacerante.

— Não estou conseguindo te curar — desespero reverberava pela voz de Helen; em momento algum ela soltou sua mão.

Aurora entreabriu os olhos; o céu acima delas era raiado de preto e marcado de estrelas. O alinhamento... As luzes que estalavam no alto contornavam as feições aflitas de Helen. Flashes daquele último ano vieram à sua mente, promovendo um choro interno que ninguém seria capaz de escutar.

— Quantos... Quantos anos você tem mesmo, Helen?

— Quinze. Tente não falar. Você está perdendo muito sangue. Já está começando a delirar.

— Quinze... Só um pouco mais nova do que eu. — As pálpebras de Aurora tremeram. — E ainda assim, parece que já vivemos muito mais. Este fardo que recai sobre nós é injusto. Não quero isso para meu bebê.

A respiração de Helen ficou mais ofegante, atravessada por um suspiro que fez o peito de Aurora se contrair.

Ela está chorando?

A trombeta parecia estar cada vez mais próxima.

Os outros chegariam ali a qualquer momento.

Sua mão fraquejou, soltando a de Helen. A vista escureceu.

— Acima de todas as leis, você ainda é minha amiga?

Sentiu quando o bebê foi tirado dos seus braços, sentiu a falta do calor, escutou o choro se afastar, como um pedaço de sonho que morria enquanto o pesadelo emergia das águas quiméricas.

— Helen...

Já não conseguia mais ver o rosto dela; tudo era um borrão de água, escuridão e ondas. Mas sabia, sentia, que ela ainda estava lá.

— Helen, por favor...

Tinha a impressão de que, se abrisse os olhos, enxergaria espectros cirandando no céu em meio a um riso mortal. O uivo do vento parecia carregar a voz que assombrava sua mente.

"Jamais esquecida, jamais citada".

Ela rolou, a mão pendendo na beirada do penhasco.

"Como fumaças corroídas que existiam apenas no inconsciente da vista".

Aurora respirou uma última vez.

"Sempre, e sempre".

As águas agitadas do oceano seriam um berço eterno para ela.

Olá, amores!

Sejam bem-vindos ♥

E aqui estamos em mais uma aventura! Desta vez, uma fantasia urbana cheia de ação, mistério e romance ♥

Hoje, além deste prólogo, serão liberados os capítulos 1 e 2. Boa leitura!

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