5 - Eternamente guardado

Quando percebeu que não havia mais como postergar aquilo, Lavínia soltou o ar em um gesto de derrota e abriu a porta do carro.

— Vai dar tudo certo, filha. Já conversei com a diretora. E tenho certeza de que seus amigos estão morrendo de saudades de você.

Ela conteve um grunhido para não retrucar o pensamento da mãe. Botou uma perna para fora do carro e recuou no mesmo instante.

— Tem uma viatura policial parada na frente da escola, mãe.

— É só um patrulhamento de rotina, Lav. Aqui é um bairro de classe média alta, isso é comum. Não tem nada a ver com você. — Cecília colocou um sorriso no rosto, afagando os cabelos dela. — Não te disse que já conversei com a diretora e que tudo foi esclarecido?

Lavínia engoliu em seco; queria ter a confiança de sua mãe. Mas, decidida a não dar mais trabalho do que já havia dado naquele último mês, deu um beijo nela, apanhou a mochila e desceu.

O ar frio da manhã fustigou seus cabelos escuros.

Ignorou a viatura policial e começou a subir a pequena escada que decorava a entrada do colégio. Olhou para os tênis o tempo todo. Tinha impressão de que os alunos que estavam na calçada e no pátio sussurravam uns com os outros, apontando para ela.

Lavínia comprimiu os olhos.

Ela odiava o Ensino Médio. E ainda estava no primeiro ano.

— Lavínia! — alguém gritou muito alto atrás dela.

Olhou por cima do ombro, reconhecendo Vitor, um dos seus colegas de classe.

— Oi...

— Oi. Não acreditei quando te vi. Então você está de volta.

Por favor, não faça nenhuma pergunta sobre a noite do acidente. Por favor. Não tenho condições de falar sobre isso com ninguém.

— Sim... Finalmente consegui voltar. Perdi muita coisa?

— Só matéria chata. — Vitor balançou a cabeça, e o sorriso dele deu à Lavínia um pouquinho de alívio. — Quer que eu te empreste meus cadernos depois para você se atualizar?

Ela apertou a alça da mochila. Talvez as coisas pudessem mesmo voltar ao normal. Talvez sua mãe estivesse certa.

— Quero. Obrigada, e... — Parou, encarando a praça que ficava em frente ao colégio. Deu um passo para frente, estreitando os olhos.

— O que foi? — Vitor indagou, tentando acompanhar o foco de visão dela.

— Parecia que tinha alguém olhando na minha direção.

— Acho que foi impressão sua. Venha, vamos entrar. Posso te emprestar alguns cadernos já, assim você começa a copiar a matéria atrasada.

Mordendo o lábio inferior, Lavínia assentiu. Antes de entrar, lançou um último olhar à praça, às árvores centenárias, imaginando que seus galhos eram braços tortos que guardavam um segredo sombrio.


*****************


Helen se encolheu atrás de uma árvore.

Será que a menina percebeu que está sendo seguida?

Com cuidado, voltou a fitar a fachada do colégio. A adolescente — Lavínia, se havia entendido corretamente o nome dela — havia cruzado o portão de entrada, junto de um amigo.

Saiu do esconderijo, desviando de pequenos cascalhos ao longo do caminho. Estava em uma pequena praça arborizada, que ficava em frente à escola católica. Folhas alaranjadas rodopiavam em seus pés.

Até agora, nada demais.

Seja lá o que Mestra Siena havia tentado lhe dizer através da projeção no espelho, talvez não tivesse nada a ver com aquilo.

Mas a leitura que fiz do alinhamento das estrelas...

Empurrando os cachos do cabelo para trás das orelhas, Helen atravessou a rua. A manhã de outono gemia em seu despertar. Notou que havia uma viatura policial parada ali, e o oficial no volante olhava fixamente para dentro do colégio.

Dali, ela conseguia escutar as vozes dos alunos no pátio.

Subiu os quatro degraus da entrada da escola em um ritmo lento, aproximando-se do portão da guarita, o olhar fixo na viatura policial.

É comum uma viatura ficar em frente a um colégio particular?

— Bom dia. — O cumprimento a pegou de surpresa, rompendo sua reflexão. — Veio deixar o currículo também?

De braços cruzados, Helen olhou para a guarita, onde o porteiro da escola a fitava através do vidro.

— Currículo?

— Você veio deixar um currículo para o cargo de bibliotecária? — ele perguntou. — As moças estão deixando aqui mesmo comigo. Depois eu os encaminho para a secretária.

— Eu...

Sentiu a vista turvar. Helen esfregou a nuca, roçada por uma leve vertigem. A sensação de formigamento veio outra vez.

Atividade espectral? De novo?! Na mesma região?!

— Você está bem, moça? — o porteiro indagou.

O som de uma colisão, seguido de uma brusca freada, fez com que a resposta de Helen se perdesse no ar.

O porteiro esticou o pescoço para fora da guarita.

— Nossa, o que foi isso?! Um acidente?

Helen virou a cabeça na direção da rua.

Subitamente, uma mulher gritou de dentro do veículo e deu ré, acelerou para frente, e deu ré mais uma vez, como se tentasse se soltar de alguma coisa.

— Socorro! — ela gritou, cambaleando para fora do carro.

Em questão de segundos, Helen disparou para a rua e correu até a mulher. Todos os seus sentidos apitavam.

— O que aconteceu? A senhora está bem?

— Eu... Eu estava dirigindo, ia estacionar... Daí algo pulou na frente do meu carro. — Os lábios dela tremiam, e ela apoiou as mãos nos ombros de Helen para não cair. — Reduzi a velocidade e...!

A porta da viatura que estava em frente à escola se abriu; dela, um policial fardado desceu.

— Sou o oficial Leon — ele se apresentou, cortando Helen enquanto tentava acalmar a mulher. — O que aconteceu?

— Algo quebrou o vidro traseiro do meu carro! E tentou agarrar meu filho! Foi muito rápido! Ao mesmo tempo em que parecia um animal, não parecia ter forma nenhuma!

Assim como o policial, Helen levou o olhar até a parte traseira do carro, onde o vidro da janela fora quebrado, vendo um menininho sentado no bebê conforto. Assim como a mãe, ele chorava assustado. Cacos de vidro brilhavam no asfalto e no banco do carro.

— Daí eu comecei a dar ré e acelerar, para ver se aquilo ia embora! — a mulher gaguejou em pânico. — Deu certo, mas... Mas... Estou tão assustada! Meu filho está no banco de trás!

— Calma, senhora — o policial Leon falou, a voz neutra. — Faremos um boletim de ocorrência.

Helen cruzou os braços, recuando alguns passos. Aquilo parecia o relato de uma atividade espectral. Mas como uma mulher comum havia enxergado um espectro, mesmo que por alguns segundos? E como um espectro havia aparecido na mesma área do dia anterior, sendo que ela bloqueara um dos portais metafísicos no ônibus?

Nem um espectro nível alfa conseguia fazer aquilo. Ele precisaria ter estado em contato com uma quantidade absurda de Ethér, e algo assim jamais escaparia do radar do Santuário.

Ergueu a cabeça. As árvores farfalhavam, como se sussurrassem uma a outra segredos que somente elas conheciam.

O que está acontecendo aqui?

Automaticamente, seu olhar foi em direção à escola.

Aquela garota, Lavínia, estava do outro lado do portão, encarando a cena do acidente com uma expressão de assombro. Seus olhos colidiram com os da adolescente; viu os ombros dela retesarem embaixo do uniforme, os lábios se entreabrirem, trêmulos demais. Ela engoliu em seco e girou, correndo para o pátio e desaparecendo por entre os outros alunos.

Quando Helen percebeu, estava subindo outra vez as escadas da entrada do colégio, o coração disparado no peito.

Refreou o passo, hesitando; como resposta, flashes explodiram atrás dos seus olhos.

Uma noite dilacerada. Um penhasco. Um mar agitado. Uma sentença. Uma jovem mãe morrendo diante dos seus olhos. Uma vida de fuga.

Puxou o ar.

Mesmo sabendo que aquilo era uma decisão arriscada e imprudente, foi até a guarita da escola e bateu no vidro.

"Helen", Aurora implorava em uma vastidão perdida da sua memória, abrindo o que deveria ficar eternamente guardado. "Helen, por favor".

— Com licença — falou, as palavras correndo mais velozes do que os pensamentos. — Quais documentos, além do currículo, eu preciso trazer para concorrer à vaga de bibliotecária?


***********************


Seu andar era lento e calculado. Mesmo que o crepúsculo já tivesse ocorrido, ele permaneceu com os óculos escuros. Finalmente, parou diante de um par de portas ornamentadas. Sem ao menos bater, girou a maçaneta e entrou.

O interior da grande sala fora decorado de uma forma que sempre o deixava curioso. Aquarelas japonesas tinham sido penduradas nas paredes vermelhas. Não havia janelas. A única fonte de luz eram as luminárias nas laterais e um grande lustre no teto, que jogava um brilho quente sobre tudo, as peças de cristal refletindo um arco-íris que brilhava por todo o cômodo.

A sala não possuía mobílias. No seu centro havia um grande selo gravado no chão, no formato de um triângulo de cabeça para baixo. Um delta invertido. No meio, um homem estava ajoelhado, o cabelo escuro escorrendo sobre sua face. Ele era vigiado por duas mulheres pálidas, gêmeas, que ficaram em alerta quando a sala foi invadida com sua presença.

— Mandou me chamar, senhor?

— Sim. — As mãos dele deslizaram pelas linhas que formavam o delta invertido no chão. — Faz alguns dias, durante minha projeção meditada, que tenho detectado uma energia de Ethér descontrolada e atividades espectrais anormais na região de Curitiba. Quero que você vá até lá e averigue o que está acontecendo. Siga o fluxo do Ethér.

— Como desejar, senhor. Mais alguma coisa?

— Não deixe o Santuário te rastrear. Eles não podem desconfiar do que acontece entre essas paredes há anos. Tudo ocorrerá no devido tempo. — A voz dele baixou, atingindo uma nota soturna, sombria. — E, quando o Santuário perceber, será tarde demais para todos os guardiões e caçadores.

Os mistérios estão a todo vapor kkk

E quando será que os caminhos da Helen e do Lúcio vão se cruzar?

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