Epílogo

A bananeira estava mais bonita do que nunca. Um ano se passou desde que decidi transformar a árvore em um símbolo da cidade. As luzes que pendurei nela reluziam como um aviso de que, contra tudo e todos, ela continuava ali, firme e forte, como eu.

— Ela tá linda, né? — comentei, olhando orgulhosa para a bananeira.

Daniel se aproximou, me abraçando pela cintura. A gente vinha todo fim de tarde aguar a árvore. Já era quase um ritual. Não que ela precisasse tanto assim de água, afinal, as chuvas faziam o trabalho pesado, porém, eu gostava de ter essa desculpa pra cuidar dela. E ele, por algum motivo que até hoje eu não entendo, gostava de me acompanhar.

— Tá perfeita! — ele disse, mas claramente não estava falando da bananeira. Ele tinha esse jeito meio óbvio de me elogiar, e mesmo assim, meu rosto esquentava. Eu ri, tentando disfarçar.

Zezinho, o papagaio mais intrometido que já existiu, estava pousado em um dos galhos mais altos. De repente, ele começou a gritar.

Beija ela, beija ela! — repetiu, com a voz de fofoqueiro que ele aprendeu, com Dona Dulceneia. Não era a primeira vez que Zezinho soltava essas pérolas, mas eu já estava acostumada. Daniel também.

— Acho que ele tá dando uma ordem. — Daniel riu, apontando para o papagaio.

— Ele só repete o que ouve. Deve ter aprendido com alguém que gosta de se meter na vida dos outros. — falei, cruzando os braços, embora estivesse rindo por dentro.

Daniel não perdeu tempo e me puxou pra perto. O beijo veio suave, tranquilo, como todos os outros que trocamos ao longo desse ano. Sempre que ele me beijava, sentia aquele calor no peito. Parecia que cada vez era a primeira.

— Eu amo você, sabia? — ele disse baixinho, depois que a gente se afastou.

Sorri, passando os dedos pelos cabelos dele.

— Eu sei. E eu amo você também. — as palavras saíram fáceis, como nunca antes.

Zezinho não perdeu a oportunidade e começou a gritar de novo.

Ah, casalzinho chato! — dessa vez, imitando a voz de outra vizinha fofoqueira. Daniel e eu caímos na gargalhada. O papagaio era um espetáculo à parte.

Dias depois, estava passando em frente à casa de Dona Dulceneia quando vi uma movimentação estranha. Parei para observar. Não que eu gostasse de me meter na vida dos outros, mas Dulceneia sempre tinha feito da vida alheia o principal tema de suas conversas. Ver que agora ela era o assunto central tinha seu quê de justiça poética.

— Você não tá sabendo, não? — perguntou Natália, que surgiu do nada ao meu lado.

— Sabendo o quê? — perguntei, mais por curiosidade do que por interesse real.

— O marido de Dona Dulceneia foi embora de casa. Acredita que ele trocou ela por outra? Uma viúva que mora lá pros lados da fazenda do Seu Zeca.

Tentei segurar a gargalhada, mas foi difícil.

— É sério? — perguntei, ainda incrédula.

— Sério. E parece que a tal viúva é uma moça mais nova, muito simpática, todo mundo fala bem dela.

— Ah, que ironia, né? A maior fofoqueira da cidade sendo trocada e virando o alvo das fofocas. — eu não conseguia esconder o tom de satisfação na minha voz.

Natália deu de ombros, concordando.

— Ela sempre meteu o nariz onde não era chamada. Talvez seja o karma. Agora tá todo mundo falando dela.

Sorri, satisfeita com essa reviravolta.

— Bem feito. Ela merece. Passou a vida inventando história dos outros, agora virou a própria história. — olhei de novo para a casa de Dulceneia, onde um grupo de mulheres conversava animadamente. Pelo visto, a novidade já tinha se espalhado por toda parte.

Quando voltei para casa, encontrei Daniel deitado na rede, com Zezinho empoleirado no braço da cadeira de balanço, quieto demais pro meu gosto. Aquela calmaria me deixou com a pulga atrás da orelha.

— O que você tá aprontando, Zezinho? — perguntei, desconfiada.

O papagaio virou a cabeça, me olhando com aquele olhar de quem sabe mais do que devia. Mas, antes que ele pudesse soltar alguma bobagem, Daniel falou.

— Ele tá se comportando hoje. Nem parece o mesmo papagaio de ontem.

Eu ri, me aproximando da rede e me aconchegando ao lado dele.

— Você não vai acreditar no que aconteceu. — falei, contando a história da Dulceneia e o novo escândalo da cidade.

Daniel deu uma risada baixa, aquele riso contido de quem já sabia que um dia a fofoqueira teria o troco.

— Bem feito pra ela. Passou tanto tempo se metendo na nossa vida que acabou esquecendo de cuidar da dela.

Assenti, concordando.

— O mundo dá voltas, né? Agora é ela quem tá no centro das fofocas.

Zezinho, aproveitando a deixa, começou a imitar a voz de Dulceneia.

Isso não é coisa de moça de família!

Eu gargalhei alto, segurando a barriga. Daniel só balançou a cabeça, rindo também.

— Esse papagaio é um perigo. — ele disse, me puxando pra mais perto.

— Ele só aprendeu com os piores. — falei, ainda rindo.

Olhei para a bananeira pela janela. Ela estava ali, iluminada e imponente, um símbolo de tudo que eu tinha lutado pra preservar. Era engraçado pensar que, um ano atrás, eu estava quase disposta a brigar com o mundo inteiro por causa dela. E, no fim das contas, o mundo acabou ficando do meu lado. A fábrica se instalou, mas a bananeira ficou. E, junto dela, Daniel, e até as fofocas de Dulceneia que agora não faziam a menor diferença.

— Sabe de uma coisa? Acho que, de todas as lições que aprendi esse ano, a maior de todas foi que a gente não precisa brigar tanto assim para conquistar o que quer. Às vezes, as coisas simplesmente acontecem, e a gente só precisa ter paciência.

Daniel me olhou, sério por um momento, e depois sorriu.

— Acho que você tem razão. E é por isso que eu te amo. Porque você aprendeu a ser mais forte sem perder esse seu jeito teimoso.

Suspirei, satisfeita. Talvez fosse verdade. Ou talvez eu só tivesse me acostumado com a ideia de que nem tudo precisa ser uma batalha. Seja como for, ali, debaixo da bananeira, com Daniel ao meu lado e Zezinho soltando suas frases sem sentido, tudo parecia estar exatamente onde devia.

FIM.

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