Pedido de desculpas


Uma nova manhã de aula havia chegado para mim, mais um dia em que eu estava de volta ao nono ano do ensino fundamental. Jamais pensei que um dia iria reviver tudo isso, é tão irreal, que sinto que irei despertar de um sonho profundo a qualquer momento.

Estava tomando meu café da manhã, minha mãe estava comendo, quando eu decidi falar. — Mãe.

— Sim?

— Eu magoei um amigo meu, e não sei como fazer para consertar as coisas...

Minha mãe riu ao me ouvir. — Talvez você consiga resolver as coisas com um simples pedido de desculpas, querida. Por que não tenta?

— Não é tão simples, eles não vão me perdoar apenas com o meu pedido desculpas.

— Eles? Você magoou mais de uma pessoa? — Minha mãe estava surpresa.

— Duas... o Gustavo e a Thalita.

— Oh... querida, não da para saber se eles vão te perdoar, mas para você poder consertar as coisas, o pedido de desculpas deve vir primeiro e precisa ser de coração, não pode falar com vergonha ou como se só estivesse falando por obrigação.

— Eu sei... mas o que eu fiz foi muito feio, e os dois estão feridos.

— Alícia, o que você fez?

— Resumindo a situação, Gustavo gosta de mim, mas eu disse coisas ruins a ele, para o afastá-lo de mim, e ele se magoou. A Thalita gostava do Gustavo e está enciumada porque ele gosta de mim — tentei resumir a situação sem dar tantos detalhes do ocorrido.

Mamãe arregalou os olhos. — Uau... você se abriu comigo! Que milagre! Está realmente mudada... eu gosto dessa sua nova versão, espero que continue assim, está mais falante, menos tímida.

Sorri, foi preciso passar 27 anos para que a filha se "soltasse" um pouco mais, e ainda assim, eu não me sentia "extrovertida" o suficiente. Talvez o fato de eu ter beijado mude ainda mais a minha personalidade, quem sabe...

— E ele me beijou — arrisquei dizer. Na minha primeira vez sendo adolescente, eu nunca fui de conversar com minha mãe sobre garotos, nunca contei a ela de quem eu gostava platonicamente, e o que eu fazia no colégio, minhas paqueras, e sobre minhas matanças de aulas. Eu sempre tentava esconder tudo, com medo de sua reação e julgamentos, não só da parte dela, como a do meu pai também.

Mas agora, eu tinha 27 anos, não precisava ter medo de contar nada a ela, e eu queria ter uma boa relação, uma relação de amizade de mãe e filha, assim como a Rory e a Lorelai de Gilmore Girls, e outras que já assisti na minha fase adulta.

— O Gustavo te beijou? Quando? — Perguntou boquiaberta.

— Sim, foi ontem. Depois do beijo que nós dois brigamos, eu fiquei com raiva porque ele me beijou, ele sabia que eu era BV e me beijou de propósito.

De repente, minha mãe riu. — Desculpa... você correspondeu ao beijo?

— Do que está rindo? — Perguntei envergonhada.

— Querida... não ligue para mim, só responda o que eu te perguntei.

— Correspondi... ele me beijou de surpresa, e... ah, mãe! Eu o beijei de volta, não pensei muita na hora — respondi, estranhamente envergonhada.

Minha mãe tentava segurar o riso, suspirei, e tentei ficar calma com a situação, até mesmo falar com minha mãe sobre isso era difícil, e olha que eu já tinha 27, mentalmente.

— Não precisa se envergonhar meu bem, é natural beijar nessa idade... mas, eu esperava que isso fosse acontecer um pouco mais tarde, você ainda só tem 14 anos...

— Tem gente na minha sala que beijou bem antes de mim...

— Imagino que sim... bom, foi o seu primeiro beijo, pelo que vejo.

— Sim.

— E você gostou? De beijá-lo?

Senti meu rosto ficar quente ao ouvir a pergunta dela. — Sim, gostei. E eu acho que também gosto um pouco dele.

Mamãe suspirou e sorriu ladino, mas notei que ela estava um pouco preocupada. — Bom, o Gustavo me parece ser um bom garoto, e é natural que você goste de quem te beijou...

— Mas eu acho que os meus sentimentos por ele começaram antes do beijo e se intensificou depois do beijo — confessei.

— Entendo, bom, é natural. Se vocês dois eram amigos, é natural que a amizade se transforme em amor. Mas por que você brigou com ele?

— Porque está tudo errado, mãe. As coisas não deviam ter acontecido dessa forma. Ele não pode gostar de mim e nem eu dele. Sem contar, que ele me beijou de propósito, ele sabia que eu era BV e quis ser o primeiro a me beijar!

— Você diz isso por causa da Thalita? Ou tem algo mais que te impede de aceitar seus sentimentos por ele?

— Pela Thalita e por mim... mãe, eu nunca namorei antes, eu não sei o que é estar em uma relação romântica, e se eu estragar tudo com ele?

Minha mãe pegou na minha mão com carinho. — Filha, apesar de você ser novinha para namorar, todas as meninas adolescentes começam a namorar pela primeira vez um dia, e nenhuma delas sabem o que é estar em uma relação romântica, mas isso se aprende com a prática, é algo natural. Quando acontecer, você saberá com sua própria vivência sobre como é namorar, desde que tenha juízo e não pense que é uma adulta para...

— Mãe! Para... eu não vou fazer isso.

— Hormônios, querida...

— Eu tenho juízo.

— Assim espero. Desde que seja um namoro legal, que não te faça mal, e quem nem atrapalhe seus estudos, não vejo motivos para não aprovar.

— Eu não vou namorar ele, mãe.

— Mas se namorar, lembre-se que sua mãe aprova, e claro, o traga aqui em casa para seu pai e eu o conhecermos melhor e ficarmos por dentro disso tudo... nunca esconda nada de mim, está bem? Qualquer dúvida que tiver sobre namoros, ou qualquer coisa que esteja te machucando, conte para mim. Sou sua mãe, mas quero ser uma boa mãe, uma em que você possa confiar.

— Pode deixar, obrigada. Você não está brava por eu ter beijado aos 14 anos? — Perguntei, meu maior medo na minha adolescência era beijar e meus pais descobrirem, eu tinha medo da reação deles, pois, eram um pouco rígidos comigo, mas definitivamente, essa não era a reação que eu imaginava vindo da minha mãe, estava surpresa, foi tão fácil, ela escutou com atenção e carinho e não me repreendeu, se eu soubesse que seria tão fácil assim, talvez não tivesse passado metade da minha adolescência escondendo coisas dela e com medo.

Ela sorriu e pegou na minha mão. — Por que eu ficaria brava com isso? Um dia você daria o seu primeiro beijo, eu também já tive a sua idade um dia, querida... seu pai que vai ficar um pouco enciumado, mas... eu consigo contar a ele, não se preocupe — respondeu, tranquilamente.

— O papai precisa ficar sabendo sobre o meu primeiro beijo? — Perguntei, começando a me arrepender de ter contado a ela.

— Seria o correto, não acha? E se ele descobrir depois de um outro jeito e ficar magoado?

Suspirei fundo, calma Alícia! Você tem 27 anos... se comporte como uma adulta e não como uma adolescente! O que estava acontecendo comigo?

— Tudo bem, espero que ele não brigue...

— Está com medo da reação do seu pai?

— Um pouco... — admiti.

— Ah, meu bem! Não fique, ele não é tão das "antigas" assim...

— Hum... mãe, obrigada! Preciso me arrumar, se não vou chegar atrasada no colégio! — Gritei, levantei as pressas e beijei o rosto dela antes de sair da cozinha.

Ela riu e me abraçou forte. — Minha menina está crescendo...

Sorri, se ela soubesse...

... ... ...

Minha casa ficava perto da escola, no mesmo bairro, cheguei cedo na pracinha que ficava de frente a escola, fiquei por ali, esperando alguém do meu grupinho aparecer, eu só não esperava que o primeiro a aparecer seria o Gustavo.

Assim que ele me viu, mudou o caminho, dando a volta no outro lado da praça, suspirei fundo e tentei ser corajosa. Corri em direção a ele, chamando por seu nome.

O mesmo fingiu que não estava me ouvindo e continuou caminhando, na pressa e no desespero, acabei tropeçando em uma pedra e caí de joelho no chão, gritei de dor, meu joelho estava sangrando e minha calça jeans havia rasgado na região da ferida. Senti as mãos de Gustavo me envolvendo, ele se agachou para conferir minha ferida. — Está doendo muito? Por que correu se não sabe nem cuidar de si mesma? — Perguntou ele, sua voz em um misto de irritação e preocupação.

— Está bem, não foi nada, eu consigo me virar — respondi, tentando parecer calma.

Mas ao levantar, senti uma dor forte e uma ardência, fazia tantos anos que eu não ralava o joelho na rua, a dor parecia pior do que quando eu era criança! Como uma criança consegue aguentar isso?

Gritei de dor, não queria, mas foi automático, não estava conseguindo me manter de pé direito. Gustavo suspirou e me pegou no colo, assim como um noivo carrega sua noiva. Fiquei chocada, eu não esperava que ele fizesse algo assim, e como ele me aguentou? Estava em um corpo de 14 anos... mas parecia tão adulto ao fazer isso.

— Você precisa voltar para sua casa, lavar essa ferida e passar um remédio.

— Mas e a escola?

— Podemos ir no segundo horário, se você conseguir andar sem gritar de dor — respondeu indiferente.

Assenti. — Você vai me carregar assim até chegarmos na minha casa?

— É o jeito... nem andar direito você consegue neste momento.

Fiquei quieta e me permiti ser carregada por ele, na verdade, ele estava me carregando no colo e levando duas mochilas em suas costas, a dele e a minha. Fiquei admirada com sua força e seu espírito protetor, me senti protegida, e meu coração batia forte.

Durante o caminho, resolvi quebrar o silêncio. — Não quer saber o motivo de eu ter corrido até você?

— Não — respondeu grosseiramente.

Meus braços estavam em volta de seu pescoço, fiquei observando seu rosto, analisando cada detalhe dele. — Para de me olhar assim.

— Assim como? — Arrisquei, nervosa.

— Como se estivesse apaixonada por mim — respondeu com mágoa.

— Gustavo...

— Hum?

— Me desculpa, por favor, me perdoa. Eu sou uma pessoa horrível! Eu sou egoísta, e uma péssima amiga, eu te magoei, disse coisas que não são verdades, eu menti, menti para te afastar de mim, estou muito arrependida, por favor, me desculpa — pedi, após ouvir minhas palavras, ele me olhou pela primeira vez desde que me pegou no colo.

Ele suspirou, e me colocou no chão com cuidado, me ajudou a sentar na beirada da calçada, estávamos quase perto da minha casa, mas era melhor conversarmos na rua. — Mentiu para me afastar? Por quê? O que exatamente foi mentira, Alícia? — Ele estava sério, seus olhos castanhos escuros concentrados em mim, esperando pela resposta que eu não queria dar.

— Tudo...

— Não sei por que ainda perco meu tempo com você — ele disse em um tom irritado, senti que se eu não contasse a verdade, ele se afastaria de mim, e eu havia voltado para 2011 para fazer tudo diferente, para aproveitar minha juventude, então, por que eu estava com medo de viver coisas que não vivi antes?

Segurei na mão dele. — Senta também — pedi.

— Não, preciso te levar para sua casa.

— Isso pode esperar.

— Seu machucado pode infeccionar.

— É só um machucado, não foi nada grave.

— Ainda assim, você não consegue andar direito por causa dele...

— Foi sua culpa — o acusei.

Ele me olhou surpreso. — Eu não pedi para você correr atrás de mim, você deveria ter olhado para o chão ao correr!

— Agora você precisa assumir a responsabilidade — disse.

— Por um machucado? Tá falando sério? — Ele estava confuso e eu ri de sua expressão facial. Seu cabelo escuro ondulado voava bagunçadamente, o deixando ainda mais charmoso, e sim, aquele cabelo lembrava o Seth Cohen de The OC.

— Claro, se você não tivesse voltado no tempo no mesmo dia que eu, se não tivesse vindo me abordar com seu papinho furado sobre gostar de mim, metade dos meus problemas não teriam acontecido. Você se aproximou de mim com segundas intenções e me fez... me fez gostar de você, agora assuma a sua responsabilidade, é tudo sua culpa — confessei, seu rosto se abriu em um sorriso ladino conforme me ouvia e entendia.

— Está falando que está apaixonada por mim? É isso mesmo?

— Sim, estou, acho que sim.

— Você disse aquelas coisas ruins a mim, por que queria que eu me afastasse de você? Mas por quê? Se gosta de mim, por que me afastar?

— Você é lento hein... bom, porque eu não queria magoar a Thalita, e porque eu nunca me apaixonei por ninguém antes. Quer dizer, o sentimento real, o platônico já, mas o real não. Eu fiquei com medo dos meus sentimentos por você, fiquei com medo de estragar tudo, eu nunca namorei, Gustavo, meu primeiro beijo foi com você! E você me beijou de propósito, o que me fez ficar com mais raiva ainda... sou uma boba... ai, que vergonha... — comentei no final e evitei seu olhar.

Ele riu. Aquela gargalhada engraçada e agradável que eu estava começando a amar. Gustavo enfim se sentou ao meu lado na calçada, me virei de lado, para ficar de frente a ele. O mesmo sorria, me olhando a fundo, meu coração batia cada vez mais acelerado, e aquele silêncio dele estava me deixando ansiosa.

— Para de ficar rindo e me olhando assim... — pedi, irritada.

— Desculpa, mas é que estou muito feliz com a sua confissão. Você é incrivelmente fofa, sabia disso? — seu dedo tocou meu queixo e deslizou até minha bochecha.

— Não sou fofa, para com isso...

Ele riu mais. — Está sendo ainda mais fofa agora! Estou feliz que eu tenha sido o primeiro a te beijar, foi preciso que eu voltasse no tempo para isso acontecer, isso não é louco?

Senti meu rosto queimar de vergonha. — Um pouco...

— Você é linda, Alícia e eu estou completamente apaixonado por você, mais do que um dia já fui — ele disse com a voz rouca, e seu rosto foi se aproximando lentamente, até que sua boca tocou a minha e trocamos um beijo longo e apaixonado, nosso segundo beijo, meu segundo beijo.

Ainda era estranho para mim o ato de beijar alguém, e novo, mas, curiosamente, eu estava pegando o jeito. Após afastarmos nossos lábios, ele encostou a testa na minha e me olhou nos olhos, com intensidade.

— Foi bom? O meu beijo? — Quis saber.

Ele tocou a ponta do meu nariz. — O melhor beijo que já tive. Tanto o primeiro quanto o segundo foram perfeitos — respondeu carinhosamente.

Sorri com o elogio, mesmo sabendo que provavelmente ele estivesse mentindo para me deixar feliz. — Não precisa exagerar...

— Não estou exagerando, é a verdade. Você foi feita para mim, Alícia — ele disse.

— Bobo... — respondi envergonhada, mas feliz.

— Vamos, precisamos cuidar dessa ferida — ele disse, se levantando, em seguida me pegou novamente no colo.

— Acho que eu consigo andar, agora...

— Eu quero te levar em meus braços, me dê essa honra.

— Você está assistindo muitas séries teens, não está?

— Já assisti muitas, mas desde que vim parar em 2011 novamente, não vi nenhuma, ainda...

Sorri. — Que tal assistirmos alguma, juntos?

— Claro, só marcar, gatinha — falou, brincalhão e me carregou em seus braços até chegarmos a minha casa.

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