III | antigas paixões
Com uma breve despedida e um pedido de desculpas, Marcelo escapou da festa. Tinha uma grande adoração pela irmã, mas a súbita abordagem de Sabrina o deixara intrigado. O que tinha de tão importante para contar que não podia esperar?
Percebeu que ela estacionava perto de uma lanchonete e fez o mesmo. Saindo do carro, ele colocou o alarme e a encontrou sentada a uma mesa na parte interna do estabelecimento.
— Quer pedir alguma coisa? Cerveja, talvez? — perguntou, lembrando-se da última vez em que topara com ela naquela cidade.
Na ocasião, Sabrina bebia com as amigas em comemoração ao que parecia ser alguma conquista. Boa Vista era uma cidade pequena. Esbarrar em conhecidos virara rotina para Marcelo. Acontecia com tanta frequência que aprendera a lidar com a peculiaridade em seu cotidiano.
— Não, obrigada — agradeceu ela com um sorriso nervoso. — Prefiro um suco. Não tenho preferências quanto ao sabor.
— Parou com a bebida?
— É temporário.
— Que esquisito — viu-se dizendo com o cenho franzido. Era engraçado como nem quinze anos conseguira deixá-lo retraído diante dela. Foi tomado pelo alívio ao ver que Sabrina se divertia com sua espontaneidade. — Tinha para mim que tu parecias ser uma apreciadora de cervejas muito mais do que eu. Por acaso está pagando alguma promessa que fez?
— Digamos que é quase isso.
Sentiu-se dividido entre não encará-la e render-se aos encantos da bela mulher que Sabrina se tornara. Os cabelos castanho-claros estavam presos num rabo-de-cavalo no topo de sua cabeça, charmosamente desarrumados na parte de trás, de onde pendiam vários fios curtos que caíam por sua nuca. Cada peça de roupa parecia um manifesto de sua força e feminilidade. Continuava bonita, charmosa, fascinante... e, acima de tudo, seguia sendo sua ex-namorada.
Agitou a cabeça, encerrando abruptamente as suas divagações, e caminhou rumo ao balcão para fazer os pedidos. Decidiu acompanhá-la no suco.
Alguns minutos depois, Marcelo retornava à mesa com as bebidas.
— Obrigada.
— Então, será que posso começar perguntando por que me trouxe aqui?
Sabrina encolheu os ombros.
— Queria colocar as novidades em dia com você. Faz tanto tempo que não temos uma conversa longa como esta.
— De fato. Foi bom ter tocado neste ponto, porque talvez eu tenha algumas perguntas que gostaria de fazer a você.
— Talvez? Querendo poupar o ego, hein? — Divertimento, saudosismo e insegurança transpareciam em seus olhos. Mas tinha uma certeza: conversar com Marcelo continuava sendo prazeroso. — Vamos lá, pode admitir que ficou morrendo de curiosidade sobre o que andei fazendo por aí durante todos estes anos em que mal nos falamos.
Ele deu um amplo sorriso que Sabrina sentiu ter iluminado seu dia, apesar das frustrações que tivera ao longo dele. Os segundos se passaram enquanto ela o estudava, admirando cada traço. Fizera tanto isso no passado que perdera as contas...
— O que dizem é verdade. É difícil esconder quem realmente somos quando se está frente a frente com quem nos conhece tão bem.
— Cinco anos foi tempo suficiente para conhecer algumas coisas sobre você. Mas ambos de nós crescemos — disse ela com um estranho aperto no peito. — Devemos ter mudado em alguns aspectos e continuado os mesmos em outros...
Levando o canudo à boca, sorveu um gole de suco. Com surpresa constatou ser de abacaxi, uma de suas frutas prediletas. Permitiu-se observá-lo um pouco mais.
Marcelo trajava roupas formais que ela julgou serem as que costumava usar no trabalho. As calças pretas, a camisa social azul-marinho e o colete preto de cetim formavam seu visual executivo. Em algum dado momento do dia, dobrara as mangas da camisa até a altura dos cotovelos, revelando antebraços musculosos. Os ombros eram largos e o olhar, penetrante. Aqueles olhos marcantes poderiam ser a perdição de qualquer mulher.
Até mesmo a dela.
A mais controlada das mulheres devia ter dificuldades para se manter indiferente a Marcelo. Ele se tornara um homem atraente e instigante de uma maneira que certamente arrancava suspiros das funcionárias da empresa. As notícias corriam depressa na cidade. A imprensa se assegurara de que não passasse despercebido quando Marcelo assumiu a presidência da Brinquedos Avilar. Lembrava-se de ter lido uma matéria sobre o assunto no jornal local. Fora assim que soubera de seu retorno.
Em todos aqueles anos, nunca vira sentido em falar com ele quando o encontrava frequentando o mesmo ambiente que ela. Sobre o que conversariam, afinal? Além do mais, não era dada a manter contato com seus ex-namorados. Costumava pensar que era algo estranho de se fazer e, no entanto, ali estava ela... dando-se conta de que aquilo não passara de tolice.
— Você ainda tem o sotaque — observou ela.
— Temos um relacionamento esquizofrênico. Ele vai e volta — retrucou Marcelo num tom ligeiramente defensivo. — É um pouco difícil livrar-se do sotaque quando todo mundo da tua família fala do mesmo jeito que você.
Notando o clima de desconforto que desceu sobre a mesa, Sabrina apressou-se a comentar:
— Espero não o ter ofendido com o comentário. Eu não estava reclamando.
Céus, o que ela estava pensando! Ambos haviam passado quinze anos sem se falar direito! Tinha que ser mais cuidadosa, particularmente porque sabia como Marcelo já fora bastante caçoado na época da escola por causa da origem gaúcha. Querendo ou não, transformara-se em uma estranha para ele. E estranhos não usufruíam da mesma liberdade que os amigos mais íntimos.
Ela arriscou um olhar e deparou com olhos azuis perscrutando-a.
— Não ofendeu — assegurou ele. — Devias ver como era quando eu conversava com meus avós. Às vezes nem eu entendia o que me falavam, de tão carregado que era o sotaque deles!
Ela abriu um sorriso agradecido ante o humor que ele usara para reestabelecer a descontração entre eles.
— Como está sua família? — Sabrina quis saber.
— Continuam espevitados.
Uma risada escapou-lhe.
— Eu gostava muito deles.
— E eles, de você. Não é à toa que ficaram tristes quando tu foste embora. Partiu o coração deles sem piedade — declarou Marcelo calmamente, fazendo uso do costumeiro sarcasmo de quando entrava em assuntos que tocavam-no. — E o meu também, caso ainda não tenha se dado conta do tom de indignação que estou usando para falar contigo.
— Quem nunca teve um coração partido, não é mesmo?
— Sabe quantos anos de terapia aquele término de namoro me custou?
Oh, por que se colocara naquela situação?, Sabrina indagou-se. Aonde estava com a cabeça para achar que se tranquilizaria se conversasse com Marcelo? O homem pode ter mudado em muitos aspectos, mas a personalidade forte e a determinação inabalável para resolver as pendências do passado permaneciam intactas.
— Não seja melodramático. Não fui a única causa para você decidir ir a um terapeuta. Confesse logo.
Ele estreitou os olhos, atento a cada palavra dita.
— Depois daquela viagem para a casa da sua tia, tu mudaste muito. Voltou estranha.
— Viagem? — ecoou ela, incrédula. — Eu só mudei de bairro, Marcelo! E não voltei estranha. Voltei sabendo o que queria.
— Mas me deixou — acrescentou com arrogância.
— Foi porque eu sabia o que queria, e não era você!
Marcelo acendeu os olhos, adotando um ar de insultado.
— Essa doeu, Sabrina. Essa doeu.
— Não teria doído se você não se achasse tanto.
— E o império contra-ataca!
Sabrina bufou com impaciência, perguntando-se como chegara a conviver por cinco anos com uma pessoa difícil. Ele era muito atraente, porém complicado.
— Vamos parar com isso, por favor? Se continuarmos assim, não chegaremos a lugar nenhum.
— E aonde quer chegar exatamente? — perguntou ele, percebendo como os doces olhos castanhos à sua frente de repente tornaram-se tristonhos. A constatação fê-lo esquecer-se do orgulho para dar prioridade ao que realmente importava no momento. — Diga-me o que está acontecendo — pediu com a voz suavizada.
Sabrina baixou o olhar para as mãos que torcia nervosamente sobre a mesa. Desejou poder voltar no tempo e desfazer o erro, o que estava além da capacidade de qualquer humano. Perguntou-se se seria forte o suficiente para enfrentar de cabeça erguida o que a aguardava.
— O que há, Sabrina? Tu me trouxeste até aqui, depois de ter alegado que enlouqueceria se não conversasse com alguém. Me deves uma explicação, não achas?
— Preciso contar uma história... — começou, incerta.
— Adoro histórias — disse Marcelo, como se para reforçar o grande interesse que tinha em ouvi-la e assim fazê-la seguir adiante. Aquele suspense estava matando-o. Colocando os cotovelos sobre a superfície da mesa, inclinou-se levemente para frente. — Especialmente aquelas contadas por minhas ex-namoradas com quem não falo direito há mais de uma década. Fico intrigado com isso.
— Devo iniciar contando sobre minha família, imagino. Sabe como meus pais fazem o tipo tradicional, não sabe?
Ele assentiu com um gesto de cabeça.
— Lembro inclusive de como eram bastante protetores e implicavam quando ficávamos sozinhos. Ainda acho que só aprovaram meu relacionamento contigo porque nossas famílias eram amigas.
— Quando eu era adolescente — começou ela —, não sabia dizer por quê, mas nunca consegui me encaixar no que esperavam de mim. Quando se tratava de alguns aspectos, meus pais tinham uma visão bastante tradicional sobre os papéis que uma mulher deveria desempenhar, o modo como deveria se comportar, casar-se e então apenas depois ter filhos... O estilo de vida que levavam foi construído em torno da educação que receberam, e não estou aqui para julgar isso. Mas foi um fato que comecei a me sentir mal com certas coisas que pregavam em casa, sem espaço para contestar e conversar.
Sabrina recostou-se no encosto da cadeira e fitou-o com atenção.
— Discordar com eles gerava inúmeras brigas e surtos de raiva da minha parte e dos meus pais. Me acusavam de ser uma adolescente inconsequente e imatura. Uma menina levada sem futuro. Não sei se foi porque era a fase da adolescência, mas eu era muito estourada com eles. Com todos, na verdade. Minha paciência ia facilmente de cem a zero quando vivenciava situações que me causavam grande estresse. Similarmente aconteceu com meus irmãos e irmãs, por isso houveram épocas em que brigávamos demais entre si. Eram terríveis, até que chegou a minha vez. Acho que eu soube ser pior que eles. Ser praticamente a única criando confusão em casa me fez achar, por um tempo, que eu estava errada em ficar inconformada, então me calei.
— Eu não fazia ideia de que passava por isso — disse Marcelo, parecendo arrependido.
Como haveria de saber?, pensou ela. Marcelo estivera concentrado demais na própria dor de ver o seio familiar desfazer-se para ter disponibilizado sua atenção para as questões pessoais da namorada.
— Saiba que a situação piorou para mim depois que minha mãe descobriu que perdi a virgindade com você. Ela fez da minha vida um inferno.
— Disso me lembro. Teu pai correu atrás de mim numa velocidade sobrenatural — recordou ele. — O homem era difícil de despistar.
— Hoje estas lembranças podem até soar divertidas, mas, na época, não achei graça alguma. — Bebericou o suco para acalmar os nervos disparados. — Os desentendimentos alavancaram-se. Num dia minha mãe sentiu muitas dores e teve de se internar no hospital. Meu pai acompanhou-a em todo o processo de bateria de exames até descobrirem que era um caso de cirurgia imediata. Meu irmão mais velho ficou tomando conta da gente enquanto papai e mamãe ficaram fora de casa, mas eu não me dava muito bem com ele. Na verdade, eu estava em um estágio em que não conseguia me dar bem com ninguém. — Ela riu amargamente. — Acho que fui a típica adolescente rebelde. Talvez algo pior que isso.
— Mas continuou me aturando — apontou, buscando nos recônditos mais profundos de sua memória por alguma lembrança dela sendo grosseira com ele.
Sabrina não deixou que sua impaciência transparecesse.
— Era diferente com você, por razões óbvias. A questão é que, de alguma maneira, minha tia soube o que acontecia lá em casa. Ela era solteira e nunca tinha chegado a se casar. Vivia um pouco à margem da família, porque sabia que não aceitavam muito bem seu estilo de vida moderno e pensamentos liberais. Numa noite, ela ligou para casa e ficamos conversando por horas... — Ergueu o olhar para analisá-lo. — Ela me fez o convite para morar com ela por alguns dias, até minha mãe se recuperar da cirurgia. Quando souberam, demorou um pouco para meus pais chegarem ao consenso de que talvez fosse mais saudável se eu passasse um período fora de casa com alguém em quem eles realmente confiavam. Alguém que pudesse cuidar de mim quando eles não podiam.
Marcelo sentiu a boca seca e finalmente resolveu beber o suco que havia pedido. Como era possível que tivesse namorado Sabrina durante cinco anos e, ainda assim, não soubesse metade do que ela lhe contava?
— O que era para ser apenas alguns dias tornaram-se meses — prosseguiu ela. — Com o tempo, meus pais perceberam o quanto eu estava mudando. Diziam que minha tia havia me estragado, e quando mandaram que eu retornasse para casa, eu não quis. Não queria voltar, Marcelo. Eu estava bem com minha tia e tive uma identificação absurda com suas ideias, sua forma de pensar. Gostava do ambiente que ela me havia oferecido. Eu amava minha família, mas não queria voltar para lá. Entende?
Ele confirmou com um aceno de cabeça.
— Foi então que terminou comigo e decidiu morar com tua tia por tempo indefinido.
— Precisamente. Hoje eu olho para trás e consigo identificar alguns fatores que me levavam a agir de modo tão extremo com meus parentes. A instabilidade familiar, as ordens inquestionáveis. — Fez uma pausa para tomar fôlego. — A educação a base de gritos e as surras desmensuradas. Perder a cabeça ali não era difícil. Sabíamos ocultar nossos problemas das pessoas, mas não entre nós mesmos. Sou muito agradecida por hoje mantermos uma relação diferente. Quando meus irmãos e irmãs cresceram e se tornaram donos de suas próprias vidas, parece que todos nós amadurecemos de alguma forma enquanto uma família.
— Eu era tão cego assim que nem consegui perceber o incômodo da pessoa que amava?
O coração de Sabrina bateu mais forte. Amor? Então ele havia dito a verdade quando ela terminara o relacionamento com ele quinze anos atrás? Abriu um sorriso irônico. Era uma pena ser impossível voltar no passado e acreditar em suas palavras.
No que estava pensando? Era tarde demais para arrependimentos...
— A culpa não é totalmente sua. Eu também era especialista em esconder minhas inquietações.
— Sabrina — disse Marcelo, fazendo-a refém de seu olhar intenso —, a última vez que ouvi um de seus irmãos falar de você, ele disse que estavas morando com um companheiro há anos.
Nervosa, ela mordeu o lábio inferior. Devia contar tudo? Temia todo o constrangimento gerado e a piedade alheia. Este fora o motivo pelo qual protelou divulgar o caso até onde pôde.
— Sim, está correto. Carlos e eu nos conhecemos ao acaso sete anos atrás. A paixão foi instantânea assim que nos vimos. — Flagrou-o apertar os lábios em uma fina linha de irritação. Era possível que ele ainda estivesse interessado por ela, amorosamente? Respirou fundo, cortando os pensamentos problemáticos. — Havia um "porém": ele estava noivo. Para minha grata surpresa, a noiva terminou o compromisso com ele algumas semanas depois que nos esbarramos, o que o eximiu da cruel tarefa de acabar o relacionamento. Logo começamos a namorar. Com três anos de relacionamento, começamos a morar juntos.
— Foi um grande passo. Casaram-se? — sondou ele, sentindo que começava a ficar agitado.
— Não. Quero dizer, não oficialmente. Nunca vi necessidade e obrigação de me casar para firmar o compromisso. Para mim, bastava que fosse forjado com base na confiança e respeito mútuos. Carlos me compreendia e compartilhava do mesmo raciocínio. O que tínhamos era... inacreditável. Algo tão sublime que nem as leis da natureza poderiam explicar. Eu realmente gostava dele.
— Gostava? Não gosta mais?
Sabrina engoliu em seco, tentando recobrar a calma. Tudo escapava ao seu controle. Como pôde ter se permitido ser tão enganada?
— As coisas entre nós ficaram estranhas nesse último ano. Antes que nossa relação esmorecesse, havíamos tido uma sentimental conversa sobre parentalidade. Foi quando lhe contei sobre meu desejo de ser mãe...
— Tenho certeza de que tu darias uma ótima mãe — interrompeu Marcelo, duplamente contente. Sabrina acabara de confessar que a relação com seu parceiro revelara-se infecunda e que possuía vontade de experienciar a maternidade. Eram dois fatores que lhe causaram inesperada motivação. Daria uma ótima mãe para os meus filhos, chegou a pensar impulsivamente, mas sentiu que teve de acrescentar: — Com ou sem homem ao seu lado.
Ela abriu um sorriso incerto que o deixou em alerta.
— É engraçado você dizer isso, porque estou grávida — contou.
Um desconfortável silêncio pairou entre eles. Marcelo a encarava, aflito.
— Você o quê?
— Isso mesmo o que ouviu.
— Como diabos isso aconteceu?
— Garanto que não teve nada a ver com fertilização in vitro, ou com o espírito santo. — Marcelo mal acreditou na audácia.
— Sabe muito bem a que me referi! — Estava indignado com a capacidade dela de fazer piada com um assunto daqueles, em um momento exasperador como aquele.
— Quer que eu conte os detalhes sórdidos dessa história ou prefere que eu faça um resumão para você?
Ele sentiu que passava mal, embora sua mente ocupava-se com problemas mais importantes, como a gravidez que aparecera do nada para atordoá-lo com o golpe do destino.
— O resumão, Sabrina. Me dê o resumão.
— A verdade é que esta é uma história bastante simples de ser entendida — declarou, surpresa com a calma em sua voz.
— Vindo de você, duvido — rosnou ele.
— Eu e Carlos havíamos decidido ter um filho. Achava que estávamos na mesma sintonia, mas me enganei. Foi um risco que me dispus a correr. Sabia que podia dar certo ou não, e terminou não dando certo.
— Ele te deixou depois de descobrir sobre o bebê? — indagou Marcelo com um ar sério nos traços.
— Eu e ele terminamos há quase dois meses. Mas não foi pelo bebê em si que Carlos foi embora. Ele foi embora para se casar com a antiga ex-noiva. Segundo ele, um filho de outra mulher só atrapalharia sua vida com sua futura esposa.
— Desgraçado! — exclamou Marcelo, batendo o punho na mesa, fazendo os copos saltarem.
Sabrina o encarou, surpresa. Marcelo tinha uma personalidade pacífica; não era de brigar nem xingar ninguém. Embora, naquele instante, ele estivesse com fogo nos olhos.
— Tu ainda o amas?
— Não! Impossível continuar amando aquele sujeito desprezível. — Observou-o em silêncio, esforçando-se para não chorar, apesar de sentir a ameaça das lágrimas. Detestou ver o desapontamento naqueles olhos azuis. — Achei que ele era o homem para mim. Era divertido, inteligente. Trocamos juras de amor... que agora sei que foram falsas! O que eu amei foi nada além de uma mentira...
Era doloroso. Estava certa de que seria muito mais quando as pessoas de seu meio descobrissem que estava grávida e que o pai da criança a abandonara. Com quatro meses de gravidez, não tinha como protelar a revelação por mais tempo. A barriga cresceria e os mexericos se espalhariam como praga no local de trabalho.
Nunca mais voltaria a confiar num homem. Sem mencionar seu julgamento e discernimento, que se mostraram falhos. Como pôde ser tão tola?
— Agora que sabe, pode dizer que acha uma grande tolice o que fiz.
— Escute, eu...
— Este é um erro que não pretendo cometer nunca mais — prometeu a si mesma em voz alta.
— Por que está sofrendo tanto com isso? Mulheres solteiras têm bebês por aí o tempo todo.
Sabrina deu uma risada seca.
— Sei que pode parecer que estou exagerando, mas minha família não é nem um pouco a favor desse tipo de coisa. Acham vulgar e impróprio. Mesmo hoje, ainda não é algo completamente visto com bons olhos neste país. Eu jurava que não me importaria se algo assim acontecesse comigo, mas agora percebo como essas crenças se infiltram em nossas mentes de um modo que é difícil não se afetar. Chego a me sentir... envergonhada devido a vários fatores. Houve um planejamento a longo prazo com outra pessoa. Existia um parceiro, e ele me deixou na mão. Eu não estava preparada para isso. Não havia me preparado para ser mãe solo. Preciso mencionar como parecerei idiota contando aos meus familiares como fui terminar grávida de um homem que não teve a decência de se responsabilizar?
Lágrimas embaçaram sua visão enquanto se lembrava de como ficara assustada quando Carlos lhe contara ter reatado com a ex-noiva. Não só isso como furiosa, ao saber que fora traída tão descaradamente. Ele acabara revelando que voltara para a ex muito antes de encerrar o relacionamento com Sabrina.
Toda a raiva originada da história vivida com Carlos fê-la pensar que poderia transferir alguma mágoa para a criança. Mas era incrível como já amava aquele bebê que nem mesmo tinha nascido. Protegeria aquela vida preciosa acima de qualquer coisa.
Por ora, permitiu-se sofrer para conseguir se fortalecer e ser capaz de enfrentar os desafios que viriam. Depois, não poderia vacilar. Precisaria ser forte.
— Agora compreendo por que titubeou tanto para tocar a campainha da casa dos teus pais. Tu ias contar para eles, estou certo?
— Eu me acovardei — concordou ela com um suspiro frustrado. — Aquela seria minha primeira visita a eles depois de saber que haviam retornado da viagem a São Paulo. Mas quando vi você sentado naquela calçada, eu... não sei dizer. Apenas sabia que podia confiar em sua discrição e que não me julgaria como meus pais poderiam vir a fazê-lo. Obrigada por ter me escutado.
Levantando-se da cadeira de chofre, Sabrina caminhou com pressa para o caixa a fim de pagar a conta. Era o mínimo que podia fazer por Marcelo, que pacientemente a ouvira em seu relato até o fim.
Fora da lanchonete, ela procurou manter um sorriso corajoso no rosto quando notou que ele a encarava com as espessas sobrancelhas unidas.
— Por que estou com a sensação de que esta pode ser a última vez que nos vemos? — refletiu ele.
Sabrina hesitou, desejando que Marcelo não tivesse sido tão intuitivo. O que havia nela que deu a ele pistas sobre o que considerava fazer? Ele não era mais um garoto, era um homem, forçou-se a lembrar. Admirava todas aquelas qualidades que detectara em sua versão adulta.
— Estou pensando em me mudar, recomeçar a vida em outro lugar — confessou, destravando o carro. — Mas primeiro, preciso colocar algumas coisas em ordem. Acredito que sábado seja o melhor dia para contar aos meus pais...
Marcelo parou de escutar. De repente, não conseguia ouvir mais nada a não ser as perturbadoras palavras de Sabrina ecoando em sua cabeça: Estou pensando em me mudar, recomeçar a vida em outro lugar.
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