Capítulo 6 - parte 1 (não revisado)

– Está tudo demasiado quieto – disse Ifung, nervoso. – Já se passaram duas horas desde que recuamos e não há mais naves dos lagartos voando. Tudo o que vejo são comandos de abordagem dos solarianos aprisionando centenas de indivíduos, mas não imagino para quê. Por mim, volatizava todos ou jogava-os no seu mundo para arderem na lava.

– Verdade, senhor – disse o comandante. Aproveitou a presença do almirante e estendeu um computador de mão do tamanho de uma prancheta de escrita. – Eis o relatório do combate.

Ifung começou a ler e passou rapidamente pelas várias planilhas, muito satisfeito.

– Quem me dera que todos os nossos combates tivessem sido assim – disse, sorrindo. – Zero baixas e apenas uma nave com avarias de maior monta que podem ser reparadas em ... seis horas. E pensar que no último combate perdemos duzentos homens maravilhosos que nunca mais veremos.

– Devemos isso às nossas novas naves e também aos novos amigos, Almirante – afirmou o comandante.

– Bem sei, filho. Por favor, contate a nave capitânia e pergunte o que está havendo agora.

Na tela não demorou a aparecer o rosto do oficial de comunicações.

– Boa tarde, gostaria de falar com sua Majestade.

– Desculpe, mas o almirante está em repouso porque não se sentia muito bem – respondeu o solariano com um sorriso. – Posso passar o senhor para o comandante.

– Faça isso, por favor. – Ifung viu o rosto do comandante, fascinado com a cor da sua pele. – Como vai comandante?

– Vou bem, Almirante – disse Nobuntu. – Posso ajudar o senhor?

– Soube que sua Majestade está indisposto. Algum problema?

– Nada de grave, Almirante – respondeu Nobuntu. – Com os preparativos para a guerra, o Almirante Daniel não dormia há mais de um mês e ficou cansado, especialmente porque a ordem de destruir um mundo foi desgastante.

– À, entendo – disse o Almirante, achando que era muita frescura. – Pretendem fazer algo nas próximas horas?

– Espero que não vá embora ainda, Almirante Ifung. Temos uma reunião marcada para breve com todos os comandantes e o senhor figura entre os convidados. Além disso, tenho a certeza de que o Almirante vai desejar criar relações diplomáticas com o seu planeta.

– Nada me agradaria mais, comandante – disse ele. – Fico no aguardo do seu contato. Desligo.

– Paz, Almirante.

– Mas que grande tolice – disse o comandante, assim que a comunicação foi desligada. – Até parece coisa de mulher, ficar abatido porque destruiu um mundo.

– Lembre-se, comandante, que eles são diferentes – disse o almirante, um tanto repreensivo. – Talvez o seu alto grau de evolução os torne meio contra a violência. O que eu não entendo mesmo é como ele podia ter ficado mais de um mês sem dormir.

― ☼ ―

Pouco mais de duas horas depois de deitar, Daniel acordou sentindo-se um pouco melhor. Ficou de olhos fechados por alguns minutos, pensando em tudo. Para espantar o cansaço que ainda sentia, levantou-se de um salto e enfiou-se em baixo do chuveiro. Vinte minutos mais tarde, saía da cabine e entrava na ponte de comando.

– Coronel, reporte – pediu, olhando para o Nobuntu.

– Tudo terminado, Almirante. Tantor agora é uma lenda e levará dezenas de milhares de anos a criar uma nova forma de vida. A frota vem vasculhando os destroços e aprisionando tantorianos. Após aprisioná-los, desintegram a nave. Es que não têm vida também são desintegradas.

– O senhor recebeu a lista dos convidados para a reunião no auditório principal?

– Sim, senhor.

– Perfeito, dê ordem que sejam contatados e venham para a Dani em três horas para a reunião – disse Daniel, sentando-se na cadeira do almirante. – Após isso, vá descansar um pouco que eu assumo o comando da nave.

– Sim senhor. – Nobuntu sorriu. – Definitivamente, eu preciso deste descanso. Obrigado.

– Quem não precisa.

– Senhor – disse o oficial chefe das comunicações. – Novo relatório. O número de prisioneiros conta dez mil indivíduos. Foram confinados num dos hangares da Jessy.

– Obrigado – disse Daniel. – Quero ser informado quando terminarem e desejo a contagem final.

– Marcos – voltou a dizer para o oficial. – Manda as naves auxiliares e destroyers que não participam das buscas que se recolham às respectivas naves-mães. Vamos aliviar o tráfego.

– Sim, Almirante.

– Obrigado. – Daniel levantou-se e foi em direção à escotilha. Parou e disse. – Navegador, assuma o comando da nave. Se precisar, chame no comunicador. Vou fazer uma ronda.

– Sim, almirante – respondeu o oficial, um homem alto e muito louro, de origem polonesa. – Fique descansado.

― ☼ ―

O Daniel desceu um nível e entrou na sala da artilharia. Ali, os gigantescos painéis holográficos em 3D mostravam o espaço em volta. Como a distância era de apenas alguns segundos-luz, o planeta agonizante estava bem visível no centro da tela, talvez aparentando ter quatro vezes o tamanho da lua cheia vista da Terra. Como aquele sol era um gigante vermelho, o reflexo de Tantor era bem avermelhado, mas via-se nitidamente os vulcões furiosos que destruíam a superfície, remodelando-a para a próxima espécie que surgiria em milhares ou até milhões de anos. Aflito, Daniel evitava olhar para aquela imagem e entrou de vez na sala, que era um tanto quanto escura quando estavam em alerta para facilitar a visão dos painéis, da mira e do espaço. No momento em que a Dani entrava em ação de combate, as janelas eram fechadas, mas, em compensação, um grupo de telas muito bem montadas e ajustadas projetavam imagens tridimensionais em um ângulo de trezentos e sessenta graus, até no piso e no teto, dando a impressão que estavam soltos no espaço. Agora que apenas ficaram em alerta amarelo, as escotilhas estavam abertas e as câmeras desligadas, mas a iluminação continuava bem suave.

– Atenção, oficial superior no recinto – avisou o primeiro oficial quando viu Daniel. – Boa tarde, Almirante.

Todos eles iam levantar-se, mas Daniel fez um gesto displicente para que ficassem no mesmo lugar.

– Olá gente – disse ele. – Não precisam de se levantar. Bom trabalho. Desagradável, mas bem-feito.

– Obrigado senhor – disse Zulu. – Espero que, tão cedo, não precisemos de fazer isto novamente, senhor.

– Eu também, Zulu – afirmou o superior. – Organiza turnos e dá folga para o teu pessoal. Mantém um contingente mínimo para defesa e deixa o resto descansar. Tentem esquecer um pouco desta destruição toda.

– Sim, senhor – confirmou o chefe da artilharia. – Obrigado.

Dizendo isso, o Daniel fez um aceno e virou as costas, saindo a caminhar pela nave. Aproveitou para ir até à área médica ver a esposa. Assim que entrou na sala dela, viu-a sentada conversando com o tantoriano Olec que estava do outro lado da mesa. Ao ver o marido, sorriu.

– Entra, amor.

– Oi, Dani – disse ele com um pequeno sorriso. Virou o rosto para o cientista tantoriano e cumprimentou-o. – Como se sente Olac? Espero que tenha melhorado, já que está de pé.

– Estou bem melhor, Daniel – respondeu ele em português, para surpresa do almirante. – Vejo que ficou surpreso...

– O nosso amigo Olac tem uma capacidade impressionante para idiomas, amor – disse a esposa, sorridente. – Em pouco tempo começou a compreender o que eu e os médicos falávamos e arriscou várias frases com bastante sucesso.

– Mas isso é fantástico! – disse o almirante.

– Pois é. Ele me explicou que aprendeu mais de sessenta idiomas de povos humanos e por isso tem essa facilidade. Aproveitei e coloquei-o em uma MIC.

Daniel sentou-se ao lado da esposa e olhou de frente para o cientista tantoriano.

– A guerra acabou, Olac, infelizmente da pior forma.

– Eu vi, Daniel – disse ele. – Não é nada bom ver o seu próprio mundo ser destruído, mas tenho que admitir que a sua decência foi inigualável e o senhor tentou evitar isso até ao último segundo. A sua esposa disse que o senhor ficou demasiado abalado por ter dado a ordem.

– Sim, eu fiquei muito abalado – respondeu ele com sinceridade. – Como lhe disse antes, nós não aprovamos a violência.

– Uma pena que o meu povo tenha confundindo isso com fraqueza, Daniel. O senhor falou em salvar a minha espécie e a sua esposa já me falou dos seus planos. Estou muito curioso para conhecer essa Mirtid que foi o seu primeiro contato positivo.

– Verá nela uma fêmea muito diferente das tradicionais – disse o Daniel, pensativo. – Assim que ela se livrou do estigma da opressão e sentiu-se livre entre nós, passou a desenvolver uma atividade impressionante e é dona de um excelente intelecto.

– Isso só me dá mais vontade de a conhecer – disse Olac, muito entusiasmado. – Eu nunca me liguei a uma fêmea porque nunca desejei uma esposa submissa. Como eu disse, sempre tive muita inveja de vocês humanos nesse quesito.

– Todas as fêmeas mudam. A Mirtid foi apenas mais rápida, talvez por ser a mais inteligente das que nós medimos – disse a Daniela. – Eu vejo que o Daniel tem planos para o senhor, Olac.

– Posso saber do que se trata?

– Sim, Olac – respondeu Daniel. – O que o senhor disse há pouco me deu uma ideia interessante que pode evitar muito derramamento de sangue.

– Não compreendo – disse ele, erguendo as mãos acima do ombro.

– O senhor fala muitos idiomas humanos, Olac. Essa é a chave. Eu desejo libertar todos os mundos oprimidos e ajudar os povos humanos. Acontece que apenas eu e a minha esposa temos o dom de aprender um idioma só de olhar para a pessoa. As minhas equipes não possuem esse recuso e pode ser complicado para fazer o contato inicial. O senhor poderia ser um porta-voz e atuar como conselheiro pelo menos nos planetas que conhece.

– Essa é uma tarefa que me agrada muito.

– Acontece, Olac, que nós vamos libertar os mundos e isso implica em neutralizar ou matar os invasores. O meu desejo e aprisionar o máximo possível de tantorianos, como lhe expliquei antes, mas será inevitável que muitos morram. Quanto mais tantorianos aprisionarmos sem violência, maiores as chances de sobrevivência da sua espécie e acredito que o senhor possa ser de boa ajuda, mas preciso de saber se isso não vai provocar desconforto para si.

– Sabe o motivo que me levou de volta para Tantor em desgraça, Daniel?

– Sei – respondeu ele. – Lembre-se que li o seu pensamento enquanto conversávamos. Precisava de saber se o senhor merecia confiança.

– Se está lendo agora, verá que serei capaz de fazer a minha parte.

– Não estou lendo nada, Olac – disse o Daniel. – Como lhe disse, não temos esse hábito a não ser em casos muito especiais.

– Obrigado pela confiança, Daniel. Serei capaz de fazer a minha parte.

– Então está combinado. Vou deixar o senhor com a minha melhor oficial que vai liderar as equipes de libertação. – Daniel levantou-se e disse. – Daqui a pouco tenho a reunião com os comandantes. Evite sair da ala médica e dos seus aposentos até saberem sobre o senhor. Os meus homens ficam desconfiados com tantorianos a menos que sejam conhecidos.

– Não os posso condenar, Daniel.

– Eu vou indo – afirmou, levantando-se. Com um sorriso cortês, despediu-se. – Paz.

– Paz.

― ☼ ―


MIC – Máquina de Indução de Conhecimento. Aparelho fictício com a capacidade de transmitir qualquer informação por meios semelhantes à hipnose.


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