Capítulo 4 - parte 2 (não revisado)
Quando o planador pousou no hangar, a Daniela aguardava com a maca e dois auxiliares. Assim que o marido saiu com o ferido ao colo e colocou-o na maca, ela nem mesmo perdeu tempo com um beijo. Saiu com ele e correu para o hospital, que era ali perto, já por motivos estratégicos.
Daniel saltou para a ponte e Nobuntu deu um longo suspiro de alívio ao vê-lo incólume.
– Temo que tenha perdido o meu tempo, Coronel – disse ele, pensativo. – Esse mundo está infectado e o fanatismo deles chega a ser enervante. No entanto, conheci um que vale a pena salvar.
– Almirante, as suas roupas cheiram mal! – respondeu o comandante.
– A atmosfera daquele mundo cheira mal, Nobuntu. Vocês não imaginam como é difícil respirar lá. O ar é pesado, viciado. Quando se olha para o horizonte, a menos de duzentos metros só se vê uma nuvem acastanhada. Acho que nem na pior época do século XX, o nosso belo planeta teve uma cidade em estado tão precário. Não se veem árvores ou jardins em lugar algum. É deprimente.
– Que horror de lugar. Eu não seria capaz de viver em um mundo assim. Na verdade, não consigo imaginar um planeta sem verde.
– Mas no século vinte, muitas cidades estavam perto disto, embora nenhuma fosse comparável ao que eu vi. Bem, vou tomar um banho e descansar um pouco. Como estão as coisas aqui?
– Tranquilas, Almirante – respondeu ele. – As lagartixas não se manifestam nem atacam. É uma pena que não tenha obtido sucesso.
– É sim. – Após essas palavras, Daniel saiu da ponte e foi para a cabine.
Tirou as roupas e colocou na caixa de reciclagem, onde um robô viria pegar em horários pré-determinados. A seguir enfiou-se debaixo do chuveiro e lavou-se bem, sentindo-se muito melhor. Enquanto fazia isso, pensava sem parar no cientista tantoriano e já tinha até planos para ele, mas ainda amadurecia as ideias.
Contudo, os seus pensamentos mais constantes ainda eram a ação que teria de tomar em algumas horas.
― ☼ ―
O almirante entrou no hospital e encontrou a esposa na sua sala, fazendo anotações em um computador de mão. Sem levantar os olhos, sorriu e pensou:
– "Oi amor. Vieste para ver o tantoriano?"
– "Essa é a parte menos importante" – respondeu ele, usando o mesmo método. – "Primeiro vim beijar a minha mulher, a menos que ela não me queira mais."
Daniela riu e levantou-se, devagar. Colocou os braços em volta do pescoço do marido e deu-lhe um longo beijo, enquanto dizia:
– "Eu seria uma pessoa muito doente da cabeça se não te quisesse mais, amor."
– "Sabes, princesa. Acabei de descobrir a maior das vantagens da telepatia" – disse ele.
– "É mesmo?" – perguntou ela. – "Qual."
– "Dá para falar contigo sem parar de te beijar."
Depois dessa ela parou de o beijar e afastou-se rindo muito.
– Nunca tinha pensado nisso, mas é verdade – disse, sacudindo a cabeça com um sorriso radiante. – O tantoriano está fora de perigo. Nós conversamos um pouco e fiquei deveras espantada com o jeito dele porque parece muito mais com as fêmeas do que com os do seu gênero.
– Sim, amor – respondeu Daniel. – Por isso a minha urgência em o salvar. Em compensação, o imperador...
– Arriscaste demais indo à superfície, Daniel – disse ela, abraçando-o preocupada. – Vê se tomas cuidado porque, se te acontece alguma coisa, acho que morreria de desgosto.
– Eu precisava, Dani – disse o marido, voltando a apresentar um ar aflito. – São cinquenta bilhões de seres vivos. Eu precisava de ter a certeza que não haveria alternativa, quero dizer, na minha consciência eu precisava de justificar a incursão. É a mim que a história vai apontar como sendo o imperador que exterminou uma raça. Infelizmente, talvez tenha alvo apenas um que valia a pena. Os demais são demasiado fundamentalistas.
– Eu entendo, amor, mas apenas lembra-te que não serão exterminados e terão uma nova chance, graças às tuas decisões, sem falar que, na galáxia de Andrômeda, deve haver muitos mais.
– Tens razão – disse o marido. – Onde ele está?
– Repousando em uma cabine – respondeu. – Vamos, está mesmo na hora de ver como ele está.
De mãos dadas, o casal foi para a cabine e anunciou-se. Como o computador foi instruído a reagir ao idioma tantoriano, assim que Olac disse "entre", a porta deslizou para o lado.
Os dois entraram o olharam para ele, que estava sentado em uma poltrona, reclinado.
– Com é que se sente, Olac? – perguntou Daniel, a título de cumprimento. – Parece estar melhor, agora.
– Sim, graças aos cuidados da doutora estou bem melhor – disse o verde, sorrindo. O seu sorriso era engraçado porque eles arreganhavam os beiços bem para trás, quase colando nos ouvidos minúsculos. À primeira vista assustava, mas, depois, pareciam bem simpáticos. – Desculpem permanecer sentado, mas ainda estou um pouco fraco, mesmo para esta gravidade
– O senhor devia ter ficado na cama, Olec, para garantir a sua recuperação – disse a Daniela, aproximando-se com o scanner manual para verificar seus sinais vitais. – Está muito melhor. Em quaro ou cinco dias fica curado.
– Obrigado, doutora – afirmou o cientista. – No meu planeta eu não teria sobrevivido. Vejo que a vossa medicina é bastante avançada.
– Toda a nossa ciência é bastante avançada, Olec – disse Daniel, sorrindo para ele. – Eu já tinha dito, lembra-se?
– Sim, e já notei isso. O meu povo não faz naves deste tamanho em tem gravidade artificial tão perfeita.
– Olac – disse Daniel, ficando sério. – O que deseja fazer agora?
– Receio que a minha situação esteja complicada – respondeu ele com toda a franqueza. – Em Tantor a esta hora já estou condenado por traição, sem falar que a guerra é iminente, que eu saiba.
– É sim, Olac – disse Daniel, bem sincero. – O seu governo não se manifestou e o prazo está quase esgotado, infelizmente. Mas eu gostaria que considerasse ficar conosco.
– Eu seria um solitário, Daniel, condenado ao ostracismo em um mundo que me deve odiar pelo que o meu povo lhe fez.
– Olec, serei bem sincero com o senhor porque considero que pode ser um bom amigo – começou o Imperador do Sol. – Nós aprisionamos muitos seres da sua espécie. As fêmeas são maravilhosas, como lhe disse muito inteligentes e, também, muito sensíveis, além de serem desprovidas de preconceitos. Já os machos, tirando o senhor são todos um caso perdido. Muitos deles são se acalmaram após levarem uma surra que os deixou inutilizados por algumas horas, mas precisávamos deles para as fêmeas não morrerem.
– Aí o senhor esta a falar em me tornar um mero reprodutor, Daniel! – exclamou Olac, amargurado. – Nem mesmo o meu povo chegou a tanto.
– Calma, não é nada disso – disse Daniel, fazendo um gesto com a mão. – Eu desejo salvar a sua espécie. Desde o início eu soube que o seu povo precisava de ser erradicado, mas eu abomino esse tipo de violência. Quando descobrimos que as mulheres são dóceis, desejei ainda mais salvar os tantorianos. O meu sogro fez uma análise no genoma do seu povo e descobriu que essa agressividade toda está relacionada a um gene e tem a certeza de que o seu povo pode ser tratado para eliminar isso em uma geração. Nós temos uma droga que neutralizou os machos, mas não há como usá-la em larga escala porque precisamos de um telepata para ministrar as sugestões. Os tantorianos no meu mundo estão livres e em paz, mas estamos preparando um mundo para vocês, mas será um mundo com humanos e tantorianos, como amigos e não como inimigos. O senhor é uma pessoa razoável e não precisa de tratamento. Talvez até tenha a chave no seu genoma para acelerar as pesquisas do doutor Chang. O senhor pode ser um mentor desta nova geração de tantorianos que viverão em um mundo belo, limpo e pacífico. É isso que penso e desejo.
Olac ficou calado por algum tempo, absorvendo as informações que recebeu. Ele sabia que estava irremediavelmente atraído pelo humano. Nunca gostou do seu mundo e ficou revoltado quando foi tirado do planeta onde viva só porque o viram sendo tolerante com um dos escravos.
Ergueu os olhos e soltou um suspiro bem parecido com os humanos, dizendo:
– Não pareço ter muita escolha, Daniel, não acha? – perguntou, erguendo as mãos ao ombro. – Mas admito que a sua proposta é muito atraente.
– Posso contar consigo, então?
– Pode sim, Daniel. Eu não gostava mesmo de Tantor.
– A batalha vai iniciar em um par de horas. Recomendo que fique na cabine para não ser hostilizado até que as coisas se acalmem. Os comunicadores ficarão abertos e pode acompanhar da tela, mas não o aconselho, já que se trata da sua espécie. Sabe usar o computador para solicitar algo?
– Sim, obrigado. A doutora Chang ensinou-me a fazer isso.
– Então eu vou indo, Olac – disse Daniel com um suspiro. – Eu tenho uma tarefa muito desagradável pela frente, mas precisa de ser feita. Paz.
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