Capítulo 4 - parte 1 (não revisado)

Olac estava muito abatido com as informações que obteve. O primeiro abalo na sua confiança como um ser superior foi descobrir que havia humanos muito mais avançados e fortes que eles. Como cientista que era e ainda por cima especializado em biologia extraplanetária, conhecia vários mundos e também humanos, sem falar que era a maior autoridade tantoriana em humanos. Sabia que as suas capacidades intelectuais excediam em muito o que aqueles povos escravizados sabiam e que poderiam evoluir bem mais, talvez tanto quanto um tantoriano, mas nunca imaginou que fossem tão superiores. Ao contrário da maioria absoluta dos companheiros de espécie, ele não compartilhava o ódio pelos humanos, talvez porque fosse justamente um cientista, mas era-lhe muito difícil ver os humanos como algo superior a uns animais de estimação melhorados.

Agora, além de todas as suas crenças e dogmas terem sido destruídos, acabou de descobrir que o ultimato era um fato e que não devia ser um blefe. Ele não sabia como seria morto, mas, se o seu mundo fosse destruído, não desejava sofrer. Entrou em casa e foi até ao quarto.

Ele era um solitário há muitos anos que não tinha nem fêmeas nem crias. Abriu uma gaveta e pegou uma arma de laser, mas descobriu que estava descarregada há muitos anos e não tinha cargas extras nela. Mais para dentro, encontrou uma pistola de baixo calibre, capaz de fazer um estrago suficiente para matar e decidiu que tiraria a própria vida com ela caso houvesse alguma possibilidade de sofrimento.

Não desejando ficar em casa esperando o fim, achou que era bem apropriado morrer na rua, mas sentia pena de estar naquele mundo e não em um dos mundos humanos que estudou. Caminhando devagar, aproximou-se da porta e saiu sem se preocupar em fechar a casa.

Nesse momento, algo o fez arregalar os olhos porque, a cinco metros dele, o mesmo humano voltou a surgir do nada. Ergueu a arma e apontou com toda a calma porque ele estava de costas, olhando para algo no seu braço.

Já ia premir o gatilho quando se deu conta que isso não mudaria nada o fato de serem mortos em breve, já que havia muitos mais humanos de onde ele veio.

Mudando de tática, baixou ligeiramente a arma e deixou a curiosidade científica falar mais alto.

– Estou com uma arma apontada para as suas costas, então não tente fazer gracinhas, humano – disse Olac, vendo que ele se empertigou um pouco. – Agora, vire-se devagar que desejo falar com você.

– É a primeira vez que vejo um de vocês falar primeiro e atirar depois, especialmente estando em uma pretensa vantagem – disse Daniel sorrindo enquanto se virava. – Por acaso ficou esperando por mim aqui para me pegar?

– Não, não fiquei – respondeu o sujeito. – Na verdade, a probabilidade de uma pessoa sensata retornar a este local é demasiado baixa.

– É verdade. – Daniel encolheu os ombros. – Talvez eu seja menos sensato do que pareço, mas este beco é o lugar mais tranquilo que vi no seu mundo. Então, se não veio na intenção de me pegar, o que fazia aqui e armado?

– Acho que eu é que deveria fazer as perguntas, humano, já que sou eu que lhe aponto uma arma, mas não me importo em responder. Eu estava saindo para a rua armado para pode me matar quando não houvesse mais salvação, caso o que vocês planejam seja cruel.

– Nós não somos cruéis, meu amigo – disse Daniel, rindo. – Na verdade, eu tentei usar de todos os meios pacíficos até que o governo do meu mundo chegou à decisão final, já que o seu povo é irredutível. Se quer conversar comigo, eu não me importo nada. Pelo menos o senhor é sensato, ao contrário do idiota do seu imperador, mas acredito que conversar com essa arma apontada pode ser cansativo para si. Então, aconselho que baixe a arma e conversemos tranquilamente. Como se chama?

– Sou Olac – disse ele. – Eu não sou tolo, humano...

– Pode chamar-me de Daniel.

– Eu não sou tolo, Daniel – voltou a dizer ele. – Se eu baixar a arma você me domina e está tudo acabado... para mim.

– Se lhe quisesse fazer mal, Olac, eu já teria feito. Inutilizei a sua pistola desde o momento que senti o seu pensamento apontando-a para mim. Pode atirar que verá que não menti.

Olac baixou a arma e olhou para o almirante. Inclinou o rosto para um lado, observando o Daniel com toda a atenção. Ao fim de algum tempo, perguntou:

– Por que não me respondeu?

– Responder o quê? – perguntou o jovem.

– Fiz uma pergunta mental...

– À, tá. Agora entendo. Eu não estou lendo a sua mente, já que você não me oferece riscos – disse Daniel. – Não gosto de invadir a privacidade de ninguém e só usamos esse recurso para nos protegermos ou nos comunicarmos com intimidade.

– Definitivamente você é impressionante – disse o reptiliano, pensativo. – Não consigo entender onde poderia enquadrar o senhor na escala humana.

– Por quê? – perguntou Daniel, espantado.

– Eu sou a maior autoridade do Império em se tratando de humanos, Daniel, e nunca vi um como o senhor.

– É natural, da mesma forma que não conhece os centurianos. Vocês só conhecem mundos humanos primitivos, mas todos nós somos descendentes de colonizadores centurianos e o mais provável é que nem se lembrem mais da guerra que travaram contra eles há muitos milhares de anos. Infelizmente, a maior parte desses povos regrediram à barbárie e recomeçaram do zero. Os centurianos entregavam as colônias à própria sorte.

– Mas o senhor apresenta diferenças grandes, como esses bons, fora a tecnologia muito avançada até para nós.

– Sim, nós passamos por uma mutação que acelerou a nossa evolução, mas os outros povos acabarão por ser assim – explicou o imperador do Sol. – Agora me explique uma coisa. Por que motivo o senhor parece ser o único tantoriano sensato?

– Sensato em que sentido?

– Você é o primeiro tantoriano que não tem um fanatismo louco para nos matar, Olac – disse o Daniel. – Se eu tivesse lidado com gente como o senhor quando o seu povo invadiu um dos nossos planetas estou certo de que não teria havido a guerra.

– Eu estudei muito os humanos – explicou ele. – Sou cientista e confesso que chego a simpatizar com vocês porque aprendi inúmeras coisas boas com humanos, mesmo os primitivos. Mas, se eu disser isso para alguém, seria fuzilado.

– Entende agora o fato do meu povo ter feito este ultimato?

– Sim, entendo – disse ele, cabisbaixo. – Mas admito que, apesar de não temer a morte, não gostaria de morrer.

– Já lhe ocorreu que o seu gosto em relação a nós humanos poder ser algo similar a um apego com um animal inferior e que nós somos incomparavelmente superiores a vocês, Olac? – perguntou Daniel, muito sério. – Eu gostaria de o salvar, mas você vai sentir um choque cultural gigantesco.

– Se me quer salvar, Daniel, então salve o meu mundo e impeça os seus companheiros de o destruírem.

– Nem mesmo eu tenho o poder de fazer isso a menos que o idiota do seu imperador se renda – disse Daniel, encolhendo os ombros. – Se conhece tão bem os humanos, pelos padrões que possui devia saber que hipoteticamente não teríamos poder para isso, então por que teme o fim do seu mundo tanto assim?

– Um general falou comigo após o senhor sair daqui. Pensaram que eu tinha algo a ver com o sujeito que você matou antes – explicou o tantoriano. – Por que motivo disse "nem mesmo o senhor", Daniel.

– Porque eu sou o imperador, Olac – respondeu Daniel e o reptiliano arregalou os olhos. – Acontece que a votação dos cinquenta e um governadores planetários foi unânime. Só posso revogar a ordem se o imperador desistir e se render. Por isso eu vim aqui, para falar com ele e tentar não destruir este mundo. O senhor não imagina como eu abomino a violência.

– E se eu pegar o senhor de refém – perguntou ele, voltando a erguer a pistola. – Eu estou armado, você não.

– Já lhe disse que inutilizei a pistola – disse Daniel. – Além do mais, o seu imperador e uma grande quantidade de soldados já tentaram isso, sem conseguir nada.

Olac voltou a baixar a arma, abatido. Soltou um longo suspiro, gesto bem parecido com o humano, e disse:

– Então, só me resta esperar o fim. Só não entendo como o senhor se arrisca assim para evitar a destruição do seu inimigo e menos ainda como sairá daqui.

Daniel coçou a cabeça, triste.

– São riscos calculados, mas posso ir para a minha nave usando a força do pensamento. – Calou-se por alguns segundos e suspirou, pensativo. Após, continuou. – Olac, venha comigo. Eu vejo que é muito diferente dos seus irmãos.

– Não pretendo viver longe dos meus, Daniel. Talvez fosse muito pior do que a morte.

– Tenho muitos prisioneiros tantorianos que eu tratei com uma droga para deixarem de ser violentos, e muitas fêmeas, também. A minha intenção é salvar a sua espécie da extinção, Olac. Vou-lhes dar um novo mundo, mas será bastante diferente – disse Daniel quase que de um só fôlego. – Tenho a certeza que um homem como o senhor fará a diferença, por lá, uma grande diferença. Mas precisa de se decidir agora. Pense bem, o senhor pode orientar o seu povo a criar uma nova sociedade bem diferente desta, sem os vícios dos seus irmãos de raça...

– Alto, humano. Renda-se imediatamente.

Enquanto conversavam, ambos deixaram de prestar atenção ao beco. Por isso, Daniel assustou-se quando ouviu o berro autoritário à sua esquerda. Reagindo por instinto deu uma pancada rápida no botão que ativava a barreira de proteção bem a tempo de se proteger de uma chuva de balas que recebeu. Logo depois, viu o seu interlocutor caindo, gravemente ferido.

Olac arrastou-se para trás de forma a escapar do fogo e, quando os soldados ficaram se munição, correram a atacar o almirante. Ele viu o humano avançar em passos rápidos e, de repente, parecia que inchava. Quando ainda faltavam os dez metros para os dois grupos se encontrarem, ele viu Daniel fazer um movimento de ataque, só que ainda estava demasiado afastado para atingir quem quer que fosse.

Embora estivesse ferido, o seu sentido científico ficou ainda mais abalado ao ver que tudo o que estava na frente do estrangeiro e não estivesse firmemente agarrado no chão foi projetado para trás com extrema violência.

Não sobrou nada dos soldados, que tiveram os corpos esmagados. Logo após isso, viu o humano dar meia volta e voltar a correr na sua direção. Abaixou-se e tentou ajudar Olac a sentar.

– Foi grave? – perguntou, preocupado.

– Receio que sim, Daniel – respondeu ele. – Acho melhor o senhor ir embora. Acabou de matar um general e eles tem dispositivos no corpo que dão o alarme na central caso um seja ferido ou morto.

– Não vou deixar você morrer aqui, Olac – disse Daniel. – O senhor é demasiado importante para o seu povo.

– Eu já disse...

– Confie em mim, Olac. – Daniel Ergueu o pulso e falou para o relógio. – Computador, chame o tenente Soares.

– Soares – disse uma voz e Olac viu a projeção de uma imagem tridimensional. – Oi, Almirante. Permaneço no mesmo lugar, mas recomendo que se apresse porque isto está um enxame de naves.

– Certo, tenente – concordou Daniel. – Vou subir agora com um tantoriano ferido. Não se assuste.

– Sem problema, Almirante.

Daniel desligou e olhou para o ferido, dando um sorriso encorajador.

– Vou transportar nós dois para a naveta, no espaço. Não se assuste e prepare-se para uma variação brusca na gravitação. Na nave, minha esposa tratará do senhor.

– Isso é uma das coisas que eu mais admiro no seu povo – disse Olac, já com a voz fraca. – As suas fêmeas são muito mais capazes e vocês tem um relacionamento que o meu povo desconhece, infelizmente. Acho que é por isso que sempre fui um solitário e nunca tive fêmeas, exceto na juventude. Talvez alguns hábitos humanos tenham ficado arraigados em mim por ter convivido com eles tempo demais.

– Bem, Olac – começou Daniel enquanto pegava o tantoriano ao colo. – O que é bom, deve ser absorvido. As suas fêmeas são muito mais inteligentes que os machos, para sua informação. O problema é que elas foram submissas e maltratadas por milhares de anos.

Daniel calou-se e o tantoriano descobriu que não estava mais no seu mundo. Primeiro, sentiu logo o estômago embrulhado com a súbita mudança de gravidade, mas, como estava mais do que habituado a isso, adaptou-se em poucos segundos. Após, notou que o ar era muito puro e bem mais rico em oxigênio. Finalmente, foi a diferença na temperatura, quase dez graus menor e na luminosidade fraca. Daniel colocou-o em uma poltrona e reclinou-a.

– Fique quieto para não perder sangue – recomendou. – Chegaremos à nave em alguns minutos. – Apertou um botão na poltrona e a tela da imagem do espaço apareceu ao seu lado. – Assim, o senhor pode se distrair um pouco.

– Onde estão os cintos de segurança? – perguntou ele. – Sinceramente, acho que o meu corpo não vai resistir à aceleração, Daniel.

– Não sentirá nada, Olac – o jovem sorriu. – Lembre-se que está em uma nave humana e não nas do seu povo.

Ele avançou os poucos passos até à poltrona do copiloto quando a nave foi atingida com violência. O brilho da explosão atômica foi de tal forma intenso que as telas escureceram de imediato.

– Eles vêm tentando nos acertar, Almirante – disse o piloto. Sabem que estamos aqui, só que agora devem ter visto com precisão o lugar e vamos passar a ser alvo constante.

– Isso é mais do que lógico, tenente – disse Daniel, estendendo a mão e ativando os campos de supercarga. – Tire-nos logo daqui que estes campos de força não são páreo para um ataque maciço.

A nave acelerou, mas sofreu mais dois impactos diretos. Em pouco tempo, uma avalanche de mísseis voava em direção a eles. O piloto soltou uma praga e acelerou a naveta, fazendo logo um parafuso para evitar mais daqueles torpedos. A seguir deu um mergulho de quase trinta mil quilômetros e voltou a subir, saindo da atmosfera bem no meio de dois cilindros dos verdes. Mal passou por eles e ainda acelerando, fez novo desvio de quase noventa graus para passar no meio de umas duzentas naves de guerra.

Os alarmes de solicitação excessiva dos campos de neutralização começaram a apitar e o piloto desligou-os com outra praga. Daniel levantou-se e foi ver o tantoriano, enquanto dizia para o piloto:

– Soares, trate de ir para a Dani o mais rápido possível – pediu com toda a calma. – Avise a equipe médica que temos um tantoriano precisando de socorro urgente.

– Sim, Almirante – disse, ele. – Fique descansado que já os despistei. Atenção Dani. Aqui fala a naveta Dani P I, o almirante solicita a presenta da equipe médica na plataforma de pouso para socorrer um tantoriano ferido à bala. Estimativa de chegada em noventa segundos.

– "Positivo, P I, a doutora Chang já está ciente." – respondeu o operador da nave.

– Como se sente? – perguntou Daniel.

– Fraco, mas este ar e a fraca gravidade amenizaram um pouco. Por favor, me diga como não morremos esmagados e como aguentaram um impacto direto de um míssil?

– Os nossos campos de força são bons, Olac, o senhor não imagina o quanto – Daniel sorriu –, e temos excelentes neutralizadores de inércia. Esta navezinha atinge a velocidade da luz em poucos minutos. Agora poupe as suas energias.

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