Capítulo 2 - parte 4 (não revisado)

Um silêncio profundo formou-se no congresso até que algumas pessoas começaram a bater palmas. Foi uma salva isolada, pequena, de início. O barulho das palmas aumentou gradativamente. Em poucos segundos, todos os participantes estavam de pé, aplaudindo e gritando. Apenas os membros do congresso ficaram quietos, aguardando o desfechar das coisas. Por mais de dez minutos, o barulho continuou e isso não foi só no congresso. Todos os que viam na univisão, tinham a mesma reação. Quando passou dos limites, um alto-falante muito potente berrou para os espectadores. – "Silêncio no congresso." – Devagar, foram-se acalmando.

– Eu atesto a autenticidade deste testamento – continuou o magistrado, muito sério. – E não há a menor dúvida da sua veracidade. Entretanto, parte dele perdeu a validade.

Murmúrios e protestos, correram pela sala, enquanto o magistrado era vaiado pelo público.

– Senhores, por favor, isto é o Congresso Imperial, mantenham a pose. O fato da indicação para o trono ser inválida é simples: estamos em guerra. Pela Constituição, em tempos de guerra o Imperador tem poderes absolutos e ele nomeou, ainda vivo e lúcido, o Almirante Daniel para seu sucessor. A autenticidade é incontestável porque foi feito na frente de inúmeras testemunhas bem como em onda aberta. Além disso, deu-lhe o Anel Imperial. O Almirante Daniel Moreira é hoje o Imperador do Sol e isso é incontestável e inexequível. Tenho dito.

Nova gritaria no congresso. Quando se acalmaram, o primeiro-ministro subiu à tribuna.

– Cidadãos, isto é inaceitável. – Uma onda de vaias surgiu da população. Quando pararam, o homem continuou. – Este jovem é apenas um rapazinho polêmico e imaturo. E o pior de tudo: trouxe a guerra para a Humanidade depois de oitocentos anos de paz. Ele é inadequado para governar e não passa de um demagogo.

Saiu da tribuna vaiado pela população. O governador de Terra-Nova pediu a palavra, subindo e ajeitando o microfone de modelo antigo.

– Cidadãos, nada disso que sua excelência afirmou é verdade. O meu mundo foi cruelmente atacado à traição e tivemos mais de dez mil mortos. Se não fosse este "jovem imaturo", como afirmou sua excelência o primeiro-ministro, a Terra provavelmente já estaria escrava dessa raça de invasores. Eu presenciei tudo e fui um dos prisioneiros que ele libertou. Estávamos à beira da morte. Além disso, eu vi com os meus próprios olhos como ele e mais duzentos e poucos homens, lutaram e derrotaram noventa mil inimigos, numa luta feroz e corpo a corpo. Isso não é o comportamento de um jovem polêmico, porque um jovem polémico, senhores, jamais arriscaria a própria vida pelos outros. Não foi ele que trouxe a guerra para nós, mas sim a salvação; Terra-Nova vota por ele, embora não seja necessário já que foi nomeado em tempo de guerra. Ele é o imperador que precisamos. – Saiu da tribuna e deu lugar para o avô do Daniel.

– Cidadãos. Quando o Imperador pensou que o almirante Daniel procurava proveito próprio, culminando na morte da sua mulher, nós pensamos seriamente em derrubar o governo e condenar Saturnino à pena capital por assassinato. Nós queríamos e tínhamos o poder para isso. O imperador estava acuado, mas o meu neto Daniel, ainda arrasado pela morte da esposa, apareceu na nossa reunião com o Imperador, bem na hora em que ele ia dizer que abdicaria. O meu neto, o qual tenho muito orgulho de chamar de neto, afirmou que ele não deveria abdicar porque a humanidade precisava de união e não de desordem. Isso não é um comportamento de um jovem imaturo ou demagogo. Ele forneceu-me os planos de construção da sua primeira nave porque só eu acreditei nele. Nós construímos cinquenta naves iguais à dele, que expulsaram quinhentas mil unidades inimigas do nosso território. Isso significa que o meu neto deu combate a uma frota dez mil vezes maior que a nossa e venceu sem dificuldades. O Almirante Daniel Moreira é a pessoa indicada para o trono. Ele foi o único homem da raça humana capaz de ter a visão necessária para garantir que a humanidade continue livre e ativa. Esse é o trabalho de um Imperador. O povo de Vega XII vota por ele com muito orgulho.

Mais quatro governadores deram o seu voto e os aplausos aumentaram mais, quando Daniel levantou-se e pediu a palavra. Mal Ficou de pé o silêncio foi tão imediato que chegou a ser constrangedor. Quase que magnetizados, acompanharam-no com os olhos, seguindo os seus passos até à tribuna. Daniel sentia-se estranho, porque o silêncio era completo e total pela primeira vez que estava ali, pesando sobre si. Olhou para todos e começou a falar devagar, mas firme.

– Meus irmãos. Eu não estou aqui no patíbulo para discutir se sou melhor ou pior para a humanidade e nem mesmo gosto de chamar a atenção! Perguntem a qualquer amigo meu, exceto o meu primo, claro, que adora chamar a atenção por mim. – Ele sorriu e alguns riram do comentário. – Eu nem mesmo gostei de ser nomeado Almirante da frota. Sou jovem sim, tinha quinze anos quando perdi a minha primeira mulher. Naquela época eu sonhava em explorar o Universo. Quem de vocês, quando criancinha, não desejou fazer isso? Mas muitos, senão todos, "deixaram assim". Acontece que o meu desejo era tão intenso que concentrei todo o meu saber nessa direção, criando novas tecnologias para isso. A curiosidade é a nossa mola impulsora e foi justamente ela que me conduziu neste sentido. Entretanto, eu também sentia uma ameaça eminente. Não sei explicar para vocês o porquê, mas a minha maior preocupação é a nossa humanidade. Por isso, acabei aceitando e me tornando o Almirante do IS. Somos uma maravilhosa união de cinquenta mundos, em breve cinquenta e um, e não nos podemos dar ao luxo de discutir entre nós se sou ou não legalmente capaz. Irmãos, infelizmente para mim, o imperador tinha razão. Eu sou a única pessoa hoje que pode nos ajudar a acabar de vez com esta letargia que vimos passando. Por mim, a esta hora estaria a meio caminho de Andrômeda com a minha espaçonave que construí com os meus recursos pessoais e com esse objetivo, mas não fui; estou aqui, aceitando este cargo conforme a minha promessa solene feita publicamente ao falecido Imperador no seu leito de morte. Acho que os que não estão de acordo deveriam repensar nas coisas, pôr a mão na consciência e meditar sobre tudo, porque ou a coisa é pessoal, contra mim, ou vocês não se interessam pelo bem do Império. Qualquer falta de união agora poderá ser fatal para a nossa raça. Há lá fora um terrível perigo que ameaça a nossa existência. Podem ter a certeza de que não pretendo ficar para sempre no poder, nem mesmo o desejo. Mas, acima de tudo, desejo o bem-estar do Império do Sol. O senhor, vossa Excelência – olhou sério para o primeiro-ministro –, o que faria no meu lugar como imperador? Como levaria o império à vitória e à prosperidade. Qual de vocês, que se opõem a mim contra a lei suprema, propõe um plano de governo que ajude a Humanidade e que nos faça ainda melhores? Digam-me porque, se eu achar válido e viável, entrego de bom grado o Anel Imperial, o cargo de Imperador e parto com a minha nave para explorar o Universo, como sempre sonhei.

Ele saiu da tribuna em meio a um silêncio opressor e sentou-se na cadeira que lhe foi destinada. Em todo o congresso o silêncio tornou-se tão intenso que assustava, mas ninguém se animava a falar. O primeiro-ministro levantou-se, resoluto, após mais de trinta segundos de reflexão e falou em altos brados, sem nem mesmo ir para a tribuna:

– Cidadãos, eu estava errado e peço desculpas a todo o Império. Alteza, a sua mesa é ali.

O barulho foi ensurdecedor e o desembargador teve de ameaçar evacuar a sala. Apesar de não ser necessário, os governadores foram confirmando e reconhecendo Daniel como o próximo suserano. Ele foi aceite com cem por cento de aprovação, embora dois dos governadores hesitassem. A presidente do congresso subiu na tribuna.

– Cidadãos, amanhã teremos a coroação do novo imperador, Daniel Moreira, da nova dinastia, a terceira. Hoje, o congresso entra em recesso e amanhã passará a ser feriado Imperial, se os colegas assim aceitarem. Longa vida ao Imperador Daniel da dinastia Moreira.

– Bota longa nisso, minha querida – disse o Daniel avô de si para si bem baixinho, irrompendo numa tremenda gargalhada que fez os seus vizinhos o olharem atravessado –, já que, no mínimo, vai viver entre mil e dois mil anos, senão bem mais. Ninguém pode calcular um grau cem.

Logo depois, rebentou noutra estrondosa gargalhada.

Daniel foi ovacionado e abraçado por tantos quantos podiam. Gentil, ele sorriu e tentou sair de fininho. Aproveitou uma distração de todos, desmaterializou-se e apareceu na sua cabine de comando.

– "Vô, eu fugi daí. Estou na minha nave" – pensou ele, dirigindo o fluxo mental apenas para o governador de Vega.

– "Ok, querido. Estão dando tratos à bola para saber onde te meteste. Estou indo para aí" – recebeu uma risada mental.

No espaçoporto, a nave estava com uma tripulação bastante reduzida, mas, mesmo assim, havia gente suficiente para uma partida de emergência. Todos os que o viam andando pelos corredores, sorriam-lhe gentis.

– "Alteza" – diziam uns, inclinando-se. – "Majestade" – afirmavam outros, também com uma pequena mesura.

– "Almirante" – respondeu ele, sorrindo. – "Aqui, sou apenas o Almirante." – Ele tentava.

– "Não, Alteza, o senhor será para sempre o nosso Almirante, mas agora é o nosso Imperador, além de Almirante, e estamos muito felizes." – Daniel pensou um pouco e falou.

– "Ok, mas em ação, sou o Almirante. E, por favor, nada de ficar de joelhos na minha presença. Não sou mais do que vocês. Eu proíbo-o."

A vida na super-nave continuava, normal como sempre. Daniel procurou pela esposa, expandindo a sua mente. Ela estava no setor científico da nave, junto com o pai.

Saltou diretamente para lá para encontrar ambos em uma animada discussão sobre a pesquisa que faziam em relação ao casal extra-terrestre.

– Oi, princesa...

– Acho que imperatriz seria mais correto – disse o sogro, brincalhão. – Eu acompanhei a reunião. Parabéns, foi um discurso emocionante, pequeno mas tocante.

– Obrigado, mas prefiro princesa. – Ele beijou a Daniela, que se abraçou a si. – Novidades?

– Sim. Pai, conta-lhe tu.

– Filho...

– Como é bom me chamarem de forma mais sensata.

– Filho – repetiu o sogro, rindo. – Estas criaturas são geneticamente idênticas a nós. Ipsis Litteris.

– Tem a certeza, meu pai? – Não há a menor hipótese de um erro nas suas análises. Isso tem uma implicância fenomenal e porá o império de pernas para o ar.

– Absoluta, Daniel. Não só tenho como também digo que possuem um alto coeficiente intelectual e aquela coisinha linda ali, bem como o seu irmão, são portadores de grau dezenove.

– Então, presumo que não somos originários deste mundo.

– Pode ter a certeza, filho. Na minha opinião, é muito provável que a resposta a isso...

– Deva ser na tal Centúria – interrompeu o casal, ao mesmo tempo.

– Exato. A única raça humanoide que supostamente tem uma tecnologia no mesmo nível que nós ou até superior.

– Assim que tudo isto acabar, rumamos para lá – disse Daniel, tomando uma decisão. – Quero respostas precisas; por isso, ainda não vamos tornar isto público.

– Sabe onde é? – perguntou o sogro, meio espantado.

– Sim. Fica na constelação de Leão: 72 Leo, a cerca de seis mil e setecentos anos-luz daqui. Temos todos os dados dos tantorianos, graças ao João, que invadiu o setor de memória dos computadores de navegação das naves apreendidas. Eles só não sabem em que planeta fica. Dani, vamos para casa? Amanhã vai ser um dia danado, para nós dois e não durmo há muitos dias.

– Pai – disse ela, sorridente. – Precisas de mim?

– Não, meu amor. Fiquem em paz.

– Paz para o senhor também, pai.

De mãos dadas, ambos desapareceram.

– "Que rapaz espetacular" – pensou o sogro, voltando ao seu trabalho. – "Agora sim, o império vai avançar como nunca."

Materializam-se no carro e seguiram viagem, com Daniel dirigindo, feliz.

– "Vamos jantar no japonês?" – perguntou para a mulher.

– "Sim, amor. Depois a sobremesa... em casa." – Ela deu uma risada muito alegre.

O jantar foi ótimo porque o restaurante era um dos melhores da capital. Para frustração do rapaz, todos o reconheceram e aplaudiram. Ele conseguiu um lugar reservado em uma sala particular e o par arranjou um pouco de privacidade.

Em casa, acabaram mesmo sem dormir mais uma noite, coisa normal em um par de recém-casados, em especial com a energia deles.

― ☼ ―

Designação latina bastante usada que, a rigor, significa literalmente.

Ver Dragão Branco I ou o prólogo deste livro. O grau dezenove é perto do limiar da mortalidade infantil provocada pelo gene.


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