Capítulo 2 - parte 3 (não revisado)

– Bom dia, Alteza – disse o avô, sempre brincalhão. – Pronto para a confusão?

– Pronto, vô. – O Daniel sorriu. – Como será lá?

– Primeiro, vão ler o testamento do Imperador – explicou o governador, enquanto subiam para a cobertura de forma a pegarem um planador. – Será um magistrado a fazê-lo. Depois, vão debater a nomeação, só que não poderão fazer absolutamente nada. Terão de te engolir, mas seria bom que todos aceitassem por unanimidade. Infelizmente, terás pelo menos quatro oponentes entre eles o primeiro-ministro.

– Isso dá menos de dez por cento.

– Eu solicitei que esta audiência fosse aberta ao público e também transmitida ao vivo, no interesse maior do Império dada a nossa situação ímpar. Todas as nossas sessões são ao vivo, menos a nomeação do imperador. Devido ao estado de exceção, acataram a minha solicitação por maioria, exceto os quatro que te mencionei. Daniel, isso dará uma grande vantagem para ti porque o povo está do teu lado.

– É, vô, mas eu sempre li muito e sei que, de herói a vilão, para a memória do povo é apenas um escorregão.

– Talvez, meu querido, mas sei que tiras isso de letra. Amanhã será a coroação. Pronto, chegamos.

O congresso consistia no antigo prédio da assembleia legislativa, no centro antigo da cidade, perto da grande catedral. O edifício com várias centenas de anos estava todo reformado e aquela região da cidade ainda era toda original, mantida como uma parte histórica da Porto Alegre milenar. Apenas não havia mais veículos rodando ali porque era tudo um parque gigantesco onde os prédios, preservados, foram transformados em museus de todos os tipos. O transporte era feito por planadores públicos ou particulares, estes últimos em áreas restritas. Desceram no terraço do congresso e um agente levou o planador para outro prédio que foi reformado de forma a ser um estacionamento. Daniel aproveitou para olhar a vista daquele local, de uma beleza fenomenal. Sem pensar, foi até ao parapeito do terraço e olhou a paisagem que se estendia além do rio Guaíba. O edifício, por estar em um local alto, mostrava todo o centro da Cidade Jardim. A vista alcançava até ao cais do porto, na beira do rio, onde várias ilhas eram visíveis dali.

– Que vista maravilhosa, vô.

– É sim, Daniel, não há um de nós que não perca uns minutos para apreciar este espetáculo de grande beleza, mas o mais belo é o pôr do sol sobre o Guaíba. Dizem que é um dos mais belos da Terra e eu não duvido nada disso. Vem, vamos embora porque está quase na hora. – O avô mostrou o elevador antigravitacional por onde desceram até à sala do parlamento. Caminharam por vários corredores até chegarem a um salão enorme.

Em um semi-círculo, formando duas filas em desnível, sentavam-se os cinquenta governadores, cada qual com a sua área. De frente para eles, havia uma tribuna onde os oradores falavam para o congresso. De frente e à direita dos governadores estava a mesa do Imperador e, à esquerda, a do primeiro-ministro. Eram duas mesas de escritório, grandes, em madeiras nobres e muito feias na opinião do Daniel. Quando avô e neto chegaram, o primeiro-ministro convidou o jovem a sentar-se em uma cadeira ao seu lado, uma vez que ainda não foi confirmado, enquanto o governador de Vega XII sentou-se no seu lugar. A distribuição de dos governadores planetários era em ordem de idade, ou seja, quanto mais antiga a colônia, mais próximo à mesa do Imperador ficava. Como o mundo do avô Moreira era o segundo em ordem de colonização, este ficava em segundo lugar na fila, ao lado do governador de Terra-Nova, a colônia mais antiga do Império. Para evitar favoritismos e por ser a sede do Império, o governador da Terra era o último. A mesa do Imperador permanecia vazia. Cada lugar tinha um terminal de computador e equipamento completo de comunicação, inclusive de superonda, para contato com os governos regionais de cada mundo. Atrás deles, ficava uma plateia não muito pequena, aberta ao público e, em cima, uma área para a imprensa. Todas as reuniões eram públicas, mas nunca uma delas gerou tanto interesse, ainda mais considerando que aquela era aberta ao público pela primeira vez da história do Império, apesar de só ter havido dois imperadores.

A sala estava muito cheia e Daniel sentia-se um pouco nervoso e deslocado, embora o seu treinamento prevalecesse, fazendo com que entrasse calmo e sereno. Vestia-se de forma simples e olhava para todos os lados, prestando atenção em tudo como sempre fazia em um local desconhecido. Era incrível como aquele congresso ficava diferente quando era visto ao vivo em vez da univisão. Os dois foram os últimos a entrar e sentar. Todos os outros lugares já estavam ocupados há algum tempo.

Tão logo sentaram-se, um magistrado levantou-se de uma mesa improvisada, de costas para a tribuna e de frente para o congresso. Ele seguiu em direção ao púlpito, pousou vários documentos em cima, ajustou o microfone, que era à moda antiga, e olhou para todos. Um grande silêncio formou-se nesse instante. Sorriu, e começou a falar com uma voz grave, séria e muito agradável.

– Boa tarde, governantes e cidadãos. Sou o desembargador Jack Centerford e fui chamado a este congresso para oficiar o testamento do Imperador Saturnino I, que representa o seu último desejo em vida. Ele foi gravado em vídeo e documentado por mim, o qual atesto, desde já, a sua total autenticidade.

A um comando do magistrado, um grande telão desceu atrás da tribuna. Surgiu a bandeira do império que, ao fim de dez segundos, deu lugar à imagem do Imperador. Ele estava vestido com as roupas cerimoniais da sua dinastia. Na cabeça, a coroa do IS e, na mão esquerda, o ceptro. Olhou por uns segundos para a câmera, sério e calado. O efeito que se sentia é que ele observava um por um os presentes no congresso, que ficaram mudos. Saturnino iniciou o seu monólogo.

"Governantes e cidadãos do Império do Sol. Todos os imperadores são obrigados a deixar um testamento sempre atualizado, de acordo com as regras da nossa Carta Magna, onde indica um sucessor em caso de morte prematura. Eu precisei de mudar o meu testamento, coisa que vinha relutando em fazer. O motivo foi a morte trágica e prematura da minha sobrinha, a última família que eu tinha. Ela era a minha indicação ao trono. Quando faleceu, vivia em união estável com um homem que, na época, trouxe certos conflitos para mim. Por direito legal, já que eles viviam juntos há mais de três meses, todos os bens dela são dele, em face da minha sobrinha não ter um testamento nem herdeiros diretos. Ele nunca reclamou por tal direito até porque o seu patrimônio é infinitamente maior, mas, como primeiro desejo no meu testamento, quero que as coisas sejam feitas da forma correta e os bens da minha sobrinha lhe sejam confiados...

Nesse período, tive a oportunidade de conhecer esse homem fenomenal que, apesar da pouca idade, provou uma maturidade e equilíbrio que só encontramos em seres vivos de mais de cem anos. Os seus atos e pensamentos sempre foram virados para o bem-estar da humanidade. Enquanto eu pensava que ele criava algo para usar em benefício próprio, esse homem pensava em nos salvar de uma catástrofe onde previa, e com razão, uma invasão alienígena que aconteceria em breve. Embora mantivesse uma certa distância, provocada pela dor da sua perda, sempre foi cordial e lutou contra a desunião. Durante cerca de um ano, acompanhei este homem e aconselhei-me com ele por mais de uma vez, sendo que todos os seus conselhos trouxeram grandes benefícios para todo o Império. Quando a invasão aconteceu de fato, ele, com o risco de perder a própria vida, foi libertar o povo de Terra-Nova em pessoa, usando o que criara, aquilo que eu pensei que ia ser usado para lucros pessoais. Meu Deus, como eu estava errado. O meu respeito por esse homem de apenas dezesseis anos subiu ao infinito. Passei a amá-lo como a um filho, embora ele nada soubesse, pois culpa-me, e com razão, pela morte da esposa, a minha querida sobrinha Jéssica, como ele a chamava e Helena como era conhecida entre os nossos agentes imperiais, ou, simplesmente, Jéssica Helena Almeida." – O homem fez uma pausa para secar uma lágrima solitária que lhe desceu pelo rosto. – "Como não tenho mais descendentes, deixo toda a minha fortuna pessoal e patrimônio, para o viúvo da minha querida sobrinha. Finalmente, devo indicar um sucessor para o meu trono. A resposta para a minha indicação é muito simples: o Império precisa de alguém estável, dedicado, inteligente e cujos interesses da humanidade estejam acima dos seus próprios. Mais uma vez só há uma pessoa da minha esfera de conhecimento que atende na íntegra a estes requisitos. Assim, quero que o congresso se lembre, especialmente o primeiro-ministro" – ele virou o rosto para o lado, como se encarasse o homem – "que eu ponderei muito antes de tomar esta decisão a qual sei que não está errada. Indico para meu sucessor o senhor Daniel Moreira, Almirante Supremo da frota do Império do Sol e Salvador da Humanidade.

Este é o meu último desejo o qual espero que respeitem e atendam, pelo bem da raça Humana. Obrigado."


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