Capítulo 2 - parte 1 (não revisado)

No dia seguinte, muito cedo, Daniel teleportou-se direto para a Jessy porque o primo recebera instruções de permanecer a bordo com a sua carga de prisioneiros. Sentou-se na sala de comando, ao lado do João. Olhou em volta e admirou-se.

– Bah! Impressionante, maninho. Apesar de ter projetado esta nave, quando entrei aqui pela primeira vez julgava esta ponte imponente, espaçosa, magnífica. Agora, parece-me tão pequena!

– Veado... Estás a tirar onda comigo – argumentou João, meio chateado. – Mas a Jessy sabe dar uns coices bem grandes.

– Xi, cara, não era sacanagem não, estava pensando alto. Nós somos mesmo muito adaptáveis. É que já me habituei à Dani. Era isso que queria dizer.

– Ok. Esquece o veado, bebê, que não foi maldoso. – O primo sorriu. – Mas fiquei meio chateado.

– Sei disso, irmãozinho. – Mais sério, continuou. – Assim que terminar a reunião no congresso e acertarmos umas coisas, quero que vás para Vega XII com o vô, para trocar os canhões desta nave para o novo modelo.

– Certo, Dan, mas agora quero te mostrar umas coisinhas que eu inventei.

– O quê?

– Isto. – João acionou um programa no console de pilotagem. Na tela holográfica, apareceu a imagem do espaço em volta do local onde estavam, naquele caso, a Terra. – Trata-se de um piloto automático para mergulho. Ele também tem um detetor que permite rastear naves em mergulho.

– Maravilhoso, cara. É difícil fazer isso? Quanto tempo até pôr na Dani?

– Rápido. As duas naves têm o mesmo equipamento. Basta uma pequena modificação e incorporar o programa no computador de navegação. Mas tem mais.

– Mais!?

João acionou outro comando. No painel holográfico, ao lado do primeiro, apareceu a imagem da Galáxia. Pequenos pontos apareciam ou desapareciam. Havia duas cores: azul e vermelho.

– Este é um sensor de abalos do espaço-tempo. Como o abalo propaga-se de forma instantânea, eu posso determinar onde uma nave entrou ou saiu de um hiper-salto. Vermelho, ela saltou. Azul ela retornou. O alcance é de quinhentos anos-luz e acredito que em breve possa ser ampliado. Não é necessário mudar circuito algum. Basta instalar o software que funciona conectado ao sensor de abalos que temos hoje. Aqui, vês naves mercantes saltando. Este sensor não mede mergulhos. Só hiper-saltos. Além disso, podemos isolar uma nave e persegui-la, acompanhando os seus saltos, desde que não ultrapassem o limite do equipamento. Cada nave rastreada neste aparelho tem os seus dados registrados no computador, desde as coordenadas até velocidade e profundidade do salto.

– Espetacular, maninho. Manda instalar isso na Dani agora mesmo. Bem – corrigiu, sorrindo após uma pausa –, o mais rápido possível, se não te importares.

– Já mandei, Dan, falei com o coronel Nobuntu e ele achou ótimo. Eu queria fazer uma surpresa.

– E fizeste. – Daniel faz uma pausa. – Excelente, Coronel João.

O primo sorriu, malandro.

– Alteza, tenho a impressão que se enganou no posto – brincou o primo, sem perdoar. – Eu sou capitão da frota. A sua memória parece não andar muito bem ultimamente. Será que é o casamento?

– A minha memória está perfeita, Coronel. – Daniel deu uma risada alegre. – E o meu casamento só a melhorou. O segundo na linha de comando não pode ser um capitão. Os papéis da promoção foram expedidos ontem.

– Obrigado, irmãozinho. Eu não dou muita bola para essa treta mesmo...

– Conta outra, tchê. Diz uma coisa, o que faz a Daniela?

– Qual delas?

– A minha, eu sei exatamente o que faz.

– Acabou de engajar a serviço da Jessy. – João deu uma risada, muito alegre. – A minha gatinha é uma navegadora de primeira linha.

– Entendo, meu velho. Faz que nem eu, cara, e casa logo. É maravilhoso, sem comentários. – Daniel sorriu. – Agora falando dos prisioneiros?

– Vem. – João levantou-se. – Vamos ver as tantorianas primeiro. A propósito, o casamento será depois do retorno de Tantor.

– Agora, apanhaste-me de surpresa. Parabéns.

– Vossa Alteza seria o padrinho? – perguntou João, brincalhão enquanto caminhavam para o setor residencial. – Ou seria pedir demais do nosso imperador?

– Claro. – Daniel deu uma grande risada. – Eu posso até me tornar o imperador, mas sou o mesmo Daniel de sempre, irmãozinho, já devias saber disso. Os nossos usuais churrascos vão continuar, como deves imaginar. Diz uma coisa, e a Bia?

– Que, bom, Dan, mas de ti não esperava outra coisa. Quanto à Bia, não a tenho visto, mas eras tu quem se divertia com ela, meu velho, tu é que devias saber.

– Quando voltei a ter os meus sonhos com a verdadeira Dani, parei de sair com ela porque não era justo para nenhum de nós. Além do mais, apenas nos divertíamos. Não havia envolvimento emocional.

– Tens a certeza?

– Absoluta não, João. Nunca invadi a privacidade dela e, também, nunca transamos com a mente aberta. Eu gostava dela e ainda gosto. E até que é bem boa, muito mesmo.

– Então eu não sei? – perguntou o primo, dando uma risada alegre. – Boa como um raio...

Os dois caminhavam lado a lado pelos corredores da nave, andando sobre as esteiras rolantes e descendo em elevadores antigravitacionais até chegarem perto da região equatorial da enorme esfera. Conversavam alegremente e discutiam o futuro do Império. Eventualmente encontravam-se com alguns tripulantes, andando para os seus setores, que os cumprimentavam, inclinando-se respeitosamente para Daniel.

– João, meu irmão, acho que não vou jamais me acostumar a esse lance de ser imperador, tchê.

– Bebê, és o único homem que tem condições de manter o Império coeso. Aguenta isso por um tempo, cara, ou estamos perdidos. Bem sabes que te apoiamos na íntegra.

– Obrigado, João, acho que se não fossem vocês, eu sumiria daqui com a minha nave...

– Não farias isso Daniel. Conheço-te desde que eramos crianças, desde que nasceste. Jamais abandonarias os teus semelhantes...

Daniel suspirou.

– Tens razão, como sempre.

– Claro que tenho – disse, abraçando o primo com força e muito carinho.

― ☼ ―

Na sala do primeiro-ministro, no prédio do parlamento, antigo edifício da assembleia legislativa há mais de oitocentos anos, ele e mais quatro governadores conversavam, um tanto consternados.

Eles eram os quatro governadores que sempre estiveram ao lado do imperador. Um eles, mais comedido, ouvia em silêncio, enquanto o grupo discutia animado, instigado pelo primeiro ministro que estava bastante exaltado.

– Eu não posso aceitar que essa criança seja o próximo imperador – disse o primeiro-ministro, irritado. – Não gosto dele. Para mim, não passa de um demagogo que só pensa em chamar a atenção e obter ganhos pessoais.

– Também não o aprovo – afirmou um governador –, mas o povo está, em massa, ao lado dele. Qualquer um de nós terá sérias dificuldades nas próximas eleições, se formos contra ele a menos que tenhamos argumentos inabaláveis.

– Ora – replicou outro –, a memória do povo é bem curta. A história já nos provou isso inúmeras vezes.

– Não estou tão certo disso – contestou o terceiro. – O avô dele é uma prova irrefutável disso, sem falar no bisavô, do qual ninguém jamais se esqueceu e é considerado o pai do Império. Também não gosto dele, mas temos de ter muito cuidado, muito mesmo, amigos. Eu acredito que a melhor coisa a se fazer é desacreditá-lo perante o povo, até porque somos a grande minoria e perderemos a eleição sem angariar simpatizantes.

– Ele é apenas um rapaz de dezesseis anos e meio. Basta intimidá-lo que cede – argumentou o primeiro-ministro com puro desdém. – Falta-lhe a experiência de vida.

– Continuo com as minhas sérias dúvidas – contradisse o terceiro governador. – Esse garoto, como vocês afirmam, acabou de derrotar uma frota invasora enorme por mérito exclusivo dele. É um portador de alto grau e, como tal, não é nenhuma criança. Vocês devem parar de pensar assim. Não é esse o caminho para o eliminar.

– Concordo – afirmou o segundo governador. – Mas daí a vê-lo como o imperador é demais. Vocês sabem, por acaso, qual é o grau dele?

O primeiro-ministro ficou reticente por alguns segundos, até que disse:

– Ele e a esposa são grau cem, os únicos do Império.

– Minha nossa – disse o primeiro governador. – Você disse cem? Esse garoto não pode ser menosprezado!

– Senhores – interrompeu o quarto governador, um homem já de idade avançada e muito sério, que se manteve calado até àquele momento. – Vocês estão cometendo erros táticos enormes, crassos.

O primeiro-ministro fez menção de falar, mas o homem interrompeu-o com um gesto.

– Esse jovem é o homem mais inteligente e perspicaz que o Império tem. Bem sei que isso não é argumento suficiente para que seja o imperador, mas vocês devem avaliar a situação com todo o cuidado – continuou, olhando para os companheiros. – Em primeiro lugar, estamos em uma situação deveras crítica. Um revolta ou até mesmo revolução podem ser muito prejudiciais para todo o Império do Sol. O imperador acreditava nele tão profundamente que o nomeou como seu sucessor. Este rapaz já fez coisas pelo Império que não apareciam há mais de cem anos. Vocês sabem perfeitamente que foi ele que criou todos os projetos novos que o Saturnino nos trouxe. Além de termos o povo todo ao seu lado, temos os planetas mais ricos e influentes contra nós. Finalmente, o imperador fez a promulgação vivo e lúcido, em tempo de guerra, ou seja, com poderes absolutos. Mesmo que não queiramos ele já é o Imperador do Sol. Além do mais, quem vocês escolheriam para o ceptro?

– Mas...

– Mas – interrompeu novamente o quarto governador. – Eu não estou de fato certo se estamos no caminho correto ao tentar destituí-lo.

– Isso quer dizer que o senhor se opõe a nós?

– Não, não é isso que quero dizer. O que quero afirmar é que devemos ter paciência e esperar que ele cometa um erro, uma coisa que tenho sérias dúvidas que venha a acontecer. Nós os cinco sempre fomos as únicas pessoas que apoiamos incondicionalmente o imperador, especialmente depois que o governador Daniel Moreira passou a fazer oposição aberta, levando consigo quase todo o Império. Também não nos devemos esquecer que a história da morte da primeira mulher do almirante, sobrinha do imperador, foi tornada pública, depois que ele admitiu o seu erro no leito da morte. Eu vejo que este jovem não só o perdoou, como o apoiou, tendo em vista o bem da união. Se ele foi capaz disso, nós também o devemos ser. Devemos pensar na nossa segurança e só uma união firme impedirá do Império se esfacelar e cair nas mãos de abutres. Além disso, pergunto novamente, meus amigos, quem vocês escolheriam para o lugar dele?

– Há várias pessoas entre nós que dariam um bom imperador, meu caro – retrucou o primeiro governador.

– Faça-me um favor, meu amigo, e não me ofenda de forma tão infantil. Além dele, somente um homem poderia governar o Império com o apoio do povo.

– E quem acha que é esse homem?

– Não sabe ainda, Primeiro-Ministro? – O governador deu uma risada curta e amarga. – Pois vou-lhe fazer o favor de dizer quem é: o governador Daniel de Vega XII, o nosso maior antagonista. Então pensem bem, pois acho que dos dois males o menor e o Almirante não nos faria oposição.

Os cinco homens continuaram a sua discussão sem chegarem a um consenso.

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