Capítulo 3 - parte 3 (não revisado)

Nesse meio tempo, os profissionais de todas as mídias, em fila indiana, iam entrando no prédio e sendo levados para o primeiro andar, o gigantesco auditório que já acompanhou as principais mudanças da história da humanidade moderna. Era uma sala onde cabiam mais de duas mil pessoas. Naqueles mais de setecentos anos de existência, várias coisas novas foram apresentadas ao mundo ali, especialmente dos séculos XXI ao XXIV, o auge das grandes descobertas científicas feitas pelo bisavô do Daniel e a sua equipe. O local emanava uma tal energia e veneração que os presentes sentiam-se como se estivessem entrando em uma catedral. Devagar e em silêncio, foram-se acomodando nas poltronas muito confortáveis, quase como que numa devoção, enquanto uma música de fundo, muito suave, tocava sem que percebessem. Há muito tempo que a mídia não era convidada a aparecer naquela sala e, por isso, aguardavam o imperador com uma expectativa enorme, tentando adivinhar o que falaria.

Saturnino não demorou muito a surgir e o silêncio que era quase completo, tornou-se total. Diferente dos pronunciamentos usuais, principiou sem rebuliços, falando para os espectadores de forma direta e sem rodeios.

– Senhores e senhoras. Venho aqui falar para todos vós, o que significa falar com todo o império. Não vim com um discurso preparado e fiquei surpreso com os fatos tanto quanto vocês. Assim sendo, espero que entendam este pequeno improviso, visando esclarecer algumas das nossas posições atuais. A humanidade vem passando por uma dura provação nestes últimos meses porque nós acreditávamos que uma raça que chegasse às estrelas, já teria atingido a maturidade, deixando a violência de lado, tal como aconteceu conosco, que abolimos as nações, mesquinharias, intolerância religiosa, racial e sei lá que coisas mais. A verdade é que nem tínhamos mais armas a não ser as básicas, que todos no império conhecem muito bem. Para nossa infelicidade, isso não se provou verdadeiro e por muito pouco não tivemos uma tragédia que seria a escravização da nossa raça e a destruição do Império. Graças à previdência de dois grandes homens, temos hoje plenas condições de nos defendermos de uma invasão, invasão esta que aconteceu e nos pegou de surpresa...

– Bem – continuou, após uma pausa –, seria isso realmente verdade? Não. Para dois homens jamais houve surpresa. Daniel Moreira há mais de trezentos anos previu a necessidade da raça humana se proteger de uma possível ameaça. Para isso, esse ser fenomenal, o homem que transformou o mundo e criou o Império, construiu uma fábrica secreta de armamentos que ficou esquecida todo este tempo.

Saturnino fez nova pausa de efeito e olhou para os repórteres, que não perdiam uma única palavra do que foi dito ali, fascinados pelo relato. Sereno, voltou a falar.

– Há pouco mais de dois anos, o bisneto desse homem incrível, que foi o pai do Império e da Unificação, também chamado de Daniel Moreira e também prevendo uma possível invasão, projetou e construiu uma nave com capacidade para combate jamais imaginada pelo Homem. Ela ainda não estava terminada quando a invasão ocorreu. Arriscando a própria vida pegou uma nave auxiliar e, usando muita astúcia, enganou o inimigo até que a sua nave, a Jessy, estivesse pronta. Com ela, varreu a frota inimiga muito mais numerosa para fora do planeta Terra-Nova no sistema solar de Canopus, aniquilando o inimigo de tal forma que só sobrou uma nave. – Nesse momento os repórteres aplaudiram, obrigando o imperador a pausar. – Nesse mesmo período em que lutava contra os invasores, o seu avô, o governador Daniel Moreira de Vega XII, construía uma pequena frota que hoje patrulha o império, preparada para nos proteger. Também nesse período, o nosso almirante, Daniel Moreira, projetou e mandou fazer em segredo a maior espaçonave que o Homem já teve conhecimento: o primeiro couraçado da frota. Hoje, temos cinquenta e uma naves do tipo cruzador, operando no espaço e protegendo Terra-Nova bem como os arredores. Aqui na Terra, mais precisamente na Lua, há mais cinco mil cruzadores quase terminados. E o couraçado Dani, nome dado em homenagem à esposa do nosso almirante, também está prestes a entrar em serviço. Agora, peço para o líder supremo da frota espacial vir aqui e dizer algumas palavras.

Os presentes aplaudiram e assobiaram muito o jovem almirante, o homem mais inteligente e perspicaz da raça humana, que se aproximou da tribuna com toda a calma, aguardando por silêncio. Os presentes calaram-se aos poucos, cativos do magnetismo do rapaz de olhar franco e límpido.

– Meus irmãos – a sua voz era calma e firme. Mexeu no computador em cima da tribuna e um enorme painel holográfico tridimensional surgiu atrás de si, tão grande que era visível de qualquer posição daquele auditório. Estava ciente que a palestra era passada para todo o Império porque o que ocorria ali era transmitido ao vivo. No painel, apareceu um filme que ainda não fora amplamente divulgado. – Estamos apresentando pela segunda vez as imagens dos ataques às nossas naves que culminaram na batalha final contra os tantorianos. Como podem ver, eles são tecnologicamente muito inferiores a nós, mas são infinitamente mais numerosos. O comandante alienígena, aprisionado por nós, declarou que têm mais de um milhão de naves de guerra e revelou que, em breve, voltarão para tentar terminar a invasão e recuperar a perda sofrida. Calcula que teremos entre cem e duzentas mil unidades para enfrentar. – Essas palavras tiveram um efeito devastador sobre todos os presentes, mas Daniel não lhes deu tempo para pensarem muito. – Esse contingente, a princípio, não será capaz de superar a nossa frota atualmente ativa. Entretanto, nenhum estratega pode contar com o acaso sob pena de ser sumariamente derrotado. E, neste caso, a derrota significa a escravidão ou a morte da raça humana, o fim Império do Sol. O nosso maior inimigo é o tempo, mas eu vos garanto que nós somos a raça mais determinada e arrojada deste Universo. A consequência desta invasão foi que a Humanidade nunca esteve tão unida como agora, só que precisamos de muito mais, realmente muito. Somos mais de vinte bilhões de seres humanos espalhados por cinquenta mundos, cada um mais belo e perfeito que o outro. E, para esses mundos continuarem assim, livres e belos, o Império precisa de muita ajuda. Nós necessitamos especialmente de tripulantes para a frota. Cada nave de grande porte que possuímos requer cerca de mil especialistas. A Dani, a minha nova nave, mil e quinhentos a dois mil, sem falar em cientistas. Eu projetei a nave com duas intenções: primeiro, explorar o Universo; mas, também, para proteger a raça humana de qualquer eventualidade, coisa que se revelou real. Dentro dela há onze espaçonaves de cem metros de diâmetro com um poder de fogo tão elevado que uma só delas poderia destruir a nossa frota atual de cruzadores. Embora eu abomine a violência e acredito que a maioria de todos nós, filhos do Império do Sol, sejamos contra ela, não temos qualquer alternativa se quisermos sobreviver. Há uma raça de humanos com uma tecnologia extremamente avançada que eu pretendo visitar assim que resolvermos este problema. Eles são inimigos dos tantorianos e acho que teremos bons aliados, mas, como disse antes, o tempo corre contra nós.

O jovem almirante fez uma pequena pausa e continuou depois de olhar atentamente para a plateia. A transmissão acontecia ao vivo para todas as emissoras do Império do Sol e sentia-se um pouco deslocado, embora o seu treino prevalecesse, dando-lhe a calma e objetividade necessárias. Em qualquer lugar onde um aparelho de univisão estivesse ligado, uma ou mais pessoas assistiam aquilo quietos, como que hipnotizados pelo forte magnetismo do rapaz que não sabia que era visto por bilhões de seres humanos. Este trouxe para o Império algo que a população não via há décadas: mudanças e novidades. Amontoados em frente a vitrines de lojas ou em qualquer outro lugar onde houvesse um aparelho desses ligado, os cidadãos seguiam cada palavra do almirante Daniel no mais absoluto silêncio. Todas as cidades dos cinquenta mundos estavam paradas, estáticas, ouvindo o discurso do jovem salvador de Terra-Nova. Nem mesmo a coroação de um dos imperadores obteve tanta atenção do povo, que não queria perder uma palavra que fosse. Eram mais de vinte bilhões de seres humanos vendo e ouvindo, quedados em silêncio. Daniel continuou:

– Por outro lado, vejam uma coisa simples: nós estávamos entrando em franca decadência, acomodados pelas maravilhas tecnológicas que criamos para nos darem mais conforto. Há mais de cento e cinquenta anos que não aparecia uma criação inovadora, mas bastou sermos ameaçados por uma potência alienígena e uma avalanche de coisas novas surgiram. Nós somos realmente especiais, vocês... – estendeu o dedo em direção aos presentes –, vocês são especiais. Há, lá fora, vários mundos de humanos, talvez não como nós, é claro, mas humanoides. São mundos escravizados pelos nossos inimigos que eu me vejo na obrigação de libertar e, que um dia, serão nossos irmãos e aliados. Fizemos sessenta prisioneiros nesta batalha pela retomada de Terra-Nova. Os tantorianos não se entregam e lutam até ao final. – Com um apertar de botão, apareceu a última batalha de Terra-Nova e, quando os jornalistas viram pouco mais de duzentos homens lutando contra noventa mil exultaram, não só eles mas todos os que estavam colados às telas olhando o discurso, especialmente quando presenciaram o seu almirante iniciando a ataque, seguido do governador de Vega e dos primos. O que mais os deixava admirados era o fato dele e os demais que o acompanhavam estarem desarmados. Fascinados, olhavam o combate enquanto ouviam as palavras do líder militar da humanidade. – Estão condicionados a odiar todos os humanoides. Para eles, é matar ou escravizar. E a culpa é de uma raça humana que fez isso com eles, até que se libertaram e revidaram. Infelizmente, este povo tornou-se fundamentalista, mas nós descobrimos que as fêmeas da raça tantoriana, consideradas meros objetos de reprodução e prazer, são inteligentes, muito mais que os machos e pacíficas como nós. Salvamos cerca de cinquenta delas e os soldados aprisionados forneceram informações preciosas. Há mais de setecentos anos, um cientista da Cybercomp descobriu uma droga que, se usada sobre um ser humano, permite que um telepata dê ordens pós-hipnóticas permanentes. Eu experimentei-a nos dez guerreiros alienígenas e ela funcionou, contra todas as expectativas. Não são mais inimigos e estão dispostos a colaborar, mas infelizmente não será viável nem possível utilizar a droga contra toda a raça. – "Daniela, dá um salto e traz a Mirtid para a sala ao lado." – Só que nós criamos amigos entre os inimigos e assim poderemos, quando esta guerra terminar, viver em paz com os seres desta raça, aqueles que se tornaram nossos aliados. Daremos a esse grupo um planeta novo para recomeçarem as suas vidas e eles passarão a pertencer ao Império do Sol, tornando-se súbditos e irmãos, embora de espécies diferentes.

Ao receber o ok da mulher, Daniel pausou e caminhou até uma porta lateral, abrindo-a. Chamou os ocupantes com um sinal. – Venham, por favor. – Apareceu a Daniela e a alienígena. Daniel pegou na mão da Mirtid, que estava um pouco apreensiva, e levou-a para a tribuna. Vários murmúrios de espanto surgiram na sala.

– Irmãos, esta é a Mirtid. Ela é uma pessoa sensacional e a prova de que pode haver amizade entre seres tão desiguais. Está sendo ensinada na nossa filosofia e tecnologia. Ela e os seus próximos irão colonizar Arcturus, um sol a trinta e três anos-luz daqui. Serão os nossos novos irmãos. Infelizmente não conseguiremos salvar a raça deles, mas lutaremos até ao fim e, certamente, seremos vitoriosos, ainda mais com a nova super-nave. Quero agradecer a todos os cidadãos que nos têm ajudado e apoiado, mas peço encarecidamente que entrem para a nossa causa de modo a não sermos exterminados ou escravizados. De todos vós depende o nosso futuro. Obrigado a todos os irmãos e irmãs do Império. Peço, também, que não hostilizem os nossos novos amigos porque eles são radicalmente diferentes dos invasores. Sigam em paz, irmãos. – Daniel faz uma pequena vênia e afastou-se, levando a esposa e Mirtid consigo.

A chuva de aplausos dentro daquele auditório foi fenomenal. Todos levantaram-se aos berros, muito empolgados com o pequeno discurso do almirante. Daniel sabia que era visto por todos os aparelhos de vídeo do Império. O que ele não sabia, era que não havia uma casa em qualquer canto dos cinquenta planetas na qual não fosse muito aplaudido.

Após os repórteres acalmarem-se, o imperador voltou a falar mais um pouco, reforçando o pedido de voluntários para a frota, mas as suas palavras perderam o efeito.

Aos poucos, os repórteres retiraram-se animados, conversando sobre o jovem almirante. Na saída do prédio administrativo observavam a nave ao longe, tão grande e imponente que, apesar da distância de alguns quilômetros que a separavam dali, ainda era perfeitamente visível. Muitos fotografaram-na e admiraram-na.

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