Capítulo 3 - parte 3 (não revisado)

Em Terra-Nova, a sua Daniela, aquela ele ainda não conhecia mas teria de encontrar, estava no hemisfério norte fazendo pesquisas e nada viu da entrevista, mas sentia-se estranha. Com cada vez mais frequência sonhava com um rapaz que desconhecia. Sentada à boca de uma caverna, com uma pequena fogueira acesa, olhava para o firmamento e procurava o Sol. Decidiu que, quando retornasse, pegaria algum material sobre cosmografia porque ela adoraria saber onde estava a sua estrela de origem.

― ☼ ―

Pouco depois disso, já perto do fim do ano, Daniel recomeçou a sonhar com uma garota que ele passou a acreditar ser a sua Daniela. Quase que de imediato, parou de sair com Bia que foi compreensiva, até porque o relacionamento deles sempre foi apenas físico.

A nave estava prestes a ser terminada e todas as instalações internas já estavam prontas. Existiam vários laboratórios de pesquisas e instalações fabris dentro daquela esfera colossal, todas devidamente equipadas. Com isso, muitos cientistas e engenheiros começaram a trabalhar dentro dela, acelerando ainda mais os acabamentos. A arma que o avô sugerira estava com a criação do protótipo quase pronta e os andaimes que a cercavam há muito que despareceram. Agora, à volta dela, havia apenas algumas plataformas antigravitacionais. Os ajustes que o jovem fez na nave auxiliar, provaram ser corretos e foram adaptados a toda a frota.

Em Janeiro, João e Daniela noivaram em uma festa muito bonita, com todos os amigos.

Mais três meses passaram-se e Daniel fez dezesseis anos já tendo quase um metro e noventa. Os amigos organizaram uma grande festa para ele, na sua casa, e os pais alegraram-se ao verem o filho bem melhor, embora fosse um grande perito em esconder os sentimentos porque só havia uma pessoa que ele não enganava: o avô, que parecia conseguir ver o neto dentro do espírito.

Já Daniel, com cada vez mais urgência, empenhava-se incansável no término da sua nave. Às vezes, ele aparecia por lá tarde da noite e ficava olhando o seu nome, sentindo as saudades mais fortes.

Uma noite em que estava particularmente solitário e triste, pôs-se a passear pela praia. Andou por algum tempo, vestindo apenas um quimono leve. Num impulso, transportou-se para o espaçoporto usando o seu dom fabuloso, que escondia de todos. De frente para a nave, olhou em volta e não viu viva alma. Concentrou-se e desapareceu dali, para reaparecer no topo da nave, sobre o casco. Ela era tão alta que alcançava longe com a vista, em especial com uma noite tão límpida quanto aquela. Muito triste, pensou na sua Jéssica. A vista percorreu o horizonte até ver o Guaíba ao longe, com a lua no seu horizonte, uma bola muito grande e amarela.

– É linda, não é meu amor? – perguntou-lhe uma mulher que surgiu do nada ao seu lado. – Nem no Rio de Janeiro eu via algo tão belo.

– Oi, Jessy – disse ele, apertando-a nos braços. – Sinto tanto a tua falta! Eu te amo tanto, meu amor...

― ☼ ―

O avô visitava a Terra regularmente para conferenciar com o neto sobre a frota. Poderiam fazer isso à distância, mas ambos sentiam muito prazer nessa proximidade. Pelos cálculos do par, a Jessy ficaria pronta em no máximo dois meses e a frota de Vega, ainda secreta, em cerca de quatro.

Daniel também costumava sair muito com uma das naves auxiliares para ver o avô ou fazer testes. Quase sempre ia sozinho e fazia voos experimentais de cem a duzentos anos-luz, sempre com um grande sucesso.

― ☼ ―

Um certo dia, no meio do inverno, uma espaçonave esférica de duzentos metros de diâmetro desceu muito apressada, solicitando ao espaçoporto Salgado Filho um pouso de emergência, algo muito incomum, pois eram raríssimos os acidentes espaciais. Todas as rotas de naves das proximidades foram desviadas e uma grande área da pista foi disponibilizada para a esfera descer. Perto de um dos hangares equatoriais, o casco estava todo rebentado, cheio de ferro retorcido. Apesar da aparência assustadora, a África III conseguiu pousar sem incidentes e o comandante pediu para falar imediatamente com o imperador, mas ninguém lhe deu ouvidos. Furioso, berrou a plenos pulmões para os agentes que estavam no aeroporto, afirmando que a nave fora atacada com ogivas nucleares por alienígenas que invadiram Terra-Nova, exigindo falar imediatamente com sua Alteza, como Saturnino ordenara.

Um pandemônio terrível aconteceu e ele foi, por fim, levado para o palácio no mesmo ato. Aquilo que ninguém acreditava a não ser umas poucas pessoas, acabara de acontecer.

– Boa tarde, comandante – cumprimentou o imperador, muito aflito e tremendo um pouco. – Explique-me o que aconteceu em Terra-Nova, por favor.

– Majestade, fomos para lá como Vossa Alteza solicitou. Quando chegamos, encontramos uma frota de oito naves cilíndricas que nos atacaram com uma bomba atômica, danificando a nossa África III. Fugimos, procuramos resolver os danos e retornamos, pousando escondidos na lua. Tentei contato telepático e obtive sucesso. Conversei com uma médica, doutora Daniela Chang. Ela faz parte de uma resistência que se formou, mas não dispõem de recursos de espécie alguma e sentem-se desesperados. Todos os cientistas e governantes que lá estavam, foram aprisionados e estão a torturá-los para revelarem a posição da Terra.

– Meu Deus, venha comigo. – Saturnino levou o comandante para um planador e voou a toda a velocidade para a Cybercomp, sendo atendido de imediato pelo Daniel.

– Boa tarde, Majestade, o que deseja?

– Senhor Moreira, este é o comandante Nobuntu da África III que acabou de chegar de Terra-Nova. Aconteceu aquilo que o seu filho previu: fomos invadidos. Precisamos de falar com ele imediatamente.

– Ele está com o avô em Vega XII. Sente-se que o vou mandar chamar.

– Não posso, preciso de acionar o congresso. O senhor tente contatá-los que eu retornarei em breve.

― ☼ ―

Daniel, sem nada saber, sentia-se bem tranquilo em Vega XII com o avô. Ele fora testar o novo motor interestelar, melhorado após as últimas modificações que fez no modelo original, instalado em uma das pequenas naves auxiliares da sua espaçonave. Aproveitou para ver e ajudar nos detalhes da construção da frota que o avô iniciou usando os seus planos, nada menos do que cinquenta belonaves enfileiradas em cinco colunas num estaleiro secreto, feito exclusivamente para isso. Situava-se em meio a uma enorme cordilheira de montanhas a cem quilômetros da capital. Alguns desses picos tinham mais de dez quilômetros de altura, dois deles superando largamente o Everest. O lugar era de uma beleza inebriante, onde, no topo, podia-se ser o branco da neve eterna contrastando com o vale verdejante.

– Avô, alegra-me ver isto e eu acho que mais tarde ou mais cedo vai acontecer alguma coisa muito ruim.

– E tu, meu querido – insistiu o avô. – Como te sentes?

– Triste e solitário, vô. Tive muita ajuda, mas, mesmo após quase um ano, ainda sinto muita dor no coração. Só não é pior porque sei que apenas o corpo dela morreu. O senhor não imagina o quanto eu a amava.

– Eu imagino sim. Que morte mais estúpida, tudo para satisfazer o ego daquele idiota.

– Ele pagou caro – disse, apaziguador. – Era a sobrinha dele e amava-a muito. Além disso, não havia ordem de atirar.

– Acho que isso não é desculpa, como já conversamos, mas tudo bem. De qualquer forma, sei que algo de bom virá substituir a tua perda, mas fico triste por saber que ela foi a minha mãe. Vem, vamos para casa que a tua avó disse que ia fazer um jantar especial para ti. Dan, meu querido o teu rosto está muito abatido! – afirmou, olhando para ele. – Há quanto tempo não dormes?

– Muito, vô, quase dois meses. Tenho me esforçado para pôr a Jessy em condições operacionais.

– Querido, uma estafa não vai ajudar nada. Mesmo com os teus dons e o gene, não deves ficar tanto tempo sem dormir.

– A meditação ajuda-me a recuperar a energia, vô, e hoje vou aproveitar para dormir um pouco. Sabe, apesar de tudo, às vezes, tenho dificuldade nisso.

– Eu entendo, filho. Acho que talvez devesses fazer uma sessão com um terapeuta.

– Já pensei no assunto, vô, mas ele não entenderia algumas coisas que eu falasse e correria um sério risco de ser considerado incapaz.

– Conheço um aqui que não faria isso, querido. Ela é budista e está ciente do que ocorreu porque eu mesmo precisei de recorrer aos seus serviços. Queres que marque uma consulta para amanhã?

– Se o senhor não se importar, eu agradeço. Mal não me vai fazer.

– Deixa comigo – disse, enquanto pousava o planador na garagem. – Agora vamos entrar em casa e esquecer isso. Não quero a tua avó mais preocupada do que já está.

– Claro, vô. Obrigado por me compreender porque nem o meu pai é capaz de ver o meu interior tão bem.

O avô abraçou o neto com carinho. Só ele sabia que apenas Daniel o impedira de fazer uma grande besteira no dia da morte da Jéssica.

Entraram em casa, o bangalô onde ele morava, um tanto afastado da cidade. Ambos sentaram-se na varanda em frente a uma escarpa, onde viam a cidade e o mar ao longe. A paisagem, como a Jéssica observara, lembrava demais o Rio de Janeiro. O avô estendeu para o neto um copo de whisky. Ele não era dado a beber, mas achou que a ocasião pedia um pouco da bebida, que ajudava a relaxar. Ao fim de meia hora, a avó apareceu sorrindo e chamando o par para a mesa.

Enquanto os três jantavam, os problemas foram todos esquecidos, até que o computador da nave do Daniel chamou no comunicador de pulso. Quando se ativou, o Daniel olhou para a projeção holográfica, apareceu a sala de comando da nave auxiliar.

– Senhor Daniel – disse a máquina. – Chamado urgente da Terra, em caráter emergencial.

Avô e neto entreolham-se.

– Computador: faz a ponte para o meu comunicador.

O holograma mudou para a imagem do pai, que apresentava o rosto muito sério e preocupado, alarmando ainda mais os dois. Daniel foi o primeiro a falar:

– Oi, pai, algum...

– Filho – interrompeu este – tens de voltar correndo para a Terra porque aconteceu o que tanto temias. O cargueiro África III foi atacado por uma espécie alienígena que invadiu Terra-Nova.

– Estou indo, pai. Devo chegar em meia hora.

– Desculpe, vó – disse ele, beijando a avó –, mas como vê, preciso de correr muito.

– Vou contigo, Dan, porque quero ver isso de perto. Além do mais, como governador tenho de estar no congresso. Só que levaremos pelo menos uma hora até chegar ao espaçoporto.

– Vamos chegar lá neste exato momento. Até mais, vó Daniela, voltarei oportunamente para outro jantar. – Ele pegou no braço do avô porque precisava de contato físico e desapareceram da casa dos avós para reaparecerem na sala de comando da espaçonave com o avô atônito.

– Bem-vindo à nave auxiliar Jessy A I.

– Que diabo foi isso?

– Sou teleportador, vô.

– Incrível – o governador deu uma risada – teleportador e telecineta. Que combinação maravilhosa.

– Como sabia que sou telecineta!? – O neto estava deveras espantado, pois sabia que o pai respeitou a sua privacidade.

– No dia em que te tornaste um Branco. Salvaste aqueles dois da morte certa. Vi que te levantaste nessa hora e olhavas fixamente para ambos, mas não aparentavas medo que eles morressem. Depois, sentaste aliviado por teres salvo o teu primo, que sei que amas como a um irmão. Só podias ser tu.

– É verdade, mas pensei que tinha sido bem discreto. Bem, acho que apenas o senhor e o pai viram. Por favor, não conte a ninguém. Pelo menos por enquanto.

– Claro, meu querido.

– Vamos decolar. Aprecie este barquinho. Aqui há o que temos de mais moderno, exceto por armas ofensivas.

O avô usou o rádio e ordenou a suspensão do tráfego aerospacial para uma decolagem de emergência, enquanto a pequena nave erguia-se do chão em silêncio devido ao campo antigravitacional. Mas, ao contrário do que ocorria normalmente, Daniel acelerou-a fortemente assim que ultrapassam os cem metros de altura, em vez dos tradicionais mil. Enquanto ligava os neutralizadores inerciais, acionava os antígravos ao máximo da potência, fazendo a nave saltar com uma violência absurda. De fora, um silvo agudo e intenso foi ouvido, seguido por um estampido sônico enorme. Dentro, não se sentiu nada da aceleração de mais de duzentos g, mas a espaçonave disparou para o céu a uma velocidade assustadora, deixando a atmosfera ionizada e superaquecida, o que criava um efeito bonito de se ver em terra, como uma bola de fogo gigantesca. Entretanto, o estrondo enorme da barreira do som sendo ultrapassada um tanto perto da superfície, rebentou muitas vidraças e deixou bastante gente zangada.

Em poucos segundos, a nave estava no espaço.

― ☼ ―

g – simbolo usado para representar a gravidade da Terra. Um g corresponde a aproximadamente 9,797 m/s2. Neste caso, o corpo que pesaria 80 Kg em 1 g, em 200 g pesaria 200 vezes mais, ou seja, 16.000 Kg.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top