Capítulo 3 - parte 2 (não revisado)
Quatro dias depois, um cargueiro de Vega XII desceu na Cybercomp, onde um único passageiro saiu de dentro, enquanto uma quantidade enorme de mercadorias era desembarcada e outras entravam. O avô Daniel foi à administração ver o filho. Conversaram um pouco e, depois, pegou um planador para o congresso.
Cerca de cinquenta homens e mulheres estavam reunidos ali, os governadores de cada planeta, o primeiro-ministro e o imperador. Este último vinha passando por algumas dificuldades, especialmente depois que perdeu o apoio político dos avós e tios-avós do Daniel, que encabeçavam a maioria do congresso. Depois do trágico desfecho do caso da sobrinha, quase noventa por cento do congresso colocou-se aos poucos contra ele, incluindo o governador da Terra. Quando a reunião mensal estava perto do fim, o imperador levantou-se e pediu a palavra.
– Senhores, governadores – principiou. – Eu gostaria de propôr ao plenário a criação de programas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e científico, como a criação de novas ideias. Por exemplo, criar um prêmio para estudantes universitários, algo como um prêmio "Jovem Cientista".
Daniel deu uma gargalhada enorme. Ele era famoso por esses ataques de riso e a boa disposição, embora nos últimos tempos não tenha tido essas explosões hilárias. O imperador franziu o cenho e perguntou:
– Posso saber o motivo de tanta alegria, governador Moreira?
– Claro, Majestade, o senhor aludiu a um prêmio criado pelo Brasil no século XX, no tempo em que ainda eramos separados por nações. O nome era justamente esse e o prêmio existiu por mais de duzentos anos, subsidiado pela Cybercomp a partir do início do século XXII.
– Bem, o que é bom deve ser reaproveitado. Eu gostaria que o congresso votasse nesta ideia e que seja estendida a todo o Império. Por último, gostaria de sugerir a criação de um fundo para incentivo à exploração de novos mundos, desde que dentro da nossa esfera de influência, para que não haja dispersão excessiva.
– Por que será que isso me cheira tando a Daniel Moreira, mais precisamente o meu neto, Majestade? – questionou o governador Daniel, mantendo um olhar de deboche.
– O senhor tem razão, governador. Estive conversando com o seu neto e ele deu-me sugestões que achei demasiado úteis para o Império do Sol. É por isso que as trago ao congresso. Vejo que faltam dois governadores: de Terra-Nova e Mitris, o que é uma tristeza, mas isso não interferirá no sufrágio.
Chateado pela reprimenda do imperador, Daniel levantou-se de soco e foi para a tribuna. A sua figura ao lado do imperador era imponente, com o seu metro e noventa e cinco. Com a voz potente e de frente para os correligionários, bradou ao microfone antiquado:
– A minha irmã Carolina, governadora de Mitris, justificou a sua ausência nesta assembleia, Majestade e o governador de Terra-Nova jamais deixou de comparecer em quase duzentos e cinquenta anos; logo, deverá ter um argumento muito forte para a sua ausência. Isso não me parece motivo para passar sermões, em especial depois de alguns dos seus atos injustificáveis, Alteza, ou deseja que os esclareça? A meu ver até acho muito preocupante a ausência do meu bom amigo Chow, governador de Terra-Nova.
O imperador quase que se encolhia perante a energia explosiva do Daniel avô.
– De qualquer forma – continuou o governador. – Considero esse projeto vital para o Império do Sol. O povo de Vega XII vota sim...
Nesse momento, o governador de Terra-Nova entrou no congresso, interrompendo a votação que se ia iniciar.
– Amigos, perdoem-me pelo atraso, mas a nave teve uma pequena pane, inclusive nas comunicações e ficamos impedidos de transmitir, mas recebíamos e acompanhei pela univisão. O povo de Terra-Nova, vota sim.
Um por um, os governadores votaram e a decisão foi unânime, coisa raríssima naquele plenário, ainda mais quando era o imperador que apresentava os projetos.
Ao entardecer, o avô visitou o neto, que o convidou a passar a noite com ele. Ambos conversaram e ele contou como foi a reunião do congresso.
– Eu vi no jornal. – Daniel virou o rosto para o avô. – Uma votação histórica não ia deixar de ser televisionada. Só não precisavam de mencionar o meu nome, nem o senhor de dar aquela tremenda descompustura no Saturnino.
– Como eu disse, não perco uma única oportunidade de lhe lembrar isso, Daniel. Afinal, era aquela que foi a minha mãe que ele provocou a morte.
– Por favor, vô, vamos trocar de assunto.
– Claro, meu querido. Perdoa-me.
– Sabe, vô, ainda sinto muita dor. Às vezes até dá impressão que ela vai aparecer logo ali na esquina e nem parece que se foi. Dói demais e a presença dela ainda está muito intensa – disse o rapaz, com algumas lágrimas nos olhos. – Eu devia ter-lhe dado ouvidos e ido para Vega XII consigo. Sinto muita culpa em tudo isto.
– Eu sei, mas o passado não pode ser modificado. – O avô abraçou o neto, também com os olhos úmidos. – Mas nem penses nessa história de sentir culpa porque ambos sabemos muito bem quem é o real culpado. Agora, o que devemos fazer é seguir em frente e tocar o barco, como se dizia no século XX.
– É verdade, vô.
― ☼ ―
O ano foi passando, calmo, e muitos esqueceram-se do passado, menos Daniel e a família. Ele e Bia saíam de vez em quando e curtiam-se um ao outro. O primo e a namorada já sabiam disso, mas ela já superou tudo e não se importava. Na verdade, ela estava bem apaixonada porque João era algo diferente, ao contrário do Daniel, que não passava de apenas uma obsessão e uma forte lembrança do passado, lembrança esta, sentida apenas a nível espiritual.
Com isso, os churrascos de sábado voltaram à normalidade mas o time do João, continuava perdendo, mesmo com a entrada da Daniela que era uma excelente jogadora; apenas ficando mais difícil vencer. A paz de espírito voltara a reinar naquela família.
― ☼ ―
O imperador passou a visitar Daniel e a lhe pedir conselhos quase que todas as semanas. Tinha um profundo respeito pelo rapaz e não escondia isso de ninguém, muito menos dele. Nesse período apegou-se ao jovem que tanto prejudicou, vendo com cada vez mais clareza o quão errado estava. Costumava sentar-se na sala de comando da grande nave, acompanhando o rapaz nos seus testes e ouvindo atentamente as suas sugestões, que quase sempre levava ao congresso. O avô Daniel não deixava de dar uma ou duas boas risadas porque via que as sugestões do imperador não eram da sua autoria. O congresso acatava todos os pedidos do Saturnino quase sempre por unanimidade, o que trouxe repercussão imediata nos noticiários dos vários mundos do império.
Certa vez, uma emissora de univisão tentou obter uma entrevista com o jovem, que foi apanhado de surpresa na porta da sua residência.
– Senhor Daniel? – disse um dos repórteres. – Importa-se de falar conosco uns minutos?
– Pois não?
– Somos do canal duzentos e gostaríamos de uma entrevista consigo. Poderíamos?
– Isso depende muito do que pretendem saber, senhores. Eu não sou dado a muita propaganda e já tive mais do que a minha cota há quase dois anos. Mas entrem que devem estar com calor, vamo-nos sentar no jardim. Bem, aceito dar a entrevista, mas imponho uma condição. Somente apresentarão o que eu permitir, ok?
– Tem a nossa palavra, cidadão.
Sentados no jardim, perto da piscina e embaixo de uma árvore grande, Daniel chamou um robô e pediu que lhes servisse um suco de frutas.
– O que desejam saber?
– Caramba, esse robô parece um ser humano! – afirmou o repórter espantadíssimo.
– É verdade, são modelos experimentais que eu e o meu primo desenvolvemos. Apesar de tudo, ainda não conseguimos lhes dar o dom da criatividade, mas já têm alguma iniciativa. Bem, meus amigos, o que desejam saber? – perguntou de novo. – Afinal eu não sou alguém importante.
– Não me parece, cidadão – disse o repórter enquanto o outro controlava a câmera discreta. – Ao que parece, o imperador Saturnino dá-lhe muita importância.
– Estou certo que não, meu irmão. – Daniel sorriu, delicado.
– O senhor é quem está de fato por trás das sugestões do imperador? Há quatro meses, ele admitiu que o programa de exploração espacial e o de incentivo à pesquisa foram sugestões suas, isso depois de ser acuado pelo seu avô, o governador de Vega XII.
– Às vezes conversamos, eu e o imperador Saturnino. Temos o mesmo objetivo: o bem-estar do império, mas não seria correto afirmar que as sugestões são todas minhas.
– Entretanto, a mídia vem notando que os atos do imperador mudaram de forma radical nestes poucos meses, sem falar que ele jamais havia conseguido votações unânimes. Nós pesquisamos o arquivo histórico e nunca na história do Império do Sol alguém conseguiu uma votação por unanimidade, senhor.
– As pessoas mudam, meu amigo, nós somos seres dinâmicos, por que não ocorreria o mesmo com sua Alteza?
– Não deixa de ser um argumento válido, mas de crença duvidosa, senhor Moreira.
– Olhe, eu não desejo criticar o imperador Saturnino. Ele faz o trabalho dele e eu tenho o meu.
– Mas sabemos que o senhor tem bons motivos para isso.
– Pode ser mais específico, irmão?
– O senhor é viúvo da sobrinha do imperador e a história da sua morte é bem conhecida da mídia, embora tenha sido fortemente abafada.
– Olhem, eu não desejo falar sobre isso. Ainda sinto muita dor pela morte da minha adorada Jéssica. O imperador também sofreu demais com esse infeliz incidente e não é justo para nenhum de nós tocar nessa ferida que ainda está bem aberta, ok?
– Claro, senhor Moreira, queira nos perdoar o comentário.
– Tudo bem.
– Senhor Moreira, por acaso as ações empreendidas pelo imperador estão relacionadas ao seu comentário há dois anos sobre a decadência da raça humana?
– Tem alguma dúvida quanto ao fato da estarmos mais do que acomodados e decadentes? Olhe à sua volta, amigo. Quantas descobertas científicas foram feitas nos últimos cem anos?
– Confesso que, neste momento, não me recordo de nenhuma.
– É porque não houve uma única, meu caro. Somente pequenas coisas para melhorar a nossa qualidade de vida. Essa é a verdade e o imperador teve a decisão muito acertada de criar esses programas...
– Que são da sua autoria...
– Alguns são, não nego, mas e daí? – Daniel encolheu os ombros e ergueu as mãos. – Não importa quem pensou, mas importa quem pode fazer e o imperador é a pessoa que tem o poder de mudar tudo. Nunca se esqueçam que o bem de todos deve prevalecer sobre o bem do indivíduo.
– Senhor Daniel, alguns de nós já tiveram a oportunidade de ver a nave que o senhor projetou. O que pretende fazer com ela? Quero dizer, quais são de fato os seus planos?
– O meu sonho, desde bebê, é explorar o Universo, conhecer novos mundos. Sempre desejei visitar a nebulosa de Andrômeda e acho que isso me impulsionou para a construção daquela nave. Nela, projetei e criei dispositivos novos que revolucionarão a navegação espacial.
– Então a nave não tem motivos bélicos.
– Ela tem objetivos pacíficos – Daniel sorriu. – Mas eu não atacaria aquela nave, se tivesse juízo.
– Isso implica em que ela tem potencial bélico.
– Tem e muito. Eu falei sério quando disse que temia uma invasão do espaço exterior ao Império. O projeto da nave também visa proteger a raça humana e o Império. Só peço a Deus que isso jamais venha a acontecer, mas não custa estar preparado.
– Quais são as novidades tecnológicas que a sua nave possui?
– Bastantes, desde melhorias substanciais nos jatopropulsores até um campo de força que a torna praticamente indestrutível. Se ela colidir com um asteroide, nada lhe acontecerá. A hiper-propulsão dela é diferente. Atinge a velocidade da luz em apenas seis segundos, entre outras coisas.
– E armas?
Daniel fez uma pausa, mal interpretada pelos repórteres, até que recomeçou a falar.
– Sabem, amigos, eu abomino a violência e não gosto nada de armas, sejam elas o tipo que forem. Repudio as armas. Aquela nave não dispõe de uma única, mas já desenhei uma para que tenhamos a capacidade de proteger o Império do Sol. Ela, entretanto, ainda não está pronta porque demorei a criá-la por causa da minha relutância ao uso de violência.
– O senhor acredita mesmo em uma possível invasão?
– Não só acredito como tenho a certeza disso, mas as provas que disponho são tão pessoais que prefiro não falar.
– Bem, senhor Moreira, obrigado pela entrevista. Há algo que deseja cortar?
– Não, podem passar na íntegra, mas não critiquem o imperador em meu nome, por favor.
– Conte conosco. Obrigado pelo suco que é delicioso, só não o conheço.
– É uma fruta de Mitris em Belteugeuse. Chama-se fruincá e é muito refrescante. Eu gosto tanto que a minha tia-avó sempre me manda um bom estoque. – Daniel acompanhou os repórteres até à rua e voltou para casa. Tirou as roupas e mergulhou na piscina, nadando com vigor por uma hora. No planador, os dois repórteres conversavam enquanto retornavam para a redação.
– Esse rapaz é fenomenal – disse o primeiro. – Cara, se tivesse sido eu no lugar dele, o imperador já não estava entre os vivos. E ele, meu Deus, está na cara que o perdoou!
– Ele foi sincero ao falar sobre armas e violência. No início, pensei que queria esconder algo. Tchê, é evidente que ele é o autor de todos esses projetos novos do governo, sem falar que, cada vez que o imperador vem com uma coisa nova, o avô dele dá uma risada, como que a informar quem é o detentor da ideia. Vê-se bem que o avô odeia o imperador. Sabes, acho que este rapaz daria um senhor imperador e dos grandes.
– Seria o fim dele, cara, não nasceu para isso. O espaço está estampado no seu rosto. Ele foi feito para a aventura, não para ficar preso ao trono de um império estelar.
– É, tens razão, mas as coisas que ele fez, embora poucas, provam que seria muito bom e, como ele mesmo disse, o bem de todos prevalece sobre o indivíduo.
– Que provas terá ele, que disse não poder revelar por serem demasiado pessoais?
– Deve ter sido a sua mulher. Sabes que, quando estamos morrendo, às vezes temos visões de coisas. E há um boato que ela não morreu de forma simples. Dizem que se transformou em luz e desapareceu. Afinal, muita gente estava presente quando isso aconteceu e todos afirmaram o mesmo. Deve haver um fundo de verdade.
– Ou alucinação coletiva.
– Sei lá – disse o colega, encolhendo os ombros. – Fizeste boas imagens? Ele é um sujeito bem bacana, gostei muito dele.
– Ótimas, que bom que nos concedeu esta entrevista. Vamos ficar bem em cima com o chefe.
Na emissora, apresentaram o material e foram muito elogiados pelo redator-chefe que não acreditava que o jovem fosse conceder a entrevista.
À noite, no jornal, passaram-na na íntegra, sem cortes nem montagens e foram bem honestos em manter a originalidade dela. Daniel foi aplaudido em muitas casas, sem o saber.
Lá pela meia-noite, quando a entrevista acabou, o videofone tocou e Daniel atendeu sem ver quem era. Espantou-se ao se deparar com o rosto do imperador.
– Majestade, boa noite, algum problema?
– Espero não o ter acordado, Daniel.
– Não, estava trabalhando numa melhoria para a minha nave. Precisa de alguma coisa?
– Não, apenas liguei para lhe dar os parabéns pela sua entrevista e para lhe agradecer o apoio que me deu, mas o senhor deveria ter dito a verdade: as ideias são todas suas, na íntegra.
– Não precisa de me agradecer, Alteza. Como eu disse, só o grupo unido vai longe. Não me interessa de quem são as ideias e é o senhor mais os governadores, junto com o primeiro-ministro, que as podem pôr em prática. Então, não importa mesmo de quem são porque um sem o outro nada pode fazer. Além disso, não menti, apenas omiti. Eu jamais minto, é uma questão de honra para mim.
– Bem, Daniel, se tiver alguma boa ideia em que eu possa ajudar, conte comigo. Como disse, o bem-estar do grupo prevalece sobre o indivíduo.
– Obrigado, Alteza.
Cumprimentaram-se e desligaram. Curioso, Daniel mandou o computador passar a entrevista que estava nos arquivos públicos do canal duzentos. Ele concluiu que não foi exagerada e saiu incólume. Sorriu, desligou a televisão e voltou a trabalhar.
Por conta disso, Mitris recebeu uma encomenda enorme de fruincá de vários planetas do Império.
A tia-avó Carolina mandou um e-mail para o neto parabenizando-o pela entrevista e agradecendo a propaganda do fruto, em nome dos seus produtores que não dão mais conta das encomendas. Daniel sorriu e respondeu:
"Mas é um suco delicioso, vó, mande outras frutas do gênero que eu farei questão de divulgar, desde que não chame demasiado a atenção.
Um grande beijo,
Daniel."
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