Capítulo 3 - parte 1 (não revisado)

O imperador estava muito inquieto. Além da consciência pesada, sentia-se apreensivo porque ouvira muito bem a última mensagem da sobrinha. Mais do que nunca, estava consciente de que jamais esteve tão errado em relação a uma pessoa quanto com aquele rapaz.

Perguntava-se o que seria do Império do Sol se a invasão acontecesse agora. A preocupação era tanta que tomou uma decisão e pediu que lhe enviassem um planador. Foi à Cybercomp e anunciou-se, pedindo para falar com Daniel Moreira.

Pensando que se tratava do presidente, a recepcionista encaminhou-o à sala do pai que, ao ver o imperador, levantou-se. Foi educado, porém distante.

– Majestade, o que o traz aqui?

– Eu gostaria de falar com o seu filho, senhor Moreira.

– Alteza, o meu filho já teve mais do que a cota dele de problemas, isso graças a si. Não me agrada nada a ideia de o ver procurá-lo.

– Senhor Moreira, eu sei que agi errado e estou muito arrependido, mas também sei que nada vai mudar o passado. Só que é justamente pelo que aconteceu nos últimos momentos de vida da minha sobrinha que preciso de falar com ele e isso é imperativo.

– E posso saber o que foi que aconteceu?

– Ele não lhe disse? – perguntou o imperador, espantado.

O pai abanou a cabeça.

– Ele é discreto, Majestade.

– Quando a minha sobrinha estava agonizando, ela disse que eu deveria acreditar nele e que a invasão acontecerá em breve. Também disse que só ele estará em condições de salvar a raça humana. Isso faz com que eu me preocupe, senhor Moreira, e muito.

O presidente da Cybercomp olhou para o homem e teve pena dele. Como os demais parentes, já o desejou crucificar, mas, agora sentia apenas pena por um homem fraco e incapaz. Após uns segundos de reflexão disse:

– Se ele já chegou, deve estar em algum laboratório ou na nave, venha que o levo até lá.

O Daniel pai não recorreu ao computador para localizar o filho, fazendo isso de propósito. Em vez disso, foram aos laboratórios onde ele costumava estar, não o encontrando em qualquer deles. Ao fim de algum tempo, levou-o pela rede de esteiras rolantes para nave. Quando eles subiram para a superfície, o imperador ficou impressionado com a imponência da esfera.

– Nossa senhora! – disse, arregalando os olhos. – Foi ele que projetou isto?

– Até ao último parafuso, Alteza. Segundo soube, esta nave contém inovações que deixarão para trás tudo o que temos hoje.

– É imponente! – disse, maravilhado. – Custa a crer que foi feito por um garoto.

– Ele não é um sapiens, Majestade, deixou de ser um garoto há mais de dois anos. Até mesmo para um portador é fora dos padrões.

– Tem razão; mas, mesmo assim, é impressionante. Afinal, há muitas décadas que não surge algo novo, ainda mais deste porte.

– Mais uma prova de que ele estava certo ao afirmar que estamos em franca decadência, não acha?

– Acredito que tenha razão, senhor Moreira. É pena que eu tenha me dado conta tão tarde. Talvez não tivesse perdido a minha sobrinha e hoje fôssemos amigos. – O imperador viu que o homem se controlava para manter a serenidade.

– Nesse caso, Alteza, peço-lhe o favor de não tocar mais nesse assunto. Todos aqui no centro ainda estão com a lembrança muito viva do que aconteceu. O senhor não tem a mínima ideia do estado em que o meu filho ficou, muito menos do perigo que a sua vida correu.

– Faço ideia...

– Não, não faz. O meu pai estava totalmente descontrolado e prestes a matá-lo, Majestade, e nenhum de nós desejava impedi-lo. O senhor foi salvo pelo meu filho, a pessoa cuja vida o senhor destruiu e o único que tem uma influência poderosa sobre o meu pai. Agora, repito, paremos de falar sobre isso.

– Sim, senhor Moreira, desculpe-me

― ☼ ―

Daniel chegou à empresa e foi almoçar em um dos restaurantes locais. Depois, seguiu sem pressa para a nave, indo pelas esteiras rolantes do subsolo. Quando alcançou a superfície, encontrou o pai e outra pessoa, ambos de costas.

– Oi, pai – disse, a título de cumprimento. Os dois viraram-se e o jovem reconheceu o imperador. Impassível, disse. – Boa tarde, Majestade. O que vos traz aqui?

– Boa tarde, Daniel, gostaria de conversar consigo.

– Vejo que já conheceu a nave – comentou.

– Na verdade, não entrei nela, mas estou impressionado.

– Então venha conhecê-la e podemos conversar enquanto isso.

– Bem, filho, eu vou voltar para a presidência. Só vim trazer o imperador Saturnino aqui porque ele solicitou uma audiência contigo – disse Daniel pai, falando de forma formal de propósito.

– Obrigado, pai, paz. Venha, Majestade. – Daniel era cortês; mas, como o pai, reservado e distante. O imperador entrou na nave e o jovem foi-lhe mostrando como era por dentro, entrando em vários recintos e vendo homens trabalhando nos acabamentos. Na ponte, levou o imperador até à sala do comandante, um pequeno recinto que podia ser fechado, mas mantinha observação de tudo.

– Podemos falar aqui, Alteza porque esta sala é reservada e hermética de dentro para fora. O que deseja?

– Daniel. – O jovem observava a dificuldade do imperador em exprimir-se, mas nem pensava em facilitar as coisas para ele. Notava que tinha uma tristeza no olhar, tal e qual ele, e sabia exatamente o motivo. – Eu vim procurá-lo porque estou preocupadíssimo. Helena foi bem clara naquela hora... – deixou correr uma lágrima –, que a invasão existirá e é iminente. O que temos de fato a opor a isso?

Daniel olhou para o homem, que já odiou, e teve pena dele. Viu o seu sofrimento e compadeceu-se, mas não deixou de escapar uma observação:

– Entretanto, Majestade, foi preciso alguém morrer uma forma gratuita para que o senhor se desse conta de que eu tinha razão e não agia por interesse pessoal. – O imperador baixou a cabeça e Daniel continuou. – Tudo o que nós temos a opôr é esta nave, apenas ela.

– Mas você disse que ela não possui armas!

– Ainda não tem, Alteza, mas já desenvolvi uma arma. Eu sou contra a violência e deixei essa parte para o final. Desagrada-me trazer a destruição; mas, como a própria Jéssica me disse, junto com a minha avó, a raça Humana vem em primeiro lugar. Esta nave terá uma arma de poder terrível; será destrutiva e assustadora. Espero jamais precisar de a utilizar. Afinal, a minha primeira intenção ao criar este brinquedo foi de explorar a Galáxia, não só esta, mas também as vizinhas e não fazer guerra.

– Mas o que poderemos fazer em caso de uma invasão?

– Essa resposta, Majestade, é óbvia – afirmou Daniel, muito sério, encarando-o nos olhos. – Só nos resta lutar ou morrer.

– E acredita que teremos alguma chance?

– Mas claro que acredito – disse com convicção. – O Homem é o ser mais adaptável do universo e saber-se-á virar. Se há uma coisa em que acredito acima de tudo, é na nossa espécie. Não se preocupe porque uma coisa eu juro para o senhor: enquanto viver, lutarei pelo bem-estar da nossa raça e sei que muitos outros farão o mesmo.

– É bom ouvir isso, Daniel; mas também sinto que tem razão em uma coisa: estamos em uma grande letargia. Precisamos de pensar nisso.

– Eu penso, Alteza, todos os dias. Só há um meio disso acabar, uma mudança radical. Sacudir o povo, como se abana uma pessoa que dorme e desejamos acordar.

– É uma metáfora interessante, mas ainda não sei como fazer.

– Bem, há uma forma muitíssimo simples, porém, perigosa.

– Qual? – perguntou o suserano, curioso.

– Esperar a invasão, simples assim.

– Só pode estar brincando!

– Não estou, infelizmente –afirmou, pensativo. – Uma alternativa a médio ou longo prazo é criar alguns programas do governo para incentivar o desenvolvimento científico e o apoio à exploração espacial, entre outras coisas. Despertar a sede de aventuras no povo. Isso deverá ajudar muito, talvez até resolver.

– Mas ampliar a exploração espacial neste momento pode até ser muito perigoso. Podemos topar com o invasor.

– Em primeiro lugar, acho que não, desde que tomemos precauções. Veja – Daniel mandou o computador apresentar um mapa da Galáxia ampliado ao limite dos domínios do império – a Galáxia tem aproximadamente cem mil anos-luz de tamanho. O nosso planeta mais distante, Terra-Nova, tem trezentos e dez de distância da Terra. Se criarmos uma esfera cujo raio seja esse, encontraremos milhares de sistemas solares desconhecidos. Isso deveria ser por si só o início. Não faz sentido ampliar esta esfera neste momento, já que não dispomos de meios para proteger os nossos domínios.

– Bem, Daniel – disse Saturnino, agradecido. – Vou pensar nisso com muito carinho. Vai fazer alguma coisa agora?

– Sim, vou a Vega XII, visitar os meus avós. Venha que o levo até ao prédio da administração em uma naveta – disse Daniel, dando a entrevista como encerrada.

Conduziu o imperador aos hangares e levou-o para a naveta mais próxima, onde estava escrito Jessy P I. Ao ver o nome, Saturnino disse, enquanto entrava:

– É uma linda homenagem, o nome da sua nave.

– É pena que agora é póstuma, Alteza, pois antes não era.

– Me perdoe, filho.

– Eu tento, Majestade, juro que tento, mas preciso de tempo para curar a ferida. Bem, adeus e siga em paz.

– Paz para si também, Daniel.

O imperador saiu e ele voltou para a nave porque a naveta não era capaz de voos interestelares. Enquanto retornava, Saturnino observava o seu afastamento, olhando a navezinha cheio de respeito.

O jovem, na nave mãe, pegou na Jessy A I e rumou para o planeta do avô com intenção de ficar lá dois dias. O voo foi, como sempre, muito tranquilo e rápido, graças às novas invenções.

Os avós adoravam-no e ficaram muito satisfeitos de o ver. Ele e o avô passaram os dois dias seguintes trabalhando na frota, com Daniel ajudando nos planos e tirando dúvidas de cientistas e engenheiros. Suspirando, sentia falta do doutor Herbert, um homem de tal forma genial que entendia tudo e administrava os especialistas com muito mais facilidade que o físico chefe de Vega XII. O jovem chegou a sugerir que ele conversasse com o especialista da Terra para obter ajuda porque a sua limitação atrapalhava o avanço do projeto. Em um dos intervalos, Daniel contou para o avô sobre a visita do imperador.

– Esse desgraçado não perde por esperar, Daniel – afirmou irado, com as mãos tremendo. – Pouco faltou para eu o matar, naquele dia. Desde então, no congresso, faço-lhe oposição aberta. Para minha vantagem, tenho a maioria dos votos. Quarenta governadores querem a queda dele.

– Não pense assim, vô, que ele sofre muito. Vi nos seus olhos a dor e o arrependimento. Tenho pena dele, sabe? É um homem solitário que ocupa aquele cargo há cerca de trezentos anos. Eu acho que já estaria morto, no lugar dele. Pelo menos de tédio.

– Só tu mesmo, querido. Perdoar aquele inútil é coisa que eu jamais faria. Ele matou a minha mãe, Daniel, a minha mãe – disse, enfatizando a palavra mãe. Sem se poder conter, começou a soluçar.

– Acalme-se. – Daniel abraçou o avô com carinho. – Sei perfeitamente quem era ela; ainda sinto isso no coração, mas não sofra mais, vô porque isso não resolve.

– Já o perdoaste, Daniel...

– Eu perdoo, vô, e já perdoei, mas não quero que ele saiba disso. Também é uma forma de o castigar.

– A tua bondade é inigualável, Dan. – Ele apertou os ombros do neto. – Só mesmo tu e o meu pai para isso. Agora pergunto, meu querido, tu estás bem?

– Não, vô, ainda não, mas estou melhor. Esqueçamos esse assunto, por favor.

Voltaram a discutir sobre a frota e Daniel sentia-se satisfeito ao ver que ia em um estágio bem avançado.

– E a arma que te sugeri, Dan?

– Já a desenhei e mandei os planos para o doutor Herbert fazer o protótipo.

– Ele é muito competente – afirmou o avô. – Tenho bons cientistas aqui, mas nada igual a ele; bem que eu queria.

– É sim. Muito do que aprendi devo a ele, que me aturava nos laboratórios sempre fazendo perguntas. Na época, tinha pouco mais de dois anos. Ele, com a maior paciência deste mundo explicava-me tudo...

Dois dias depois, o Daniel decolou de volta para a Terra. Ao se despedir, o avô disse:

– Estarei lá em quatro dias, querido, para a reunião do congresso. Poderemos ver mais detalhes da frota.

– Com certeza, vô. – Daniel beijou a avó. – Até mais, vó Daniela, se puder venha junto, sinto a sua falta.

– Adeus, meu filho, obrigada pela visita. Talvez vá, sim.

Ele entrou na nave auxiliar e deu um último aceno. Os avós ficaram observando a nave subir.

– Ele está melhor, mas ainda se nota a tristeza, Daniel – disse a avô. – Forte demais. Estou preocupada.

– É, Dani, cada vez que penso nisso, tenho ganas de rebentar o focinho daquele real imbecil.

– Não é solução, Daniel.

– Eu sei, Dani, eu sei. – O avô suspirou. Ele sentia muitas saudades da garota, aquela que foi a sua mãe.

O voo para a Terra foi rápido e calmo. Daniel lembrou-se do comentário da Jéssica sobre o que poderiam fazer e uma lágrima caiu dos seus olhos. Pôs esses pensamentos de lado e pousou na empresa da família. Após dar algumas instruções para o doutor Herbert, foi para casa.

Quando chegou, encontrou a Bia no portão, sorridente e maliciosa.

– Me disseram que já tinhas retornado à Terra. – Ele beijou-a, sorriu e ambos entram.

― ☼ ―

Passaram-se dois meses. Bia e Daniel saiam de vez em quando e curtiam-se bem. Era bastante agradável, a relação que ambos tinham, sem envolvimentos emocionais, mas ele sentia falta do sentimento extra, que fazia o sexo ser algo inigualável.

Certa tarde, Daniela bateu à porta da casa dele.

– Oi, Dan.

– Olá, Daniela, entra – sorriu para a moça.

– Dan, vim para te dizer que estou me envolvendo com João. Eu gosto dele, que corresponde, e queria que soubesses por mim porque já estou em condições de ser tua amiga e sinto-me muito contente por teres sido tão honesto e verdadeiro. Hoje, posso ver que fizeste a coisa certa.

– Que bom, Daniela. – Ele deu-lhe um abraço. – Eu ia ficar muito triste se não nos víssemos mais. João é uma pessoa maravilhosa e sei que vocês vão se dar muito bem porque ele te ama muito.

– Obrigada, Dan, ele é maravilhoso sim. Acho que no fundo eu estava meio cega, mas agora estou muito bem, graças a ti. Bem, eu vou-me embora.

– Até mais, Daniela. – Ele levou-a até à porta e abraçou-a. Quando a abriu, João estava com o dedo na campainha. Ao ver a moça com o Daniel, fechou a cara, mas ele sorriu para o primo.

– Deixa eu adivinhar, maninho, vieste me dizer que vocês estão namorando. Chegaste tarde, irmão, parabéns para os dois. Desejo que sejam muito felizes.

João relaxou e sorriu, ao mesmo tempo que Daniela foi até ele e abraçou-o.

– Adeus, Dan, obrigada por seres tão sincero.

– Ei, churrasco no sábado?

– Combinado – disse João, que abraçou o primo. – Obrigado por tudo, bebê, e desculpa aquele soco.

– Esquece isso, tchê, com a força que deste – brincou Daniel, rindo. – Nem machucavas uma velhinha.

O primo fez uma careta, sabendo que ele disse aquilo para tirar a importância do caso.

― ☼ ―


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