Capítulo 2 parte 3 (não revisado)
À noite, ele continuou a trabalhar na sua nave, incansável. A sexta-feira chegou rápido e o pessoal combinou o tradicional churrasco na casa do Daniel. No sábado, formou-se uma frente fria e eles não jogaram polo. Daniela não saia de perto do namorado, sempre sorridente e brincalhona. João embora disfarçasse bem, chamava a atenção do primo. Quando ficaram a sós, perguntou-lhe.
– Escuta, tchê, tá tudo bem contigo?
– Claro, Dan – respondeu, apreensivo. – Por que não haveria de estar?
– Porque estás estranho. Não te queres abrir?
– Xi, cara. Ando dormindo pouco e nunca fui muito bom em meditação. Deixa pra lá.
– Ok, mas vê se não abusas, mesmo nós precisamos de descanso ou teremos uma estafa.
– À é? E há quanto tempo tu não dormes?
– Algum... na verdade muito, mas eu medito regularmente. Não te zangues, maninho, apenas preocupei-me.
– Claro, bebê, desculpa. Acho que hoje vou dormir e amanhã já estarei bem.
– Olá, João, os dois escondidos aí? – perguntou Daniela abraçando o namorado. – Tá tudo bem?
– Claro – respondeu João, olhando para ela com uma certa tristeza. – Dan, o festival este ano é mais cedo. Em duas semanas. Agora que o avô Daniel transferiu a liderança dos Brancos para ti, não poderás deixar de ir.
– Estarei lá, mas acho que ele deveria continuar sendo o líder. É o mais velho e o mais sábio.
– Isso depende. Segundo eles, se somares a tua vida anterior serias o mais velho. – João deu uma risada.
– Como assim, vida anterior? – A garota perguntou, sem entender.
– Não sabias, Daniela? – perguntou João. – O Dan tem lembranças da via anterior. Ele é a reencarnação do bisavô.
– Puxa, que legal!
– "Falas demais, tchê" – transmitiu o primo para o João que, para variar, deu um sorriso trocista, saindo de encontro à namorada.
– Há algo muito errado com o João – comentou o jovem, falando baixo para que não os ouvissem –, mas ele não se quer abrir. Parece muito triste, coisa que não combina com a sua personalidade, Daniela. Desde que o conheço, nunca o vi assim.
– Também tenho essa sensação, mas é melhor deixar assim por enquanto. Quem sabe é passageiro. Conta essa história do teu bisavô que fiquei bem curiosa.
– Nada demais, eu lembro coisas, nasci sabendo falar dialetos chineses e japonês, por exemplo. Quando comecei a estudar hiper-matemática, foi como se estivesse apenas me lembrando. Coisas assim.
– A tua bisavó chamava-se Jéssica, não é? – A garota era muito perspicaz.
– É sim, Daniela, e sim, ela também era a reencarnação da minha bisavó – disse com um suspiro.
– Como podes saber?
– Daniela, eu sempre senti isso, mas ela não teve uma morte acidental como deves saber. Foi assassinada por um agente imperial. O imperador achou que eu era um subversivo e mandou-nos prender... – Daniel contou a história toda menos a parte que falava em uma Daniela.
– Caramba, estou toda arrepiada!
– Olha, Daniela, isso ainda é muito recente e dói demais. Prefiro não falar sobre esse assunto.
– Claro, meu amor. – Ela deu-lhe um beijo terno, abraçando-o cheia de carinho. Ao longe, o João observava, discreto.
No meio da tarde, o pessoal despediu-se. Daniela ficou novamente para ajudar a arrumar as coisas. Quando terminaram, ela começou a provocá-lo, cheia da vontade e rindo muito. Ele, alegre, atendeu aos seus desejos.
À noite foram jantar fora, para variar no restaurante chinês. Por coincidência, encontraram os pais dela. Eles eram do tipo jovial, bem-disposto e gostaram muito do rapaz.
Notaram que ele era gentil e bondoso. Sempre atencioso com a sua filha, mas a mãe sentia que não ia acabar bem. Ao se despedirem, a filha disse que não a esperassem porque ela ia dormir na casa dele.
O jovem ficou sem jeito porque ainda era inexperiente em muitas coisas, mas a garota tinha dezenove anos e era maior de idade desde os treze, motivo pela qual os pais nada disseram.
― ☼ ―
João estava sozinho na sua casa. Sentia-se triste e demasiado confuso. Não entendia o que lhe aconteceu ao pôr os olhos na Daniela naquele sábado, na piscina. Algo explodiu dentro do seu coração e ele, o namorador nato que nunca se apaixonou, estava entregue.
Desejava tomá-la nos braços, beijá-la e abraçá-la. Acabara de descobrir o que é o amor, mas agora ela não estava mais disponível. Trancado na sua casa, chorava em silêncio. O amor que sentia pelo primo impedia-o de fazer qualquer besteira. Só lhe restava aguentar calado e disfarçar o mais que podia. Há dias que não conseguia dormir, muito menos meditar, e já estava no limite da sua energia. O cansaço acabou vencendo e ele caiu adormecido, num descanso benfazejo.
De manhã, acordou restabelecido; mas, nem por isso, melhor ou alegre. E claro que o seu primeiro pensamento foi para a Daniela, provocando-lhe melancolia.
― ☼ ―
No dia do festival, havia um grupo grande de mestres de todas as cores. Daniel levou a namorada e explicou como as coisas eram. Ela olhava os combates com fascínio e passou a entender quando Daniel dissera que o que aconteceu com os arruaceiros na praça era uma coisinha simples. Assistia os maiores mestres de Kung-fu do planeta reunidos em lutas fascinantes. No segundo dia dos combates, eles convidaram os pais dela a assistir, que adoraram, em especial o pai que era um adepto da arte mas nem se atreveria a enfrentar um deles.
No último dia, o mais interessante, Daniela sentou-se, com os pais, junto aos Brancos. Lá, também estava Bia, a namorada do João. Como ambas eram amigas, sentaram-se juntas enquanto Daniel e João, foram pôr as roupas cerimoniais.
– Dan, estou mais forte que nunca. Acho que desta vez, não me vences.
– Nem brinques com isso, tchê – ripostou o primo. – Morro de medo de ferir alguém.
Uma fileira de Brancos entrou nas arquibancadas, aplaudidos e reverenciados pelos menores e espectadores. Desde que o Daniel se tornou branco, a plateia, em especial a feminina, tinha crescido bastante. Os Dourados já estavam lá, aguardando. Lee levantou-se e o silêncio foi total.
– Este é o mestre Lee – disse Daniel, baixinho. – Ele é o meu mentor de duas vidas, um dos maiores combatentes do planeta. É o presidente da mesa, que aqui tudo decide.
– Como no ano passado – disse monge –, teremos os testes antes dos combates e há um candidato a Dragão Dourado que será uma grande surpresa. Pela primeira vez, temos um candidato da raça negra. Desejo, do fundo do coração, que este consiga o seu título.
Um homem alto, de pele tão escura que chegava a parecer azul, levantou-se. Cumprimentou todos e foi ovacionado pelo público, quase todos mestres. O combate durou dois minutos e o gigante de ébano venceu facilmente um dos melhores Dourados do festival.
– Dan, esse cara é rápido como um raio!
– É sim, talvez venha a ser um Branco, no futuro – respondeu o namorado.
– Queres dizer que os Brancos são mais rápidos?
– Muito mais.
– Bah!
Uma mulher lindíssima entrou e juntou-se a eles. Ela viu Daniel e foi direto beijá-lo. Tinha idade indefinida, mas parecia ser bem mais velha do que ele. Daniela não gostou muito, até que o namorado apresentou a sua mãe.
– Olá, Daniela, já tinha ouvido falar de ti. – Cumprimentou os pais dela e sentou-se junto com eles.
Quando chegou a vez dos Brancos, não havia candidatos. O sorteio foi feito e o primeiro selecionado foi o pai do Daniel que desafiou o próprio pai. Ambos desceram para o tatame e a Daniela ficou impressionada com o porte dos dois. A luta era demasiado veloz, sendo necessário ter olhos bem treinados para acompanhá-la. O pai venceu o filho ao fim de cinco minutos. Aplaudidos, ambos voltaram para a arquibancada. Mais três combates ocorreram até que o João foi sorteado. Ele desafiou o primo e um silêncio pesado assolou o ginásio, um silêncio tão intenso que seria possível ouvir um mosquito a voar porque todos achavam que o desafiante perdera o juízo. Daniel levantou-se e fez uma mesura:
– João – disse, muito sério –, não creio que seja uma boa ideia, Na verdade é a pior ideia que tiveste em toda a tua vida, cara. Escolhe outro.
– Daniel – mestre Lee interveio. – Deves aceitar o desafio; mas, João, não acho que seja uma boa ideia, não mesmo.
– Insisto no desafio.
Sem poder fazer nada, Daniel desceu para o tatame. Tirou o casaco do quimono, da mesma forma que o primo e o fã clube começou logo a assobiar. João era pouco maior, mas muito mais largo e, quem não os conhecesse não teria dúvidas que Daniel seria massacrado pelo primo. Em meio a isso, Alexandra comentou, assustada:
– Santo Deus, João deve ter enlouquecido para desafiar o Dan! Há algo muito errado nisso tudo.
– Só espero que ele não machuque Daniel – respondeu a garota a garota apreensiva e sem entender a tranquilidade da mãe do namorado.
– Machucar? – perguntou, sem entender. – Meu Deus, Daniela. Vais ver um estrago dos piores... O super-Dan, não gosta de combates individuais e isso não vai acabar nada bem.
– Não me diga isso, pelo amor de Deus – pediu a garota, muito preocupada e já com algumas lágrimas nos olhos. – Eu não quero ver o Daniel ferido.
– Daniel ferido!? – Ela olhou para a nora e riu. – É impossível feri-lo. Quem vai se ferrar bem bonitinho é o João, que deve estar insano. Ninguém pode com o Daniel, absolutamente ninguém e ele sabe muito bem disso!
Quando os dois ficaram frente a frente, Daniel disse:
– Ficaste doido, João? – Encolheu os ombros. – Ou queres cometer suicídio. Tem algo muito errado contigo faz algum tempo, cara.
– Vejamos.
Cumprimentaram-se e iniciam a aproximação. Daniel contraiu a musculatura, provocando suspiros nas duas garotas e nossa séria de gritos da mulherada. Bia, debochada, também soltou um assobio e a mãe dele riu-se porque não há mulher no mundo que não se apaixonasse pelo corpo do filho.
João, com um olhar estranho, estava com a macaca e queria briga, atacando o primo com uma violência fora do normal. O jovem defendeu-se sem revidar, não tendo qualquer dificuldade em aguentar a pancadaria. Ele não entendia o que diabo o primo tinha e mantinha-se apenas na defensiva porque morria de medo de o ferir. Em certo momento, ambos deram um salto de seis metros e colidiram no ar, sendo atirados para trás com uma certa violência. Era só graças ao treino que não se feriram, reposicionando-se no tatame.
Sem aviso prévio, João desferiu um ataque interior com toda a sua potência. Daniel voou para trás, equilibrando-se com certa dificuldade. Antes que se pudesse preparar melhor, foi outra vez atingido pelo primo – em meio a gritos de espanto da plateia – mas dessa vez sem o efeito desejado.
– João, não faças isso que estás a abusar – disse aos berros para se fazer ouvir. – Se eu rebater, vais te arrebentar todo, tchê, mas eu não posso ficar indefinidamente na defensiva e sabes muito bem que não podes comigo. Pelo amor de Deus, controla-te.
– Vejamos – repetiu ele, dando novo golpe ainda mais forte. O Daniel sentiu a pancada pela primeira vez na vida.
– João, estás abusando, isto é uma competição amigável e não um duelo de morte, que diabo.
O primo não o ouvia e atacou de novo com um brilho dos olhos que não era natural.
Chegando à conclusão que já passou da marca, Daniel rebateu o ataque seguinte para o solo perto do adversário. O tatame estourou com um estrondo ensurdecedor, destruído pela tremenda erupção de energia interior, e João viu-se atirado pelo ar uns quatro metros para trás, rolando sem parar mais de dez metros e caindo desmaiado. Muito aflito, Daniel correu até ao primo. Verificou os sinais vitais e notou que estava vivo. Aliviado, suspirou e abraçou-o.
– Caramba tchê, o que fizeste? – disse quando o primo acordou ao fim de alguns segundos.
– Desculpa, Dan, não devia ter feito isto. Acho que queria me autoafirmar.
– Vem, irmãozinho, deixa de fazer bobagem.
Abraçados e sorridentes, os dois primos levantam-se muito aplaudidos.
– Se tu quiseres matar-te – disse Daniel avô, muitíssimo zangado com o sobrinho-neto –, procura um jeito mais fácil porque provocaste uma grande agonia no teu primo, rapaz. Além disso, exceto por mim o teu tio e o teu primo, estava bem claro que terias morto qualquer outro adversário. Isso foi uma grande idiotice!
– Eu sei, avô. – João baixou a cabeça. – Desculpem-me, fui mesmo tolo.
Fascinada com o poder dos dois primos, Daniela olhava para ambos boquiaberta. Nem em sonhos imaginava o que poderiam fazer. Os combates continuaram até que o último sorteado foi Daniel, que se levantou e disse:
– Desafio todos os Brancos e Dourados juntos, se os Dourados desejarem aceitar.
– Ele enlouqueceu! – disse a Daniela, apavorada. – Não bastou o João e agora isso? Só pode ser mal de família...
– Que nada – interrompeu a mãe do rapaz, rindo – agora é que vai ser bacana.
Mesmo assustada, Daniela não conseguia tirar os olhos do que ia acontecer. De um lado, o namorado, solitário e, do outro, quarenta lutadores bem treinados. O medo foi-se transformando em espanto enquanto, de olhos arregalados, observava Daniel girar e mover-se no meio deles sem nem mesmo ser tocado por qualquer adversário. Ninguém conseguia encostar as mãos ou pés nele, que mexia os braços tão veloz que às vezes parecia ter mais de um par. Enquanto bloqueava os ataques dos competidores, cada golpe seu, sempre certeiro, punha abaixo um adversário que, se fosse Dourado, retirava-se após cair. Ao fim de vinte segundos, só ficaram de pé os Brancos, que não se retiravam quando atingidos, mas Daniel derrubava-os com tanta facilidade que em pouco tempo era o único de pé, sorrindo de leve. Nesse momento, como se fossem um só, todos os oponentes levantaram-se e atacaram-no da forma misteriosa que ela já vira antes. Ele foi arrastado para trás quase dois metros, até que fez a mesma coisa contra os adversários que foram projetados para trás, atordoados. Daniel era o vencedor em apenas um minuto e meio. Fascinadas, as garotas aplaudiam-no de pé, acompanhadas por um grande número de visitantes. Após, veio a cerimônia de encerramento, bonita e simples.
– Foi fantástico – disse o pai da Daniela, falando com o genro e demonstrando franca admiração. – Não imaginava a extensão do poder de um Branco.
– Dá medo, senhor Nuan – confessou Daniel. – Eu morro de temor de ferir alguém e acho que é poder demais para um homem só.
Os participantes e convidados especiais foram, como sempre, convidados para um enorme banquete promovido pela Cybercomp, geralmente um churrasco ao ar livre. Nas grandes mesas, espetos de todos os tipos de carnes e vários tipos de saladas eram servidos. Os Brancos, por tradição, ficavam juntos na mesma mesa e o casal aproximou-se do João.
– Estás bem, João? – perguntou a moça.
– Sim, estou – ele sorriu, sem jeito. – Não sei onde estava com a cabeça para desafiar o Dan.
– Ainda bem que não te feriste. Eu ficaria triste – dizendo isso, ela deu-lhe um beijo no rosto e ele estremeceu, fazendo um enorme esforço para se controlar.
– Nós vamos embora. Cuidem-se – disse Daniel. Acenaram para o casal e Bia ficou olhando para o João, cada vez mais ressabiada.
Daniela, abraçada ao namorado, despediu-se dos pais e sogros. O avô Daniel, que naquele momento estava mais alegre, deu-lhe um grande abraço e um beijo, dizendo:
– Cuidem-se, crianças.
– Até mais, vô – respondeu Daniel. – Mande um beijo prá vó Daniela.
– É estranho chamar ele de avô – disse a garota. – Parece ter apenas trinta anos!
– Tem mais de setecentos anos, Daniela.
– Caramba! Quando tivermos essa idade seremos assim?
– Se formos maiores que noventa, sim.
– Eu sou noventa. E tu?
– És muito alta.
– E tu?
– Queres mesmo saber?
– Claro.
– Eu sou cem, parece que sou o único... meio solitário.
– Nossa senhora, cem! – espantou-se a moça. – Então deve ser por isso que estás em uma turma bem mais velha.
– É, assusta um pouco. Daniela, sinto que há algo muito errado, mas não sei o quê.
– Com o quê?
– O João. Ele sabia que jamais poderia me vencer, mas tentou usando toda a potência da sua força interior, sendo que teria morto alguém normal, mas aquilo não era nem um por cento do que eu poderia fazer e ele até parecia que se queria matar! – comentou, falando tranquilo. – E agora dizes que ficarias triste se ele se ferisse!
– Dan, eu sou apaixonada por ti desde que te vi pela primeira vez. Quando começaste a namorar com Helena, fiquei muito triste, então acabei direcionando a minha atenção para João, que sempre me atraiu muito, mas ficou com Bia. Fiquei sozinha e triste, sem deixar de pensar em ti. Quando a tragédia aconteceu, quis te confortar mas nunca tive coragem. O meu amor voltou a crescer, até que tive a sorte de eles me levarem até ti. Só que fiquei com um carinho muito grande por ele. Estás zangado?
– Claro que não.
– Sabes, certa vez sonhei que transava com vocês os dois. Dan, acordei com um calor no corpo que nem um banho frio tirou.
Os dois riram-se.
– Mas há algo errado com ele e estou muito preocupado. O que ele fez hoje, beirava o suicídio.
– És tão forte assim, Dan?
– Sou, com força moderada, poderia matar todos os que desafiei hoje. Com força total, mataria todos os que estavam presentes no evento e talvez nem mesmo a paredes ficassem de pé.
– Santo Deus! E ele sabe disso?
– Sabe. É por isso que estou tão preocupado.
– Dan, deixa ele se encontrar que te dirá tudo, tenho a certeza. Ele ama-te muito.
– E eu a ele – disse Daniel. – Desde bebê vivia correndo atrás dele, que sorria condescendente e brincava comigo. Era como um irmão mais velho, sempre cheio de atenção. Por isso ele me chama de bebê até hoje.
– Eu pensei que era sacanagem dele.
– Não é, Daniela. É uma grande manifestação de carinho e eu gosto muito dela.
– Que legal, não imaginava o quanto vocês eram unidos.
– Somos como irmãos, anjo.
Em casa, eles divertiram-se e depois adormeceram. Daniel levantou-se muito cedo e foi para a sala dos ancestrais meditar. Mais tarde, ela acordou e não o encontrou na cama. Levantou-se e desceu as escadas. Sentia um cheiro de incenso, muito suave, e seguiu nessa direção. Na sala mais íntima da casa, ela viu Daniel sentado, meditando e olhou em vlta. Com cuidado para não atrapalhar, entrou e observou as fotografias em cima de uma estante baixa, quase um balcão. Depois viu outras na parede, em quadros.
Notou que eram das pessoas que já se foram. Nesse momento viu um par de fotos lado a lado e ficou impressionada com a semelhança entre as duas Jéssicas.
– Se ela fosse loira, passavam por irmãs, não achas? – perguntou Daniel.
– Que susto, Dan! – exclamou ela, dando um salto. – Era a tua bisavó?
– Sim. Descobrimos que a minha trisavó foi irmã de uma tetravó dela. Por isso a semelhança.
– Então vocês eram primos?
– Sim, de sexto grau.
Ela abraçou-o e disse, cheia de amor para dar.
– Vem, vamos deitar. – Ele sorriu e subiram para o quarto. Quando terminam, ela adormeceu de novo, até muito rápido. Ele não tinha mais sono porque a meditação fora mais que suficiente, mesmo depois de gastar tanta energia com ela, mas, sem explicação, caiu adormecido até que acordou sendo beijado e viu a Jéssica deitada ao seu lado.
– Meu amor. – Olhou para o outro lado e viu a Daniela adormecida. – Caramba, ela vai acordar!
– Garanto-te que não, a menos que tu queiras uma pequena sacanagem a três – disse ela, sorrindo.
– Não, amor. Sinto tanto a tua falta, Jessy!
– Mas não perdeste tempo.
– Tu disseste que eu deveria encontrar uma Daniela!
– Amas essa moça?
– Gosto muito dela, mas não a amo como te amava e ainda amo.
– Mas a tua Daniela, a verdadeira, quando a encontrares ama-la-ás na mesma hora e de forma tão profunda quanto a mim. Esta moça é apenas uma lembrança de algo rápido e agradável que te aconteceu. Não te lembras de muitas coisas da outra vida, felizmente para ti, mas não é a primeira vez que aconteceu algo entre vocês.
– O quê?
– Naquela época ela já te amava muito. Apesar de estar tão diferente de antes, continua muito parecida. Alegre, simpática, sempre perguntando, fogosa e apaixonada. O destino dela é outro, Dan. Vais fazê-la sofrer, mesmo sem saberes e nem teres culpa e o João também sofre porque ama-a loucamente. Olha, não te lembrarás de quase nada quando levantares, mas faz um esforço. Pega no meu computador que nele existe uma pista da tua Daniela. Lê o meu diário. Afinal, eu não tinha segredos para ti.
– Então é por isso que ele está tão estranho! – comentou, olhando para a namorada. – Se eu soubesse. Já há algum tempo que sinto que ela não é o meu destino.
Jéssica beijou-o com ternura, abraçando-o bastante. Quando começou a amanhecer, despediu-se:
– Adeus, meu amor, cuida-te e cuida da Bianca. Esperarei por ti e pela Daniela quando for a vossa hora, mas ainda vai demorar bastante até lá. – Ela desapareceu com um brilho e ele adormeceu de novo.
Daniel foi acordado com um beijo delicado nos lábios. Ao abrir os olhos, viu o sorriso dirigido a si.
– Para quem não precisa dormir muito, parecias bem adormecido. – Beijou-o novamente.
– O quê, Bianca?
– Estás-me traindo, Dan? – Ela ficou séria e triste. – Esse não é o meu nome.
– Mas foi, eras uma das amigas mais queridas do meu bisavô. Que estranho eu acordar com esse conhecimento!
– Eu achava que andavas sonhando com outra garota. – Ela abraçou-o, fogosa. Sorrindo, ele correspondeu aos seus carinhos. Depois de um bom banho, tomaram café da manhã e passearam o dia inteiro. À noite, Daniel disse-lhe que ia trabalhar no projeto e levou-a para casa. Ela despediu-se aos beijos e entrou. O jovem Moreira sentou-se no seu escritório e acionou o computador. Dezenas de equações correram na tela. Ele parou numa deles e começou a reescrevê-la. Passou a noite toda trabalhando porque tinha negligenciado o seu projeto e sentia muito prazer nele. Quando estava quase amanhecendo, tomou um copo de leite e foi praticar Tai-chi. Estava bastante frio, mas nem tomou ciência disso. Na escola encontrou-se com a namorada e foram juntos para a aula, encontrando Bia com uma cara fechada. O João, porém, não apareceu.
– Está tudo bem, Bia?
– Tá sim, tá tudo bem – respondeu com um suspiro.
Daniel não se convenceu, mas deixou-a em paz. À tarde, foram para a Cybercomp porque ele precisava de fazer umas experiências e alguns testes. Ela ajudava-o onde podia, mas entendia muito pouco daquilo tudo, que era demasiado avançado. Depois, seguiram para o campo de pouso até à nave e subiram para a sala dos reatores, perto do seu centro geométrico. Aquele monstrinho tinha oito super-reatores de antimatéria, cada qual com vinte metros de altura e três de diâmetro. A energia que apenas um desenvolvia, seria suficiente para alimentar todo o planeta Terra por um ano.
Ele executou uns testes nos reatores e comparou com o computador de mão, ficando satisfeito com os resultados obtidos. Depois, foram para os hangares onde as doze naves auxiliares já lá estavam e, naquele hangar, havia alguns técnicos trabalhando numa delas. Daniel chamou um cientista que acompanhava os trabalhos.
– Como estão as coisas, doutor Herbert?
– Já temos seis completas, inclusive com os novos jato-propulsores e o motor estelar.
– Que bom. – Daniel esfregou as mãos. – Então, acho que vou testar uma delas.
– Pegue da Jessy A I até à VI.
– Obrigado – respondeu. – Vamos, Daniela, vamos testar o brinquedo.
Ela não precisou de um novo convite. Entraram na mais próxima, a Jessy A VI. Daniel pôs os controles no modo automático, o que permitia que a pequena nave fosse controlada por um único homem. Ativou os campos de antigravidade e o neutralizador de inércia. A nave começou a flutuar e as grandes colunas telescópicas que a apoiavam no piso recolheram-se. Devagar e com cuidado, conduziu a esfera para fora do hangar que emergiu de uma altura de mais de trezentos e cinquenta metros, imponente. Ligou o rádio e disse:
– Atenção, espaçoporto Salgado Filho. Aqui é a nave experimental Jessy A VI preparando-se para subir do porto particular da Cybercomp. Solicito autorização e vetor.
– Jessy A VI. Aguarde. Há um cargueiro em rota de aproximação para o seu espaçoporto.
O casal viu nas telas uma nave de duzentos metros descer perto deles.
– Jessy A VI, está livre para subir. Por hora não há tráfego nessa região. Mantenha a ascensão vertical phi noventa graus teta zero, boa viagem.
– Confirmado, Porto Alegre. Estamos subindo, Jessy A VI desliga.
Com um leve movimento dos controles do campo antigravitacional, a nave começou a subir em silêncio e, ao atingir mil metros de altura, ele impôs uma aceleração muito forte. Ligou o campo de força da nave, exceto o de supercarga. Sentada em um dos consoles Daniela acompanhava tudo, muito curiosa porque nunca tinha ido ao espaço. Uma das coisas que a impressionou foi a simplicidade dos comandos da nave.
No espaço, Daniel acionou o neutralizador de massa e a nave ficou com massa quase zero. As equações de Einstein foram enganadas e ela passou a ter a capacidade de acelerar à velocidade da luz. Quando o jovem acionou os jato-propulsores de partículas, a pequena nave esférica de cinquenta metros de diâmetro disparou pelo espaço com uma aceleração fortíssima e, em poucos segundos, atingiu metade da velocidade da luz. Daniel estava atento a tudo, contente pelas modificações que desenvolveu porque, antigamente, ela levaria pouco menos de dois minutos a atingir meio c. Agora, fazia em três segundos.
– Vamos mergulhar no espaço intermediário.
– O que é isso? – perguntou a namorada. Para ela, tudo aquilo era novidade.
– O motor de hipervelocidade dela é uma invenção minha. A nave não salta, cria um campo de força e entra no subespaço. O voo é visual a uma velocidade milhões de vezes maior que a luz. Trata-se de um voo linear, contínuo, enquanto os motores de hiper-salto fazem voos discretos, isto é, saltam sucessivamente de um ponto ao outro até atingirem o objetivo. Que tal Alfa do Centauro, apenas quatro vírgula sete anos-luz?
Albert Einstein, criador da famosa teoria da relatividade. Segundo ele, os objetos não podem ultrapassar a velocidade da luz porque a energia necessária para isso é superior à massa dele.
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