Capítulo 2 parte 2 (não revisado)

Daniela desligou e virou-se para ele, sorridente.

– Pronto, onde vamos?

Num impulso que não soube explicar nem a si mesmo, o colega fez-lhe um carinho no rosto que a arrepiou toda. Ela parou de sorrir e aproximou-se dele um pouco ofegante, beijando-o antes que algum deles mudasse de ideia. Ele correspondeu, gostando da sensação dos lábios dela. A moça nem sabia o que pensar. Por dentro, tremia de nervoso e desejo porque ele era tudo o que queria e sentia o calor do seu corpo, firme e forte, apreciando o toque delicado das suas mãos e abraçando-o com força. Estava entregue, sentindo-se como se mais uma vez fosse a primeira vez em que beijara alguém. Apesar dele ser quase três anos mais novo, parecia ela a mais jovem. Quando terminaram de se beijar, Daniela olhou para ele ainda tremendo um pouco e com um sorriso de puro êxtase. Ele passou o braço em volta da sua cintura e puxou-a para si, caminhando devagar e com calma.

– Vamos – disse. – Vamos andando que são apenas uns minutos.

Ela não aguentou caminhar nem cinquenta metros e parou, beijando Daniel de novo, que se deixou envolver. Ficaram mais de quinze minutos assim, lábios nos lábios, até que a chinesa, radiante, afastou-se dele ofegante e sorrindo muito.

Ele sorriu de volta e levou-a para o restaurante. Na sua memória, um grito dizia:

– "Tens de encontrar a Daniela!"

― ☼ ―

Em Vega XII, o avô do Daniel pensava no neto. Sentia uma profunda preocupação por ele e, cada vez que pensava nisso, tinha vontade de estrangular o imperador.

Estava sentado na varanda da sua residência, olhando a paisagem selvagem que aparecia aos seus pés. Pousou o copo de whisky sobre a mesinha ao lado, levantou-se e apoiou-se na balaustrada. A esposa, que o conhecia muito bem, aproximou-se dele, massageando-lhe os ombros.

– Pensando nele outra vez, amor?

– Sim, Dani, estou muito preocupado.

– Todos estamos, amor. Conversei com Alexandra ontem. Ela disse que ele não sorri mais, está sempre calado e sério. A única coisa que faz é trabalhar na nave. Entregou-se a isso de corpo e alma. Segundo ela, se o nosso Dan não fosse portador, já teria sofrido uma estafa.

– Eu sei, estive lá quando da última reunião do congresso.

– Vi na univisão. Estás fazendo uma oposição forte contra o imperador. Tu, os teus irmãos e primos, mas tu e a tua irmã Carolina encabeçam a lista. Acho que devias ser mais ameno.

– Ele tem sorte de ainda estar vivo, Daniela. Se não fosse o Dan, eu tinha acabado com aquele inútil naquela sala... pouco faltou. Ele matou a minha mãe, Daniela, em outro corpo mas era minha mãe, sem falar que acabou com o nosso neto. Jamais poderei perdoar isso. – A esposa viu as lágrimas nos olhos do marido e abraçou-o.

– Acalma-te, amor. Vejo que estás muito deprimido e talvez não fosse má ideia procurar um pouco de ajuda profissional.

– Acho que tens razão, Dani. – Olhou para o mar no horizonte e suspirou. – O que será que ele está fazendo agora?

– Por que não vais lá visitá-lo?

– Irei amanhã mesmo – respondeu decidido. – Preciso mesmo de o ver.

― ☼ ―

Andaram por cerca de dez minutos e Daniela nem parecia pisar no chão. O restaurante já estava quase cheio, mas o dono sempre tinha uma mesa reservada para os clientes mais importantes e o rapaz que acabara de chegar era o seu principal fregues. Ele notou que o jovem não veio com a companheira de sempre e estranhou, mas logo lembrou-se da notícia do homicídio e correlacionou os fatos. Delicado, nada comentou, agindo de forma, inclinou-se para Daniel, falando em cantonês:

– Bem-vindo à nossa casa, jovem senhor, estamos muito felizes com a sua presença. Boa noite senhorita. Ainda não tivemos o prazer da sua presença, que eu me lembre.

– Boa noite, amigo – cumprimentou Daniel. – Ela não fala cantonês, é de Xangai.

– Desculpe, senhora – disse, mudando para o português – infelizmente não sabemos falar xangaiês. Seja bem-vinda ao nosso restaurante. Espero que seja do seu agrado. Acompanhem-me.

Sentados na mesa, aguardavam o atendimento. Daniela, de frente para o rapaz e com os olhos brilhantes, estendeu a mão para pegar na dele, sorrindo sem parar.

– O que desejas comer? – Ele perguntou-lhe, em xangaiês.

– Tu escolhes, eu amo qualquer comida chinesa.

– Podemos começar com uns rolinhos primavera de aperitivo, o que achas?

– Acho ótimo, Dan.

Na mesa próxima, um casal aguardava o seu pedido. Quando escutaram duas pessoas falando em xangaiês, um deles olhou para a mesa do Daniel.

– Nuan – comentou a esposa, baixinho – não vais acreditar, mas a nossa filha está sentada atrás de ti com um rapaz lindo de morrer que, ainda por cima, fala o nosso dialeto com perfeição. Os olhos dela brilham mais que duas estrelas cadentes.

– Sério? Ele parece ser boa pessoa, como já te disse.

O garçom, designado para atender Daniel com exclusividade, apareceu e perguntou o que o casal desejava. Mais por hábito do que qualquer coisa, o jovem começou a fazer os pedidos falando em cantonês e deixando os pais da garota boquiabertos. Sem resistir, ele levantou-se e foi falar com o casal.

– Olá novamente, que coincidência termos escolhido o mesmo restaurante. Esta é minha esposa, Luísa.

Daniel levantou-se e curvou-se enquanto a filha dava um oi para a mãe.

– É um prazer revê-lo, senhor, e um prazer conhecê-la, dona Luísa. Ficaria muito honrado se sentassem conosco.

Daniela sentou-se ao lado do colega e os pais na frente deles, enquanto o jovem chamou o garçom e pediu que a refeição dos pais dela fosse transferida para a mesa dele.

– Afinal, meu rapaz, quantas línguas fala?

– Bastantes, senhor, pouco mais de vinte. É um dom natural que tenho.

– Estou impressionado. Divertiram-se durante o dia?

– Sim, senhor. Temos um grupo grande de amigos que se junta para um churrasco aos sábados. Gostamos de jogar polo aquático.

O garçom trouxe uma garrafa de vinho para o casal. Quando fez menção de servir o Daniel, este fez sinal negativo.

– Desculpem, mas não tenho o hábito de beber a não ser raramente – falando para o garçom disse. – Traga-me uma água tônica.

– Para mim também – pediu Daniela.

Os pratos foram servidos e apreciaram a refeição. Enquanto comiam, conversavam sobre assuntos diversos. Na hora de saírem, o Daniel pegou na nota.

– É por minha conta, vocês são meus convidados.

– Ora, rapaz, deixe disso – ripostou Nuan. – Você acaba gastando a sua mesada toda o que não é justo.

– Não se preocupe, senhor, que tenho o meu próprio patrimônio. Isto não me afeta em nada, faço questão.

Pagou a conta e, como sempre fazia, deu uma gorjeta enorme para o garçom. Quando saíram, Daniela disse para os pais:

– Nós vamos passear mais um pouco. O Daniel leva-me para casa. Não se preocupem.

– Está bem – disse a mãe. – Cuidem-se. Paz para vocês.

– Paz, dona Luísa, paz, senhor Nuan. – Daniel sorriu e inclinou-se para os pais dela, que retribuíram. O jovem casal saiu de mãos dadas, seguido pelos olhares dos pais da garota.

– Gostei dele, Nuan. Um rapaz muito educado e inteligente. Nem parece ser um garoto, pelo jeito que conversa!

– Ele não me é estranho, Luísa. – Nuan franziu o cenho. – Viste a gorjeta que deu para o garçom? Foi mais que o dobro da conta. Não sei se é bom ver um rapaz tão jovem esbanjando desse jeito.

– A menos que seja milionário. Não parece ser do tipo esbanjador. Notei que tem um ar muito bondoso e nobre, mas é muito triste.

– Também observei isso.

– Afinal, qual é o sobrenome dele?

– Ele apresentou-se como Daniel Moreira.

– Céus, Nuan, mas tu és mesmo desligado. Não sabes quem ele é?

– Não!

– Ele é um dos donos da Cybercomp, tapado. – Ela riu da cara do marido.

– Santo Deus, bem que achei o nome dele conhecido. Sou mesmo tapado.

– Por isso a gorjeta, esse garoto tem a altivez do bisavô!

– É verdade – concordou. – E a nossa pequena está muito apaixonada. Só queria saber por que motivo ele é tão triste. Algo me diz que a Daniela vai-se dar mal.

– A escolha é dela, Nuan, temos de a respeitar. Ela já não é criança há muito tempo.

– Tens razão, Luísa.

– Claro que tenho – ela sorriu –, sempre tenho.

– Mas era só o que me faltava – disse o marido, com uma risada. Abraçados, foram para o planador.

― ☼ ―

– Dan, vamos passear, a noite está tão bela!

– Claro. – De mãos dadas, andam pela beira do rio. – Gostaste da turma?

– São todos muito legais e dá pra ver que eles gostam muito de ti.

– E eu deles. – Daniel sorriu. – São uns quantos anos de convivência na escola.

– Diz uma coisa, acreditas mesmo no que disseste naquela reportagem?

– Acredito e tenho medo do que possa acontecer. Nós estamos muito acomodados, Daniela. Se um dia nos encontrarmos com uma raça alienígena belicosa, seremos destruídos ou escravizados.

– E o que se pode fazer a respeito?

– Eu projetei uma nave espacial capaz de nos proteger. Usei uma parte da minha fortuna para construí-la, mas temo que uma não seja suficiente. O meu avô, que é governador de Vega XII, está construindo uma pequena frota segundo os meus planos, em segredo, mas vai demorar mais. E aí é que mora o perigo.

Caminharam e conversaram por cerca de uma hora, até que ele a levou para casa. Ao entrar, ela beijou-o com ardor e ele correspondeu. Após uns minutos deixou e seguiu o seu caminho.

A garota entrou em casa flutuando. Na sala, encontrou os pais, vendo um filme.

– Olá – disse ela, feliz. – Não demorei muito, né?

– Ora, querida. Já és adulta e podes cuidar de ti mesma. Nós sempre gostamos de saber onde andas por questão de precaução, mas nunca te impedimos de nada – disse a mãe.

– Claro, sei disso.

– Como conheceste o Daniel?

– Estudamos juntos.

– Que idade tem ele e por que parece tão triste?

– Ele tem pouco mais de quinze, eu acho, e é triste porque a noiva dele morreu há pouco tempo. Acho que foi a primeira vez que saiu com alguém depois disso.

– Só quinze?! Eu jurava que era bem mais velho. Mas tu não achas que essa tristeza é mau sinal para ti, filha?

– Não sei, mãe. Sou apaixonada por ele desde que o vi pela primeira vez. Foi por causa dele que rompi com o meu namorado anterior. Nós nos beijamos hoje e ele correspondeu. Quem sabe não é um começo?

– E se não for?

– Então, vou ficar muito triste, mas agora só quero saber de o conquistar.

– Sabes quem ele é, filha? – perguntou o pai.

– Sei sim, muito bem. Pai tens alguma coisa contra ele? – perguntou um tanto irritada. – Ele é a coisa mais doce que eu conheço...

– A única coisa que tenho, filha, é medo de que sofras.

– Pai, estou feliz agora. Ele é especial, a coisa mais doce que eu já conheci. Bondoso, gentil, calmo... nem combina com um Grande Dragão.

– Grande Dragão, filha!?

– Ele é um Dragão Branco, o mais jovem do mundo e eu amo esse cara como nunca gostei de alguém. Então, não me questionem mais. Afinal, não é o primeiro namorado que tenho.

– Desculpa, filhinha – disse o pai. – Não te zangues. É que nós te amamos muito e ficamos preocupados por ti. Só isso.

– Tudo bem, pai, eu entendo. Acho que me vou deitar um pouco porque ontem fiquei estudando a noite toda e estou cansada. Boa noite.

– Boa noite, filha.

― ☼ ―

Daniel dirigia devagar, pensando na moça. Agradou-lhe o contato físico, fazendo-o até sentir um pouco de alegria. Ela era muito bonita, apesar de não chegar nem perto da beleza da Jessy, embora esta última fosse fora dos padrões e não poderia ser usada como comparativo.

Sentia-se muito só e sabia que gostou dela, mas não sabia se devia envolver-se. No fundo, temia que ela saísse magoada. Quando chegou a casa, descobriu que ela deixou a mochila no galpão da churrasqueira.

Como já era tarde, decidiu deixar para a levar no dia seguinte e foi meditar, coisa que fez pelo resto da noite. De manhã cedo, vestindo um quimono de seda todo branco, praticou Tai-chi, ouvindo uma música suave. A paz de espírito que sentia era tão grande, que ficou praticando muito mais que o tempo usual. Olhando para ele, sentados a poucos metros de distância, estavam os dois boxers.

Ainda praticava, quando tocou a campainha. Interrompendo o exercício, foi até ao portão ver quem era. Ao abrir a porta, deparou-se com Daniela que estava toda virada em sorrisos.

– Oi, Dan, estava passeando e deu saudade. Daí, descobri que passava na tua rua e bati. Estás ocupado?

– Olá, Daniela, entra. Não, não estou ocupado – sorriu para a garota.

– Que cães lindos!

– Amiga – disse o jovem para os animais – eles não te farão mal, podes entrar.

Ela estava meio sem jeito, sem saber se para ele fora apenas o momento. Por isso, agia com cautela. Vestia uma blusa curta, sem mangas, e uma saia também curta que a deixam bem atraente e sedutora. Já Daniel, sentia-se satisfeito em vê-la e a forma como ela estava vestida, dava-lhe desejos. Ele não sabia, como ela, se fora apenas o momento no dia anterior, mas chegou à conclusão de que, se ela nada quisesse, não estaria ali.

– Sabes, Daniel, ficas muito bonito de quimono.

– É mesmo? – Ele sorriu, delicado. – Eu ando quase sempre de quimono. É muito confortável, mas nunca me disseram que eu ficava bonito.

– Mentiroso! – Ela riu e, sem aguentar mais, abraçou-o.

– Se é uma coisa que nunca me verás fazer, Daniela, essa coisa é mentir – disse ele, após um longo beijo. Abraçados, foram até à piscina. – Tu esqueceste a tua mochila.

– É verdade. Estavas ocupado?

– Praticava Tai-chi, ajuda a relaxar.

Ela beijou-o de novo apertando-se contra ele como se quisesse fundir-se ao seu corpo, provocando Daniel que já estava bem elétrico e que passou a explorar o corpo dela com as mãos, enquanto se beijavam.

– Ai, Dan, como te desejo – afirmou com um gemido. Não precisou de segundo convite e, pegando-a ao colo, levou-a para o quarto, onde passaram quase toda a manhã.

– Queres almoçar o quê? – perguntou ele. Ambos estavam na hidromassagem, bem juntinhos.

– Sei lá, estando contigo, qualquer lugar está bom. – Ela sorriu e abraçou o novo namorado. – O que tu preferes?

– Eu gosto muito de comida japonesa. Gostas?

– Gosto, claro – respondeu a garota, agarrando-o e subindo ao seu colo. – Será que fazer amor na banheira é bom?

– Não sei – respondeu o jovem com um sorriso – nunca fiz, mas acho vai cair um bocado de água no chão.

– Só há um jeito de saber – afirmou a moça, rindo. – É experimentando.

No restaurante, Daniel foi novamente saudado com cortesia. Ele falou com o proprietário usando a língua japonesa com a mesma desenvoltura com que falou cantonês e xangaiês. Foram levados para uma sala reservada e servidos por um empregado exclusivo a pedido do jovem e, claro, a um custo apropriado.

– Todos os restaurantes tratam-te assim tão bem?

– Só os que mais gosto. – Ele riu. – É que eu venho com maior frequência e costumo dar boas gorjetas.

O almoço foi ótimo e ela sentia-se feliz demais. Olhando para seu rosto, encantada, pensava:

– "Como ele é lindo e maravilhoso, tão especial." – Quando iam sair do restaurante, encontraram João e a namorada, almoçando em uma das mesas do salão. Conversaram por uns minutos e o casal foi-se embora, mas João não tirava os olhos dela, o que lhe rendeu um beliscão. Ele sorriu para a namorada e comentou:

– Estás muito assanhada!

– E tu não tiras os olhos da bunda dela, que feio. Bem na minha frente!

– Que culpa tenho eu se ela é boa como um raio. Ai...

– Mas é a namorada do teu primo e melhor amigo.

– Namorada? Acabaram de se conhecer!

– Mas tu és tapado mesmo, né? Garanto-te que devem ter transado a manhã toda.

– E como podes saber isso? – perguntou ele, espantado. – Por acaso viraste vidente?

– Não é necessário ser vidente para saber disso, seu tonto. Ela estava com os cabelos ainda úmidos e com o cheiro dele. Deve ter usado produtos de higiene, como desodorante e shampoo, por exemplo, que são dele. Bem, agora esperemos que dê certo.

– Vocês garotas são observadoras mesmo – disse com a voz sumida. – Eu jamais iria me dar conta disso.

De mãos dadas, o casal passeou pela praia, local que Daniel adorava e, ao passarem por uma sorveteria, sentaram-se para tomar sorvete. O dia estava muito agradável e o sol não estava demasiado forte, apesar do calor.

– Já vinhas preparada para me seduzir não é, safadinha? – Ele deu uma risadinha.

– Por que achas isso?

– Porque essas roupas deixam qualquer um louco.

– Bem, funcionou e é o que importa. – Ela encolheu os ombros, radiante. – Eu estava cheia de desejos, mas tinha medo que ontem tivesse sido... sabes, só ontem.

– Entendo, vejo que os dois pensamos a mesma coisa. – Ele beijou-a, com doçura.

Voltaram a caminhar pela beira do rio até que chegaram a um parque, onde viram uma roda de capoeira. Como Daniel gostava muito de assistir, aproximaram-se e o casal, abraçado, observava os participantes. Havia várias pessoas assistindo, a maioria absoluta da mesma turma. Alguns deles estavam bebendo bastante e começaram a prestar atenção na garota.

Prevendo riscos em potencial, Daniel puxou por ela para irem andando, mas, quando se viraram para o lado, foram barrados por um sujeito enorme cheirando a cachaça.

– A moça pode ficar, mano.

– Faça o favor de sair da nossa frente, irmão – pediu Daniel, olhando para ele, sério. – Caramba, que bafo horroroso!

– Ei, olha a falta de educação, posso te rebentar os cornos bem fácil, guri.

– Mas que barbaridade! – reclamou o jovem. – Vou dizer pela última vez: saia da nossa frente ou sofrerá as consequências.

– Mas que babacão metido a macho esse que tu arrumaste aí, guria. Acho que vou quebrar os ossos dele, depois vou te comer todinh...

Não terminou a frase porque um forte soco do Daniel, dado na boca do estômago, colocou-o de joelhos vomitando grande quantidade da bebida que ingerira. O casal recomeçou a andar quando se viu cercado por toda a gangue. Ao avançarem sobre o par, Daniel transformou-se na mais mortífera máquina de combate que o homem já criou. Movia-se com uma perfeita sincronia, sem que nenhum dos adversários o conseguisse tocar. Para cada um que se aproximava ou ficava ao alcance dos seus braços e pés, uma pequena pancada punha-o por terra. Em trinta segundos, estavam todos no chão, contorcendo-se de dores. No entanto, não estavam feridos porque ele teve esse cuidado.

– Vamos, gatinha, pensei que não houvesse mais disto, que sujeitos bem idiotas.

– Isso é o que um Dragão Branco pode fazer? – Ela estava impressionada já que eram mais de vinte sujeitos.

– Aquilo? – Ele riu com vontade. – Céus, não, até um Azul poderia fazer melhor. O poder do Branco pode matar.

– Assim, vou chamar-te de super-Dan. – Ela deu uma risada.

– A minha mãe chama-me assim, às vezes. O que queres fazer?

– Podemos ir para a piscina. Tá calor.

– Mas não tens biquíni.

– Bobinho! – Ela riu. – E precisa? Estamos só nós! Além do mais, a minha mochila está no teu carro, mas prefiro do outro jeito...

– Ei, vocês. – Um brado não muito longe chamou-os. Daniel virou-se para ver dois orientadores cívicos.

– Pois não? – Desde o último contato com esses sujeitos, não gostava deles e ficou preparado para tudo, mantendo-se muito sério. Se necessário, pretendia acabar com a raça deles indo até às últimas consequências. – Algum problema?

– Você e os seus amigos bateram em uma turma pacífica ali no parque.

– Amigos? Pacífica? – Daniel olhou em volta. – Viu algum amigo aqui?

– Afinal, cidadão, pode dizer o que aconteceu?

– Sim, basicamente aquele bando de beberrões quis pegar a minha namorada à força e eu não fiquei de acordo. Como eles não saíam do caminho e não nos davam passagem, precisei de forçá-los a isso. Resumindo é isso. Nós fomos assediados por eles que, além de tudo, violaram o nosso direito inegável de ir e vir.

– Então você bateu neles.

– Bati sim, mas foram eles que começaram a provocação. Nós somos as vítimas, eles os agressores e se for preciso repito o tratamento. Pior para eles se a vítima levou a melhor. Se quiser confirmar com um detetor de mentiras, esteja à vontade.

– O rapaz diz a verdade. – Um homem aproximou-se deles, caminhando tranquilo. – Sou morador daqui da região e esses sujeitos metem-se sempre com as moças, arrumando confusão todos os fins de semana. O casal estava passando, quando um deles começou a provocação. O rapaz defendeu-se e os outros atacaram-no. Apenas este moço é um excelente lutador e eles perderam. Ele e a menina são as vítimas e posso testemunhar isso, se necessário.

– Desculpe, cidadão, por importuná-lo – disse o agente, fazendo uma mesura. – Falaremos com os rapazes e iremos orientá-los a melhorarem o comportamento.

– Temo que venham a perder o vosso tempo – voltou a dizer o homem, olhando para os orientadores – não é a primeira nem segunda vez que orientadores os chamam à razão. Eles fingem arrependimento e, na semana seguinte, fazem tudo de novo.

– Não se preocupe que faremos um registro e, se a cena se repetir, eles serão encaminhados a uma instituição correcional.

Os agentes saíram e Daniel virou-se para o morador, um senhor dos seus cento e poucos anos.

– Obrigado por nos ajudar, senhor – comentou. – Isso ia estragar o nosso domingo.

– De nada, meu rapaz. Foi bom vê-los apanharem um pouco. Você é um lutador fenomenal e nem despenteou os cabelos! Parabéns.

– Infelizmente, não gosto nada de ferir pessoas, mas obrigado pelo elogio.

Continuaram o caminho para a casa do Daniel com ele evitando pensar na pequena briga. Bem-dispostos, atiraram-se à piscina, brincando como crianças. À noite, após o jantar, ele levou-a embora, voltando para casa e indo trabalhar no seu projeto. Quando se deu conta, já era dia claro. Desligou o computador e foi tomar um banho, vestindo-se para a escola. Ao estacionar, encontrou Daniela à sua espera, virada em sorrisos. Beijaram-se e foram para a aula de mãos dadas.

Daniel estava mais tranquilo, melhor, mas a garota sentia-se nas nuvens, feliz como nunca. O único que ficou estranho foi o João. Ele, que fez de tudo para ajudar o primo, agora descobriu um sentimento novo e forte, mas que teria de guardar apenas para si pelo bem de todos, em especial do Daniel.

Isso fez com que ficasse triste, coisa que não combinava com ele. O primo e a namorada não se deram conta de nada porque escondia bem, embora não conseguisse esconder a tristeza, o que deixou Daniel pensativo e um pouco preocupado com o bem-estar do primo.

Nesse dia, jovem levou a namorada a conhecer a Cybercomp e, quando viu o tamanho da nave, ficou abobada. Como ainda estavam longe, ela conseguiu ler o nome da grande esfera, na linha equatorial do hemisfério superior.

– É uma bonita homenagem – disse.

– É sim, pena que agora é póstuma, graças àquele imbecil do tio. Bem, esqueçamos isso. Vem, vamos ver a sala de comando. É no topo da nave e tem uma vista linda. Afinal, estaremos a quase oitocentos metros de altura.

Subiram pelo elevador antigravitacional e chegaram à sala de comando. As janelas estavam descobertas, mostrando o deslumbre da vista. A um canto, Daniel descobriu o pai e o avô.

– Oi pai, oi vô. Não sabia que estavam aqui. Esta é a Daniela.

– Olá, Daniela – avô e pai entreolharam-se. – Dan, vim ver uns detalhes para as naves da frota.

– Precisa da minha ajuda?

– Não, querido, já vi tudo o que precisava; mas, mais tarde, quero conversar contigo em particular.

– Ok, vou mostrar o centro para a Daniela.

– Isto vai acabar mal, filho – disse o avô, depois que o casal saiu. – Ele está começando a procurar. Não sabe o quê, mas tem um nome e ela vai acabar sofrendo. Basta ver o olhar de pura devoção que essa menina tem por ele. Um super-cérebro como o do Daniel vai acabar por recuperar a memória e vai vos cobrar a conta.

– Já vi, pai, espero que nos perdoe, mas ainda acredito que foi a única forma de salvar a via dele.

Daniela adorou conhecer o complexo onde se desenvolvia a tecnologia mais avançada do Império e passou metade da tarde passeando pelo lugar. Após, foram tomar um banho de piscina na residência dele.

Depois de a largar em casa, foi conversar com o avô, que expressou a sua preocupação com o neto.

– Dan, estou preocupado contigo – falou sem rodeios. – Como te sentes?

Ele tranquilizou-o, dizendo que estava melhor, embora ainda sentisse muita tristeza. Depois, continuou:

– Vô, eu sinto que há algo errado comigo e já venho com essa sensação há algum tempo, mas não sei o que é. É como se houvesse uma lacuna na minha memória, ou um véu que não se quer descortinar.

– Faz muito que sentes isso? – perguntou o avô, preocupado e amaldiçoando o filho pelo que fez.

– Mais de ano, mas não sei o que possa ser. A questão é que agora parece ser muito mais forte.

– Bem, meu querido, isso pode significar que as coisas se corrigem por si. Aguarda mais um pouco e vê o que poderá acontecer.

– Acho que o senhor tem razão, vô.

– Não gostarias de passar uma temporada conosco em Vega, meu querido? Talvez isso venha a te ajudar a superar esta situação.

– Por hora não, vô, mas irei vos visitar em breve.

– Tem a ver com essa garota que nos apresentaste?

– Não – ele sorriu um pouco – quero terminar a nave, mas ela faz-me bem. Não estou certo que seja a Daniela que deveria encontrar, mas ajuda-me um pouco.

– Cuidado para que ninguém saia ferido, Daniel.

– O senhor bem sabe que detestaria magoar alguém, vô. Apenas preciso de ter a certeza.

– Está bem, meu querido, sabes que estamos com as portas sempre abertas para ti. Amanhã, volto para casa. Se precisares de algo, manda um e-mail ou liga.

– Farei isso, vô – abraçou-o com força. – Dê um beijo na vó e faça uma boa viagem.

– Paz, meu querido.

– Paz, vô.


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