Capítulo 2 parte 1 (não revisado)

Para Daniel, as primeiras semanas foram horríveis, mas ele mantinha-se sempre firme e incansável. A dor da morte tão estúpida de alguém que amava acima de tudo era algo muito pesado para o seu ser carente de experiência de vida. Quando meditava, perguntava-se por que as suas duas últimas vidas tiveram tragédias tão grandes. Embora não se lembrasse da primeira, sabia que aconteceu algo horrível. Certamente teria de haver um motivo, mas ele não conseguia compreender isso, apesar de tentar com toda a força do seu ser.

Para superar a perda, trabalhava com muito afinco na espaçonave, incansável e o avô visitava-o com frequência, fazendo-lhe perguntas a respeito do projeto. Da mesma forma que o neto, perdeu muito da sua alegria tradicional e não se ouvia mais as suas gargalhadas homéricas, marca registrada do governador de Vega XII. Era um grande cientista, embora nem chegasse aos pés do neto, mas entendia a hexa-matemática com perfeição porque se deu ao trabalho de a estudar com toda a atenção. Por conta disso, o respeito que sentia pelo neto era maior ainda, porque via que a extensão do saber daquele rapaz de quinze anos era incrível, superando com facilidade todos os cientistas que trabalham para si e que não eram poucos, alguns há mais de trezentos anos.

Há muito tempo que a humanidade não dava um salto evolutivo tão grande, embora apenas um punhado de homens tivesse aquele conhecimento que só seria entregue à raça humana no tempo certo. O tratado de matemática do neto era tão complexo que muito poucas pessoas no Império do Sol conseguiam compreendê-lo em toda a sua extensão e importância. O avanço que isso levou à engenharia aeroespacial trouxe tantas novidades que chegava a impressionar e, até mesmo, assustar. Mais uma vez, o autor destes inventos era o seu querido neto/pai.

O governador, furioso com o imperador, transmitiu para todo o planeta Vega XII o que aconteceu com o Daniel, provocando a ira massiva da população que o apoiava incondicionalmente há mais de quinhentos anos. Ele tornara-se, da noite para o dia, no mais ferrenho inimigo e opositor do imperador, francamente apoiado pelo povo do seu mundo que o adorava tanto que era reeleito há quase seiscentos anos, quase que por unanimidade. Na Terra, quando encontrava o neto, evitava tocar no assunto e discutiam apenas a construção da frota, levada a efeito em segredo absoluto, escondida em uma gigantesca cordilheira de montanhas tão altas que algumas chegavam a ter vinte mil metros de altura. Era fechada, formando um vale com mais de cinquenta quilômetros, todo ele um gigantesco estaleiro e porto espacial secreto.

O mais trabalhoso de tudo foi adaptar a indústria existente para a construção dos novos dispositivos, porque o próximo lote de naves, na sua opinião, seria muito mais rápido de se construir. Mas uma coisa era certa: a indústria de espaçonaves da Cybercomp, assim como a filial em Vega XII, jamais voltaria a construir naves tradicionais, uma vez que toda a linha de montagem delas foi remodelada.

Daniel apreciava demais a companhia do avô, que amava muito e, além disso, sentia a profunda compreensão da sua dor, como se este tivesse uma forte empatia com o neto. Para Daniel, quando ambos estavam juntos, parecia que o seu sofrimento reduzia, como se o avô ajudasse a carregá-lo. Incansável, ele persistia na sua tarefa de terminar a espaçonave que projetara, o maior monstro que a humanidade jamais vislumbrou.

A univisão fez um grande alarde com o que aconteceu, inclusive afrontando o imperador e exigindo publicamente um depoimento dele, porque a repercussão foi grande demais, em especial quando o governador de Vega XII se tornou no seu adversário mais terrível e ferrenho. Apesar de terem abafado o caso na Terra, outros planetas assistiram o cruel desfecho da vida da Jéssica e a coisa ficou feia para o líder da Humanidade. Para piorar mais ainda, todos os governadores parentes diretos e indiretos do Daniel, colocaram-se ao lado do avô do rapaz e isso fez com que a balança do poder se desequilibrasse de forma absurda porque, embora fossem apenas oito mundos contra o imperador, eram os mais ricos e prósperos, sem falar na forte influência econômica que geravam e que levaram quarenta dos cinquenta mundos para o seu lado, incluindo o governador planetário da Terra. Dos dez mundos restantes, apenas quatro apoiavam Saturnino e o resto era neutro, por enquanto.

― ☼ ―

No fim do dia, o jovem costumava ir para a sua casa e sentava-se a meditar, muitas vezes no jardim, aproveitando o frescor do anoitecer. Os dois cães, sempre fiéis e carinhosos, sentavam-se ao seu lado, às vezes ganindo por sentirem n instinto a dor do dono. Ele chamava os animais e abraçava-os um de cada lado, recebendo grandes lambidas desses bichos tão inteligentes. Continuava a ir para a escola, embora nem necessitasse mais, entretanto, não tinha mais prazer nela nem nunca sorria. Os primos e amigos entendiam e tentavam apoiá-lo, sendo sempre muito gentis, mas ele, delicado, recuava e fechava-se na sua tristeza. Algumas das garotas davam-lhe muito mais atenção do que dispensavam antes, mas nem mesmo isso o tirava do estado de melancolia por que passava, não lhes proporcionando grandes atenções e, antes pelo contrário, rejeitando-as. Nem mesmo Rafaela, uma morena muito bonita e bem-feita, que fazia de tudo para se insinuar, despertava-lhe qualquer interesse. Irritado com as investidas da garota, deu-lhe a entender de forma explícita que não a desejava. A notícia espalhou-se e ele foi deixado em paz.

Aos sábados, não havia mais reuniões na sua casa porque ninguém queria ver o amigo sofrendo. A competição de polo aquático foi cancelada por tempo indeterminado, para tristeza geral.

O único que jamais desistia dele era o primo, João, que lhe dedicava um profundo amor fraternal. Este, um dos poucos que tinham liberdade total de ir e vir para a casa do Daniel, passou a ajudá-lo nas suas pesquisas, uma forma de permanecer perto do primo e apoiá-lo, inclusive aprendendo com ele coisas que jamais sonhou ser possível conhecer. Descobriu que o saber do seu quase irmão era incomensurável e dedicava-se a aprender, ajudando-o na nave. Daniel, que tinha grande afeição pelo primo a quem considerava como um irmão mais velho, aceitou essa ajuda com satisfação, ensinando-lhe o tudo que sabia. Os dois tinham um elo muito intenso que foi bastante reforçado neste período tão ruim. João, com os ensinamentos que recebeu, encontrou em si uma verdadeira aptidão para a computação, participando de forma ativa no redesenho dos sistemas computacionais da nave e melhorando muitos deles. Uma das coisas que Daniel fez, ajudado pelo João e em homenagem à sua Jéssica, foi modificar a modulação da voz dos computadores, dando-lhes um timbre totalmente humano, tão perfeito que não podia ser identificado com uma máquina.

Após dois meses, já estava mais tranquilo, mas ainda não sorria ou demonstrava qualquer alegria muito menos interesse em alguma garota, permanecendo apenas sereno. O primo, que se mantinha sempre atento ao Daniel, tomou uma decisão, quando viu que ele melhorou um pouco, já que desejava ajudá-lo a qualquer preço.

― ☼ ―

Daniel gostava de passar o intervalo das aulas na piscina, mais precisamente na sua lanchonete, onde meditava em paz e tranquilidade enquanto comia um lanche. Era um dos poucos lugares em que se sentia bem, apesar de lhe lembrar da esposa. Nesse dia, terminava o sanduíche, quando João sentou-se com ele, acompanhado de duas garotas. Uma delas era Bia, a sua namorada. A outra, Daniel já havia visto na aula, mas não a conhecia pessoalmente. Era bonita, muito bonita e delicada, com sangue oriental e um sorriso de anjo, cerca de dezoito anos, cabelos negros e lisos, com olhos castanhos muito expressivos, magra e de cintura fina, como ele gostava.

Ela era apaixonada pelo rapaz, mas sabia do seu passado bem como do que aconteceu à Rafaela. Por isso, ficava na dela, sem tirar os olhos do colega que tanto desejava desde a primeira vez que o viu, na esperança de acontecer algum milagre que se apresentou na forma da amiga Bia e do namorado. Sem tirar os olhos do seu pretendido, mas tentando não ser explícita, sorriu de leve enquanto ouvia o primo dele dizer:

– Dan, conheces a Daniela? – perguntou-lhe. – Ela é da nossa turma.

– Oi, Daniela. – Ao ouvir esse nome, Daniel observou-a com atenção e deu um pequeno sorriso, interessando-se pela primeira vez por algo que não fosse a sua espaçonave. – Desculpa, mas andei tão ocupado que nem notei os colegas novos.

– Eu não sou nova, Daniel – disse ela, sorrindo-lhe delicada e falando com a voz meiga – estou aqui há quase um ano.

Ele não pretendia dar muitas explicações e apenas retribuiu o sorriso de forma gentil. João observava tudo sem perder um detalhe que fosse e notava o primeiro sorriso do primo em muito tempo. Ele havia combinado antes a apresentação com a Bia para ver se o primo melhoraria um pouco. Lembrava-se do que o Daniel disse sobre uma Daniela que ele deveria encontrar. Agora, observava o primo sorrindo, sentindo-se mais aliviado, pois acreditava que poderia dar certo. Aliviado, voltou a falar:

– Dan, eu disse para a nossa querida amiga que tu fazes o melhor churrasco da região, então convidei-nos para a tua casa, que tal?

O rapaz observou o primo e viu a sinceridade no seu rosto. Deu um novo sorriso e fez um aceno positivo. O telefone da garota tocou e ela atendeu. Após pedir desculpas, começou a falar no seu dialeto. Quando desligou, explicou.

– Desculpem, era a minha mãe.

– És de Xangai, Daniela?

– Nasci lá, mas vim para cá ainda bebê, Daniel – olhou para o colega, muito espantada. – Como podes saber? Consegues identificar variações de dialetos chineses?

– Porque eu falo o teu dialeto, Daniela – respondeu na língua dela, para sua surpresa. – Disse isso porque não gostaria de invadir a tua privacidade, caso fales novamente em particular com alguém.

– Que legal – afirmou ela, com os olhos muito brilhantes e sorrindo – quantas línguas falas?

– Várias. – Ele encolheu os ombros. – Em dialetos chineses falo quatro, mas acho que devíamos falar português, porque aqueles dois estão boiando bravo e é feio. – Ele sorriu de novo.

João sentiu que acertou na loteria. Era uma tal de Daniela que ele deveria encontrar? Pois bem, aí estava uma e, pela primeira vez em muito tempo, ele sorria. Sentiu nisso um recomeço.

– Então, bebê. – Questionou o primo de novo, bastante satisfeito com o resultado. – Vai sair o churras ou não?

– Sabes, Daniela – o jovem encolheu os ombros. – Ele faz isto porque ainda não encontrou uma equipe que nos derrote no polo aquático. Sabes nadar?

– Claro, nado muito bem – disse, cada vez mais feliz pela oportunidade que se afivelava –, e também sei jogar polo.

– Gostarias de me ajudar a continuar a massacrar o time dele?

– Seria interessante. – Ela deu outro belo sorriso, estasiada pela chance de se aproximar dele.

– Então, está combinado. João marca com a turma, mas vocês vão levar a surra de sempre.

– Só que ela será do nosso time – disse João, suportando estoicamente um beliscão no lombo. – Ai, Bia, isso dói.

– Ela escolhe – respondeu o primo. – A competição é acirrada, Daniela, vem com biquíni. É pior que um grenal.

Depois de tanto tempo, Daniel demonstrou interesse por outra garota. Ela era muito bonita, corpo magro e cheio de curvas, além de bastante graciosa, embora fosse muito mais baixa do que ele.

– Bem, tenho de ir para casa mais cedo que a minha mãe precisa de ajuda. Adeus, Daniel – disse na sua língua, enquanto se levantava – foi legal falar contigo. Estarei lá no sábado, na tua equipe.

– Parece que deu certo – comentou Bia para o namorado, quando estavam ambos a sós. – O teu primo ficou interessado nela.

– Espero que dê certo, Bia, sinto muita tristeza por ele. Era perdido pela Helena.

– Vai dar, João. – Ela beijou-o e continuaram seu passeio. – Eu sei que ele a amava muito, mas a vida continua.

– Uma droga, Bia. Às vezes tenho muita vontade de matar o Saturnino. Na verdade, pouco faltou para que eu e meu tio-avô fizéssemos isso. Quem nos impediu foi o Dan, coisa que não entendo até agora.

– Calma, João, entendo como te sentes e sei que, imperador ou não, jamais ele poderia ter feito o que fez, mas, nem por isso, tu vais fazer o mesmo que ele, não achas? – disse a moça. – Afinal, se o Daniel não fez isso, sendo o principal interessado, não poderiam ser vocês a fazer.

– Tens razão, amor, mas ainda não entendo os motivos dele.

– Quaisquer que sejam, foram nobres.

― ☼ ―

O resto da semana correu normal e o rapaz pôs de lado a lembrança da garota, continuando a trabalhar na sua nave, incansável, agora auxiliado pelo primo, que lhe dedicava toda a atenção. Na escola, encontravam-se todos os dias e chegaram a conversar um pouco na lanchonete. Ele realmente sentia algum interesse nela, mas nada que se comparasse com o que sentia antes.

No sábado, aguardou os amigos que começaram a aparecer na hora combinada, mas ninguém tocou no passado por respeito à sua dor. Pouco depois, Daniela ligou para João dizendo que não sabia chegar lá.

– Pera, Daniela... – disse João, pensando em fazer o primo ir buscá-la. – Dan, podes buscar a Daniela na casa dela? Não sabe chegar aqui.

– Claro, dá-me o endereço dela. – João notou um vislumbre de interesse nos olhos do primo e rejubilou.

– Daniela, o Dan vai te buscar, passa o teu endereço.

O rapaz pegou no carro e foi até à rua que o primo forneceu, dirigindo devagar, enquanto pensava na garota.

Distraído com isso, chegou ao endereço dela sem se dar conta do tempo. Bateu à porta e um homem oriental atendeu. Ele tinha um olhar firme, simpático, e o jovem gostou dele de cara.

– Bom dia – disse o rapaz, fazendo uma reverência de igual para igual à moda chinesa sem nem mesmo pensar. – Acredito que o senhor seja pai da Daniela. Eu sou colega dela na escola e estamos com uma reunião em casa para a qual ela foi convidada, mas, como não sabe chegar lá, vim buscá-la, se não se importa.

– Claro, meu rapaz – o pai curvou-se em resposta. – Entre, você é...

– Desculpe-me a falta de educação, sou Daniel Moreira – disse, estendendo a mão.

– Muito prazer, Daniel, chamo-me Nuan.

Daniela apareceu, radiante e, falando em xangaiês, disse:

– Oi, Daniel, desculpa mas não demoro. Só mais um minutinho.

– Claro – respondeu o rapaz na mesma língua – não há pressa alguma. Toma o tempo que tu quiseres.

– Você fala bem demais o nosso idioma, Daniel – afirmou Nuan, abismado. – Estou bem impressionado porque nunca vi um ocidental falar assim. Já esteve em Xangai?

– Não, senhor, não tive esse prazer. – Ele sorriu para o pai da garota. – Antecipando a sua próxima pergunta, recebi parte da minha educação no templo Shaolin.

– Interessante, você gosta dos nossos hábitos, Daniel? Notei que me cumprimentou à nossa moda, assim como veste um quimono.

– Tenho muitos hábitos orientais – respondeu. – A minha casa é decorada ao estilo chinês e sou budista, por exemplo, embora não seja vegetariano. Além disso, adoro usar quimonos, que acho bastante confortáveis.

Daniela aparaceu, sorridente.

– Vejo que já conheces o meu pai. Vamos?

– Vamos. Senhor Nuan, com a sua licença. – Pegou a pequena mochila que ela tinha nas mãos e carregou para a moça.

– Fiquem à vontade. Divirtam-se e vão em paz.

– Paz para si, senhor Nuan.

O pai acompanhou o par com o olhar. Notou que a filha estava caidinha pelo rapaz que era muito educado e gentil. Além de carregar a mochila da garota, abriu-lhe a porta do carro, um modelo que ele nunca viu, mas que achou lindíssimo.

– Puxa, Dan, que carro bonito esse teu.

– É muito legal mesmo. – Disse, abrindo a porta para ela. Por uns segundos, dirigiu em silêncio, pensando. – "Tu tens de encontrar a Daniela. Ela é o teu destino." – Ele lembrou-se das palavres da Jéssica, dizendo isso e pensou:

– "Será que é ela? Tenho as minhas sérias dúvidas, embora seja agradável, até desejável. Com certeza há uma lacuna na minha memória. Tenho de descobrir isso. Acho que uma hora destas vou a Vega conversar com o meu avô. Talvez ele saiba de algo."

– Estás tão calado!

– Desculpa. – Ele sorriu para a chinesa. – Estava pensando. A tua mãe também é de Xangai?

– Não, a minha mãe é brasileira. Ela é metade oriental e metade ocidental. A minha avó é de Xangai e o meu avô, daqui de Porto Alegre...

Eles chegaram à casa do Daniel. Quando ela desceu do carro olhou em volta e disse:

– Que casa linda, Dan.

– Eu gosto dela, muito mesmo. Vamos?

Os outros já estavam na piscina, jogando, e a algazarra era bem grande.

– Ei, Dan – gritou João, rindo. – Teu time está perdendo por três a zero.

– Também, com cinco a mais, seis, contando a tua namorada. Mas deixa que eu já resolvo a parada. – Ele mostrou o lavabo para a Daniela trocar-se, tirou o quimono e mergulhou. Quando a garota saiu do banheiro Daniel agradou-se logo dela porque tinha um lindo corpo e juntou-se a eles com um lindo mergulho. Começaram a jogar e ela mostrou que sabia polo muito bem. Em cinco minutos, o quadro já está revertido e a garota, esperta, dava sempre um jeito de estar perto do Dan. Após a esmagadora vitória de vinte a três, eles saíram da água e secaram-se ao sol, conversando entre si.

Daniela não tirava os olhos do colega, pensando sempre nele e não perdendo a oportunidade de ficar próxima. Era apaixonada por ele desde a primeira vez que o viu na escola, mas tinha visto a sua esperança ir por água abaixo quando Daniel conheceu a Helena. Agora que o caminho estava aberto de novo, a garota voltou a nutrir esperança e agradecia a ajuda inesperada do João por estar ao lado do rapaz dos seus desejos. Apesar do destino ter agido de forma cruel com o garoto, sentia-se contente com a oportunidade, mas sabia muito bem que devia ser muito cuidadosa porque várias garotas já levaram o fora dele, depois da morte da mulher com quem vivia, em especial as que se atiraram para os seus braços, achando que seria fácil por estar muito fragilizado. Entretanto, sentia que ele mantinha um interesse particular por si, o que lhe deu esperanças.

Os demais amigos estavam calmos e aliviados com a tranquilidade do Daniel, alguns notando até que aparentava algum interesse pela chinesa, mas, por incrível que parecesse, o João sentia-se por demais confuso.

Quando viu Daniela na piscina, algo misterioso e indescritível aconteceu consigo. Ele era um namorador nato e trocava de namorada com a mesma facilidade com que mudava de roupa. Nunca antes tinha passado por aquilo e agora era tarde porque ele lançou a garota nos braços do primo, que parecia estar muito agradado dela. Enquanto pensava, levou um beliscão da namorada, que lhe disse ao ouvido.

– Tira os olhos da bunda dela que pega mal, safado.

– Ora, lindinha, estava apenas pensando.

– Então pensa olhando para outra coisa.

– Não sabia que eras ciumenta – deu-lhe um beijo e sorriu.

– Bem – disse Daniel, levantando-se –, acho que está na hora de começar a fazer o almoço.

Após alguns minutos, Daniela aproximou-se, oferecendo ajuda, e ele sorriu:

– Não necessito de ajuda, Daniela, mas se quiseres me fazer companhia, ficarei muito satisfeito.

Não esperou um segundo convite e, contente, sentou-se sobre a mesa ao seu lado.

– "Que belo corpo" – pensou ele, ao apreciar a garota apenas de biquíni, que tinha lindas pernas. Ela notou e sentiu que as suas chances eram cada vez maiores, ficando muito feliz.

– Sempre moraste aqui?

– Não, eu morava com os meus pais até aos treze anos na Cybercomp, no prédio residencial. Então, quis morar na minha própria residência. Esta casa sempre me fascinou e é minha de herança. Era do meu bisavô.

– Foi ele que criou a Cybercomp, não é?

– Sim, foi. Ele fez muitas coisas grandiosas, Daniela. Há quem diga que é o pai do Império do Sol.

– É verdade que era um Grande Dragão?

– Como é que tu sabes? Tinha-me esquecido de que és de origem oriental – sorriu para ela. – Sim, ele foi um Grande Dragão Dourado aos nove anos e Branco aos dezesseis.

– Caramba, deve ser o mais jovem Grande Dragão da história, eu imagino.

– Era sim, mas agora há um mais jovem.

– É mesmo? – perguntou, inocente. – E tu conheces?

– Quero ver te safares dessa – disse João, que se aproximou deles, rindo. – Logo tu, bebê. Daniela, ele é o mais jovem Grande Dragão da história.

– Caramba!

– E tu não sabes ficar de bico calado, não é, João? – O primo deu-lhe um sorriso trocista e continuou, sem tirar os olhos da garota.

– Como é – questionou – essa carne sai ou não sai? Ficam aí namorando e matam-nos de fome!

– O salsichão já vai sair em cinco minutos.

Comeram bem e gostaram muito do churrasco. Depois, ficaram jogando conversa fora grande parte da tarde. Era bom voltar a ver o Daniel mais sereno e os amigos ficaram bastante aliviados com isso porque todos gostavam muito dele. No final da tarde, cada um seguiu o seu rumo. Daniel ofereceu-se para levar a moça que quis ajudar a arrumar a louça.

– Por que não arranjas um robô para arrumar as coisas?

– Eu tenho uma dúzia deles, mas há coisas que gosto de ser eu a fazer, Daniela, pois ajuda-me a meditar e a manter a disciplina. No dia a dia são eles que arrumam a casa, controlados pelo computador, embora tenham um pensamento individual e autônomo. Se eu deixasse tudo agora e me retirasse, eles assumiriam a tarefa.

– Mas devem ser modelos muito modernos porque os nossos robôs, lá em casa, dependem de ordens diretas e são incapazes de tomar qualquer iniciativa.

– Estes modelos são únicos. Os sistemas deles são invenções minhas e do João em busca de aprimorar a inteligência artificial. É uma pena, mas ainda não conseguimos dar a capacidade de pensamento criativo às máquinas, mas basicamente é o que falta para que elas quase que se tornem humanas.

– Algumas obras de ficção antigas definem isso como um tremendo perigo.

– Não me parece que venham a tornar-se perigosos desde que se tomem os devidos cuidados – respondeu o colega, explicando os princípios da robótica e mostrando que o comportamento das máquinas estava preso a programações específicas. Fascinada, Daniela ouvia com atenção, sem tirar os olhos dele. – No século XX, um grande escritor chamado Isaac Assimov, escreveu muito sobre os robôs e criou nas suas obras as chamadas três leis da robótica. Basicamente são as seguintes: um, um robô não pode, em hipótese alguma, ferir ou, por inatividade, deixar que um ser humano seja ferido; dois, um robô deve obedecer às ordens dos humanos desde que não contrariem a primeira lei; três, o robô deve proteger-se e preservar a sua existência, desde que não fira as duas primeiras leis.

– Isso é incrível, mas a má aplicação dessas leis pode interferir com o bom funcionamento da máquina – respondeu ela, que entendia de computação. – A máquina poderia entrar em loop e travar, quando duas delas entrassem em conflito como, por exemplo, a primeira e a terceira.

– És muito esperta, Daniela – disse ele, sorrindo –, e tens toda a razão, mas a reposta a isso é feita pelo grau de prioridade dessas leis, entendes? Eu achei-as tão fascinantes que as implementei nos meus robôs.

– E funcionam?

Queres ver?

– Óbvio que quero, Daniel, eu amo a robótica.

– Computador, manda-me aqui um robô, obrigado. – Virou-se para a amiga e continuou. – Quando ele chegar, tu vais pegar uma faca enquanto eu estiver de costas e tentarás me agredir, ok?

– Ok – respondeu, colocando uma faca ao seu alcance – mas não será perigoso?

– Não. Ele é impedido de fazer mal a alguém, de acordo com a primeira lei.

Ela olhou para uma máquina de forma humana, com cerca de dois metros, caminhar pelo jardim. Fascinada, observou o androide aproximar-se e deu-se conta que não seria capaz de o distinguir de um ser humano qualquer. Sorrindo, Daniel ficou de costas e ela pegou na faca, avançando sobre ele como se o desejasse matar. O robô, que ainda estava a cinco metros, passou a se mover com uma velocidade impressionante e colocou-se entre ela e Daniel. Com as mãos mecânicas, agarrou-lhe os pulsos com delicadeza, mas firme, e disse:

– Não é permitido ferir seres humanos na nossa presença.

– Largue-me – ordenou a moça, debatendo-se um pouco, mas a máquina mantinha-a presa –, ordeno-lhe que me largue.

– Largarei com prazer, senhora, se soltar a arma.

Daniela soltou a faca que caíu no chão e o robô soltou-a, apanhando o objeto.

– Por favor, abstenha-se de usar a violência.

Daniel olhou para a, máquina, com um pequeno sorriso e ordenou:

– Número nove. Ela tentou matar-me. Ordeno que a mate agora mesmo.

– Desculpe senhor, mas não posso fazer isso, exceto se a sua vida corresse perigo iminente e não havendo alternativa, o que não é procedente.

– Obrigado, número nove. O ataque foi feito com fins didáticos e não há necessidade de alarme. A moça desejava uma demonstração prática das três leis. Pode retirar-se e obrigado.

– Sim, senhor – entregou a faca ao Daniel e retirou-se de volta para dentro de casa, enquanto dizia. – Paz, senhor.

Fascinada, ela acompanhou a máquina com o olhar.

– É incrível, Dan. A velocidade com que se moveu então, nem se fala e ninguém diria que ele é um robô. Jamais vi um assim tão perfeito. Como podes distinguir um do outro?

– Com eu disse, estes são especiais. Fi-los com os rostos diferentes. Um deles chega a ser igual a uma mulher. Entendeste as leis? Se notares, quando ordenei que ele te matasse, recusou-se a obedecer dizendo que só te mataria se eu corresse perigo e não houvesse alternativa.

– Mas aí, ficaria violada a primeira lei.

– Não porque a minha vida, dono dele, é mais importante que a de terceiros. Assim, a primeira lei passa a selecionar uma de duas alternativas: a minha morte ou a morte de terceiros. A escolha é lógica. Claro que, se houver uma alternativa onde não haja morte, a máquina seguirá por esse caminho.

Conversaram mais um pouco, enquanto arrumavam tudo. Quando terminaram, Daniel perguntou:

– Ainda é cedo, queres dar um passeio, Daniela?

– Mas claro que quero, só deixa-me trocar de roupa.

Dez minutos depois ela apareceu vestida, com um vestuário simples, mas que a deixava muito bonita, uma blusa branca e uma bermuda ambas de algodão, folgadas. Enquanto ela se trocava, Daniel também aproveitou para fazer o mesmo, colocando um quimono limpo. Levou a garota até ao carro e conduziu para um parque grande à margem do Guaíba, um que apreciava muito. Estacionaram e desceram para passear, caminhando pela praia e conversando.

– Desde quando começaste a trabalhar nos robôs? – Ela estava envolvida por ele e, sem pensar, pegou na sua mão, que gostou do toque suave, segurando-a gentil.

– Há dois anos. – A garota arrepiou-se toda porque sabia que poderia ter levado um fora, embora tenha ocorrido o contrário. Eufórica perguntou, tentando controlar-se.

– Quer dizer que tu, o sujeito mais pacato, tranquilo e pacífico da escola, és um Grande Dragão. Como foi?

– Aos oito anos eu tornei-me um Dourado. Aos dez, durante o grande festival dos Dragões, um Branco. Hoje, há onze Brancos no mundo. Dez são da minha família e um é de Hong-Kong.

– Caramba, não sabia que havia tantos Brancos no mundo!

– Agora há, por causa do gene.

– Como é o festival? É bonito?

– É sim, o próximo será em breve. Poderás assisti-lo, se quiseres, mas eu acho que não vou competir.

– Por quê?

– Porque ninguém sustenta um combate comigo por mais de um minuto. Todos os Brancos juntos não duram dois minutos. Fica sem graça.

– És tão forte assim?

– Não é uma questão só de força física. Há, também, a força interior, o chamado Poder do Dragão Branco e somente nós temos isso. Não precisamos de tocar no adversário para o derrotar, mas esse golpe é tão terrível que pode matar uma pessoa normal.

– Está ficando tarde e já estou com fome – disse ela, mudando de assunto. – Acho que...

– Queres jantar fora comigo? – perguntou ele sem pensar, satisfeito com a presença da moça que o fez esquecer um pouco da solidão. – Há, aqui perto, um restaurante chinês que eu adoro, maravilhoso.

Satisfeita, a garota aceitou e ligou para os pais.

– Pai, nós vamos jantar fora, não me esperem, ok?

– "Está bem, filha" – respondeu o pai. – "Eu e a tua mãe vamos fazer o mesmo, então não te preocupes."

– Beijo, pai, paz.

Nuan desligou o telefone e olhou para a esposa, dizendo:

– Luísa, acho que Daniela achou um garoto bacana. A voz dela está bem feliz. Eles vão jantar fora e eu disse que nós também vamos sair. Topas?

– Claro, Nuan. Eu não vi o rapaz, mas ela não parou de falar dele durante a semana toda.

– É simpático e, ainda por cima, fala o nosso idioma com total perfeição, melhor até do que tu. Espero que se acerte com ele. O último namoro foi meio curto e ela parece ter ficado bastante magoada.

– Na verdade, Nuan, foi ela quem terminou com o namorado pois apaixonou-se por outro rapaz, mas ele começou a namorar outra garota e ela ficou muito triste. Confidenciou-me isso, na época.

― ☼ ―

Grenal - Disputa entre os dois principais times de futebol do Rio Grande do Sul: Grêmio e Internacional.


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