Capítulo 1 - parte 2 (não revisado)

Da mesma forma que caiu adormecido com a chegada da Jéssica, Lee acordou com a sua partida sem se dar conta do que acontecera e apenas estranhando o fato do dia estar raiando. Ouviu barulho na cozinha, levantou-se imediatamente e foi para lá, encontrando Daniel a tomar um copo de leite. Ele estava irreconhecível, pálido, abatido e muito triste. Encontrava-se, porém, calmo e racional. Olhou para ele, preocupado e perguntou:

– Estás melhor, meu filho?

– Sim, mestre, mas temos de ir para a Cybercomp evitar uma tragédia. A família inteira, e zangada... vão acabar com o imperador. Neste momento, isso jamais poderá ocorrer.

– Na minha opinião, é exatamente o que ele merece. É fraco e leva a humanidade para o precipício da decadência.

– O senhor também pensa assim, mestre? Pensei que fosse só eu e o meu avô! Sei que ele é fraco, mas a humanidade precisa de união. Agora, um golpe de Estado é a coisa menos indicada a se fazer. Bem sei que o que aconteceu é o suficiente para o derrubar do trono, mas não devemos. Preciso de impedir isso, mestre, porque uma grande desgraça irá acontecer em breve, tão grande que poderá ser o fim da raça humana tal como a conhecemos. Temos de estar unidos quando isso ocorrer e não no meio de uma revolução que nos reduziria à escravidão mais rápido do que um piscar de olhos. Quando tudo acabar, voltaremos a pensar no assunto.

– O seu pai mandou um planador automático para cá. Vamos?

― ☼ ―

Na sala da administração da Cybercomp, um aposento grande na cobertura do edifício administrativo, nove homens irados olhavam para o imperador que se sentia muito aflito, retorcendo as mãos. Ele estava com os ombros encolhidos e abatido, pois a morte da sobrinha acabara consigo. E, de forma a piorar as coisas, todos os Moreiras vestiam-se com as roupas cerimoniais dos Brancos, o que lhes dava um ar imponente e assustador. Ao chamar a família, o pai do Daniel deixou claro que se tratava de um assunto de sangue, o que fez com que todos aparecessem em tempo recorde e vestidos a rigor. Por ordem dele, quatrocentos Dragões de todos os tipos cercavam a espaçonave e o prédio da administração. Um pequeno erro de interpretação e haveria uma chacina sem par, porque os cem homens que o imperador levou, além de impedidos de o acompanhar olhavam atravessado para o pequeno exército que recebeu ordens para matar se necessário, embora todos conhecessem muito bem o poder de um único Dragão. A ideia absurda do imperador se apossar da espaçonave já foi posta de lado e ele sabia que subestimara, e muito, o poder daquela família fenomenal que jamais abusou disso. Além do mais, a dor da perda da sobrinha que tanto amava era muito grande e isso fez com que se sentisse ainda mais vazio e perdido. Vestido apenas com uma túnica negra, em sinal de luto pela sobrinha, olhava para aqueles rostos furiosos.

– Eu não vim aqui para uma guerra – disse o imperador, observando desesperado a reação dos Moreiras –, e sim tentar explicar-me...

– Devia ter pensado nisso quando mandou prender o meu neto e assassinou a minha neta, Alteza – interrompeu Daniel avô, cheio de dor e fúria, na verdade o mais descontrolado deles. As suas mãos chegavam a tremer com o desejo de matar o imperador. Ele sabia que estava à beira do descontrole total mas não se preocupava nem um pouco com isso. Esperava apenas a hora em que ia desferir o golpe fatal que o mataria no ato. Nenhum homem comum sobrevivia ao ataque da força interior de um Grande Dragão Branco e o avô era o mais poderoso deles depois do neto. Sabia, também, que mesmo tendo razão deveria ser preso e processado, mas nem se inquietava, pois, como governador de Vega XII, poderia retornar para o seu mundo e decretar independência do Império, iniciando a tão temida separação e discórdia que o neto desejava impedir.

– Vou abdicar, governador – respondeu, acuado –, se é isso que desejam. Também não estou satisfeito de ter perdido a minha sobrinha querida. Será que poderiam ao menos tentar entender que se tratou de um terrível mal-entendido? Eu jamais dei ordem de atirar, nem mesmo os mandei impedir a saída deles. O agente agiu arbitrariamente.

– Acho mesmo melhor abdicar – disse o João com os olhos chamejantes. O amor que dedicava ao primo deixava-o demasiado furioso. – Já provocou dor demais. O seu mal-entendido matou a mulher do meu primo mais querido, Majestade, o meu irmãozinho. O senhor escolheu a família errada e não tem ideia da extensão do nosso poder. O seu futuro é muito negro. O que o senhor fez ao meu primo foi um crime e dê-se por feliz de estar viv...

– Não vai abdicar coisa nenhuma. – A voz do Daniel era firme e decidida, provocando espanto em todos, até no imperador. Este estava de pé na porta da sala de reuniões, com o rosto muito abatido e os ombros caídos, mal se mantendo ereto. O avô e o primo avançaram até ele, abraçando-o e ajudando-o a entrar. O patriarca pôs o braço sobre o ombro do rapaz, que o afastou com gentileza e continuou. – Já tivemos uma grande tragédia ontem e não precisamos de outra hoje. Por favor, avô, controle-se e vocês também. Alteza, lembre-se do que ela disse antes de desaparecer. A invasão é iminente e a raça humana precisa de união; não de uma revolta, que era o que se sucederia. Depois que tudo acabar, voltaremos a conversar a respeito.

– Me perdoe, filho. – O imperador estava abatido, mas ainda tinha capacidade de raciocinar e sentia-se impressionado com o controle e a força interior do rapaz.

– O senhor pede demais, Alteza. Por causa dos seus caprichos estúpidos, perdi a coisa que eu mais amava nesta vida. Não espere o meu perdão para tão cedo, pois a dor que sinto me impede de perdoar seja o que for. Se o senhor estivesse agindo corretamente, bastaria ter me pedido para visitar a minha nave porque eu jamais fiz segredo do que a mesma tem e a Jéssica não só sabia disso como lhe disse. Não se esqueça da que nós compartilhamos as nossas mentes e sabíamos de tudo um sobre o outro, isso bem no dia em que ela se demitiu. Agora, se quer mesmo fazer uma reparação, desarme os seus agentes porque eles não estão devidamente preparados para portar armas de fogo. Acho melhor o senhor voltar para o palácio, Majestade. A sua vida está por um fio e, apesar de tudo, não estou muito certo se a desejo proteger, embora seja o único com o poder de o fazer. Saia daqui, Alteza, enquanto pode respirar.

Quando o imperador retirou-se, cabisbaixo, a família olhava-se em silêncio, sem entender a atitude do Daniel que seria o primeiro interessado em acabar com a vida do miserável.

– Sabes filho – disse o pai – tenho muito orgulho de ti, mas quando tudo acabar eu vou cobrar a conta desse lixo. Agora, acho que tu deverias começar a pensar em sentar naquela cadeira.

– Nem pense nisso, pai. – O rapaz aparentava calma, mas nota-se a infinita tristeza que sentia no seu coração. – Não estou disposto a assumir a presidência. Isso acabaria comigo. Onde está a mãe?

– Está com a tua avó Daniela e as tuas tias avós – respondeu o avô, que voltou a abraçar o neto. – Elas estão muito tristes porque adoravam a Jéssica.

– Era fácil gostar dela, vô – disse o jovem com os ombros caídos. – Muito fácil mesmo. Devíamos ter dado ouvidos ao senhor e ido para Vega.

– Eu sei, filho, amava-a demais. – Respondeu o avô, segurando as lágrimas. – Afinal, era a minha mãe...

– Engraçado – o rapaz interrompeu – ela falou que devo encontrar uma Daniela, que esse seria o meu destino e não ela. Insistiu nisso.

O pai e o avô olharam um para o outro e ficaram quietos, embora olhar do governador de Vega fosse profundamente acusador.

O jovem retirou-se sem falar mais nada e saiu caminhando ao acaso, acabando dentro da sua espaçonave. Sozinho na sala de comando, sentou-se na cadeira e lembrou-se do voo que fez com ela até Vega. Sem se segurar, cobriu o rosto e começou a soluçar em silêncio. Doutor Herbert, o físico responsável pelo projeto da nave e que vinha entrando, viu a cena e retirou-se discretamente porque já estava ciente do ocorrido. Quando virou-se, ouviu uma voz:

– Desculpe, doutor, não pretendia atrapalhá-lo.

Espantado porque o jovem o notou, ele respondeu.

– Eu é que devo desculpas, meu jovem. Não queria invadir a tua privacidade. Já sei o que aconteceu e não tenho palavras para expressar os meus sentimentos. Não desejaria isso nem para o meu pior inimigo.

– Acredito em si, doutor – disse Daniel, com a voz agradecida. Suspirou fundo e controlou-se melhor. Virou o rosto para o cientista que viu os seus olhos avermelhados. – Para meu azar, nada pode ser feito. O senhor precisa de alguma coisa de mim?

– Não, meu filho – respondeu o cientista compadecido. Ele adorava o Daniel desde que era pouco mais do que um bebê e vinha lhe fazer perguntas sobre física. – Mas acho que tu precisas de alguma coisa. Se fosses um homem normal, eu sugeriria um porre homérico e uma semana de descanso; mas, para um portador do teu grau, o álcool é inútil...

– Bem sei, só que isso de nada ia adiantar a não ser uma rica dor de cabeça, doutor, se eu fosse um sapiens. Vejo que nós temos algumas desvantagens em relação a eles.

Daniel levantou-se, já mais recomposto.

– Acho que vou mesmo tirar uma semana para mim, doutor. Se o senhor precisar de qualquer coisa, chame no comunicador. Esta nave assume, a partir de hoje, uma prioridade absoluta. É imperativo que ela esteja pronta o mais cedo possível. Há três dias, alguns dados novos foram colocados na sua pasta pessoal, no computador central. Por favor, estude-os e faça os ajustes necessários.

– Meu filho – questionou o cientista, interpretando de forma errônea o que Daniel disse –, não pretende fazer alguma loucura com ela, não é?

– Não, doutor, fique descansado. Apenas tive a confirmação inexequível de que o império será atacado por uma frota invasora.

Diante dos olhos atônitos do cientista, saiu porta fora, descendo pelo elevador gravitacional. Para evitar preocupações por tarte da família, achou prudente avisar o pai que ia passar uns dias na casa da praia, no norte do país. A seguir, pegou um planador e foi-se.

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