Capítulo 4 - parte 3 (não revisado)
Sentados em um grande bangalô num platô da encosta de uma montanha enorme e no meio de uma exuberante selva tropical, o casal jantava com o avô do Daniel, que não tirava os olhos da Jéssica. Para ele, era a mãe que retornou e sentia algo forte em relação à moça.
– Este jantar é maravilhoso – disse a garota, com o seu sorriso sempre amável – o que é?
– Ornitoporov. Um animal selvagem local, muito difícil de caçar, mas de sabor inigualável. Queres mais?
– Claro – ela estendeu o prato – é maravilhoso!
– Afinal, o que vos traz aqui?
– Queria mostrar para a Jessy como é um voo de hipersalto. Ela perguntou-me qual a diferença do meu projeto para uma nave convencional.
– Isso, vais ter de me mostrar também. Fizeram um voo tranquilo suponho, cheio de lua de mel. – Ele deu uma gargalhada.
– Quase todos os meus voos sempre foram tranquilos – disse o Daniel, fechando os olhos e recostando-se na cadeira – exceto uma vez.
– É mesmo – Jéssica ficou curiosa –, e como foi?
– Complicado, muito complicado. – Ele continuou de olhos fechados, lembrando-se daquela vez. – Estávamos eu e tu a mais de setecentos anos-luz daqui. Programei o navegador para ir a um sol, na época desconhecido. Quando a nave saiu do hiperespaço, tive um susto enorme pois fomos parar em uma constelação estranha. Alguma coisa tinha-nos desviado feio do destino.
A Jéssica ouvia a história de olhos esbugalhados, enquanto o avô escutava-a com um grande sorriso no rosto.
– Eu fiz uma avaliação do computador e descobri que ele estava doido varrido. Levei dois dias para descobrir que todos os circuitos estavam em ordem mas ele simplesmente errava os cálculos, todos eles sem exceção, até uma mísera soma de dois números. A nave já contava duzentos anos de vida e deveria ser aposentada mas, primeiro, teria de nos levar de volta para casa. Decidi eu mesmo localizar onde estávamos e, por meio de triangulação, soube que fomos parar mais de dois mil anos-luz fora da nossa rota. Preocupado com o computador, passei quase quatro horas calculando o salto de volta. Tu, Jessy, estavas apavorada por pensar que jamais voltaríamos a ver os nossos filhos, mas o hipersalto trouxe-nos para perto de casa. Na época, não tínhamos os aparelhos de super-onda. No fim do salto, descobri que era um problema no regulador energético do computador. Em cinco minutos, estávamos de volta ao nosso passeio de exploração.
– Dan, esta é a primeira viagem que fazemos juntos, sem falar que não temos filhos! Será que essa comida é alucinógena?
– Não, princesa, isso aconteceu há mais de trezentos anos, na nossa outra vida.
– Você insiste nisso, amor!
Daniel sorriu sem nada falar.
– Minha querida, o meu pai contou essa história para mim e os meus irmãos ipsis literis, há trezentos ou mais anos.
– Ainda assim, não me encaixo com a reencarnação.
– Então de onde o Dan tirou essas informações?
– Memória genética...
– Achas mesmo que um gene pode ter toda uma memória coletiva? Nesse caso, ele teria memórias de outras pessoas, mas só tem do meu pai. Bem, querida, pensa nisso e relaxa. Ninguém te quer forçar a acreditar em nada. O que importa é o que acreditamos e aceitamos. – Ele terminou com uma estrondosa gargalhada.
– Um dia, o senhor fica com dor de garganta, vô – disse Daniel, cobrindo os ouvidos.
Ele sorriu e serviu um licor para todos. Daniel não era dado a bebidas alcoólicas, mas, às vezes, apreciava uma delas. Abraçado à namorada, eles tomaram o licor, sentados na varanda da casa. Abaixo deles, em uma encosta grande, viam as luzes da capital muito ao longe.
– Senhor – disse um robô para o dono da casa – o quarto está pronto.
– Meus queridos, eu vou-me deitar. O vosso quarto está pronto e podem ir quando quiserem. Peço desculpas, mas não durmo há duas semanas.
Daniel levantou-se e beijou o avô, seguido pela Jessy.
– Vá lá, vô, que nós também vamos em breve. Só desejo curtir esta vista mais um pouco.
– Parece o Alto da Boa Vista – disse Helena, traindo a sua origem carioca. – É belo demais!
– Fiquem em paz, filhos.
– Paz, avô.
Sozinhos e abraçados um ao outro, curtiram aquela noite linda num planeta que a Jéssica nunca esteve. Ela apertou-o com força.
– Obrigada, amor.
– Pelo quê, lindinha?
– Por me mostrar outro mundo, ainda por cima tão belo. Sempre desejei isso, mas nunca me animei a ir. Talvez tenha sido por ter perdido os meus pais no espaço ou talvez acomodação, sei lá. Só sei que não queria estar em nenhum outro lugar, agora.
– Comigo, tu conhecerás o Universo, Jessy, esse é o meu sonho e jamais o abandonarei.
Ela apertou-se a ele e suspirou, encostando a cabeça no seu ombro, cheia de alegria.
― ☼ ―
O imperador estava muito irritado porque a sua sobrinha não relatava nada há dias. Mandou chamá-la no comunicador, mas recebeu a informação de que estava fora de área. Intrigado, pensou onde poderia estar, se o aparelho dela era de âmbito planetário.
– Computador – disse, bastante chateado – localiza a agente Jéssica Helena Almeida.
– A senhorita Almeida – informou a máquina –, saiu com destino a Vega XII há dois dias.
– Com quem foi?
– Daniel Moreira.
Satisfeito, deixou-a em paz porque a garota fazia o seu trabalho. Quando retornasse, daria um jeito de a mandar chamar sem que desse na vista, já que não desejava comprometer o disfarce.
― ☼ ―
Após passear um dia inteiro pelo planeta, acompanhado do avô, o casal despediu-se.
– Tenham uma boa viagem, crianças.
Jéssica, num impulso, deu um abraço apertado naquele homem magnífico, beijando-o no rosto.
– Obrigada por tudo, foi um dia delicioso e o seu mundo é muito belo.
Sorrindo com aquela demonstração de carinho tão espontânea, ele abraçou o neto, que disse:
– Tchau, vô, fique em paz.
– Paz para vocês.
Entram na nave e retornaram para a Terra.
Ele repetiu a vigem de volta, mas sem falar a não ser quando dava ordens ao computador. Após o primeiro salto, mandou o computador calcular um novo salto só para dali a oito horas.
– Pausa para namorar – disse, sorrindo para ela e estendendo a mão.
Após namorarem bastante, deitados e abraçados um ao outro, o Daniel perguntou-lhe, enquanto a acariciava com ternura:
– Gostas do espaço, amor?
– Amei, gato – apertou-se a ele. – Mas ainda não vou com essa história de reencarnação.
– Deixa para lá, princesa, o que importa é que te encontrei, não me interessa como. Eu te amo demais, Jessy.
– Também te amo, Dan, mais do que qualquer coisa que possas imaginar. – Ele notou que ela começava a escorregar um pouco no sotaque. Beijaram-se e adormeceram por algumas horas.
― ☼ ―
A nave pousou e ambos saíram, contentes.
– Amanhã, amor, vou mostrar como será esse mesmo voo na minha nave.
– Ok, mas preciso de ir para casa porque deixei de atender alguns compromissos. – Estava decidida a ir falar com o tio para pôr um fim nisso.
Despediram-se e ele foi para a sua casa, sentindo um grande vazio sem a presença da Jéssica. Sentado em uma poltrona da sala, pensou na sua querida namorada, cheio de afeição. Já estava tão habituado à sua presença que a falta dela lhe trazia uma forte nostalgia.
― ☼ ―
No palácio, o imperador levou a Jéssica para a sala íntima, convidando-a a sentar-se.
– Então, Helena, faz tempo que não recebo um relatório. – O tom de voz era recriminador.
– Aqui estou, tio. – Ela pretendia acabar com tudo mas ficou reticente, preocupada que as consequências fossem mais prejudiciais ao Daniel. Afinal, na sua mente, "dos males o menor". Assim, acabou decidindo levar avante o seu jogo.
– Soube que foste a Vega XII... com ele.
– É verdade, ele quis mostrar-me a diferença entre o voo das espaçonaves convencionais para o modelo que inventou. E aproveitou para visitar o avô. – A Jéssica tentava não se trair pelo olhar.
– Então conquistaste a confiança dele?
– Sim, há algum tempo – respondeu, fazendo-se de bastante contrariada. – Não era isso que desejava, tio? Na verdade, conquistei muito mais do que a confiança dele.
– Bom, muito bom. Ele mostrou-te a espaçonave?
– Sim, é gigantesca e imponente. Disse-me abertamente que deseja usá-la para explorar o Universo.
– E viste armas?
– Não, ele disse que ela não possui armas, mas que virá a possuir, como meio de defesa. Só não as projetou porque as armas lhe dão uma certa repugnância. Tio, ele é uma das pessoas mais pacíficas que eu já vi!
– O que fizeram em Vega?
– Ele apresentou-me o avô, por sinal o governador, que achei um homem muito simpático, fora as gargalhadas. Mostrou-nos a capital e passeamos bastante.
– Vejo pelo teu tom que estás bastante incomodada, minha querida.
– Tio, ele está perdidamente apaixonado por mim. O senhor já se deu conta da crueldade que está fazendo?
– A mim, Helena, parece que esse sentimento tem alguma reciprocidade.
– O senhor mesmo disse que eu sou agente do Império, não disse? Estou fazendo o meu trabalho, tio, mas e quando ele descobrir? Vai ficar arrasado e a culpa será sua... e minha. Quer que eu me sinta bem?
– Há certas coisas que não são para nos sentirmos bem. Agentes secretos fazem trabalho sujo, Helena.
– Tudo bem, tio – ela suspirou. – Apenas não gosto deste trabalho.
– Eu gostaria de te substituir, querida, mas agora é tarde. Pelo que entendi, se sabes que ele está apaixonado, vocês devem ter iniciado um relacionamento.
– O que o senhor acha tio? Óbvio que iniciamos um namoro.
– E nesse aspecto, como ele é?
– Já lhe disse, tio, ele é meigo, muito bondoso, pacífico, calmo e tranquilo, além de alegre e cativante. Apesar de ser cerca de quatro anos mais novo naquela sala de aula, quase todas as garotas são apaixonadas por ele, ou o senhor também deseja saber como ele é na cama? – Perguntou, irritada, mas os olhos brilhavam e o tio notou.
– Eu disse para ti, Helena, que usasses o método que quisesses. Não estou interessado na tua vida sexual e muito menos na dele. Vocês são ambos adultos e devem tomar as próprias decisões. Agora eu te pergunto, quais os planos dele para o futuro próximo?
– Amanhã, pretende me mostrar no simulador como será o voo nessa nova nave, que ele diz revolucionará a astronáutica. A mesma deverá levar cerca de dois anos para ficar pronta, então, não precisa de se preocupar com nada.
– Bem, Helena, fizeste um bom trabalho. Continua assim porque quero me manter a par de tudo.
– Se eu fosse o senhor, tio, perguntava diretamente para ele. Tenho a certeza que responderia a qualquer pergunta sua. Daniel foi bem claro em dizer que a nave não é nenhum segredo.
– Na certa mentiria, Helena.
– Isso, meu tio, eu posso jurar para o senhor que ele jamais fará. Daniel é famoso, na escola e na Cybercomp, por jamais mentir. Quanto muito diria que ainda não é hora de revelar a informação.
– Pensarei no assunto, filha. Agora podes ir.
– Até breve, tio. – Ela virou-se e caminhou para sair da sala. Na porta, parou e virou-se para ele. – Sabe, se quer uma sugestão pessoal, sugiro que não provoque o Daniel. O senhor nem tem ideia do poder que ele tem, ele e a família. Ele e o homem mais maravilhoso deste mundo. Sei que não conheço outro, mas tenho a certeza de que não há um igual a este. A sua doçura não tem tamanho, mas também pode tornar-se a coisa mais perigosa e mortífera que o senhor imagina e talvez eu mude para o lado dele.
Virou-se e saiu porta fora, deixando o tio de queixo caído. Depois chegou à conclusão que não devia ter dito aquilo, mas agiu como uma ameaça direta. Assim, o tio podia pensar que ela viesse a contar tudo ao namorado.
Já o imperador pensava, e com razão, que a Helena envolvia-se emocionalmente. Por um lado era perigoso, por outro era bom. Como ela era uma das melhores agentes do Império, decidiu ignorar o que dissera.
Quando foi para casa, Jéssica sentia-se vazia e tinha muita falta dele, tanta que deu meia volta e foi para o Daniel. Parou à frente da sua residência e decidiu entrar, mas mudou de ideia. Sabia que, se olhasse para a cara dele ia desandar a chorar e contaria tudo. Cheia de lágrimas, voltou para a sua casa. Já não sabia se agiu certo em manter o segredo.
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