Capítulo 2 - parte 2 (não revisado)
A jovem Daniela, com doze anos já tinha um jeito de mulher e notava-se bem a beleza que possuía, formosa e muito bem-feita. Nessa idade, uma portadora de alto grau era equivalente a uma mulher de dezessete ou dezoito anos, tanto fisicamente quanto mentalmente. Em Terra-Nova, ao contrário da Terra, havia mais hospitais, já que, por ser um mundo em parte desconhecido, ocorriam acidentes e até pequenas doenças novas. Ela frequentava o hospital e ajudava com os doentes, em especial dando conforto. Todos a adoravam e a linda chinesa era apaixonada por esse trabalho e que já discutia de igual para igual com os médicos sobre diagnósticos e traumatismos, além de ter feito uma ou duas cirurgias. Às vezes, chegava a recorrer aos seus dons especiais para salvar algumas vidas. Com a aparência que tinha, punha a cabeça de muitos rapazes a andar à roda, mas não lhes ligava nenhuma.
Nesse ano de 2815, tornou-se médica, formada pela universidade de Terra-Nova, a mais jovem doutora do império e uma das melhores.
O seu pai continuava a fazer várias pesquisas com a ajuda de químicos, biólogos e geólogos, e ela era uma participante entusiasta, ajudando em tudo e cuja principal tarefa era colher amostras, coisa que adorava fazer. Viajava muito e para vários lugares, tornando-se uma profunda conhecedora daquele planeta, melhor do que qualquer outro, até mesmo de quem nascera lá.
À noite, iluminada pelas duas luas e sentada na varanda da sua casa em uma confortável cadeira de balanço, olhava para o firmamento, procurando o Sol em meio a tantas estrelas. Ficava imaginando o que faria se vivesse na Terra. Onde estaria agora? Hong Kong ou Porto Alegre?
Só esteve por uma tarde na capital do Império, mas foi o suficiente para se apaixonar pela bela cidade. Sentia como se ela fosse e sempre houvesse sido o seu lar, como se lhe dissessem que pertencia desde sempre à linda e deslumbrante Cidade Jardim. Entretanto, acreditava que havia algo errado, como se tivesse esquecido de alguma coisa, o que sabia ser impossível devido à sua memória fotográfica.
Na sua cabecinha faltava alguma coisa que não conseguia identificar, mas sentia que era de vital importância para si e o seu destino, apesar de tudo, desconhecido, perdido.
Com um grande suspiro, retornou para dentro de casa. Sentia saudades da Terra, embora não soubesse porquê, já que adorava aquele planeta que a acolheu de forma tão gentil. A garota desconhecia que o choque da noite do hipersalto, durante a ligação mental que mantinha com o seu Daniel, provocou uma pequena amnésia em tudo o que se relacionava a ele, mas já começava a sentir que algo estava errado. Além disso, devagar, a memória vinha subindo à tona.
― ☼ ―
Daniel completou treze anos. Como era um portador de alto grau, atingiu a maioridade. Os pais abraçaram o filho, que aparentava ter uns dezessete para dezoito anos.
– Então, meu filho, o que queres de aniversário?
– Pai, mãe, eu quero ter a minha casa, e tem de ser uma casa bem específica.
– Eu imaginava, meu filho, suponho que queres a casa do teu bisavô.
– Exato, sinto algo de especial com relação a ela, como se eu precisasse de viver lá, como se lhe pertencesse.
– Bem, meu filho, pelo testamento dele, essa casa, a do Pará e a fortuna pessoal dele, pertencem-te. Foste o único bisneto cujas características ele determinou para os seus herdeiros. Agora que és maior, podes administrar a tua vida. Sei que és responsável, então vou dispensar aqueles discursos de sempre que os pais fazem.
O jovem manteve-se tranquilo e satisfeito. Por incrível que parecesse, Daniel era mesmo muito parecido com o seu bisavô. A família fez uma pequena festa para ele, que se sentiu bem como há muito tempo não acontecia. À noite, quando se despediram, os pais desejaram-lhe felicidades e boa sorte na sua vida adulta.
– Obrigado, pai. Agora vou começar o projeto da minha espaçonave. Eu acabei de criar uma matemática nova e tenho condições de reformular tudo. Vou construir uma nave nunca antes vista. Talvez ela venha a salvar a humanidade.
– Que queres dizer com isso, filho, não é a primeira vez que me afirmas tal coisa dessas!
– Não sei, apenas uma intuição, mas muito forte.
Daniel mudou-se naquela mesma noite para a sua casa. Na garagem, encontrou vários carros muito antigos. O mais belo deles era uma Lamborghini preta que lhe trouxe algumas pequenas lembranças anteriores. Curioso, o rapaz pôs-se a brincar com o veículo, reformando-o. Trocou as antiquadas baterias, há muito ultrapassadas, por um pequeno reator nuclear de fusão a frio e arrumou-o todo. O brinquedo ganhou uma nova vida, para grande alegria do Daniel.
Um dia tocaram à campainha e, quando abriu a porta, deparou-se com o seu avô, que o veio visitar. Junto, acompanhavam-no dois lindos cães da raça boxer. O rapaz abraçou-o cheio de ternura. Ele adorava esse avô mais do que qualquer outro, especialmente porque se compreendiam muito bem.
– Então, meu rapaz, não sentias falta de nada? – Daniel apaixonou-se na mesma hora pelos belos animais. – Trouxe-os do canil Aragão e já estão treinados.
– Obrigado, vô. – Eles abraçaram-se de novo. Dentro de casa, conversaram um pouco.
– Meu querido – perguntou o avô à queima-roupa. – O quanto tu te lembras da tua vida anterior?
– Muitas coisas, falo idiomas que jamais me ensinaram, encontro pessoas que nunca vi, mas são conhecidas... Sei, por exemplo, que tinha cinco cães destes e aprendo coisas na escola que sempre soube, como se estivesse apenas lembrando. Isso... isso assusta um pouco, vô.
– Quando o meu pai se foi, ele e a minha mãe deixaram uma mensagem. Disseram que voltariam e eu sempre acreditei nisso. No festival, a tua forma de combater foi idêntica à dele, apenas muito mais potente, apesar da tua pouca idade. Sabes, meu querido, esta casa tem um grande segredo, mas não te contarei, até porque sei pouco a respeito. Deverás descobrir por ti mesmo.
– Entendo, mas já lhe ocorreu que, se eu quisesse, poderia arrancar esse segredo do seu espírito, vô? Como bem sabe, eu posso atravessar cérebros bloqueados.
– Claro, meu anjo, mas a tua índole, não te permite isso!
– O senhor é sábio, vô.
– Toma cuidado, meu neto... ou meu pai – disse o avô com uma risada estrondosa, abraçando Daniel com carinho – o teu destino é obscuro e complicado. Amanhã, retorno para casa. Vê se um dia nos visitas. São só uns míseros trinta anos-luz.
– Irei na minha futura nave, assim que a terminar. Adeus vô. Amo vocês, Deixe um beijo e um abraço apertado para a vó Daniela.
– Deixarei, meu amor. Cuida desta casa que ela é mágica. Foi nela que o mundo começou a mudar quando eu ainda nem tinha nascido. Passei anos maravilhosos aqui, os quais jamais me esquecerei...
O ano passou tranquilo. Os amigos da escola, embora bem mais velhos, adoravam-no e faziam periódicas reuniões na casa dele, onde jogavam polo aquático e assavam uma carne, especialmente aos sábados. Quase no final do semestre, o rapaz expôs para a sua turma, na escola, a nova matemática que ele criara e batizara de Hexa-Matemática por abranger um universo de seis dimensões, ao contrário da Hiper-Matemática que era de apenas cinco dimensões.
Fascinado, o professor olhou o jovem escrever postulados e equações de teoremas tão complexos que deixavam todos os colegas boiando, sem entenderem nada. Ele concentrou-se na exposição do seu aluno e teve um pequeno vislumbre da enormidade que o jovem criou. Olhou para o rapaz sempre calmo e tranquilo que, desprovido de interesses pessoais, dissertou por mais de uma hora até que o silêncio se fez. O jovem olhou em volta e disse:
– Como podem ver, o nosso modelo anterior é muito bom, mas obsoleto; ultrapassado.
– Ver o quê – disse um dos colegas, boquiaberto – não entendi porra nenhuma, tchê! Isso é demasiado complexo.
Daniel fez uma careta, sem saber como explicar de forma mais simples.
– Céus, Daniel – exclamou o professor, exaltado –, isso é fenomenal, a descoberta do século!
Por conta do ocorrido, o jovem tornou-se famoso, embora não fosse do seu agrado chamar a atenção e, da noite para o dia, passou a ser considerado a maior sumidade em matemática do Império, sendo assediado por vários meios de comunicação para fornecer uma entrevista. Ao fim de muitos meses de perseguição, acabou cedendo e concedendo um entrevista a um jornal estatal, onde explicou qual a utilidade do novo modelo.
– "(Daniel)... este modelo matemático permite, entre outras coisas, criar um novo hiperpropulsor capaz de reduzir muito o tempo de voo das viagens interestelares. Hoje, as nossas espaçonaves precisam de dar pequenos saltos às cegas, retornando ao universo normal e recalculando os trajetos, para realinhar com o seu destino. Usando o novo motor, podemos fazer um voo visual, milhões de vezes mais rápido que a luz.
– (Repórter) Mas no que se diferencia isso?
– (Daniel) Não é necessário fazer paradas para recalcular o próximo salto, de forma a não se sair do rumo. O voo é linear e a rota pode ser corrigida, sem precisar de sair do subespaço. Poderemos alcançar Andrômeda, por exemplo, em pouco mais de uma dezena de dias, coisa que nem se pensaria em fazer hoje.
– (Repórter) Isso é fabuloso. Irá facilitar a vida da humanidade para se deslocar pelos planetas do império.
– (Daniel) É verdade. Infelizmente, também vejo com preocupação a atual situação da humanidade. O Homem vive uma era grandiosa, onde todos os nossos grandes problemas acabaram há mais de meio milênio e um dos responsáveis por isso, foi o meu bisavô.
– (Repórter) É verdade, há quem o chame de o "pai do Império do Sol", mas em que consiste a sua preocupação, Daniel?
– (Daniel) Não há mais fome, miséria ou doenças. As guerras, são algo que se estuda nas escolas como um dos horrores que flagelavam a nossa espécie há tanto tempo que nem nos lembramos mais quando e qual foi a última guerra.
– (Repórter) É verdade, ainda bem...
– (Daniel, interrompendo) Descobrimos e colonizamos cinquenta planetas, todos eles maravilhosos, e nunca nos deparamos com uma espécie alienígena inteligente. Mas a Galáxia é enorme, formada por cem bilhões de estrelas e a maioria absoluta delas contém planetas. Temos de nos conscientizar de que há outras raças inteligentes que, mais tarde ou mais cedo, descobrirão a navegação interestelar. Também poderemos ser nós a nos depararmos com elas. A humanidade não tem pesquisado mais sistemas solares porque não há necessidade, já que todos os nossos mundos são mais do que o suficiente para uma expansão por, pelo menos, mil anos.
– (Repórter) Mas onde quer chegar com isso?
– (Daniel) É porque eu vejo isso como um grande sinal de início de decadência, o que considero muito alarmante, já que o Homem está perdendo a curiosidade e se acomodando. O impulso de explorar a Galáxia morreu, não há mais criações grandiosas...
– (Repórter) Não deixa de ter razão, Daniel.
– (Daniel) É uma pena que eu tenha. Vocês já imaginaram que, se nos deparássemos com uma espécie alienígena belicosa, poderíamos ser dizimados porque não sabemos mais construir armas?
– (Repórter) Nem fale de uma coisa dessas, meu jovem.
– (Daniel) Mas é necessário discutir isso e pensar em possíveis consequências e soluções. Este modelo matemático permite criar não só motores melhores, mas também a capacidade de nos defendermos de possíveis inimigos. Eu, assim como a minha família, e como qualquer budista, sou amante da paz. O que mais gostaria era de conhecer uma nova raça de seres inteligentes, e poder interagir com eles em paz e harmonia, mas temos de nos preparar para o pior, de forma a não sermos destruídos ou escravizados.
– (Repórter) E o que pode ser feito?
– (Daniel) Estou projetando uma espaçonave nova, que não terá igual no universo conhecido. O meu objetivo é explorar o Universo, mas a minha nave também estará apta a proteger a raça humana.
– (Repórter) Refere-se a armamentos?
– (Daniel) No mínimo, um meio de defesa eficiente capaz de proteger a Humanidade de uma invasão extraterrena."
A entrevista gerou um rebuliço enorme pelos cinquenta mundos. Alguns chamaram o rapaz de louco, outros de gênio, mas, no fundo, todos pensaram no que ele disse e muito. Durante quase um mês, vários programas de inúmeros canais da univisão discutiram as palavras do garoto prodígio. Tais debates eram feitos por cientistas, políticos e psicólogos, muitos deles bem calorosos sem, no entanto, chegarem a um consenso. Notava-se muito bem que pouco mais da metade estava de acordo com o jovem matemático.
Dias depois disso, o avô do Daniel mandou-lhe um e-mail.
"Querido Dan.
Acho que estás totalmente certo, infelizmente. Se precisares de ajuda, eu e a Daniela estamos à tua disposição. A raça humana precisa mesmo de um bom solavanco e a tua entrevista pode ter dado a primeira chacoalhada. Mas toma cuidado, meu querido, pois há gente que deve ter odiado o que fizeste. Nós te amamos.
Beijos, Daniel (avô)."
― ☼ ―
Sentado na sua poltrona preferida da sala íntima do palácio imperial, o Imperador Saturnino I pensava nos últimos acontecimentos. Estava muito aborrecido com o que vinha acontecendo, coisa que chegava a dividir as opiniões de vários governadores planetários e ministros, sendo a oposição muito mais forte.
Olhou para a fotografia do Daniel e meditou se este jovem não estava apenas procurando chamar a atenção, como pensava o seu primeiro-ministro que, por coincidência, entrou na sala e pediu uma entrevista.
– Majestade, dispõe de uns minutos?
– Claro, excelência, sente-se.
– Vejo que Vossa Alteza preocupa-se.
– Sim, com os Moreiras. Eu não gosto disso. – Apontou a fotografia do Daniel. – Esse garoto pôs o congresso de cabeça para baixo e tem muitos seguidores com os avós encabeçando a lista.
– Eu também não gosto, Majestade, mas e se ele estiver certo?
– Tolice. – Encolheu os ombros. – Em setecentos anos nada aconteceu! Por que iria acontecer justo agora?
– O que o senhor pretende fazer a respeito, Alteza?
O imperador pensou em silêncio por alguns segundos. Olhou para o amigo e concluiu, enérgico.
– Vou destacar um agente especial para o vigiar. Se eu desconfiar ou descobrir alguma coisa suspeita, mandá-lo-ei prender.
– Majestade – o ministro chegou a transpirar – isso pode ser um suicídio político...
– Não. Quando se trata da segurança do Império, torno-me senhor de poderes absolutos.
– Alteza, pense bem: os poderes absolutos são em tempo de guerra. É certo que em casos de segurança do Império, o senhor também os detém, mas deverá prestar contas ao parlamento. Vossa Alteza está falando dos Moreiras e o governador de Vega XII, que é a nossa colônia mais rica, é o avô desse rapaz, que ele ama muito. Sem falar da governadora Carolina de Mitris e mais seis outros parentes diretos dele, todos grandes governadores e muito amados pelos seus povos, principalmente Vega XII.
– Nem por isso podemos permitir dissidentes subversivos no império.
– Vossa Alteza, como disse, tem poderes absolutos para esse caso, mas eu recomendo muito cuidado com essa família, especialmente porque eles nunca prejudicaram o Império, antes pelo contrário. Eu acho que esse garoto só quer chamar a atenção e...
– É, mas construir uma nave de guerra e, ainda por cima nos chamar de decadentes! Santo Deus. De qualquer forma, eu vou mandar observar esse rapaz. Depois verei o que fazer. Agora, se não se importa, deixe-me a sós.
– Como desejar, Majestade. – O primeiro-ministro levantou-se e curvou-se para o Saturnino, retirando-se sem discutir o que pretendia, tal foi a sua preocupação com o assunto. De fato, ele não gostava daquele jovem, mas tinha a certeza que era necessária muita perspicácia.
Sentado na sua poltrona, o imperador pensou mais meia hora, até que pegou em um vídeo-fone e digitou um número. Um homem atendeu e recebeu algumas instruções em sigilo.
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