Capítulo 3 - parte 4 (não revisado)

De mãos dadas, foram para a pequena caverna transformada em refeitório e comeram alguma coisa. Cheia de pressa e apreensão, Daniela correu a ver os pacientes. Estavam todos acordados e bem. Com lágrimas nos olhos, abraçou a mãe.

– Foi por pouco, mãezinha.

– Sim, foi mesmo, pequena, obrigada por me salvares.

Daniel aproximou-se e observou o par, com um sorriso nos lábios.

– Mãe, este é Daniel, líder do comando de resgate. Foi ele que salvou vocês, duas vezes.

– Duas!?

– Sim, tirou vocês de lá e, depois, deu-me a energia dele para poder curar todo mundo com o meu dom porque eu já estava fraca demais. Dan, a minha mãe Meifeng Chang.

A mulher virou-se para ele. Olha para o rapaz com atenção e viu um homem bonito, alto, de porte atlético, que tinha o olhar muito nobre e uma simpatia incrível. Quando sorria, parecia que os olhos também riam. Gentil, fez uma mesura.

– Obrigada, Daniel, por salvar as nossas vidas. Espero vir a poder retribuir isso, um dia.

– Pois eu desejo, do fundo do coração, que não precise disso, senhora Chang – respondeu com outra mesura. – Vejo que estão todos recuperados. Isso alegra-me.

Ele olhou em volta e viu o grupo inteiro, desperto e sentado em círculo, aguardando o próximo passo. A caverna era tão grande que pareciam uma turma pequena, embora fossem mais de trinta pessoas. Uma luz suave saía de uma lanterna ligada a um pequeno reator nuclear. Ali estavam doze cientistas de diversas áreas, todos chineses da Terra e quatro membros do governo. Um era de origem brasileira e três asiáticos.

– Gente, o meu nome é Daniel e alegro-me que estejam recuperados. Acho que podemos debater os nossos próximos passos. Já que estão todos acordados e bem, dou por iniciada a nossa reunião. Em primeiro lugar, sinto-me muito satisfeito de vos ver restabelecidos...

– Somos nós que lhe devemos isso, Daniel – disse um dos membros do governo – o senhor é neto do meu bom amigo Daniel Moreira, governador de Vega XII, não é?

– Sou, sim, excelência. Como pode notar, somos muito parecidos e temos o mesmo nome.

– Na verdade, filho, acho-o muito mais parecido com o seu bisavô, mas vocês os três são bastante parecidos. Obrigado novamente, por nos salvar e mais ainda por ter dado aquelas ideias para o imperador. Aquele paspalho jamais poderia ter feito aquilo sozinho.

– Bem, excelência, não estamos aqui para discutir política, não concorda? O Saturnino já teve a dose dele.

– É, Daniel, mas eu não sei se faria o mesmo que o senhor se a minha mulher tivesse sido morta por culpa dele.

– Não se esqueça, governador, que a minha mulher era sobrinha dele e que ele sofreu muito por causa disso. Todos nós erramos e temos o direito a uma segunda chance. Agora, se me perdoa o comentário, falemos de coisas mais adequadas ao nosso problema.

– Claro, jovem, desculpe-me. Fiquei exaltado, mas reconheço que tem toda a razão – disse o governador, com muito respeito por ele apesar da reprimenda velada.

Daniel iniciou a conferência, colocando-os a par da situação e explicando que, embora a Terra esteja se preparando para enfrentar a invasão, ainda não possui armas suficientes.

– Senhores, a meu ver a nossa única solução é o blefe, de modo a podermos ganhar o tempo necessário até que a minha espaçonave possa voar. Não precisamos de muito tempo, cerca de duas ou três semanas, mas cada dia que perdemos sem a Jessy estar pronta, há o risco destes batráquios aumentarem o contingente de tropas aqui, criando dificuldades para a população. Assim, após uma longa reflexão, bolei uma coisa muito simples: terror. O medo puro e simples do desconhecido. Eu já iniciei a brincadeira ontem, depois que os deixei aqui e descobri uma coisa muito interessante. Existe uma raça humanoide que eles temem acima de qualquer coisa. Chamam-se, ou chamam-nos, centurianos. Eles têm uma tecnologia incrivelmente superior à deles, talvez superior à nossa. Haveremos de contatá-los poque poderão ser bons aliados, mas, no momento, não nos são úteis. Quando o ordenança do comandante deles foi me encontrar na cela, ele pensou que eu era um desses tais centurianos, de onde deduzo que, fisicamente, são muito semelhantes a nós. – Contou-lhes como foi o confronto. Daniela, que conseguia ver com os olhos da mente, deu uma risada.

– Eles, na certa, ficaram bastante assustados – continuou Daniel muito sério. – Mas isto é uma questão de tempo e não lhes podemos dar esse tempo para se recuperarem. Como disse, a minha nave de pesquisas e combate só estará em condições de vir em duas ou mais semanas. Com ela, podemos enfrentar uma frota inteira. A Jessy A I, a nave auxiliar que nos trouxe aqui, já tem condições de enfrentar esta pequena frota, mas eles poderão voltar com uma quantidade maior de elementos. Vi na mente do comandante tantoriano, como se chamam, que dispõem de um contingente de mais de um milhão de naves de combate. Felizmente para nós, estão em guerra com outra civilização, mas se trouxerem umas duas ou três mil naves para cá, talvez estejamos perdidos. Por isso, quero que eles pensem que este planeta é danado de mal-assombrado. A raça humana desconhece guerras há oitocentos anos, mas guerreou por muitos milênios e este pequeno período de paz não é um verniz suficiente para nos embotar as lembranças dos tempos antigos que agora se tornam tão necessários. Por isso, a sabedoria de Sun Tzu vai ajudar-nos e é bem simples: avançaremos em duas frentes bem diferentes, de modo a desorientá-los. Vamos desmoralizá-los, deixá-los nervosos. Primeiro, teremos guerrilhas que provocarão desgastes constantes no adversário, atacando de forma misteriosa e sumindo tão rápido quanto apareceram, como os rebeldes têm feito, só que agora com equipamentos novos e superiores. Estes, serão os primeiros fantasmas. Por outro lado, como eu disse antes, o medo puro e simples do desconhecido ou, no popular, assombração. Isso irá gerar um enorme desgaste no inimigo que, há medida em que ficar com os nervos à flor da pele, cometerá mais erros ou, simplesmente, retirar-se-á, caso tenha um pingo de juízo. Finalmente, temos de ter um extremo cuidado para não retaliarem sobre a população...

– Medo do desconhecido? – perguntou um dos governantes, curioso. – O que quer dizer com isso, meu jovem?

– É verdade, como pretende fazer isso, Daniel? – insistiu o doutor Chang, com voz amável.

– Fácil, meus senhores, com os meus dons. Eu posso me transportar para qualquer lugar, como já sabe, doutor, mas também sou telecineta. Modéstia à parte, sou um telecineta muito forte. Infelizmente sou apenas um, mas acho que posso ensinar a Daniela, já que consegui aprender com ela o seu dom. O que vocês achariam se dois daqueles sujeitos começassem a dançar o Lago dos Cisnes em pleno ar? Nós iriamos rir muito, mas eles vão ficar aterrorizados.

– Concordo – disse um dos membros do governo, sorrindo, muito. – Bem, esses sujeitos não sabem distinguir um humano de outro. Acho que vou para a minha casa. Acredito que posso vir a ser útil, nem que seja coletando informações.

– Eu também – anuiu o prefeito – Além do mais, minha mulher deve estar desesperada para saber como estou.

– Eu transporto-vos para lá. E os senhores? – Daniel olhou para os cientistas e os dois governantes restantes. – Aqui, não terão utilidade e correm riscos sérios. Eu posso levá-los para a Jessy A I. Lá ficarão em conforto e segurança.

– Acho que seria mais adequado para nós – afirmou doutor Chang, pensativo – já que nada podemos fazer a não ser eu que sou médico. Sugiro que leve os demais colegas para a sua nave e ficarei aqui com vocês no caso de uma eventualidade.

– Muito bem, eu levo os cientistas primeiro e depois os senhores.

– Eu ficarei na cidade – disse o governador planetário, olhando para o vice-governador ao seu lado. – E acredito que o meu colega também.

– Então estamos de acordo. – Daniel emitiu um potente pensamento para alcançar a nave, tão forte que, novamente, todos conseguiram ouvi-lo. – "Atenção, Nobuntu. Vou saltar para aí com os cientistas. Providenciem acomodações para todos." – Senhores, deem-se as mãos porque necessito de contato físico.

Os sábios obedeceram e, pegando na mão de um deles, saltou para a nave. Apenas o doutor Chang e a esposa, que quiseram ficar com ele e a filha, permaneceram entre os rebeldes.

Os cientistas, apesar de serem homens esclarecidos, ficaram fascinados com aquele dom fenomenal. Num instante estavam no meio de uma caverna e, no outro, em uma nave espacial estacionada na lua a mais de um milhão de quilômetros. Logo, alguns deles procuraram interpretar este fenômeno, característica básica de qualquer pensador com o cérebro bem ativo. Juntaram-se em grupos, tentando compreender o fenômeno e discutindo entre si. Os tripulantes, avisados, não se assustaram, mas ficavam muito impressionados sempre que viam isso. Pediu a um dos oficiais que providenciasse acomodações para os novos passageiros, mostrando-lhes o setor de recreação e os laboratórios de pesquisa.

– Se desejarem um pouco de diversão, os laboratórios estão à disposição dos senhores. Agora, necessito de voltar para continuar a luta pela libertação do planeta – disse Daniel, despedindo-se. Aproveitou para pegar mais equipamentos, como mochilas energéticas e armas. Ao desaparecer, os ânimos dos homens de ciência voltam a se aquecer e começaram a discutir e a formar diagramas nos laboratórios da nave auxiliar, ignorando o tripulante que lhes desejava mostrar os camarotes. Ele desistiu e voltou para a ponte, sorrindo.

Daniel retornou para a caverna e levou os demais membros do governo local para as respectivas residências.

– Relaxe e pense na sua casa, prefeito – dizendo isto, saltou com o "passageiro". A esposa, com ar preocupado e triste, estava sentada na sua sala, pensando em como estaria o marido que não via há um mês. Era uma asiática baixa e bonita, de rosto delicado. Ao ver duas figuras surgirem do nada, teve um grande susto, Eram dois caucasianos, um muito alto e outro de um metro e oiten... logo reconheceu o marido e atirou-se aos seus braços, em meio aos prantos, esquecendo-se do estranho incidente. Daniel inclinou-se para os dois e saltou de volta, respeitando a intimidade deles. Quando terminou a missão, sentou-se com os restantes.

– Agora, vamos esperar o próximo passo. Eu vou dar um sustinho em alguns tantorianos, depois pretendo ensinar esta linda moça a utilizar os mesmos dons que tenho. Para isso, precisamos de nos retirar para um lugar isolado de modo a não termos interferências. Aceitas, Daniela? – Os olhos dele brilhavam muito ao se dirigir à moça.

– Claro, Dan – respondeu com os olhos tão luminosos quanto os dele, como dois brilhantes. A mãe logo viu o que ocorria porque lembrava-se muito bem do desenho que ela fez anos antes. Embora o rapaz, naquela época, tivesse apenas oito anos, ainda tinha o mesmo rosto e ela notou a reciprocidade do olhar dele. A filha não poderia ter feito melhor escolha. O jovem era de uma integridade impressionante. E sabia que estava viva por mérito único e exclusivo dele.

– Aguardem-me, vou criar um pouco de confusão. Não quero que essas lagartixas pensem muito a nosso respeito porque apenas o pânico é que os vai deixar longe da verdade. – Daniel piscou o olho para a garota dos seus sonhos e desapareceu, para surgir no espaçoporto.

Fez uma incursão rápida à nave dos tantorianos, sempre com a micro câmera na mão e, por coincidência, deparou-se com uma descoberta sobre eles, filmando tudo. Depois, saltou para fora e sentou-se no telhado de um dos prédios administrativos, a cerca de cem metros da nave. Olhou em volta e viu os silos gigantescos ao longo da pista de pouso que armazenavam os alimentos a serem exportados para os cinquenta mundos, tudo muito bem planejado e organizado. Voltou a prestar atenção à nave inimiga, reparando num pequeno destacamento de soldados que marchava com as botas de coro batendo no solo de forma ritmada. Era engraçado ver a semelhança que havia com os antigos destacamentos militares terráqueos. Daniel pensou que talvez fossem assim em todo o universo, porque a lógica levava a esse comportamento. O chefe do pelotão, na certa algum oficial, parou de frente para os seus subordinados e eles também estacaram a cerca de dez metros de distância; mas, para seu grande espanto, um dos seus "homens" continuou marchando. Com o corpo atirado para trás e com uns chiados estranhos, muito roxo, parou de frente para o comandante e pregou-lhe uma vigorosa bofetada. O oficial, também ficando roxo, não perdeu tempo: sacou da arma e fuzilou o sujeito ali mesmo.

Horrorizado com tamanha barbárie, o Daniel observava o soldado morto. Liberou-o da energia que o obrigara a fazer aquilo e ele caiu como uma pedra. Usou outra vez a sua telecinésia, mas desta vez para vingar o soldado assassinado. Apesar de odiar qualquer forma de violência, decidiu que aquilo estava fora dos limites e vinha a calhar para os seus intentos. Com certeza que, se fosse um ser humano, talvez não fizesse isso, mas, apesar de se tratar de um ser vivo e ele ser budista considerando a vida acima de tudo, a situação pedia uma resposta.

De modo fantasmagórico, o oficial e os soldados viram arma do morto sair do coldre sozinha. Estarrecidos, observaram como ela voou até à frente do espantado oficial e disparou no seu rosto à queima-roupa. Agora havia dois corpos caídos e uma tropa paralisada de susto, até que a arma fantasmagórica virou-se para os soldados. Eles, aterrorizados, saíram da sua letargia, abandonaram a formação e fugiram em carreira desabalada. Ninguém mais viu a pesada pistola voar até ao Daniel, que se transportou de novo para a caverna.

– Demoraste, Dan – disse Daniela. – Estava preocupada.

Ele sorriu-lhe e enlaçou a sua cintura, sentindo o seu cheiro suave e agradável. Após um pequeno e discreto beijo, afirmou.

– Fiz umas observações interessantes. Depois, preguei um susto em um pelotão. Infelizmente, tive de matar um oficial – contou para todos o ocorrido no espaçoporto.

– Agora, os fantasmas de Terra-Nova vão deixar a cabeça deles em polvorosa – continuou, Daniel. – Mestre Lee, o senhor assume o comando. Em caso algum ataque de frente; apenas guerrilhas e defensivas, de preferência. Se necessário, chame-me no rádio. Outra coisa: as armas geram energia que pode ser detectada. Não sei se têm essa capacidade porque a tecnologia deles é muito inferior à do Império, mas é melhor não facilitar. Não as usem em hipótese alguma, exceto em caso de urgência. Se precisarem, usem este pequeno canhão de bolso. Não seria má ideia arrumar mais algumas delas. – Estendeu a pistola dos invasores, muito pesada e assustadora.

– Certo, filho, fique tranquilo. Onde pretendem ir?

– Algum lugar sem gente. Precisamos de abrir as mentes sem interferência externa. Para isso, o isolamento total é ideal.

– No continente norte – disse a Daniela. – Enquanto eu fazia pesquisas vi várias cadeias de montanhas, mas há uma em particular, gigantesca e com cavernas semelhantes a esta. É desabitada e pode ser um bom lugar. Precisamos de uns cobertores porque lá está uns dez graus esta época. Embora o nosso corpo resista ao frio, será muito mais confortável. Além disso, podemos acender uma fogueira e há caça em abundância, então não precisamos de muitos alimentos.

– Claro, Dani, o que mais precisamos é de isolamento total para podermos fazer o mesmo que fiz contigo.

– Filho – disse Lee, apontando para o equipamento – leve um comunicador para emergências e um ou dois daqueles belos ovinhos.

– O que o senhor acha que eu vou fazer com duas bombas atômicas em um lugar isolado e vazio, mestre?

– Pode aparecer uma nave de patrulha deles por lá.

– Tem razão, levarei dois desses estalinhos.

Conversaram por mais uma hora acertando todos os detalhes, onde o Daniel ministrou algumas instruções adicionais sobre as atitudes que deviam ser tomadas pelos rebeldes e os Dragões quanto ao comportamento dos invasores. Na hora de partir, a mãe abraçou a filha, sussurrando ao seu ouvido:

– É ele, não é? – perguntou. – Dos teus sonhos?

– Sim, mãe, é ele – respondeu, alegre. – E agora é bem real. Nós já nos reconhecemos um ao outro, mãe. Ele é para sempre, podes ter a certeza disso. Nunca senti algo assim, tão bom e especial. Sabes, valeu a pena, esta espera tão longa, porque o nosso amor é muito intenso e completo.

– Ele é lindo e forte, um líder nato. Adeus, filha – abraçou Daniel e acrescentou. – Cuide da minha menina.

– Cuidarei, senhora Chang, como se fosse a minha própria vida. Pode acreditar nisso.

Despediram-se e Daniel puxou a namorada pela cintura. Através da sua mente, visualizou o lugar de destino, puxou-a mais para perto e saltaram direto para lá, desaparecendo da caverna para ressurgirem em um lindo platô.

― ☼ ―

Autor do famoso livro A Arte da Guerra.

Lago dos Cisnes do Tchaikovsky. Belíssima peça de ballet.


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