Capítulo 2 - parte 1 (não revisado)

Enquanto Nobuntu lembrava-se do passado recente, observava com toda a atenção o jovem comandante da nave auxiliar Jessy A I, que a controlava com a tranquilidade de um sonâmbulo. Desde que este lera a reportagem dada pelo Daniel há mais de dois anos, ficou com muito respeito pelo seu intelecto. Agora, entretanto, estava fascinado e assombrado com ele. Na sua impressão, via um rapaz com aparência de dezenove anos, embora tivesse apenas dezesseis, cerca de um metro e noventa, olhar firme, sonhador e de caráter forte, bem como uma segurança interior fora dos padrões. Entretido com as suas observações, concluiu que este homem em quem o imperador confiava de forma irrestrita podia ser a única e real chance de conseguirem salvar Terra-Nova e o resto da humanidade porque, além da inteligência superior, era um Dragão Branco. Via, também, que o jovem raramente sorria e tinha os olhos tristes.

Enquanto conduzia a nave, Daniel lembrava-se dos últimos momentos que precederam a sua decolagem em direção a um destino em parte desconhecido.

Primeiro, estava com o avô em Vega XII quando recebeu o chamado do pai e a confirmação que a mais macabra das suas previsões acabara de acontecer: a invasão por alienígenas a um pacato planeta do Império. Às pressas, retornou com o avô para a Terra, dando um susto em muita gente com as manobras emergenciais e tresloucadas de decolagem e pouso com a nave auxiliar. Ao saber dos fatos, descobriu quem estava lá, no meio de um grupo de resistência, lutando desesperada contra os tiranos de outro mundo. Obrigado pelo avô, o pai contou-lhe a verdade sobre o seu passado e a moça que ele, aos oito anos, julgou morta e também quase morrendo por ter entrado em choque, o que fez com que os pais, desesperados, lhe bloqueassem a memória, com auxílio de uma droga especial. Quando se recuperou, também obteve informações da sua vida anterior com ela, sabendo tudo a seu respeito.

Logo depois, procurou localizar uma possível fábrica secreta de armamentos que o bisavô escondera. Com sorte, conseguiu se lembrar dela e encontrou-a recheada com um belo arsenal dos mais variados tipos de materiais. Equipou a nave auxiliar às pressas e saiu com um pequeno comando para lutar contra os invasores. A ideia era retardá-los e estudá-los até que a sua nave de combate estivesse concluída.

Ergueu o rosto e observou o africano, de quem gostou muito. Ele não tirava os olhos das ações do Daniel, prestando muita atenção em tudo. Sorriu-lhe com simpatia.

– Olhe, comandante Nobuntu, como pode ver, o nosso voo é visual. Nós chegaremos rópido e em segurança, sem o risco de errar os saltos. Este será o futuro da nossa astronáutica, mas infelizmente ainda não há um piloto automático para o motor de mergulho e precisamos de pilotar no manual.

– Estou fascinado, Daniel. Não aparecia nada de novo há tanto tempo, que nunca imaginei que isto fosse possível.

– Mas é, comandante, e trata-se só do começo. Agora, a sua ajuda pode ser-me muito útil. Gostaria de saber como se escondeu dos invasores para se comunicar com a resistência local. Preciso de todos os detalhes para podermos tomar um curso de ação que seja seguro para todos.

O gigante de ébano contou-lhe tudo e Daniel prestou muita atenção, absorvendo cada detalhe. Quando terminou, o jovem refletiu intensamente, em silêncio, o que deixou o comandante um pouco nervoso. Mesmo assim, não deixava de prestar atenção aos controles da pequena nave auxiliar.

– Excelente, Nobuntu. Deduzo que eles têm rastreadores muito fracos e talvez nem tenham equipamento para super-onda ou radares em super-onda. Mas, para todos os efeitos, não os devemos subestimar. Agora, sente-se na poltrona de comando que lhe vou ensinar a manobrar a nave porque pode ser muito útil termos mais um piloto além de mim e do Jonnas...

― ☼ ―

Em Terra-Nova, Daniela Chang estava bastante ocupada. Os guerreiros da resistência, um punhado de homens desesperados que se recusava a aceitar o domínio dos invasores, acabara de chegar de uma incursão. Com dificuldade, eles mataram três soldados inimigos, mas isso, porém, custou-lhes a vida de dois companheiros e três outros estavam muito feridos. Ela observava aqueles homens rudes e destemidos, pelos quais tinha profundo carinho e amizade, em especial mestre Chien, um homem já centenário que lhe ensinou tudo sobre acampamentos, caça e sobrevivência sem recursos tecnológicos. Ele, apesar da idade, ainda tinha muita energia, sendo equivalente a um homem de quarenta anos porque os seres daquele mundo viviam até aos trezentos e cinquenta anos, mesmo não sendo portadores do gene. Enquanto observava, ia pensando naquele belo planeta, a colônia mais antiga do Império do Sol.

Terra-Nova era um mundo com poucos recursos tecnológicos, essencialmente agrícola, e noventa por cento da sua tecnologia estava virada para a produção de alimentos. O povo não experimentava a pequena letargia do conforto que vários outros mundos sentiam. Estes homens não gostaram da invasão e lutavam como podiam contra ela, deixando isso bem claro para os invasores que, pela primeira vez, depararam-se com um mundo humanoide que não cedia à incursão dos batráquios, mesmo sem recursos tecnológicos decentes, o que os confundia muito. No início dos confrontos, tiveram grande sucesso com algumas armas termoquímicas que a doutora Chang inventara, mas o invasor descobriu e ficaram sem recursos para criar novas formas de destruir o inimigo. O único planador que possuíam foi destruído durante um dos confrontos e todos os outros planadores que existiam foram escondidos pelos donos porque os alienígenas ordenaram a sua entrega e decretaram a morte de quem fosse apanhado andando em um. Isso acabou limitando o deslocamento dos seres humanos e prejudicando os rebeldes. Mas, mesmo assim, mantinham-se muito ativos, atacando os invasores, geralmente à traição e em emboscadas. Apesar das dificuldades, costumavam ter algum êxito.

Quando entraram na caverna arrastando os companheiros feridos, a moça esqueceu-se dos devaneios e correu logo a ajudar. Com o seu dom especial, tratou deles, salvando-lhes a vida, mas ficando bastante cansada. Mal terminou, o pai chamou-a:

– "Filha!"

– "Oi, pai, como estás, e a mãe?"

– "Já estivemos melhor, alguma notícia?"

– "Da Terra nada, mas faz apenas cinco dias que eles saíram daqui. Levam, no mínimo, três dias para chegar e outro tanto para voltar. Sem falar no tempo de preparo."

– "Filha, temo que as tuas esperanças sejam vãs. A Terra não tem armas para se opor a eles. Tudo o que nos resta é a escravidão. Estão outra vez nos torturando para fornecermos as coordenadas da Terra. Ainda bem que só eu as sei. A tua mãe está muito fraca e não garanto que vá sobreviver mais um ou dois dias. Sei que é duro dizer isto, mas não nos devemos entregar a ilusões. Hoje, o doutor Ming morreu e já é o segundo. Não faço a menor ideia de quanto tempo ainda temos antes de sermos todos mortos, minha linda."

A garota de olhar meigo e doce chorou ao saber da morte do amigo que, apesar da idade muitíssimo maior, estava sempre junto a si, ensinando-a. Ele e todos os outros cientistas com quem ela viveu por pouco mais de oito anos eram como pais porque foram eles que a ensinaram e acompanharam na sua evolução, até atingir a sua graduação de médica e pesquisadora.

– "Pai, a Terra trará a salvação. Ele virá, eu sei, tenho a mais profunda fé nisso. Acredita em mim."

– "Ele quem, meu amor?"

– "Não sei, pai, mas eu sonho com ele há algum tempo e sei o seu nome."

– "És uma romântica, filha, estão vindo para cá e, desta vez, sou eu quem eles querem. Vou bloquear a mente. Cuida-te, meu anjo."

– "Boa sorte, pai, mas tentem resistir o máximo possível. Sei que seremos salvos em breve." – Ela chorou outra vez, muito preocupada com o pai. O bom e velho Chien, mestre da menina que amava como a uma filha, pôs a mão no seu ombro e acalmou-a.

– Tenha fé, minha filha.

– Eu tenho, mestre, mas estou demasiado preocupada. A minha mãe está muito mal. Se nada for feito logo, temo que ela venha a morrer porque o meu pai acha que ela não passará de mais um ou dois dias. – Voltou a chorar cada vez mais.

O seu mestre abraçou-a com carinho e tentou matutar um plano para libertar os cientistas, mas sentia-se impotente contra a força do inimigo. Entrar em combate contra a nave era o mais puro suicídio e ele sabia disso. Não tinham a menor chance de enfrentar a enorme quantidade de soldados invasores que a cercavam. Até ao momento, tudo o que conseguiam eram pequenas guerrilhas para desgastar os nervos dos lagartos, como os chamavam cheios de raiva e ódio. Pensou em um plano suicida caso nada viesse a acontecer nos próximos dois dias. Olhou para a linda chinesa e o desespero da moça deu-lhe a coragem necessária para tentar qualquer coisa que fosse para salvar os pais dela, mesmo que ele morresse na ação. Após confortá-la, levantou-se e chamou os seus quatro amigos mais íntimos e caçadores como ele, expondo o seu desejo.

– Seremos mortos antes mesmo de chegarmos à comporta, Chien – disse um deles. – Sabes bem disso.

– Talvez sejamos, mas se eu não tentar nada para salvar os pais dela, não serei capaz de olhar o seu rosto quando estes forem mortos. Ela está desesperada e sofrendo muito. Já perdeu muita gente.

– Por ela, Chien, eu entrego a minha vida. Conta comigo.

– E comigo – disseram os outros.

― ☼ ―

Dois seres muito feios pegaram o doutor Chang pelos braços. Eram bípedes e possuíam dois braços, mas aí terminava qualquer semelhança com os seres humanos. Tinham cerca de dois metros e vinte, em média, e as pernas eram curtas, desproporcionais ao tronco. A pele, uma espécie de couro grosso, era esverdeada, similar à dos crocodilos. O rosto tinha uma semelhança nítida com sapos, de olhos grandes e esbugalhados e uma bocarra enorme, com beiços acentuados. Não tinham orelhas, ficando os tímpanos muito sensíveis bastante expostos, um dos seus pontos mais fracos.

Aprendiam rápido e já falavam o português, que era a língua oficial do Império. O doutor Chang foi arrastado pelos corredores da espaçonave, tecnologicamente muito inferior às da Terra exceto pelos armamentos.

– Muito bem – disse o comandante, observando-o. A sua voz era anasalada, mas perfeitamente compreensível. – Vocês insistem em não nos revelar a posição do vosso planeta mãe.

– Já lhe disse que somos pesquisadores de saúde e não técnicos espaciais. Vocês mataram as pessoas que sabiam.

– Que nave é aquela que apareceu há cinco dias?

– Como é a nave? – perguntou. Estava aliviado porque não ia ser, a princípio, torturado. – Nada vimos.

– Esférica, um pouco mais do que três vezes maior que esta.

– Pelo tamanho é um cargueiro, uma nave de comércio que transporta mercadorias e alimentos pelos nossos mundos.

– Por que fugiram?

– As nossas naves não possuem armas, somos um povo pacífico e não temos guerras há muitas centenas de anos. Mas não nos subestime.

– Como conseguem acelerar de forma tão elevada sem sofrerem com isso?

– O senhor faz perguntas que não sei responder porque eu sou médico. Somente um físico poderia explicar isso, ou um engenheiro aeroespacial.

– Há algum desses por aqui?

– Na nossa equipe não, como já sabe, uma vez que lhe dei os nomes e especialidades de cada um deles; mas na universidade há físicos, só que devem ter fugido e se escondido.

– Quantos mundos vocês têm?

– Cinquenta planetas são habitados pela nossa raça.

O comandante gostou de ouvir isso, rejubilando-se. Cinquenta planetas para conquistar, que maravilha! O império dele era composto por um grande número de mundos, todos eles conquistados aos humanos que se tornaram seus servos. Mais cinquenta seria excelente e levaria o seu nome para a história do seu povo. Além disso, aquela raça seria subjugada com facilidade. Deu um sorriso, que era muito semelhante ao humano. Por causa do tamanho da boca, os beiços quase que chegavam aos ouvidos e, daquele jeito chegam até a parecer simpáticos, se não fossem tão cruéis e implacáveis.

– Há um grupo de rebeldes que luta contra a lei e a ordem. Ontem mataram três dos nossos soldados. Como podem ser pacíficos?

– Somos pacíficos, mas não queremos ser escravos de ninguém e temos o nosso orgulho. O que vocês chamam de lei e ordem, nós chamamos de tirania e opressão

– Tome cuidado com as suas palavras, humanoide, se quer viver mais. – Interrompeu-o ameaçador, pondo o dedo em riste. O doutor Chang não deixou de notar a semelhança deste movimento de ameaça com os humanos. – Pois bem, a partir do próximo ataque, nós vamos executar dez pessoas para cada elemento morto ou ferido nas nossas linhas.

– Como quer que eu avise o povo para parar com isso, se estamos aprisionados?

– O senhor irá falar para uma câmera. Transmitiremos para todo o planeta. A partir dessa emissão, qualquer ato pirata levará à execução pública. Hoje não haverá interrogatório, mas prepare-se, pois amanhã mudaremos os nossos métodos. Agora, uma pergunta muito simples. Por que vocês, que estão aqui aprisionados, são diferentes do resto do povo?

– A nossa espécie está passando por uma mudança genética. Nós temos uma resistência superior, vivemos muito mais e a nossa inteligência é maior.

– Quanto vivem mais?

– Dez vezes mais. Cerca de mil e quinhentos anos, se considerar um ano como um décimo da revolução deste planeta em torno do sol.

– Por quê um décimo?

– Porque o nosso planeta de origem leva esse tempo para dar uma volta ao sol. Nós chamamos isso de ano padrão.

– Está certo. – O comandante fez sinal para um ordenança retirar o homem. – "Eles vivem muito mais que nós. Precisamos de descobrir esse segredo." – Pensou o comandante, muito satisfeito com o interrogatório e já se vendo condecorado pelo imperador em pessoa.

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