46- O MEDO FOI MINHA FORÇA
Com um telefonema, Agnes convocou bruxas, feiticeiras e ocultistas de toda a cidade. Eram mulheres e homens de todas as idades e cores que apareceram naquela tarde na lojinha dela. A maioria declinou, era arriscado e muitas só usavam a magia para coisas simples e inofensivas. Mas as que aceitaram, eram pessoas, no mínimo, dúbias e éramos ao todo, contando comigo, doze.
— Vai ter lua minguante neste fim de semana. É a melhor data. — Agnes segurava a folhinha do calendário numa mão e o cigarro na outra.
— Por que na lua minguante? — perguntei
— É a melhor lua para banimento, magias para encerramento — uma menina com uma voz poderosa para o tamanho que possuía falou. Ela e tinha os cabelos com mechas coloridas, muito magra e branca como quem não pega sol nunca. — Para aqueles que seguem Hécate, como eu e Óscar.— Apontou para outro rapazinho, um pouco mais alto e corpulento também branco pálido. — É como ter nossas forças ampliadas. Já as outras, talvez precisem se esforçar mais.
Algumas das bruxas ao ouvirem aquilo se irritaram com o casal e um bate boca se iniciou. Preferi me afastar um pouco antes que sobrasse para mim.
— Wiccan são tão presunçosos. E tão previsível com toda essa coisa de lei tríplice, eterno retorno. Essa patacoada de deuses como se fosse um joguinho de baralho, RPG. " Meus deuses são mais fortes" Patéticos.
O jovem, talvez um pouco mais velho que eu, cor de pele mais escura que a minha, e cabelos trançados resmungo perto de mim. Ele era bem alto e forte. Quando olhei para ele, ele piscou um do seu eu olho cor de mel para mim. E sorriu. Ele tinha um sorriso incrível.
— Você não concorda? — ele perguntou
— Não sei o que dizer... mas você também não é um wiccan?
— Sou um caoísta.
— Cao... quê?
Ele ergueu os ombros como quem diz " quem sabe" e apontou para o meu peito.
— Esse seu colar é muito bonito. Nunca vi uma pedra brilhar tanto assim. Onde encontrou?
— Herança de família.
— Imagina todo o poder que deve ter concentrado aí. Quanto você me cobraria por ele?
— Nem se anima muito, já tentaram levar ele de mim desse mesmo jeito e não deu muito certo.
— Não me diga... perdeu a mão, ficou louquinho?
— Sim, louquinho por mim... completamente — brinquei.
— Não me parece algo difícil.
— Pois é, agora ele é um homem morto.
Agnes acabou com a discussão entre o grupo. E quando todos prestavam atenção declarou:
— Guardem a energia para sexta-feira. Vamos precisar e além disso, confiar nos outros. Se não for assim, melhor nem tentar. — Então ela veio na minha direção.— Sua proteção e barreira mágica é por nossa conta, mas você precisa mais do que isso.
— Os vampiros
— Vampiros não. Só conheço um ou outro forte o suficiente para não sucumbir aos comandos de um necromante.
— Vou falar com o Eric.
— Ele sabe, por isso te mandou para mim.
— Ok. Até sexta-feira vou pensar em algo.
— Tente não usar seus poderes para nada essa semana. — assenti — É melhor mesmo ter pessoas dispostas a lutar, se não será um massacre.
Dali voltei para casa do Eric. Querendo ou não, a mente de um vampiro de mil anos era muito mais trabalhada em manipulações e planos maquiavélicos que a minha. E uma das coisas que ele levantou foi que a necromante poderia ter contatos na polícia, e deu seu jeito de me esconder. No mesmo dia que cheguei, ele pagou alguém para levar de volta o carro da irmã Margareth e pediu para Bruce analisar as implicações que poderia ter por ter "fugido".
Ele também já sabia dos riscos que era ter vampiros naquela empreitada, por isso somente ele e Devon, o segundo vampiro mais velho da área 5, eE Buba, que eu nunca ouvi falar até então, iria participar. A criança de Eric, minha enteada se forçasse a barra, foi bastante efusiva em sua raiva ao ser deixada para trás.
— Por que está fazendo isso, Eric? Ela não vale nada disso.
— Não é sobre ela.
— Claro que é! Por que mais você se meteria com uma necromante? Se você está enfeitiçado por essa víbora, me diga, eu mesma posso entregá-la para você. Posso quebrá-la em mil pedaços, é só desejar.
— Não.
Pam não estava muito convencida e veio na minha direção. E Eric a interceptou antes que agarrasse meu pescoço.
— Como seu criador, ordeno que não se meta nesse assunto, Pamela. Vá para casa, e espere meu retorno.
Naquela mesma noite, Eric ligou para os lobis:
— Toda vida jovem e saudável morta é uma perda inestimável para minha espécie. — Calvin Norris falou em viva voz. — Mas não vou ordenar ninguém a entrar nessa batalha. Aqueles que quiserem irão participar. Até o fim de semana você tem sua resposta, vampiro. — e antes de desligar, completou: — Avisa a sua humana que nós lobis temos palavras, ela cumpriu a parte dela do acordo, cumpriremos a nossa.. Não se preocupe com Stela, ela não será uma pedra no sapato.
E depois disso, não tinha mais nada que pudesse fazer a não ser esperar. E a semana passou devagar, às vezes eu queria desistir de tudo, fugir para o salão do tempo e ficar lá até não sobrar resquícios dessa civilização. Outras queria me antecipar, usar do meu poder e acabar logo com aquilo.
E eu evitava o vampiro o máximo que podia. Quando ele acordava eu ia para meu quarto e só saia quando ele não estava mais em casa. E como ele não ficava muito em casa, só voltava perto do amanhecer, não foi difícil. Mas isso durou até quinta à noite. Tinha percebido que era tudo ou nada, e talvez não houvesse um depois... Naquela noite esperei por ele na sala, sentada em sua poltrona, e quando ele saiu do quarto, disparei:
— Não quero perder meu coração. Não quero que ele seja devorado. Não quero uma morte dolorosa e traumática. Não quero mais ser enganada... só uma vida calma ... é tudo o que quero.
— Eu sei.
Ele se colocou na posição que eu mais gostava, de joelhos na minha frente e deitou a cabeça em meu colo enquanto acarinhava seus cabelos.
— Só essa noite, me faz esquecer essa merda toda — ordenei puxando os cabelos dele.
Talvez tenha sido no amanhecer, ou um pouco depois, não dava para saber nada naquele quarto sem janela, se não apenas pelo estado sonolento do vampiro, estávamos deitado nu, seus braços e pernas sobre mim, minha cabeça abaixo do pescoço dele, acho que o ouvir dizer:
— Eu te amo.
Mas poderia ser qualquer outra coisa, ou apenas um sonho que tive.
† † † † † †
Quando anoiteceu completamente, eu e mais onze humanos, que até o início daquela semana não imaginaria o que eles faziam, entramos em um galpão abandonado na parte sul da cidade e os lobis que iriam ajudar vieram atrás. Dentre eles estava o próprio Calvin Norris. Eric chegou com Devon, e os dois pareciam tensos.
— Todos aqui entendem a importância da discrição ... — Eric deu um olhar significativo para todos, e continuou: — E em hipótese alguma chame por outro nome o vampiro que iria entrar. O nome dele é Buba — e falou diretamente para Devon: — Pode buscá-lo. Peça para Bill se afastar imediatamente.
Devon saiu, e quando retornou o vampiro que veio com ele, deixou a boca de todos mundo que conhecia o rosto do homem de Memphis de boca aberta. Camisa branca e jeans, Elvis Presley, em carne e osso, morto vivo, se juntou aquela empreitada. A curiosidade de como aquilo aconteceu com certeza pipocou na cabeça de todo mundo, mas ninguém falou nada.
Quatro das pessoas que entraram comigo, inclusive o rapaz do sorriso bonito e ousado, se direcionaram para um canto do local. Curiosa para entender qual era a arte que ele praticava, observei de longe com medo de atrapalhar. Com um carvão, o jovem fazia dentro de um círculo linhas e traços na parede, parecia bastante concentrado.
— Minha amada parece muito interessada naquele ocultista... algo a incomoda?
— Não... mas você sabe o que é aquilo que ele está fazendo?
— Um sigilo. É a forma dele concentrar a magia ou intenção. Estão selando o lugar. — Agnes e o casal seguidor de Hécate faziam algo parecido, entoando cânticos e desenhando no chão. — De agora em diante ninguém sai até tudo terminar.
Alguns dos praticantes de magia precisavam do estado de consciência alterado, portanto era natural que algumas das ervas queimadas nos incensários e velas deixassem o ar carregado e tinha um monte delas espalhadas. Uma das ervas queimadas era a lotus azul, reconheci seu cheiro, que era até suave sem outras combinações.
Assim que os quatro terminaram, voltaram para o grupo que fazia uma porção. Alguém foi ousado em sugerir usar sangue de vampiro para potencializar o efeito, mas Calvin Norris foi enfático na negativa:
— Essa merda não.
— Como se eu quisesse compartilhar qualquer coisa com um sarnento desse — Devon resmungou, de um jeito que só eu ouvi.
— O sangue de vampiro é mais forte e age mais rápido... e sem a lua cheia a transformação...
— Vamos confiar nos seus vodus, Agnes. Mas nem eu e nem meus homens iremos nos drogar.
Vi Agnes revirar os olhos, assim como ela, eu partia do princípio que momentos extremos, medidas extremas, mas entendia a recusa de Calvin também. Beber o sangue de um vampiro significava dar poder para ele.
Uma das bruxas deu a Eric e Devon um amuleto para cada.
— Sei que prata não é algo do gosto de vocês, então coloquem no bolso ou em qualquer lugar. Mas usem. Não podemos correr o risco de vocês serem controlados. Principalmente você, grandão.
Isso tudo, levou menos de 1h, e quando a lua coroou no alto do céu, conforme orientada, sentei-me no meio de um círculo mágico que ampliaria minhas habilidades, segurando, pela a lâmina negra, uma adaga grifada em seu cabo com símbolos desconhecidos por mim. Ao meu lado, fora do círculo, os três vampiros me protegiam.
E escondidos em algum lugar do galpão, protegidos pelo lobos, as bruxas e ocultistas isolavam o local para evitar a presença de outros humanos, e mantinha a selagem semi aberta. Depois que a necromante chegasse, ninguém entrava e nem saía.
Dessa vez busquei dentro de mim somente as dores que senti, e deixei todas elas vierem à tona para me machucar, é só então, pelos meus lábios, a canção da dor saiu gradativamente aumentando até não ter nenhuma alma daquele lugar tocada. Não demorou muito, e o ar gelou, o medo palpável e o silêncio do mundo.
Ela estava próxima.
As luzes de velas oscilaram, e em instantes tudo ficou escuro e quando as luzes retornaram a necromante estava na minha frente, como um cão farejador de quatro, me encarando com seus olhos castanhos brilhando em tons de dourados. Tons que ela tinha roubado.
Não foi nenhuma surpresa descobrir que Dália, a mulher que me abordou em Oklahoma, fosse a responsável por todo aquele caos.
— Você ressoa como algo que procuro, mas não passa de um humano. Eu testei você... várias vezes
Com o olhar periférico, vi que a batalha havia se iniciado. Os vampiros pareciam levar a pior na luta contra corpos sem vida, controlados por algumas das aprendizes dela. E ouvir também os grunhidos e rosnados preencher o lugar.
— Como isso é possível? — ela perguntou por fim.
Dei de ombros. E sem pestanejar, apertei a lâmina contra minha mão, cortando a carne e fazendo o sangue verte sobre os encantamentos desenhados no chão.
E não houve um grande clímax, foi até um pouco decepcionante como tudo terminou.
Agnes tinha tido uma visão no dia que decidimos essa batalha. " Pelo sangue unido, o corvo preso, está salvo. Pelo sangue em fogo, libertado" não contei para ninguém, mas sabia, no âmago sempre soube, o que significava.
A minha prisão foi também a minha salvação. O laço de sangue entre eu e o vampiro, cada vez mais reforçado ao beber dele, atrasava minha transformação, fazendo a minha "camuflagem" humana mais forte, me tornando mais fraca. E por isso, somente por isso, o medo que ela trazia era tão forte, e eu resistia ao chamado. O medo foi minha força.
Então, perguntei a Agnes se existia alguma forma de quebrar um laço de sangue entre um vampiro e humano, e para minha surpresa, havia vários, inclusive os vampiros tinham suas próprias magias para isso. E Eric conhecia. Decidi não me ressentir, pois, no final, também estava viciada naquele poder, presa naquela relação simbiótica nociva entre nos dois.
Mas deixei o sangue cair no encantamento, encantamento que para me fortalecer precisava matar minha parte humana e quebrar o laço entre eu e Eric. Em meu peito, o fragmento do meu coração esquentou tanto que parecia que a qualquer momento se fundiria como a minha pele. E em minhas veias, o fogo corria desintegrando o que era do vampiro em mim.
A ladra percebendo a mudança em mim, entrou no círculo. Quis aproveitar o momento de fraqueza. Agnes estava certa, ela não era tão esperta e estava desesperada. Eu também estava, e no reflexo enfiei a adaga no abdome dela.
E o fogo lambeu tudo dentro do círculo.
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