39- o sol é a cura do mundo


Era a minha primeira vez na casa do Eric.

Pam havia me levado lá no carro dela contando apenas com a sorte e foi o que bastou. Ao chegarmos, o carro pifou de vez; e ela só soltou um " uh". E tirou da bolsa o controle remoto para abrir a garagem da casa do seu mestre.

Ele morava num condomínio, numa área afastada de Shreveport, com portões altos e seguranças, e sua casa era a única de alvenaria do lugar. Talvez fosse o medo de colocarem fogo enquanto dormia, e fogo e vampiro não eram uma boa combinação, ninguém era para falar a verdade, mas a pele dos vampiros era altamente inflamável. E mesmo havendo enchentes as vezes, a casa dele tinha um porão onde ele certamente dormia. O fato dela estar no alto de uma colina ajudava.

Ela pediu para que eu deixasse os sapatos na porta da cozinha, cozinha em tons claros e que só tinha uma geladeira para manter o sangue sintético fresco e o micro-ondas para esquentá-lo, e ao passar para sala me espantei que as paredes não eram vermelhas. Elas eram azul safira e o teto e o chão branco cintilantes.

Eric estava na sala, sentado numa das enormes poltronas, como todo o mobiliário dele, que era grande e largo, perfeito para acomodá-lo. Assim como a cama, que ele comprou para mim, que só vim descobrir que era tão grande para acomodar bem o vampiro quando ele enfim dormisse nela. A presunção dele me enervava. Foi o que eu disse quando ele me contou isso.

Pam voltou para a cozinha e eu fiquei parada encarando o vampiro que parecia selvagem com os cabelos bagunçados. Cabelos que eu gostava de deixar daquele jeito. Mas fingi não me abalar, eu não era uma adolscente na puberdade para que os hormônios falassem mais alto que meu bom senso. Apesar do acidente, e de sua voz preocupada, estávamos brigados por culpa dele e se ele não me pedisse desculpa por descontar em mim suas frustrações, por mais que doesse , eu sairia daquela casa disposta a esquecê-lo.

Ele se levantou da poltrona e veio na minha direção. As mãos mornas correram pelo meu cabelo e rosto e ele me puxou para um abraço que poderia quebrar minhas costelas de tão apertado.

— Você está bem, não está? —E me soltou, olhando de cima a baixo. — Claro que está. Minha doce Lara é resistente , não é?

— Sua doce Lara ta azeda. É culpa sua, alias, me tratou feito um lixo. — Ele me olhou de um jeito engraçado, acho que não esperava essa resposta. — E se for só isso que tem para dizer, vou embora. Minha cabeça está me matando.

— Me dá uma chance de me redimir e provar que posso ser mais gentil com você do que fui, amada.

Amada?Aquilo me balançou, mas não cai no papo dele não.

— Só se você me contar o que está acontecendo. O meu acidente, você realmente não sabe o que era aquilo? E essas mortes, é por isso que você está tão pilhado? Eu to correndo perigo?

— Respira, vou te contar. — Ele me puxou para o alto, eu enlacei as pernas na cintura dele. — Deixa eu te abraçar mais um pouco.

Pam voltou da cozinha, bebendo sangue sintético, interrompendo nosso beijo de reconciliação, e nos sentamos nos sofás.

— Desde o começo do ano— Eric disse— esses assassinatos estão acontecendo em todo o país. Mas havia um espaço de tempo e uma grande distância geográfica entre os corpos encontrados, sem falar no ocultamento dos corpos por magia. O que fez com que a polícia humana não reconhecesse as similaridades entre os casos. Há pouco mais de um mês, começou em Shreveport.

— Magia negra?

— Obscura — Eric me corrigiu — E seja lá quem está por trás disso, está com pressa e fraco, a magia não está tão forte a ponto de camuflar mais os crimes.

— Se a comunidade sobrenatural sabia disso, se você sabia disso, porque não fez nada antes?

— É claro que fiz algo, há um forte indício que necromantes estão envolvidos nesse caso, e também sabia que quando a mídia descobrisse seria péssimo para os negócios — E a irritação dele aflorou, tentei não me ressentir pelo descaso de Eric pelas vidas humanas perdidas. — Coloquei alguns dos melhores rastreadores da minha área atrás de pistas, até dividi com a polícia algumas das descobertas, mas não tenho controle sobre nenhum assassino para fazê-lo parar ou cometer seus crimes em outro lugar.

— O corpo achado ontem, — disse Pam— o sexto aqui da região, era de um dupla natureza. Era um jovem de 21 anos completo. Ele não era da cidade, tinha sido aceito pela matilha de Shreveport recentemente.

Vampiros não podem sentir dor de cabeça, acho, mas o jeito que Eric levou a mão à testa naquela noite, me fez questionar se era possível que ele estivesse com uma crise de enxaqueca.

Além dos negócios, Eric tinha a responsabilidade de sherife pesando nas suas costas, e pelo jeito, não eram só investigações humanas que estavam deixando ele daquele jeito, bruxas envolvidas sempre tira a paz dos vampiros, principalmente bruxas que mexem com os mortos, e também tinha os lobisomens de Shreveport entrando em seu território para investigar. Sabendo de tudo isso, quase me senti mal por ter ficado com raiva. Quase.

— E quantos corpos são ao total?

— Até o momento, vinte e um.

— Vinte e um? — repeti o que Pam disse. — não vejo nada místico nesse número, será que o assassino só é obcecado com esse número? Se for, talvez ele tenha chegado ao fim das mortes, não? — Pam e Eric se entreolharam, e na hora percebi que estava muito longe de acertar qualquer coisa referente àquele caso. — Vocês acham que vai ter mais mortes?

— Acredito que sim — Eric disse. — Como também acredito que deve ter mais corpos por aí. Era uma magia poderosa as que sentimos nos primeiros corpos, e talvez alguns nunca sejam encontrados.

— Por que você acha? — Ele deu de ombros, e deixei para lá, quando ele quisesse falar, ele falaria. — O meu acidente hoje, tem alguma coisa a ver com essas mortes?

—Você tem 21 anos... não dá pra desconsiderar essa possibilidade — Pam respondeu.

— Só para variar, minha cabeça tá a prêmio por algo totalmente fora do meu controle.. — Resmunguei jogando todo o meu peso contra o sofá. — Espero um dia ter um pouco de paz ou fazer algo para merecer isso.

Assim que Pam foi embora, em um carro alugado, me levantei e dei mais mais atenção a decoração da casa: havia muitas cores fortes, como as cores das almofadas em verdes, vermelhos azul e amarelo, os móveis eram entalhados e próximo a um espelho emoldurado com gravuras de runicas havia um aparador onde algumas pedras diferentes estavam expostas. Olhei para ele, e sorri. Ele não tinha mentido sobre colecionar pedras bonitas

— Meu pingente não está aqui. — Apontei com a cabeça o aparador.

— Está em outro lugar.

Eric me chamou para me juntar a ele na poltrona que ocupava. Ele mordeu o braço e me ofereceu depois que me acomodei em seu colo sentindo minhas costas doerem.

— Amanhã vou tá melhor.

— Mas está com dor agora, como faremos sexo assim?

— Se você for gentil, dá

E como resposta a minha brincadeira recebi uma leve erguida de sobrancelha.

— Minha amada parece desconhecer a intensidade dos próprios desejos, sendo ela a primeira a pedir para ser mais bruto todas as vezes .

Dei uma tapinha em seu braço, que estava cicatrizado, e o beijei.

— Agradeço a oferta, mas prefiro manter nosso laço desse jeito. — Ele não gostou do que eu disse, mas não insistiu. — O que tem pra comer nessa casa?

Não tinha muita coisa, um saco de aveia velho e biscoitos murchos, fazia tempo que ele não recebia humanos em casa, então ligou para o faz tudo , que levou frutas e outras coisas enquanto eu tomava banho. E só debaixo d'água percebi que estava menos dolorida do que quando cheguei. Meu processo de cura estava cada vez mais acelerado.

Acordei no quarto do Eric, a escuridão daquele lugar, sem janelas, parecia pesar o ar, e tocar no vampiro, dormindo, completamente gelado e duro foi assustador até meu cérebro entender que era normal e perceber que dormir, e principalmente, acordar ao lado dele foi uma das provas mais sinceras do seu apreço e confiança por mim.

Assim que saí, a porta trancou automaticamente por dentro, subi as escadas até a cozinha. Depois do café, peguei o carro dele, passei em casa para buscar algumas coisas minhas, eu ficaria na casa dele por uns dias até as coisas se resolverem, e fui pagar minha dívida com a Pam.

Mesmo com as mortes acontecendo, a vida continuava. A maior prova disso era que naquele fim de semana recepcionaríamos uma cerimônia de casamento para sessenta convidados. Confesso que apesar da curiosidade, não estava nenhum pouco animada.

Corríamos de um lado para outro, juntos à equipe de profissionais contratados pelos noivos, para dar conta da organização do salão e da decoração, os noivos, que haviam se conhecido no bar, apesar de vampirófilos optaram por uma cerimônia mais tradicional, e a noiva usaria branco e seu buquê seria de rosas vermelhas.

Por uma questão de segurança, eu ficaria dentro do salão, responsável pela mesa de bebidas. Belinda ficou na recepção e Ginger coordenaria os garçons contratados dentro do salão que ela conhecia melhor que todo mundo. E as 18h em ponto, os convidados começaram a chegar, alguns reconheci por serem clientes costumeiros, outros nunca tinha visto a fuça, talvez fosse amigos e parentes dos noivos.

Todos acomodados, Eric se colocou na frente do altar improvisado, vestindo uma túnica preta que o cobria até os pés com capuz e aberta no peito , ele seria o celebrante, uma vez que era ordenado de uma igreja, e antes de dar o sinal para começar a cerimônia piscou para mim.

Mais tarde, quando estivéssemos sozinhos, eu pediria para ele usar aquela túnica de novo.

O bar nunca foi um lugar muito sofisticado, mas conseguimos deixá-lo romântico e elegante. Eu até cheguei a fantasiar com o meu próprio casamento, mas foi algo breve e doloroso.

Eu e Eric nunca iriamos nos casar, além de ilegal, não conseguia ver aquele futuro para gente. E ao olhar para o sorriso bobo e olhar apaixonado do noivo quando a noiva entrou, fiquei um pouquinho mordida de ciúmes, até perceber que Eric me olhava também com carinho.

Naquele momento, aquilo me bastava.

E a cerimônia ocorreu sem problema algum, os noivos dançavam animadamente pelo salão junto a alguns convidados. Eric e Pam conversavam com alguns convidados vampiros enquanto Chow, ao meu lado, só rosnava para cada humano que dirigia a palavra a ele.

Os humanos ficaram temerosos de voltar, o que diminuiu bastante meu trabalho, e eu me diverti, pois no fundo, Chow não ligava o suficiente para eles nem para assustá-los de verdade. Era só parte do personagem.

— Aquela mulher não para de te olhar — Disse ao vampiro, vestido uma camisa social branca que deixava parte das tatuagens à mostra. Ele estava muito mais gato do que já esteve antes. — Tenho certeza que ela ficaria muito feliz em ser sua bebida hoje.

Ele olhou para ela com tanto desprezo, que eu me senti mal por mostrar, mas a mulher pareceu mais empolgada ainda. E Chow disse:

— Talvez eu a experimente essa noite. Ela parece gostar do que tenho para oferecer.

Tentava não julgar mais as pessoas pelos seus desejos, mas se Eric tivesse me olhado daquele jeito eu ficaria muito irritada, talvez a palavra certa fosse magoada. Acho que meu maior fetiche era ser tratada com gentileza mesmo.

— Lara, pode assumir meu lugar rapidinho, preciso ir ao banheiro? — Ginger pediu.

— Claro. — Peguei a bandeja dela e fui servir os convidados. E ao passar pelo canto do salão, uma vibração estranha me chamou atenção. Os convidados daquela mesa, quatro rapazes e duas moças, não pareciam se divertir. Eles tinham um olhar ansioso e irradiavam medo. — Oi, precisam de alguma coisa? Se quiser, pode pedir que trago, sei que o japonês* ali parece assustador, mas garanto que ele não vai morder ninguém... hoje. Desejam?

Eles negaram, e segui fazendo meu trabalho, ignorando aquela sensação na boca do estômago. Ao passar por Eric, sentando em seu trono, ele me segurou pela mão.

— Está tudo bem, amada?

— Acho que sim, só uma coisa aqui — Apontei para meu estômago e eric riu . — Eu não tô com dor de barriga.

Então, ele me sentou em um dos bancos ao seu lado, lugar reservado para as pessoas e vampiros que vinham conversar com ele de forma mais formal, e ficamos ali conversando sobre nada muito sério enquanto lutava contra aquela sensação ruim. Por fim, me levantei, trabalhar era melhor para não pensar muito no que aquilo significava. E esse foi meu erro.

Se eu tivesse prestado atenção a minha intuição naquela noite, a tragédia que se seguiu, teria sido evitada.

Assim que me levantei fui atender a noiva que estava numa mesa próxima. Ela estava agarrada ao braço do seu marido super sorridente, e pediu um copo com soda.

— Caryl Anne está ainda com medo de cair por causa da cauda do vestido, por isso não está bebendo — o noivo gritou sobre a música que tocava completamente eufórico de felicidade e bebida, e seguida olhou para noiva e gritou. — Ta tudo bem, Caryl Anne, você já desfilou por esse salão e não caiu, e não tem problema, porque agora você esta comigo eu não deixo voce cair. Vamos brindar ao modo antigo.

Ele ergueu a taça com champanhe, sendo seguido pelas pessoas envolta, e Caryl Anne aproveitou a distração dele para para manter o pedido, não era o medo de cair que fazia com que ela não bebesse nada alcoólico, e sim a fonte daquela energia suave, quase como uma cosquinha, que vinha do seu ventre. Pisquei para ela, entendendo perfeitamente a escolha da futura mãe.

Quando me aproximava do bar, olhei de novo para a mesa do canto, os seis integrantes levantaram e caminharam cada um para um lado do salão, foi quando o mais alto e mais magro do grupo me chamou atenção, aquele rosto não me era estranho. Voltei meus olhos para a noiva, e depois olhei em direção ao Eric. Ele mexia no celular, distraído, não percebeu o jovem se aproximando; um arrepio percorreu meu corpo.

A compreensão do que aquilo significava veio tarde demais para mim.

Foram segundos, meus olhos assustados pularam do jovem para o Eric que captou minha mudança de humor repentina e acompanhou o meu olhar em direção ao jovem. Um deles gritou " O sol é a cura do mundo!" E tudo depois foi o caos.

Não sei qual foi o primeiro homem bomba, enviado pela sociedade do sol, que explodiu. só que estava próxima de um e voei, batendo na prateleira de bebidas e caindo atrás do balcão do bar coberta de sangue. Junto às bombas, os terroristas explodiram também correntes de pratas. Chow, que estava ao meu lado, foi atingido pelo impacto e por um dos fragmentos do metal direto em seu coração. O sangue que me cobria foi tudo o que sobrou dele.  

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