36- EU NÃO QUERO ME APAIXONAR
Que jogo doentio de se jogar, me fazer me sentir assim
Que coisa doentia de se fazer, me permitir sonhar com você
Eu não quero me apaixonar
Por você
Wicked Game-Chris Isaak
Era até estranho acordar na minha própria cama depois de tantos dias fora. O que não me era mais estranho era que depois de tudo, o meu primeiro pensamento fosse o Eric.
E se fosse verdade mesmo que ele era o tal do Leif, o que eu sabia que era, só não queria que fosse, então, os sonhos não eram apenas sonhos... E todo aquele tempo invejando, fantasiando, desejando receber do homem dos meus sonhos um décimo do que ele dava à Acácia ...
Mas não eram as lembranças dele, eram as da Acácia. E se ela não podia ter filhos; então, nossa ligação não era por parentesco.
Isso de certa forma era uma coisa boa; pois se fosse, eu seria algum tipo de parente do Eric. E eu tinha o beijado obscenamente... mas então só sobrava uma hipótese... e eu não sabia se gostava dela também...
Que jogo doentio era esse que estava jogando?
Ainda não era nem metade da tarde, peguei o celular e mandei uma mensagem para meu chefe pedindo para que ele viesse na minha casa assim que acordasse. Iria ficar ali, esperando por ele... não tinha condições de trabalhar e merecia uma folga. A viagem tinha sido, de muitas formas, cansativa e eu certamente não era a mesma pessoa de antes. Nunca mais seria, pois agora eu sabia que era capaz de matar e, o pior, não sentir culpa.
Que tipo de ser Acácia era? No que eu estava me transformando?
E foram exatamente essas perguntas que fiz quando o vampiro apareceu na minha casa às duas da manhã, depois que eu reclamei do horário e ele me respondeu " alguém tem que fazer dinheiro".
— Matar Blanck não faz de você um monstro — Eric respondeu. — E não sentir remorso por isso significa que você tem a cabeça no lugar. Sobrevivência é isso.
— Não foi bem assim, você sabe..
— E no que muda você ter espatifando a cabeça dele no chão ou ter torcido o pescoço; senão ter feito por mim? — E ele ressoou em mim orgulho e comovido. — É o que te incomoda de verdade...
— Não... — murmurei uma mentira.
— Você está viva; ele, morto. O que é, ao meu ver, muito melhor. — Ele deu enfim alguns passos para dentro do meu apartamento. — Você se lembra? — Eric perguntou, me puxou para um abraço do qual me soltei dando um passo para trás.
— Me lembro do quê exatamente?
— De nós. Do passado.
—Não.
Peguei distância dele, sentado numa das poltronas. Ele seguiu meu exemplo sentando na da frente, e logo em seguida me levantei e me pus a andar de uma lado para o outro, e continuei:
— Quer dizer, talvez... eu não sei. Eu... Acácia. Antes era só uma hipótese, agora... eu não sei. Reen... — Nem consegui terminar a frase. — É possível? — Balancei a cabeça em negação.— Esquece... O que Acácia era?
— Não sei.
— Mas vocês tiveram um lance... uma coisa bem intensa. Não é possível que você não saiba.
— Então você lembra.
— Isso não importa.
— Importa sim.
— Não.
Eric se levantou e me segurou pelos braços, fazendo-o encarar pela primeira vez desde que chegou. Encarar aqueles olhos azuis nunca foi tão difícil quanto naquele momento.
— Para quem você está querendo mentir, para mim ou para você?
Meu coração batia tão forte e rápido, meus pensamentos também seguiam um fluxo insano. Eu realmente queria sentar e chorar.
— Eric, por favor...
— No seu tempo... O que você sabe então? — Neguei com a cabeça. — Como quiser. Seria bom ter algo para beber...
Apontei a geladeira com a cabeça. Ele foi até ela, pegou uma garrafa de True Blood, esquentou no microondas e se sentou. Foram 5 minutos muito longos. Por fim também me sentei.
— Foi um ano antes de ser transformado — ele disse. —Minha excursão pela costa do mediterrâneo tinha sido um sucesso e voltávamos mais ricos do que quando chegamos. Infelizmente, fomos pegos por uma tempestade e perdemos muito: suprimentos, homens e a rota. Ficamos semanas à deriva esperando um vento, qualquer que fosse, quando chegamos em katafyigio.
" A princípio achamos que era uma miragem, a ilha sumia e aparecia diante nossos olhos, surgia como punhado de rochas e depois bela imponente com sua costa verde. Sabíamos que não era um lugar comum, poderia ser a morada de uma divindade não conhecida, um deus raivoso, mas segui meu coração desesperado e intuição, e assim que aportamos fomos recebidos com a mesma desconfiança que nutríamos, mas não nos negaram o socorro.
" Ao longo dos dias, percebemos que grande parte dos habitantes pareciam vir de todo canto, era um oceano de cores e sotaques diferentes, mas falavam a língua comum, então não foi difícil nos comunicar e fazer amizade. Eles haviam chegado da mesma forma que a gente ali. Meus homens estavam seguros e alimentandos, mas temiam o conforto daquelas terras. Temiam nunca mais voltar para casa. "
"Ouviamos muito rumores sobre a Senhora Imaculada, a soberana protetora daquele povo, a que não recusava abrigo aos corações desamparados, a virgem que geraria outra virgem. Marcamos uma audiência e saímos todos maravilhados ao entrar naquele palácio coberto de ouro e outras jóias preciosas. Ela comprou todos nossos escravos por um ótimo preço e os libertou em seguida, oferecendo a eles abrigo ou passagem segura de volta para casa. A ambição deve ter tomado o coração de muitos dos meus homens. Do meu certamente tomou."
"Desejei como nunca antes a bela mulher de pele alva e olhos negros, tão negros como a noite mais escura. Desde que a vi em pé, parada ao lado da senhora daquelas terras, minha ambição clamou por ela E nem tinha visto seu rosto direito. E ela também foi receptiva a mim. Passamos a nos encontrar, jurar amor... até descobrir que ela era a tal Senhora.
— Acácia? — perguntei apenas para pontuar o óbvio.
— Sim. Fomos descobertos, fui preso, sentenciado à morte e meus homens foram expulsos. Achei que seria o meu fim, mas não me arrependi. Faria tudo de novo. Mas Acácia se rebelou, veio ao meu socorro. Ela estava decepcionada com seu povo, de certa forma. E iríamos fugir juntos, mas não conseguimos. Fomos emboscados mais uma vez, eu fui jogado ao mar, perdi o presente que ela me deu, e ela... ela foi levada de volta. E quando consegui retornar para buscá-la, era tarde. Toda a ilha estava sob cinzas.
Em silêncio, absorvia aquela história. Nosso vínculo me permitiu saber que ele carregava um pouco de culpa. E a imagem dela queimando de dentro para fora parecia mais assustadora ao me dar conta que esse poderia ser meu fim também.
— Você sabe como ela morreu?
O olhar que ele me deu fez parecer que não estava confortável com aquele assunto.
— Não, nem achei que eles chegariam tão longe, mas...eu realmente tentei salvá-la...
— Não foi o suficiente. — Havia muito ressentimento em mim, uma solidariedade pela mulher morta maior que imaginei poder sentir. — Desculpa... eu não deveria dizer essas coisas. Não estava lá para saber.
— É nisso que você quer acreditar?
— Haviam boatos, você disse... — o cortei
— Muitos. O que sei é que Acácia era excepcional. Sensitividade; força física, apesar de raramente usá-la, e uma capacidade regenerativa invejável. Ela me devolveu a vida uma vez, e me curou outra. As outras coisas, não sei se eram fábulas ou só exagero. Mas ela afirmou que tinha poder de mudar o destino das pessoas... que tinha mil e vinte um anos e que viveria ainda mais, porém...
— Mas ela nunca disse o que era.
— Naquela época, as pessoas eram mais simples, aceitavam com mais facilidade a presença do estranho, muitos até afirmavam que caminharam com o divino. Eu a aceitei como era sem nunca questionar. Algo que eu não deixaria passar hoje.
— Sei....O fato de vocês não conseguirem tirar a mão um do outro também ajudou, né?
— Algumas paixões são mais fisicamente intensas que outras.
Aquele olhar, as lembranças daquele beijo no fosso, as lembranças dos sonhos... eram demais para mim. Por que, de todo mundo, justo ele ... justo eu? Levantei de novo, a casa parecia tão pequena... e meus medos tão maiores. O que aconteceria agora? O que eu faria com os sentimentos que já estavam em mim há mais tempo do que eu poderia imaginar? Eu não queria me apaixonar... por ele.
— Vamos dar uma volta!
E desprevenida, fui pega pelo vampiro no colo e saímos voando janela a fora. Agarrei-me a ele como bebê coala se agarra em sua mãe e meu coração e mente se acalmava enquanto sobrevoamos Shreveport com suas luzes noturnas brilhantes. Eric era a razão da minha agonia e de uma forma torta era o alívio também.
Eu estava completamente ferrada.
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