19- DIA DE SORTE
Despertei atordoada com minha cabeça latejando.
As poucas luzes do lugar estavam viradas para as paredes, me deixando ver apenas as silhuetas das coisas na penumbra. Meu coração estava a mil, à minha frente, amarrado em uma cadeira, sem camisa e com a cabeça pendendo para o lado, Taylor estava desacordado.
— Taylor— sussurrei—, Taylor...
Nada em resposta. Suspirei, e com toda a calma que tinha, que era bem pouca, tentei me situar onde estava, e seja lá o que fosse aquele lugar, ele parecia sujo, isolado e perigoso. Havia cheiro de ferro no ar, cheiro de sangue, igual eu sentia nas minhas memórias.
Testei as minhas amarras, e elas estavam bem apertadas, mas como um pouco de esforço eu conseguiria me soltar. Foi o que pensei de mais positivo naquela hora.
— Lara, você tá bem? — ele sussurrou de volta, a voz meio grogue
— Sim, e você? Você está muito machucado?
— Eu to bem, me desculpe, Lara, eu não quis colocar você em risco.
— Quê?
— Me desculpe.
— Blanc, o casalzinho acordou.
Um homem parou ao nosso lado e acendeu a lâmpada industrial, que balançava, ora jogando a luz em mim, ora no Taylor. O homem era baixinho, troncudo e sorria. Tinha um aspecto esverdeado e pegajoso. Eu e Taylor trocamos olhares, ele movia os lábios: "me desculpe" e "fica calma". Bom, eu até estaria calma se não estivesse presa com a mistura do Danny DeVito do mau com uma tartaruga.
— Boa noite, garanhão. Aqui.— Ele bateu no ombro de Taylor. — Belo show aquele que você estava dando no estacionamento, se quer saber, por mim eu deixava você chegar até o fim..— Moveu os quadris sugestivamente. — Sacanagem atrapalhar um lance desse, no seu lugar eu ficaria muito puto ... mas o chefe tá sem paciência hoje.
— Olha, vocês cometeram um engano — Taylor disse— tenho certeza disso. Solta a gente...
— Cara, até queria, mas o chefe... bom, pelo menos ele vai ser rápido. Deram sorte.
— Sorte? Isso parece sorte pra você? — Aproveitei para balançar a cadeira e testar as amarras dos pés. Estavam tão firmes quanto as das mãos.
O homem baixinho se aproximou de mim, jogando seu hálito fétido em meu rosto. E seus olhos, escuros e opacos, piscaram como olhos de répteis. Oh, meu Deus, outro sobre humano, de novo...
— Humana, cala a boca e agradeça... as ordens é pro Blanc retalhar, mas ele ...
— Já preparou meus instrumentos, Lewis? — A voz ranhenta que veio de atrás de mim, interrompeu o discurso motivacional do baixinho.
Os dedos pegajosos do dono da voz passearam por meu couro cabeludo. Cada milésimo de segundo que passava, fluia por seus dedos uma tonelada de sensações aterrorizantes como se estivesse impregnado de dor e de medo, de morte de outras pessoas. Só queria que aquilo parasse. Não sei explicar como soube, mas soube, que ele também não era humano. E que eu e Taylor estávamos ferrados.
— Claro, irmão, tudo certinho — respondeu o baixinho.
O Dono da voz segurou meus cabelos, que naquela altura estavam soltos e bagunçados, forçando minha cabeça para cima.
— Mas você já tá chorando, humana?! — O homem me encarava. Assim como seus dedos, ele tinha uma aparência pegajosa, meio esverdeada, dentes afiados como de tubarões, olhos preto opacos. Também não era alto. — Eu nem comecei a brincar... não gosto quando quebram fácil, não tem graça — Ele puxou mais forte meus fios, deixei escapar um chiado de dor, ele encarou Taylor.— Ela tem um belo rosto, para uma humana comum, seria uma pena destruir-lo, mas isso só vai acontecer se você não colaborar, você vai não é?
— Solta ela — Taylor ordenou.
— Você não tem moral para exigir nada, humano.
O Dani devitto do mal agrediu Taylor com um pedaço de pau nas costelas, e com o impacto, ele tombou no chão, com cadeira e tudo.
— Taylor— gritei, e ele olhou para mim.
Mesmo com a dor estampada e sangue correndo pelo rosto, ele disse " está tudo bem." O homem que segurava meus cabelos o puxou de novo, choraminguei alto.
— Lewis, levanta ele daí. — O mais baixinho colocou Taylor sentando de novo e após o sinal de cabeça feito pelo ranhoso, buscou um banco e um carrinho de centro cirúrgico. — Acho que não entendeu, senhor Taylor Benson-Herveaux. Isso não é uma negociação. Você tem uma dívida, e vai pagar.
— Não acredito que estão fazendo isso por causa das dividas do meu tio. Deixa eu esclarecer: Jackson Herveaux é meu tio, e eu não faço parte da família dele, o dinheiro que ganhamos hoje não paga nem a primeira parcela... Vocês pegaram a pessoa errada pra usar como chantagem.
— As dívidas do seu tio agora é problema dos vampiros. — O ranhoso sentou num banco que o baixinho trouxe. — O negócio, senhor Benson-Herveaux, como bem apontou, é o dinheiro que você ganhou essa noite. O valor é pequeno, mas a questão não é essa... e sim como você ganhou, foram 10 vitórias consecutivas, isso é suspeito, não acha?
— foram 11, irmão — o mais baixinho corrigiu e o irmão olhou para Taylor como se dissesse " tá vendo, você tá ferrado."
Ele mexeu na bandeja, o barulho de metal batendo era insuportável, contudo ver o bisturi brilhando foi muito pior. Taylor e eu nos encaramos, nem ele e nem eu entendemos o que aquele cara estava falando, mas captamos a clara ameaça que era aquela pequena lâmina nas mãos dele.
— Desculpe, mas onde você quer chegar com isso. Eu e Lara agimos como todo mundo, tivemos sorte, acontece, é um cassino. Vocês estão nos castigando por termos sorte? É isso?
— Vocês tiveram tudo, menos sorte. Deixa eu explicar melhor, no cassino há câmeras, olheiros, os melhores sistemas anti fraudes...
— Então, é só ver as merdas das câmeras...
Falei sem pensar, e mão do ranhoso estalou no meu rosto. Foi tão forte, parecia que minha cabeça desparafusou do corpo. Ouvi o ranger cadeira, Taylor tentou se soltar, mas foi parado, pelo barulho, levou outra paulada.
— Como estava dizendo, o pessoal investiu para que não houvesse fraude, contrataram uma das melhores wiccans da região, para garantir isso. Agora, suponhamos, que além de uma defesa anti fraude, eles colocaram pequenos dificultadores nos jogos, de forma que ganhar uma, duas, três vezes consecutivas, seja ok. É bom para o negócio, bom para cativar o cliente, só que mais que isso não seria possível. Então, eu vou perguntar só uma vez: como vocês conseguiram? Magia?
Merda.. merda... eles viciaram os jogos. E eu tinha quebrado o encanto. Tinha sido eu, só poderia ser eu, mas como?
— Vocês estão cometendo um erro, não fizemos nada. Isso aqui é e ilegal e injusto.
— Tudo bem, senhor Benson-Herveaux, se você não me contar, seu sangue vai. Foi por isso que eles me chamaram. Só quero dizer, que as coisas não vão ser limpas hoje, o que é uma pena, você parece ser resistente, mas estou com pressa. Lewis, a injeção. — O baixinho pegou uma pequena seringa, e injetou o líquido em Taylor. — Não se preocupe, isso não vai te matar, é só uma toxina que vai deixar você mais desinibido. A graça é que ela é ativada pelo cortisol, o hormônio do estresse. O triste é que ela é rápida, 20 minutinhos... então, vamos começar.
*O chefe mirou a ponta do bisturi no braço de Taylor, perfurou, cortou um pouco carne e lambeu o sangue. Rolou o líquido na boca e riu. Aquele ser machucaria meu acompanhante até conseguir uma confissão. O que não aconteceria, porque Taylor não era o culpado, era eu.
— Eu pertenço ao Eric Northman — cuspi as palavras antes mesmo dele chegar perto de Taylor de novo, e ele parou a mão no ar, me encarando. — O vampiro... Eric Northman
— Eu sei quem ele é.
Ele abaixou a mão, eu desviei meu olhar rapidamente dele e vi Taylor de olhos fechados com o rosto contraído. Merda, será que ele entendeu tudo errado ou era só dor?
— Irmão, tem alguém na câmera — o baixinho falou—, acho melhor o senhor vir aqui.
Ele largou o bisturi na mesa, e seguiu numa direção atrás de mim. Taylor estava de cabeça baixa, queria que ele olhasse para mim, para eu explicar.
— No que podemos ajudá-lo? — Ouvi o ranhento falar longe.
— Vocês estão com algo que me pertence. Quero de volta.
Nunca gostei tanto da voz de Eric como naquele momento.
— Não tem jurisdição aqui, não abaixamos a cabeça para seu povo. — e pelo barulho, alguém cuspiu no chão.
— Podemos negociar.
— Não é comigo que você tem que falar, vampiro. Lewis, pega o telefone e ligue para Lorenza. É com ela que você precisa se entender...
—Claro.
Essa foi a última coisa que ouvi, as vozes sumiram e aproveitei para tentar fazer Taylor olhar para mim. Mas acho que a droga estava deixando ele tonto porque seu olhar estava desorientado.
— Você mentiu— ele disse, com a voz enrolada—, você disse que não tinha nada com ele, e agora você é dele?
— Taylor, eu posso explicar, por favor, mas não agora, entenda, a gente precisa sair daqui vivo... Eu fiz isso pela gente, por favor, acredite.
Ele grunhiu algumas palavras, e desmaiou. Tentei mais uma vez me soltar, não tinha certeza se o Eric conseguiria resolver a merda que eu tinha metido a mim e ao Taylor. Precisava tirá-lo dali, contudo, mesmo que eu conseguisse me soltar, como eu conseguiria carregá-lo. Ele precisava ficar acordado.
— Taylor, Taylor acorda!— gritei, e ele despertou um pouco mais aéreo. — Não dorme, por favor.
— Lara, você não mentiu, mentiu?
—Não, Taylor... escuta, eu juro por deus, ou qualquer coisa que você acredite, que não menti. — Ele piscou lerdo. — Hey, olha pra mim...
— Você é linda.
— Eu tenho que concordar com isso — Eric falou parando na minha frente, me encarando na penumbra. — O que é isso no rosto dela? — Com uma mão segurou a lâmpada do teto, refletindo a luz toda em mim, e se inclinou, segurando meu rosto, como se conferisse algo. — Vocês me garantiram que não a tocaram. O acordo era ela ilesa, e isso é tudo, menos ilesa.
— Vampiro, você entende, que nesse ramo, às vezes, as pessoas se machucam, certo? E dado a gravidade da situação, um roxo no rosto é o mínimo.
— Entendo, mas não gosto, solte-a. — O homem baixinho começou a desatar os laços. Eric, já de pé, olhava com os braços cruzados. — Lara, cadê o voucher?
— Quê?
— O voucher, Lara.
— No bolso do Taylor — disse mexendo minhas mãos livre e dormentes, e ele já estava apalpando a calça do homem desacordado. — O do paletó, o de dentro.
— E cadê o paletó?
— Não sei.
Com as pernas livres, fui até Taylor, havia muito sangue em seu rosto, tronco e braço. Ao menos o sangramento da cabeça parecia diminuir. Minha preocupação era o braço, apesar de pequeno, o corte pareceu profundo. Percebi enquanto desfazia o nó que teria que fazer uma contenção.
Foi mesquinho, mas antes de tentar rasgar a barra do meu vestido eu fiquei um pouco triste. Ele era tão caro e tão bonito. E um tecido forte, já que não consegui cortar um pedaço que fosse. Levantei o braço dele mantendo uma certa pressão, para diminuir o fluxo de sangue.
— Eric, me ajuda aqui. — Olhei para trás e o vi segurando o paletó, ele estava dando meu suado dinheiro para o ranhoso.
— Como combinado, o dinheiro foi devolvido. Avise a sua líder. Aguardo notícias dela. Lara, vamos.
— E o Taylor?
— O que tem ele?
— Você vai deixar ele aqui?
Eric deu de ombros, suspirou e olhou para os nossos sequestradores
— Os termos também englobam ele, vou levá-lo.
— Eu preciso de um pedaço de pano, qualquer coisa pra estancar o sangramento. Você viu a blusa dele? — perguntei ao Eric enquanto o baixinho tirava as amarras das pernas de Taylor— Qualquer coisa serve— Eric rasgou com facilidade a manga do paletó de Taylor, e me deu. — Obrigada. — Amarrei com força na ferida — Acorda, Taylor, a gente vai pra casa.
— Lara, meu Deus... — ele disse e voltou a perder a consciência.
— Ele vai morrer se continuar assim— disse—, a gente precisa levá-lo para pronto socorro.
O Ranhoso pigarreou:
— Nada de autoridade humanas, vampiro.
— E como que eu faço? O que você deu para ele? — perguntei exasperada.
Ele olhou para mim, parecia enjoado pela cara que fazia.
— A toxina vai sair do organismo dele daqui a alguns minutos. Depois ele vai ficar bem, se quiser ele acordado, aperte os machucados. — ele voltou os olhos para o Eric — Como você consegue lidar com uma humana tão burra, vampiro?
— Um dia você vai se arrepender desse comentário, e eu vou estar lá pra ver a dor no seu rosto. Guarde as minhas palavras, Kappa
Eric pegou Taylor no colo, como um saco de batatas, agarrou meu braço e saiu.
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