14-PLANOS REAIS
Meus planos para o dia eram simples: ir a Bon Temps, encontrar Sookie, desbloquear o passado, voltar para Shreveport, desmascarar Eric e viver em paz. Eram simples.
Eram simplesmente ridículos.
Primeiro eu precisava ir a um lugar que não fazia ideia de onde era, o que me deixava dependente de um mapa, ou um guia. Ou ambos. E sem carro, pegar um ônibus poderia ser muito demorado.
Segundo, mesmo que eu conseguisse chegar em Bon Temps quem garantiria que a mulher que lia mentes me ajudaria apenas pelos meus belos olhos castanhos? Ninguém! Por isso, precisava de um plano melhor do que esse de chegar e pagar para ver.
Se bem que já tinha dado certo uma vez. A prova era que estava degustando meu chá gelado, sentadinha na macia poltrona amarela, olhando para o apartamento todo decorado, oscilando entre ficar feliz por estar tudo tão lindo e angustiada por não saber o que Eric iria querer em troca.
Eu estava certa em não confiar na sorte dessa vez, e não era só porque os riscos que passei foram muito, mas porque não desejava encará-los novamente. Eric também parecia cada vez mais estranho, o que me levava ao terceiro motivo desse plano não ser viável:
Desmascarar o vampiro e viver em paz... bom, ser bem sucedida em um, anulava o outro.
Então fiz planos mais condizentes com a realidade, e realizáveis naquela tarde: ir ao mercado, para encher a geladeira nova e os armários que estava um pouco vazios; comprar um vestido bonito, que não consegui comprar no dia anterior; retornar a ligação perdida de Taylor e ligar para Miguel.
Decidir pelo mais simples, ligar para meu amigo.
— Oi gata, precisa ser rápida, tô um pouco ocupado aqui — Miguel atendeu o telefone com o som de secadores ao fundo.
— Oi. Aqui, você tá livre esse fim de semana?
— Talvez domingo, por quê?
— Preciso de você e seu carro emprestado. Preciso ir a Bon Temps. Você conhece?
— Sei onde fica. Só nunca fui. E, não sei se esse fim de semana vou poder ir com você porque fiquei de encontrar com meu pai. Só tô esperando ele me ligar pra confirmar.
— Isso é uma boa notícia, não?
— Eu quero que seja. Agora preciso desligar. Te mando mensagem pra confirmar. Beijos.
E Miguel desligou o telefone sem nem esperar eu me despedir. Mesmo sabendo que ele estava ocupado e que mandaria mensagem, me senti mal por ele ter sido um pouco abrupto. Vasculhei minhas memórias procurando motivos para que ele estivesse chateado. E não havia nada. E ainda sim me senti culpada.
Suspirei fundo, tentei me convencer que era coisa da minha cabeça e segui com o plano. Liguei para Taylor, mortificada por não saber o que falar, treinando a voz enquanto aguardava os tons da chamada.
—Alô!— disse tentando não parecer nervosa. — Taylor?
— Lara? — ele respondeu. — Que bom te ouvir. Te liguei só que depois me dei conta que você estava ocupada trabalhando. Desculpa... e como você está? Como foi o trabalho ontem?
— Não precisa se desculpar, eu tenho intervalo, só não retornei ontem porque esqueci que tenho um telefone, e também porque foi uma noite difícil. — Olhei para o pulso que nem marca tinha. — Mas tô novinha em folha depois de uma boa noite de sono... Então, o que você queria comigo?
— Além do prazer que é ouvir sua linda voz? É que nosso encontro ficou marcado pra muito longe e achei que seria bom mantermos contatos— Taylor disse após uma breve pausa. — Fiz mal?
—Não, não. Isso é bom. Acho.
—E eu também falei tanto da última vez que não sei nada sobre o que você gosta, aonde quer ir... Então, você gosta de mágica, ilusionismo?
— Acho que sim... por quê?
— Ganhei ingressos para uma apresentação de um ilusionista no Red Blood Cassino flutuante ... só um momento — pude ouvi-lo falar algo sobre o bocal abafado. — Lara, humm, posso te retornar daqui a pouco?
— Claro.
E depois de cinco minutos ele retornou.
— Bom, preciso sair e encontrar com um cliente. Se tudo der certo, talvez eu vá um pouco mais cedo para Shreveport.
— Ok!
—Te ligo mais tarde. Até.
As ligações não foram o que esperava, e me deixaram tensa e inquieta, mas contava como duas coisas da lista resolvidas, ou próxima disso, e serviam para que eu percebesse que era uma melhor comunicadora ao vivo.
Já estava a caminho da Mystique Noir, a loja de roupas de Nancy que ficava na mesma veia comercial que o Fangtasia. Não pude evitar sorrir ao passar na porta do trabalho, fechado aquele horário, pela ousadia do bar de vampiros ficar de esquina com a Loja de brinquedos Toys "R" Us. A ironia era que os dois de certa forma vendiam fantasias, de natureza diferentes, mas vendiam. E sempre que me dava conta disso imaginava como não havia uma horda de pais raivosos querendo fechar o local.
Nessas horas eu me dava conta do quão influente eram os vampiros.
Entrei na galeria, logo à frente, onde as roupas das vitrines pareciam mais sofisticadas. A loja de Nancy era uma dessas de fachadas de mármores e vitrines impecáveis. O slogan Mystique Noir fora escrito em alto relevo e em letras cursiva e o lustres no interior em tons beges pareciam de cristal. O lugar exalava requinte e suas roupas eram exclusivas, o que na língua dos pobres significava caras.
Passei pelas araras de vestidos todos muito longos para mim, ou justo nos seios e quadril, e largos na cintura, esperando a dona da loja terminar de atender uma senhora por volta dos quarenta, com cabelos bem escovados num loiro platinado perfeito.
—Eu posso ajustar o modelo se você quiser — Nancy disse após me cumprimentar pegando uns modelos de vestido nas araras e colocando na frente do meu corpo. — Seu corpo é em formato de ampulheta, o que tecnicamente, significa que qualquer modelo aqui ficaria ótimo em você. Mas você é muito bem servida de peitos e baixinha, ai, meio que quebra a regra.
— Parece que eu to sempre quebrando as regras ou as expectativas... — respondi no automático sem entender se o comentário tinha sido elogioso ou não.
— Ah, não foi uma crítica! Quebrar as regras é ótimo. O que seria de mim se eu não tivesse feito isso e largado a faculdade de medicina e ido atrás dos meus sonhos? — Segurou as minhas mão, me olhando no fundo dos olhos. — Com certeza seu corpo é lindo, lindo mesmo.
Naquele rápido contato, não só consegui ver os contornos em volta de Nancy brilhantes em tons azuis nítidos, como absorvi as emoções da dona da loja. E soube que não havia mentira ali. E sorri desconcertada soltando com gentileza a mão de Nancy, piscando rápido fazendo a visão voltar ao normal.
Disfarcei meu assombro olhando as roupas. Essa coisa de absorver as emoções já havia acontecido antes, com a loira de olhos estranhos, mas eu pensei que fosse coisa dela. Das duas uma, ou isso era algo meu ou Nancy também era capaz de ler mentes.
Não me orgulho disso, mas pensei nas coisas mais absurdas e insultantes que podia, tudo para causar alguma reação nela. Percebi que tinha uma mente muito cruel ao imaginar atear fogo em tudo, inclusive em nós duas. Se Nancy lia a mente, ela tinha um autocontrole incrível pois ainda me olhava sorrindo.
— Obrigada, Nancy, ultimamente eu ando meio sensível. Me irritando por tudo e chorando por cada coisa besta.
— Não é TPM? Eu fico insuportável nesses dias.
Eu tinha até esquecido que menstruava, e fiz as contas da última: uma semana antes do aniversário, mais ou menos um mês atrás. Eu não tinha motivo algum para me preocupar com isso. fazia mais de um ano que transei, e até onde sabia, Cíntia não tinha capacidade de engravidar ninguém. E sinceramente com tudo o que estava me acontecendo o atraso da menstruação, que sempre foi certinha, era o menor dos meus problemas.
— É que eu nunca tive TPM, mas pode ser isso, né?
— Os sintomas parecem. Mas você sobrevive. Só precisa de um advil e muito chocolate — Nancy sorriu com os olhos, encerrando o assunto. — Então, onde seu encontro vai te levar?
— Num dos barcos cassinos, acho.
— Hum, então trajes formais, certo? Tenho aqui algo que vai ficar ótimo.
Sai da loja de Nancy com algumas certezas: a primeira era que, definitivamente, não era uma pessoa que gostava de decotes. Morar em um abrigo com regras tão rígidas de vestimentas e ter seios grandes, que chamam atenção mesmo de camiseta meio que me deixavam insegura para encarar um decote sem ser no trabalho.
A segunda era que eu era uma cliente facilmente manipulável, comprei dois modelos de vestidos, um decotado e outro não, que ficaram na loja para ajustes, e que estava um pouco mais pobre mesmo com o desconto dado pela dona da loja.
E a terceira era que precisava parar numa biblioteca.
Ao chegar no prédio opulento estilo colonial com traços históricos, no qual já era registrada, pedi para usar a internet. E com alguns minutos de pesquisa encontrei alguns termos que poderia se encaixar no que estava enxergando aqueles dias: aura, duplo etérico, energossoma, e segundo o site que lia, só pessoas com a mediunidade iniciada poderiam ver tais coisas.
Medium?! Eu?! Bom, isso explicaria os contornos, as previsões e até acessar as emoções alheias, mas não explicava a maldição ou a cura rápida. Ou explicava? Se eu fosse mesmo significava que iria começar a ver gente morta. Gente morta-morta mesmo?
Por Deus, não. Isso seria demais para minha cabeça.
Reuni um bocado de informações e fui para a seção de espiritualidade da biblioteca recolhendo livros sobre mediunidade, áureas e significado das cores. Deste último, eu já tinha uma base intuitiva como o azul ser sinceridade ou tristeza; o amarelo ser medo ou ambição; e o vermelho ser irá ou paixão, mas um pouco mais de conhecimento não faria mal.
Ao todo, sai carregando cinco livros.
Faminta, parei numa lanchonete e um pouco antes do hambúrguer chegar, o local encheu de membros da Irmandade do Sol. Era um grupo misto tanto em gênero e idade, mas não racial, no qual todos sorriam como se fosse uma propaganda de dentista, pedindo um minuto de atenção e distribuindo panfletos.
—O único que enganou a morte foi o senhor Jesus Cristo. A Bíblia diz que os mortos se levantarão nos fins dos tempos. Estamos nos fim dos tempos, meus irmãos. E os vampiros são cães do inferno — disse o mais alto, mais magro e mais jovem do grupo com uma voz retumbante. E senti os olhos deles diretamente em mim. — Aquelas que se deitam com essas bestas infernais precisam se arrepender ou irão expiar no fogo junto às bestas que idolatram.
Perturbada com a intensidade do olhar dele, peguei sem nem pensar muito de uma moça, loira e risonha, um daqueles panfletos para ler. Espantei-me ao ver o rosto de Steve e Sarah Newlin, o casal que tinha me socorrido quando fui agredida pelos gêmeos, estampando em meio ao alerta, tal como o jovem ao vivo fazia. Porém eles eram um pouco menos explícitos sobre o perigo que era se associar aos vampiros, seres sem alma e condenados.
Que eles faziam parte da irmandade do sol, eu sabia, só não imaginava que eles eram o rosto e nem que eram tão controversos sobre os vampiros, a ponto de insinuar a necessidade de "limpar" o mudo deles... eles foram tão gentis comigo.
Assim como relógio parados, até as pessoas babacas podiam acertar uma vez ou outra.
Como todos na lanchonete pareciam apenas ignorar os membros da IDS, tratando eles como o parente excêntrico da casa, fiz o mesmo e comi o hambúrguer com fritas e milk shake empurrando aquela sensação agourenta que o grupo trazia para o fundo da minha mente.
Depois, passei no Walmart e dentre os mantimentos que comprei (Sucrilhos, leite, suco, maçã, e outras coisas.) Acabei pegando um engradado de True Blood O- , o único que já tinha visto Eric beber, mas não sem antes passar por um grande debate se deveria ou não levá-lo, e o porquê.
Ao tirar o dinheiro do bolso para pagar, o panfleto veio junto deixando a caixa do supermercado no mínimo intrigada com a minha incoerência.
— Equilíbrio é tudo, né? — afirmei sem graça para a caixa.
Havia algo com a pele dos humanos que atraia os vampiros.
E lá estava eu com muita pele exposta, segurando a bandeja, quando o barman passou por mim, como sempre sem camisa, me olhando de cima a baixo como nunca tinha feito antes. Acenei com a cabeça desejando estar com uma camiseta e jeans ao invés daquela blusa de renda transparente e a saia com duas fendas.
Chow, que para minha surpresa havia se mostrado mais receptivo a conversar comigo e com as outras garçonetes, boa vontade não empregada aos clientes humanos que ele não fazia questão de esconder o desprezo, se colocou atrás do balcão do bar. Senti o olhar dele cravado em minha nuca, e virei para encará-lo.
—Hoje parece que vai ser uma noite em tanto, hein? — troquei "o perdeu o olho em mim" por algo mais seguro, recebendo um leve aceno do vampiro como resposta.
— Espero que seja tão interessante como a de ontem. — Ele aguçou os olhos sobre mim.
Definitivamente, Chow estava em um humor que eu não queria lidar. E me virei para o salão desejando um cliente, qualquer um, só para poder sair dali.
— Ele não foi bom para você?
— Quem? — Me virei para Chow olhando-o nos olhos.
— Eric.
— Ah, sim.
Ponderei a pergunta maliciosa, e estava certa que definir Eric como bom para mim seria forçar a barra, mas tão pouco poderia dizer que ele era de todo ruim.
—Eric é um bom chefe.
E isso era a mais pura verdade. Quando comecei a trabalhar, achei que a animação de Ginger era apenas deslumbramento por trabalhar com, e para, um vampiro. (O que não estava errada, Ginger era mesmo muito empolgada e vivia sonhando com o dia que o Eric ou a Pam a transformassem em vampira. O que eu achava que nunca aconteceria.) Mas o salário era bom, melhor do que muito bar humano na região, não atrasava e os funcionários tinham seguros-saúde, o que dado a natureza do trabalho era mais que justo, porém Eric não era obrigado por lei. E sobre as leis, o Fangtasia era rígido em cumpri-las. E mordidas no recinto eram mesmo proibidas e os vampiros pegos fazendo tal coisa eram multados.
—Ele também é um mestre justo. — Chow apontou com a cabeça dois vampiros que eu já tinha visto no bar, que estavam me encarando. — Ele não cobra favores sexuais dos vampiros que moram em seu território e nem metade dos nossos rendimentos. Além das obrigações que teríamos em qualquer lugar que fossemos, os vampiros da região só são obrigados a virem aqui entreter os humanos duas vezes na semana. Não é um mal arranjo.
Aquilo era um bocado de informação gratuita tanto das regras vampíricas quanto de Eric e como sempre fiquei confusa. A única coisa certa era, que se aquilo não fosse mentira, com o tanto que tinha de vampirófilos rondando o lugar, era um fato que mesmo os vampiros odiando a obrigação eles ainda saiam lucrando com sangue humano fresco de graça.
—E mesmo assim, você não parecia satisfeita com ele... — Chow aguçou o olhar sobre mim mais uma vez, eu baixei a guarda e olhei em seus olhos e senti as malditas teias de aranhas me envolvendo e sussurrando "diga que me quer".
—De repente eu me tornei irresistível ou o quê?— Passei a mão no rosto, retirando-as e mostrando meu descontentamento. —Por que tá todo mundo me olhando como se eu fosse um engradado premiado?
— Então é verdade que não funciona com você... O que você é?
— Perguntei primeiro.
—Você dispensou o mestre ontem. já era de se esperar que alguns quisessem afagar o ego com isso. Coisas de vampiro. É óbvio, você é uma humana bem atraente. cheirosa — Aspirou o ar perto de mim. — Seu sangue parece saboroso, sabia? Agora é sua vez... o que você é?
— Pergunta pro Eric... ele é o único que sabe.
E virei as costas para ele, não antes de perceber o sorrisinho frouxo dele murchar.
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