20. O reflexo das sombras

O objeto em contato com a luz é iluminado, porém uma sombra é criada por trás do mesmo.
***

A neblina que flutuava pelas ruas pouco iluminadas pelos postes de luz de aparência antiga e o vento frio traziam a harmonia perfeita, a sedutora e sombria beleza. Se tais moradores já não conhecessem bem o clima que a cidade tinha, certamente poderia achar que voltaram décadas atrás, onde não haviam carros modernizados, celulares e sequer damas perdidas em meio á noite.
A respiração em companhia dos seus passos em perfeita sincronia, sua calça jeans escura estava um pouco suja de lama e de seu corpo um forte e incômodo odor de álcool exalava; A festa tinha continuado. Sem ela.
Um pouco tonta, ela se apoia num poste e senta no banco, logo seu ônibus iria parar e ela estaria em casa, aliás sua família já deveria estar preocupada, principalmente a gêmea considerada "Santa", Theresa sempre foi mais quieta, discreta, porém Maddie não, a garota sorridente e extrovertida adorava se divertir, correr riscos era com certeza sua principal atividade, e a da sua irmã era protegê-la, mesmo que Maddie estivesse atraída pelo perigo.
A melodia enquanto teclava o número de seu namorado ecoou por toda a praça, talvez ela tivesse perdido o ônibus e agora a única solução seria liga-lo. Palavrões ditos em baixa voz, não havia ninguém ali exceto a garota, porém nunca estamos sozinhos, as sombras estão atrás de cada um, esperando para atacar...
O som quase inaudíveis dos passos tomaram a atenção da garota, com os olhos nublados em meio á noite sua expressão mudou de medo para alívio ao ver o homem de órbitas azuis observa-la de longe. Um sorriso logo tomou seu rosto, a garota se levantou e caminhou em passos lentos até o mesmo.

- Está perdida? - perguntou ele, mostrando a ponta de seus caninos. Ela assentiu umidecendo os lábios. - Quer uma carona?

- Você sabe que não podem nos ver?... - Seus corpos ficam cada vez mais próximos, então sorrateiramente ela desliza a mão sobre o casaco e então brinca com o botão de sua calça, ele faz uma expressão terna, sua seriedade a-hesitava. - Mas se insiste tanto, aceito... - Ela dá de ombros e num gesto delicado, o homem eleva sua cabeça para trás em puro êxtase - Estou com um pouco de fome, podemos parar numa lanchonete?

Ele assentiu com a cabeça e ambos seguiram para o carro azulado, deixando as árvores secas estranhamente belas para trás. A porta do carro se fecha e então num impulso seus corpos se unem guiados pela ardência, ela precisava daquilo, queria guardar aquele momento em sua memória, amava-o porém não podia tê-lo pois o mesmo era casado. Sim, ele já havia dito milhares de vezes que iria se separar por ela, porém ele é homem e isto é, ele herdou a arte da mentira. Apenas uma tola para cair nessas conversas.
Quando então seu corpo estremeceu e ficou em êxtase, sua visão embaçada e talvez fosse o efeito do álcool porém ao olhar para baixo, o sangue se esvaindo aos poucos, a adaga enfiada na região do estômago... Ela não entendia.
Seu rosto se virou para ele, o homem do qual ela tinha jurado amar por toda a vida, seus olhos azuis e frios como gelo, ele retira a adaga e com outro golpe, acerta o seu peito, a respiração está acabando, as tentativas falhas de conseguir, as súplicas em pequenos sussurros, tudo deixava aquela morte mais agoniante e ela tinha confiado tanto nele, estava tão apaixonada e não entendia o motivo dele fazer isto, suas juras de amor escorrendo como o sangue no banco, e tudo tinha desaparecido como se uma luz branca que tomasse toda a sua visão, ou a escuridão talvez.
No rádio, a música tocava enquanto os olhos de vidro cinzento permaneciam imóveis, no retrovisor o reflexo de Madeleine Claire.

Algumas horas depois, o carro estacionou de volta ao lar, em sua frente a mulher de olhos azuis como do irmão se aproximou, a expressão curiosa e elegância inegável, o outro irmão apenas ficou em silêncio. De repente um garoto aparece sem permissão e seus olhos ficam assustados ao ver o corpo da moça no carro de seu pai, até que sua mãe aparece e o puxa pelo braço.
- Vamos Adrian, venha ajudar sua irmã.

- Podemos entrar?

A voz grave me assusta, tento me manter calmo apesar de estar em frente á mansão da qual eu fugi tantas vezes, o cheiro mórbido que eu nunca havia percebido antes tornou-se maior, ou talvez seja apenas uma relação criada pela minha mente como consequência do trauma.
Eu não consigo dormir, desde aquela conversa que tive com Daniel... Richard... Tanto faz, ele me prometeu que tudo ia dar certo, confio nele por um motivo é espero que eu esteja certo em fazer isto. Alisha me prometeu que iria me visitar mais tarde e Daniel vai me acompanhar na estadia aqui.
Diferente da última vez em que estive aqui, não estou confuso perdido, tenho um único objetivo.
O som das folhas secas sendo pisadas, o assobio quieto do vento, o frio em minha pele, o inverno está próximo novamente; respiro fundo e sigo, sem cogitar olhar para trás, a cada passo mais próximo tudo se torna ainda mais sombrio e é impossível não me sentir como um sacrifício. De repente ouço o grasnar de um corvo que voou bem acima de nós adentrando a floresta em que Luce morrera. Ajeito a gola de minha camisa e dou uma leve olhada em Daniel, que me retribue com um olhar, seus passos parando lentamente para me acompanhar, apenas assenti com a cabeça para continuarmos e fazer o que devíamos fazer.
Subimos a escadaria e chegamos a porta, a porta foi aberta por uma senhora, ao entramos pude ver os quadros postos na parede, assim como antes eu ainda acho-os belos, porém sombrios. Uma tosse leve me assusta, viro-me e encontro ele sentado na poltrona, fitando-me da cabeça aos pés, o terno preto que davam mais destaque aos seus olhos azuis esverdeados, Adrian continua igual a última vez em que o-vi. Melissa estava no alto da escadaria observando algo através da janela aberta, seu vestido bege combinava com o pingente de corvo.

- Boa tarde, Will. - Sua voz ressoou pela sala de estar, engulo em seco e apenas balancei a cabeça. - É bom te ver novamente.

Ela se vira para mim e então consigo ver seu rosto, ela está um pouco mais magra e foi impossível não arregalar meus olhos ao ver a grande barriga, ela... Estava grávida. Antes que eu pudesse dizer algo, Isabelle adentrou a sala, o salto agulha ressoando contra o piso, seu cabelo estava menor e a cor mais escura, indo para trás do seu irmão, ela apoia as mãos em seus ombros e depois na poltrona; Minha mão treme porém levo-a para trás de mim, para que não fique evidente.

- Will? - Daniel olha para mim como se pedisse que eu me controlasse, porém eu sentia aquilo correndo pelas minhas veias. Respiro fundo. - Pode organizar suas coisas? Elas já estão no seu quarto...

- Intocadas. - A voz de Adrian me faz estremecer, uma mistura de sensações cobertas pela medo. - Desde que você... hmm... fugiu seria a palavra certa?

- Venha Will, eu te ajudo a organizar. - Meus olhos pararam em Melissa que esboçou um sorriso gentil, assenti com a cabeça e segui-a.

As últimas coisas que ouvi enquanto saíamos foram o Adrian perguntando qual era o truque para Daniel e o mesmo afirmando não ter nenhum, consegui ouvir algo como "Nós te conhecemos, Richard" vindo da Isabelle e o resto não pude ouvir pois já estávamos longe. Os corredores continuavam o mesmo, pinturas, vasos ornamentais, a maçaneta dourada em certos quartos.

- Chegamos. - disse ela ao sentar na cama e em seguida arfar, observo ela por um momento e vejo que, Melissa está diferente. - É horrível ter que carregar esses dois.

Ela alisou a própria barriga e eu não podia acreditar, ela estava grávida de gêmeos?

- São gêmeos? - Ela assentiu abrindo um sorriso largo.

- Will, eu preciso te contar algo que nunca contei a ninguém, e de acordo com as circunstâncias... Tenho certeza que você não contaria a ninguém. - Ela prosseguiu acalentando o ventre, como uma verdadeira mãe. - Eu tenho certeza que irei morrer.

Minha mente parou, franzi o cenho sem entender porém sua expressão continuava calma.

- Melissa? Como assim? - Ela pegou em minha mãe e levou-a até sua barriga.

- Eu não vou suportar o parto. Por isto, quero te pedir um favor... Cuide deles, por favor. - Eu tentava raciocinar porém era impossível, como ela iria morrer se os Darkness são imortais?

- Melissa, eu não... - Seus olhos ficaram dourados e por um momento achei que ela iria me atacar, no entanto ela apenas um modo de me conectar a ela, logo as imagens vieram a minha cabeça. Olhos cinzas, uma noite chuvosa, uma garota de sobretudo vermelho segurando um guarda-chuva, ela corria em direção a luz e encontrava o rapaz de olhos cinzas, seus rostos unidos num generoso beijo, estavam apaixonados. De repente sangue, e tudo se desfez em minha mente.
Abro os olhos e a-vejo com os olhos lacrimejando.

- Eu amava ele, seu primo. - Aproximo-me e envolvo-a num abraço, Christian era filho de Maddie, irmã gêmea da minha mãe que havia herdado os olhos cinzas, ela tinha desaparecido e deixado seu filho, porém mais ou menos um ano depois que eu completei sete anos encontraram Christian morto. A partir daí tudo começou, os sonhos, o colégio, a casa abandonada... Fui saber disto quando eu e Daniel fomos a minha casa saber de mais coisas, desta vez da boca da minha mãe.
- Quando ele morreu, eu estava grávida dele, uma semana, porém o bebê desapareceu... Agora, acho que um dos gêmeos...

- É filho do...? - Ela assentiu, isto tudo é tão confuso, ela está grávida de um homem que conheceu muitos anos atrás? Qual é a idade dela? Daniel falou alguma vez sobre algum aniversário, acho que de vinte e oito anos. Ainda não acredito como isso é possível.

- Está bem, já podem descer. - Isabelle apareceu na porta nos assustando, me afasto de Melissa para não causar suspeita. Então os olhos de Izzy caem sobre as malas fechadas.

- Depois eu arrumo, estou cansado demais para fazer isto agora. - Ela ergue uma das sobrancelhas mas nada diz, logo atrás dela eu e Melissa seguíamos porém a mesma disse que iria para o quarto.

Chegamos novamente na sala de estar, Daniel e Adrian nos observam descer a escadaria e sinto o cheiro do perfume ao passar próximo a Adrian, porém logo o de Daniel se sobrepõe.

- Adrian que falar como você a sós. - Foi apenas o momento de Daniel dizer que vejo, a sombra de Adrian seguindo para a escuridão. Meu coração estava prestes a parar porém devo me controlar, não chamar atenção alguma.

Caminho em direção, de algum cômodo ouço o noticiário "Olivia hyestro está sendo sepultada..." Escondo um pequeno sorriso e sigo. A porta estava semiaberta, era o escritório dele, não lembro de ter entrado lá alguma vez talvez por nunca ter notado; Era simples, uma prateleira com livros importantes, uma mesa de escritório e sobre ela, um laptop aberto. Adrian estava sentado, encarando suas mãos entrelaçadas, seus olhos eram como faróis em meio a luz fraca do cômodo. Sinto faíscas correndo por minhas veias.

- O que você quer falar comigo? - Minha voz soa soave, sem nenhuma expressão emocional.

- Primeiro entre e feche a porta. - Ele apontou para a porta ainda entreaberta, apesar de tudo ainda sinto medo do que ele pode fazer comigo. - Deve ter esquecido tudo que aprendeu na estadia aqui.

- Seja mais direto. - Ele ergueu uma de suas sobrancelhas e senti minha perna trêmula, mas já tenho consciência pois é normal.

- Primeiramente queria te pedir perdão com minhas sinceras desculpas, eu não consegui controlar... - Apenas encaro sem fazer sinal algum.

- Agradeço por seu pedido de desculpas, talvez eu deva te perdoar por quase me matar, foi apenas... Hmm... Um trágico acidente. - Ele se levanta da mesa e aproxima, não dou um passo atrás sequer, ele não vai conseguir me intimidar como sempre fez.

- Não vou te implorar que acredite, você tem seu direito; Porém, quero que se lembre... - Antes que ele terminasse eu completei:

- Que se eu tentar fugir novamente vai ser muito pior? Mais do que já é? - Ele negou com a cabeça e seu rosto ficou próximo a minha orelha, o perfume exalando contra meu nariz, o toque de sua pele em contato com a minha... E então num sussurro que causou um turbilhão de emoções e arrepios...

- É bom te ver novamente.

Ele segurou meu queixo com o polegar e sorriu com descaradamento, abriu a porta e se foi, fiquei ali em silêncio, sozinho e sobre a mesa, deixado aberto propositalmente, o diário dos Darkness.

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Olá amores, voltei depois de tanto tempo. Achavam que não teria o capítulo de outubro? Pois estavam errados. Faltam apenas 3 capítulos para o final do livro e prometo que as perguntas serão respondidas, no entanto a quiserem deixar suas dúvidas nos comentários, eu agradeço. Desejo um ótimo Halloween para vocês e não esqueçam de assistir O mundo sombrio de Sabrina
🎁 Dscp pela demora ❤

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