Capítulo 2 - Sangue ardente
Ao caminhar pela sala com Lissa, Derek percebeu que não estavam a sós, o que não o causou surpresa alguma. Nem ao menos precisou se esforçar para saber de quem se tratava, rapidamente seus olhos se voltaram para a figura no topo da escadaria ao ouvir a voz do irmão que há tempos não escutava:
— Pensei que estivesse morto.
— Sinto decepcioná-lo, sei o quanto anseia minha morte — Derek rebateu calmo, embora seu coração estivesse inundado de lembranças.
— Engraçado você... Esperando o pior de mim.
Miguel começou a descer as escadas, sem tirar os olhos do irmão.
— Não se preocupe, ainda viverei por muito tempo — Derek sorriu de lado.
— Não teria tanta certeza se fosse você.
— Ah! — murmurou, levando a mão ao peito. — Tão frio! Assim você fere meus sentimentos, maninho...
Miguel forçou um sorriso tão amargo quanto suas próximas palavras:
— Você aguenta.
Naquele momento a barriga de Lissa gelou. Estava tensa. Temia que o pior pudesse acontecer, levando em consideração a última vez em que presenciou os dois naquela mesma sala; um dia lastimável onde um deles quase saiu morto. Receosa olhou minuciosamente os dois irmãos se encarando, rancorosos. Lis tinha em mente o mal que o rancor consumista mesclado com vingança esperando para ser colocada em prática poderia fazer. Ao pensar tal coisa interviu. Com sua força Lissa quebrou a taça que a pouco tinha em uma das mãos, deixando o liquido roxo se misturar com seu sangue, escorrendo por entre seus dedos — indo de encontro ao chão de madeira — o cheiro de sangue fez os dois irmãos olharem para ela.
— Certo. Tenho a atenção de vocês? — disse ela, aproximando-se deles.
— Porque nos chamou aqui Lis? — Miguel indagou.
— Não preciso de um motivo. Somos família, e família precisa estar junta.
— Lá vem você, com esse papo de família — Derek disse, cheio de rancor. — Já não somos uma família.
Lissa lhe lançou um olhar ferino, semicerrado.
Miguel parou ao lado de Lis na tentativa de confortá-la:
— Eu sou sua família — sussurrou para ela.
Distante Derek resmungou baixo.
— Sempre seremos uma família — ela insistiu, em voz alta — Todos nós!
— Todos nós, é? — Derek retrucou. — Não seja burra.
— Qual é o seu problema? — Miguel perguntou semicerrando o punho.
Para ele estar no mesmo ambiente que Derek era ardo. A dor que deveras carregava no peito era culpa de seu irmão mais velho.
— Chega. Estou farta! Somos o mesmo sangue. Vocês querendo ou não — ela falou, segurando as lágrimas que começavam a se formar em seus olhos. — Quanto tempo mais vocês precisam para esquecer o passado?
Miguel e Derek se entreolharam rapidamente.
Então ela deu a volta na mesa de centro, caminhando até o bar novamente e calma disse:
— Eu lembro da mamãe e do quanto a família era importante para ela, do quanto ela nos pediu para ficarmos sempre unidos. Prometemos a ela e na primeira oportunidade fizemos tudo diferente...
— A culpa não é minha — Miguel ressaltou.
— Não, a culpa é toda minha — Derek cuspiu rude indo em direção a porta de entrada. Tudo seria muito mais fácil se simplesmente não se importasse.
— Aonde vai? — Lissa caminhou em sua direção.
— Dar uma volta, ok? — saiu batendo a porta.
✣✣✣
Um vento gelado tocou a pele de Alina fazendo-a arrepiar-se, ainda caminhava e sentia que a floresta ficava mais densa a cada passo. Havia apenas a claridade falha da lua, pois a luz da lanterna já havia lhe abandonado, respirou fundo perguntando-se para que lado deveria seguir. Caminhou cautelosa e o frio na espinha então voltou mais forte que nunca. Ela parou bruscamente ao ter a sensação de estar sendo observada; seus olhos lentamente percorreram a vasta floresta à sua volta sem nada conseguir distinguir com exatidão, até que seu coração parou em sua garganta ao deparar-se com um par de olhos fitando-lhe.
— Quem é? — ela semicerrou os olhos.
Ele nada disse, apenas se aproximou olhando-a fixamente.
Alina tentou não parecer desesperada.
— Tenho spray de pimenta e grito muito alto — mentiu —, se eu fosse você não faria nada.
Ele fitou o chão rapidamente. De seus lábios finos surgiu um sorriso torto que fez Alina estremecer. O sentimento de pânico cresceu dentro de si, e neste momento a lua clareou o rosto jovial dele, mesmo sem enxergá-lo bem ela sabia que nunca o vira antes. Atônita piscou por um milésimo de segundo e perdeu o ar vendo ele já a um palmo de distância, sentiu então todo seu corpo latejar só de olhar para os penetrantes olhos azuis claro, que contrastavam com a pele branca e levemente pálida que ele tinha.
— Está perdida? — a voz rouca dele ecoou dentro de Alina.
— N-Não...
Ele sorriu, vendo-a gaguejar. Naquele instante imaginou o sangue dela circulando de forma intensa só de ouvir o coração bater mais rápido. Aquilo era instigante. O medo era a faísca que sempre dominava-o nessas horas.
Ele era o caçador e ela a presa.
— Tem certeza? — insistiu.
Ao falar mais uma vez ele sentiu a respiração ligeiramente afetada dela e aquele velho sentimento de prazer invadiu o coração dele revelando olhos semi-dilatados, contornado de veias roxas e grossas. Presas afiadas surgiram no canto de sua boca, bem diante dos olhos de Alina, que paralisou, perplexa; seu corpo simplesmente não correspondia o aviso de perigo que seu cérebro lhe enviava.
Para ele seria fácil demais, no entanto preferia quando suas vítimas inutilmente tentavam fugir, pois era revigorante o deleite da caçada.
A seguir uma dor penetrante envolveu o corpo de Alina no exato momento que ele cravou suas presas no pescoço dela. Quase que instantaneamente ela sentiu seu corpo ser empurrado para trás e antes de ir pesadamente de encontro ao chão viu ele cuspir o sangue que lhe roubou.
— Mas o quê... — ele fez uma pausa olhando-a.
Alina sentia algo quente e viscoso percorrer no seu pescoço, deslizou a mão esquerda no local afetado pela dor e desceu-a até seu campo de visão. Não podia ver com clareza, mas sabia que era seu sangue. O mesmo sangue manchado nos lábios dele. Ela estava atordoada imaginando que aquilo só poderia ser um pesadelo horrivelmente delirante, fechou os olhos e quando voltou a abri-los — ele ainda estava lá; agachado, fitando-a com expressão confusa — olhava diretamente nos olhos castanhos escuros dela, como quem tentava ler seus pensamentos.
O vampiro ficou ainda mais atônito quando uma vagarosa ardência inflamou na garganta dele, em seguida o gosto amargo travou lentamente seu maxilar e em seus ouvidos ruiu:
"Tuntum... Tuntum"
Ele levou a mão ao peito, surpreso, abismado. Era seu coração que estava dolorosamente batendo, algo que nunca mais fizera desde sua morte.
— O que você é? — ele inquiriu, limpando o sangue que começava secar em seus lábios.
A essa altura a garganta dela apertava e sua voz recusava-se a sair com clareza:
— E-Eu...
A respiração dela enfraqueceu e sua vitalidade escorria de seu pescoço, seus olhos penetrados encheram-se de lágrimas. Sentia-se encarando a morte de perto.
Os olhos dele eram de um vermelho profundo, as pupilas extremamente dilatadas ainda à olhava. Ele sentia o medo de Alina, que era quase palpável, via-o em seus olhos e por um breve instante sentiu arrependimento, questionou-se do por que disto, e tocou o queixo de Alina que desfalecia.
Agora já com o azul normal de seus olhos ele sussurrou pegando-a no colo:
— Não se preocupe...
Com os olhos fechados e em seus braços Alina parecia fraca, mesmo assim ele sabia que ela não era uma simples humana como a princípio pensara. Sentia o cheiro do sangue ardente dela; um aroma diferente, que de perto não lhe despertava apetite algum, mas a curiosidade fervilhava em suas veias. O que no entanto poderia chamar atenção de um vampiro, senão uma bela garota misteriosa e aparentemente indefesa?
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