28
Winter's pov:
Uma porta se abre e fecha, espero ouvir passos se aproximando, mas um som muito mais vibrante quebra o silêncio. É um som reconfortante e etéreo, uma dança melódica no ar. Asas, penso. Vieram para me levar.
Prendo a respiração, esperando, esperando, esperando. Então, o tempo parece andar ao contrário. Em vez de se tornar mais lento, ele acelera. Sinto como se algo fluido começasse a espiralar dentro de mim, em um redemoinho cada vez mais profundo. Sinto que sou jogada na correnteza. Estou escorregando através de mim mesma, até chegar a um lugar escuro e quente.
Meus olhos se entreabrem e encontram o familiar revestimento de carvalho no teto inclinado. Meu quarto. Uma sensação de conforto toma conta de mim. Então me lembro de onde estive. Na faculdade, com Woojin.
Um calafrio corre pela minha pele.
— Jimin? — Digo, com a voz rouca pela falta de uso.
Tento me sentar e então solto um grito abafado. Algo está errado com meu corpo. Todas as células, todos os músculos, todos os ossos estão doloridos. Eu me sinto como um enorme machucado.
Há uma movimentação na entrada. Jimin apoia-se no batente. A boca está tensa, sem o traço tão constante de humor. Os olhos parecem muito profundos, como eu nunca os vira. Aguçados por um instinto protetor.
— Foi uma bela briga no ginásio — Ela diz. — Mas acho que você se beneficiaria se tivesse mais algumas aulas de boxe.
Todas as lembranças voltam como uma onda. Lágrimas vêm de dentro de mim.
— O que aconteceu? Onde está Woojin? Como cheguei aqui? — Minha voz falha, tomada de pânico. — Eu me joguei da viga.
— Foi preciso muita coragem para fazer aquilo. — A voz de Jimin fica rouca e ela entra no quarto.
Fecha a porta atrás dela, e eu sei que é sua maneira de tentar trancar lá fora tudo de ruim. Está colocando uma barreira entre mim e tudo o que se passou. Ela caminha e se senta na cama ao meu lado.
— Do que mais você se lembra?
Tento reconstituir minhas lembranças, tentando examiná-las de trás para a frente. Lembro-me do bater de asas que ouvi logo depois de me jogar lá do alto. Sem dúvida, sei que morri. Sei que um anjo veio levar embora minha alma.
— Estou morta, não estou? — Digo baixinho, tremendo de medo. — Sou um fantasma?
— Quando você pulou, o sacrifício me deu abertura para cuidar de Woojin. Tecnicamente, quando você voltou à vida, a existência dele já havia sido varrida desse mundo.
— Estou de volta? — Pergunto, esperando não estar me iludindo com falsas esperanças.
— Não aceitei seu sacrifício. Eu recusei.
Sinto minha boca se abrir de admiração, mas o "Oh!" formado em meus lábios não se materializa.
— Você quer dizer que desistiu de ter um corpo humano por minha causa?
Ela levanta minha mão com curativos. Sob toda a gaze, os nós dos dedos latejam por causa dos socos que eu dei em Woojin. Jimin beija cada dedo, demorando-se, mantendo os olhos fixados nos meus.
— De que me adianta ter um corpo se eu não puder ter você?
Lágrimas mais grossas escorrem pelo meu rosto, e Jimin me puxa para junto dela, apertando minha cabeça contra seu peito. Bem devagarzinho, o pânico cede, e eu sei que tudo acabou. Eu vou ficar bem.
De repente me afasto. Se Jimin recusou o sacrifício, então...
— Você salvou a minha vida. Vire — ordeno solenemente.
Jimin me dá um sorriso travesso e faz o que eu mandei. Levanto a camisa dela até os ombros. As costas estão lisas, só uma pele firme. As cicatrizes desapareceram.
— Você não pode ver as asas — ela diz. — São feitas de substância espiritual.
— Você agora é um anjo da guarda.
Estou muito espantada para compreender totalmente isso, mas ao mesmo tempo sinto admiração, curiosidade... felicidade.
— Sou seu anjo da guarda — Ela diz.
— Eu ganhei meu anjo da guarda particular? Quais são, exatamente, suas tarefas?
— Serei sua guarda-costas. — O sorriso dela aumenta. — Levo o trabalho muito a sério, o que significa que precisarei me familiarizar com o tema em um nível pessoal.
Sinto meu estômago se agitar.
— Isso significa que você pode sentir, então?
Jimin observa-me em silêncio por um momento.
— Não exatamente, mas isso significa que não estou na lista negra.
Lá fora, escuto o ruído suave da porta na sala de estar deslizando para se abrir.
— Minha tia! — Ofego. Encontro o relógio na mesa de cabeceira. Passa de duas da manhã. — Devem ter aberto a principal. Como funciona essa história de anjo da guarda? Sou a única pessoa que pode ver você? Quer dizer, agora você está invisível para as demais pessoas?
Jimin me encara com ar de quem espera que eu não esteja falando sério.
— Você não é invisível!? — Digo. — Vai ter que sair daqui! — Faço um movimento para empurrar Jimin da cama, mas sou impedida por uma dor lancinante nas costelas. — Ela vai me matar se encontrá-la aqui. Você consegue subir em árvores? Diga que consegue!
Jimin abre um sorriso.
— Eu posso voar, Minjeong.
Ah. Claro. Muito bem.
— A polícia esteve aqui mais cedo — diz Jimin. — O quarto principal precisará ser reorganizado e eles disseram que vão voltar. Vão fazer algumas perguntas. Posso apostar que já tentaram encontrá-la pelo celular.
— Woojin pegou.
Ela assente com a cabeça.
— Imaginei. Não me importo com o que vai dizer para a polícia, mas preferiria que me deixasse de fora. — Ela abre a janela do quarto. — Ultima notícia: Yizhuo chamou a polícia a tempo. Eles vão cuidar das questões envolvendo a morte de Jay. Também pedi a Giselle que levasse sua amiga em casa e cuidasse da situação.
— Minjeong? — Minha tia chama. Ela joga a bolsa e as chaves na mesinha da entrada. Os saltos altos batem nas tábuas de madeira quase em ritmo de corrida. — Minjeong! A polícia selou a porta da frente! O que está acontecendo?
Olho pela janela. Jimin desaparecera, mas uma única pena negra está presa na parte externa do vidro, fixada pela chuva da noite anterior. Ou então pela magia dos anjos.
Lá fora, minha tia acende a luz da entrada, um raio esmaecido estende-se até a abertura embaixo da minha porta. Prendo a respiração, conto, presumindo ter mais dois segundos antes de...
Ela grita.
— Minjeong! O que aconteceu com o corredor?
Que bom que ela ainda não viu seu quarto.
\[...]
O céu está de um azul límpido, perfeito. O sol começa a despontar no horizonte. É segunda-feira, um dia novinho em folha. Os horrores das últimas 24 horas ficaram para trás. Pelas minhas contas eu tive cinco horas de sono e me sinto incrivelmente repousada, não fosse a dor no corpo inteiro causada pelo fato de ter mergulhado para a morte e ter sido então devolvida à vida. Não quero estragar esse momento lembrando que a polícia vai chegar a qualquer minuto para tomar meu depoimento a respeito dos acontecimentos da noite anterior. Eu ainda não decidi o que contar.
Caminho para o banheiro de pijama e me apresso em cumprir a rotina matinal. No quarto, separo uma camisa e calças jeans, ambas limpas.
Ligo para Ningning.
— Como você está? — Pergunto.
— Bem. E você?
— Bem.
Silêncio.
— Tudo bem — antecipa-se Ningning. — Ainda estou completamente assustada. E você?
— Completamente.
— Jimin ligou para mim no meio da noite. Disse que o tal do Woojin tinha pegado pesado com você, mas que você estava bem.
— Jura? Jimin ligou para você?
— Ela ligou do carro. Disse que você estava adormecida no banco traseiro e que ela a estava levando para casa. Comentou que estava passando por acaso na faculdade quando ouviu um grito. Contou que encontrou você no ginásio, mas que estava desmaiada de dor. A próxima cena que ela viu foi Woojin tirando a própria vida. Ela disse que o cara deve ter pirado, um efeito colateral de toda a enorme culpa que sentiu por ter perseguido você.
Não percebo que estou prendendo a respiração até soltar o ar. Obviamente, Jimin modificou alguns detalhes.
— Você sabe que não caí nessa — prossegue Yizhuo. — Sabe que eu acho que Jimin matou esse tal de Woojin.
Não posso admitir o quão certa ela está.
— O que a polícia acha? — Pergunto.
— Ligue a televisão. Tem cobertura ao vivo. Canal Cinco. Dizem que Woojin invadiu a faculdade com Jong Seong e depois de matá-lo, cometeu suicídio. Que foi uma tragédia. Pedem para quem tiver informações ligar para um número no pé da tela.
— O que você disse para a polícia quando telefonou?
— Estava com medo. Não queria ser presa por arrombamento e invasão. Por isso, dei um telefonema anônimo de uma loja de conveniência.
— Bem — digo finalmente —, se a polícia considera que é um homicídio seguido de um suicídio, acho que foi o que aconteceu. Afinal de contas, estamos numa era de modernidade. Temos toda a tecnologia da perícia.
— Você está me escondendo alguma coisa — diz Ningning. — O que aconteceu quando saí?
Aí fica complicado. Ningning é minha melhor amiga e temos um lema: Sem segredos. Mas existem questões impossíveis de explicar. Entre elas, encabeçando a lista, o fato de que Jimin era um anjo caído convertido em anjo da guarda. Logo abaixo vem o fato de que eu pulei da viga e morri, mas continuo viva.
— Recordo que Woojin me encurralou no ginásio — afirmo. — Ele me falou de toda a dor e o medo que ia me causar. Depois disso, não consigo me lembrar bem dos detalhes.
— É tarde demais para pedir desculpas? — Ningning parece mais sincera do que nunca. — Você estava certa em relação a Jong Seong.
— Desculpas aceitas.
— Precisamos ir ao shopping. Estou com uma necessidade irresistível de comprar sapatos. Muitos sapatos. O que nós precisamos é da boa e velha terapia de sapatos.
A campainha toca, e olho para o relógio.
— Preciso prestar depoimento para a polícia sobre o que aconteceu ontem à noite, mas ligo para você depois.
— Ontem à noite? — O tom de voz de Ningning eleva-se em pânico. — Eles sabem que você estava na faculdade? Você não mencionou meu nome, não é?
— Para falar a verdade, outra coisa aconteceu antes, ontem à noite. Ligo já para você. — Desligo antes que tenha que inventar outra explicação.
Manco pelo corredor. Já cheguei próximo a sala quando vejo quem são as pessoas que minha tia acaba de receber. Os detetives Min e Kim. Ela os conduz à sala de estar. Embora o detetive Min tenha se jogado no sofá, o detetive Kim permanece de pé. Está de costas para mim, mas o piso range na metade da sala e ele se vira.
— Kim Minjeong — diz com voz de tira durão. — Nos encontramos novamente.
Minha tia pisca, espantada.
— Vocês já se conheciam?
— Sua sobrinha leva uma vida muito animada. Parece que a gente passa por aqui todas as semanas.
Taeyeon me lança um olhar questionador. Dou de ombros, como se não tivesse entendido nada e presumisse que se tratava de alguma piada de policial.
— Por que você não se senta, Minjeong, e nos conta o que aconteceu? — Diz o detetive Min.
Abaixo-me para sentar em uma das poltronas de veludo diante do sofá.
— Pouco antes das nove, ontem à noite, eu estava na cozinha bebendo água quando Jong Seong, um amigo da faculdade, apareceu.
— Ele simplesmente entrou na casa? — Pergunta o detetive Kim.
— Disse que eu tinha uma coisa que ele queria. Foi então que corri pelo corredor e me tranquei no quarto principal.
— Volte — fala o detetive Kim. — O que era essa coisa que ele queria?
— Ele não disse. Contou que tinha entrado na Yonsei depois do que aconteceu na sua faculdade antiga. — Olho para cada uma das pessoas na sala. — Ele era maluco, não é?
Os detetives trocam olhares.
— Vou procurar saber se existe mais alguma ocorrência no nome dele — diz o detetive Min, levantando-se.
— Deixe-me ver se entendi direito — fala para mim o detetive Kim. — Ele acusou você de roubar algo que lhe pertencia, mas não disse o que era?
Outra pergunta complicada.
— Estava exasperado. Só consegui compreender metade do que ele dizia. Corri e me tranquei no quarto, mas ele arrombou a porta. Eu estava escondida na chaminé da lareira, e ele disse que ia destruir o apartamento inteiro, cômodo por cômodo, até me encontrar.
— Isso é uma loucura — exclama o detetive Kim, balançando a cabeça. — Nunca vi nada parecido.
— Eu soube do que aconteceu com esse garoto na Yonsei — minha tia comenta com os detetives, aproximando-se por trás de mim e colocando as mãos nos meus ombros em sinal de proteção. — Minjeong está em segurança?
— Talvez seja melhor instalar um sistema de segurança — o detetive Kim abre a carteira e entrega um cartão para minha tia. — Confio nesses caras. Diga a eles que fui eu quem indicou e eles lhe darão um desconto.
Algumas horas depois de os detetives terem partido, a campainha soou mais uma vez.
— Deve ser da empresa de segurança — diz minha tia, encontrando comigo na entrada. — Eu liguei para eles e me disseram que mandariam alguém vistoriar o apartamento hoje. Não suporto a ideia de dormir aqui sem algum tipo de proteção depois de tudo o que aconteceu. E a faculdade, que nem sabe o que realmente aconteceu?
Ela abre a porta e lá está Jimin, no corredor. Usa uma calça jeans desbotada, uma larga camisa social branca e traz o inconfundível sorriso de raposa no rosto.
— Boa tarde, sra. Kim.
— Jimin. — Eu não consigo identificar exatamente o tom de voz da minha tia. Surpresa misturada com desconforto. — Você veio ver Minjeong?
Jimin assente com a cabeça.
— Fiquei sabendo do que aconteceu na faculdade com um dos nossos colegas de turma e queria saber se ela estava bem.
Jimin e eu trocamos olhares, e sinto calor em várias partes do corpo. Na verdade, eu estou praticamente febril.
— Vamos lá fora? — Ela me pergunta. Eu a sigo até sua inconfundível BMW i8.
— Ainda temos muito que conversar — digo.
— Conversar? — Ela balança a cabeça, os olhos cheios de desejo.
Beijar, sussurra em meus pensamentos.
Não é uma pergunta, mas um aviso. Ela abre o sorriso quando não protesto e abaixa a boca em direção à minha. O primeiro toque é apenas isso — um toque. De uma suavidade tentadora, provocante. Passo a língua nos lábios, e o sorriso de Jimin aumenta.
— Mais? — Pergunta.
Enfio as mãos em seus cabelos, puxando-a para mais perto de mim.
— Mais.
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E aí, galera!
Mais uma fic concluída com sucesso. Quero agradecer a quem acompanhou a história até aqui. Sério, obrigada.
Para os interessados, tenho outras fics WinRina disponíveis no meu perfil, então nos encontramos por lá.
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