22

Winter's pov:

Eu estou parada no Moonlight Seul com as costas na parede, observando diversas pessoas transitando pelo lugar. A arquitetura do lugar parece diferente, e eu não consigo dizer se é dia ou noite. Um DJ faz a passagem de som no palco. Ninguém parece surpreso com a minha súbita aparição.

Então lembro que não estou vestindo nada além de uma camisa e calcinha. Não sou tão vaidosa, mas ficar no meio de uma multidão praticamente pelada e não ter ninguém olhando para mim? Alguma coisa está... errada.

Belisco a mim mesma. Estou perfeitamente viva até onde posso conferir.

Passo a mão nos cabelos e avisto Jimin do outro lado do salão. Ela está sentada em uma mesa na área privada, jogada para trás, segurando um copo de líquido âmbar nas mãos.

Atravesso o salão descalça, com os braços cruzados no peito, tomando cuidado para me manter coberta.

— Podemos conversar? — sibilo no ouvido dela.

Há algo estranho na minha voz. O que é compreensível, pois eu não tenho a mínima ideia de como vim parar no Moonlight. Em um momento eu estava na casa dela, no outro estou aqui.

Jimin bebe um gole da sua bebida e coloca o copo no centro da mesa.

— Que tal agora? — digo. — É um tanto urgente...

Fico em silêncio quando meu olhar recai no jornal em cima da mesa. É de treze anos antes. Mostra outubro do ano de 2009. Anos antes de conhecer Jimin. Digo para mim mesma que isso é um erro, que a pessoa encarregada de arrancar as folhas anda atrasada, mas ao mesmo tempo considero rapidamente, contrariada, a possibilidade de a data estar certa. Eu é que não estou.

Arrasto uma cadeira da mesa ao lado e me sento perto de Jimin.

— Acho que já podemos parar com esse joguinho... — Paro ao perceber que ninguém presta atenção. Não, não é isso. Ninguém está me vendo.

Passos ressoam nos degraus do outro lado do salão, e o mesmo segurança que conheci na primeira vez que estive aqui aparece no pé da escada.

— Tem alguém lá fora que quer conversar com você — ele fala para Jimin.

Ela arqueia uma sobrancelha, transmitindo uma pergunta silenciosa.

— Ele não quis dizer o nome — responde o segurança, como se se desculpasse. — Perguntei algumas vezes. Disse que você estava ocupada, mas ele não quis ir embora. Posso expulsá-lo, se quiser.

— Não, peça para ele entrar.

Jimin ajeita o blazer que está vestindo e caminha até o bar, no qual se recosta, e desliza as mãos para dentro dos bolsos.

Eu a sigo enquanto atravesso o salão. Estalo os dedos diante de seu rosto. Chuto seus sapatos. Chego a socar seu ombro. Ela não reage, não se move. Escuto passos leves ficando mais próximos, e quando um rapaz alto se aproxima. Seu cabelo loiro está impecavelmente arrumado. Ele usa jeans escuros, uma camisa lisa e blazer.

O rosto de Jimin é sempre como uma máscara, e nunca consigo adivinhar no que ela está pensando. Mas assim que coloca os olhos no rapaz, eu sei que ela está surpresa. Recupera-se rapidamente, as emoções desaparecendo enquanto o olhar torna-se cauteloso e atento.

— Félix?

Meu coração acelera. Tento organizar minhas ideias, mas meu único pensamento é que se realmente eu estou treze anos no passado, como então Jimin pode ter a mesma aparência atualmente? E quem é esse tal de Félix?

— Como você está? — Ele pergunta com um sorriso singelo.

— O que está fazendo aqui? — Os olhos de Jimin ficam ainda mais atentos.

— Sei que você deixou claro sua decisão durante nossa última conversa, mas ainda acho que... — Ele se interrompe e respira fundo. Quando volta a falar, a voz está mais firme. — Você deveria aceitar minha proposta e recuperar suas asas.

Ele sorri para Jimin, mas ela não lhe devolve o sorriso.

— Assim que recuperá-las, você poderá voltar para casa. — Diz, agora com mais segurança. — Se existe uma chance de redenção, você não deveria se condenar pela eternidade.

— Já deixei claro que não tenho interesse em seguir por esse caminho.

— E eu já expliquei que você não precisa se tornar uma guardiã, apenas salvar uma vida humana. Muito apropriado considerando o crime pelo qual foi banida para cá, para começar.

— Você espera que eu acredite nisso, Félix?

Toda a segurança desaparece dos olhos dele, e tenho a impressão de que Jimin perguntou aquilo que ele esperava evitar.

— Vamos, me diga qual seria o meu posto se eu aceitasse fazer isso? — Jimin continua, mas o sorriso sombrio me diz que ela já sabe a resposta.

— Tudo bem. Você seria um anjo da guarda, está bem?

Jimin inclina a cabeça para trás e ri suavemente.

— O que há de errado em ser uma guardiã? — Félix pergunta, confuso. — Por que não é bom o bastante para você?

— Estou planejando algo melhor.

— Escute, Jimin. Não há nada melhor. Você está se enganando. Qualquer outro anjo caído faria tudo para aproveitar a chance de recuperar as asas e se tornar um guardião. Por que não pode fazer o mesmo? — A voz dele parece sufocada pelo espanto e pela irritação.

Jimin se afasta do bar.

— Foi bom vê-lo de novo, Félix. Faça uma boa viagem de volta a Busan.

Enquanto vê Jimin se afastar, a angústia desaparece do rosto dele e uma expressão de segurança a substitui. É o rosto de alguém que blefou com uma composição de cartas bem complicada.

Sem aviso, Jimin agarra-o pelo colarinho.

— Agora me conte por que mesmo você está insistindo nesse assunto.

Estremeço diante do tom sombrio em sua voz. Para um estranho, ela parece perfeitamente calma. Mas é evidente para qualquer pessoa que a conheça minimamente que o olhar dela diz a Félix que ele ultrapassou os limites e que o melhor para ele é recuar... nesse instante.

Jimin o conduz até a área VIP. Coloco-o em um dos bancos e desliza para outro ao lado. Ocupo um ao lado de Jimin, abaixando-me para ouvi-la sem que a música atrapalhe.

— O que você está querendo dizer? — gagueja Félix. — Eu já lhe disse tudo o que sabia.

— Você está mentindo.

Ele fica surpreso.

— Não posso acreditar... você acha...

— Quero a verdade. Agora — diz Jimin.

Félix hesita, lançando-lhe um olhar intenso e furioso. Então fala:

— Ótimo. Eu conheço seus planos. Sei que você teve acesso ao Livro de Enoque antes da queda. Também sei que você acha que pode fazer o mesmo, mas não pode.

Jimin cruza os braços.

— Mandaram você aqui para me persuadir a escolher um caminho diferente, não foi? — Um sorriso desponta em seu olhar. — Se sou uma ameaça, já deveriam ter enviado alguém para me eliminar.

— Não é isso...

— Desista. De que outra forma você teria acesso a essas informações, Félix? — Ela diz. — Assim como eu, você perdeu o direito de ter acesso as escrituras sagradas quando traiu todos os celestiais e caiu dos céus.

Ele fica em silêncio.

— Quem entrou em contato com você? Quantos deles sabem o que estou procurando? — Jimin pergunta. — Que tipo de ameaça eu represento?

Ele balança a cabeça de um lado para o outro.

— Não posso dizer. Já falei mais do que devia.

— Vão tentar me impedir?

— Os anjos vingadores vão.

Ele a encarou com intensidade.

— A não ser que pensem que você me convenceu do contrário.

— Não me olhe assim. — Parece que ele está reunindo toda a sua coragem para parecer firme. — Não vou mentir para protegê-la. O que você está tentando fazer é errado. Não é natural.

— Félix. — Jimin pronuncia o nome dele como uma delicada ameaça. — Você cometeu um erro. Assim que perceberem que não conseguiu me persuadir, irão te eliminar como já fizeram com tantos outros.

— Garanto que isso não vai acontecer — ele diz com tranquila convicção. — Aceite essa chance de redenção. Torne-se um anjo de guarda. Concentre-se nisso e esqueça o Livro de Enoque.

Jimin passa a mão nos cabelos, imersa em pensamentos.

— Diga a eles que nós conversamos e que eu demonstrei interesse em me tornar uma guardiã.

— Interesse? — Ele questiona, um pouco incrédulo.

— Interesse — ela repete. — Isso vai lhe garantir algum tempo. Diga que pedi um nome. Se vou salvar uma vida, preciso saber quem está na lista das partidas. Sei que aquele que entrou em contato com você tem acesso privilegiado a essa informação.

— Essa informação é sagrada, restrita e imprevisível. Os acontecimentos mundanos se alteram a cada momento, dependendo das escolhas humanas...

— Um nome, Félix.

— Você por acaso acha que eles me dariam tamanha informação? Embora tenha aceitado me tornar um guardião, ainda sou um caído.

Jimin ri com frieza e, depois de alguns instantes, caminha em direção à escada.

— Jimin, espere... — Ele salta do banco. — Jimin, espere, por favor.

Ela vira a cabeça.

— Kim Minjeong — ele diz quase num sussurro.

A expressão de Jimin demonstra um ligeiro abalo, fica séria, num misto de descrença e aborrecimento. O que não faz o menor sentido se a data no jornal estiver correta, pois nós ainda não nos conhecemos. Meu nome não deveria ser familiar.

— Como ela vai morrer? — Pergunta.

— Alguém quer matá-la.

— Quem?

— Eu não sei — ele diz, baixando os ombros. — Isso foi tudo o que me relataram.

Meu dedo deixa a cicatriz de Jimin e a ligação se desfaz. Preciso de um momento para me refazer, e ela me pega desprevenida, atirando-me na cama no instante seguinte e prendendo meus punhos sobre a minha cabeça.

— Não deveria ter feito isso. — Há uma raiva controlada no rosto, sombrio e intenso. — O que você viu?

Levanto o joelho e chuto as costelas dela.

— Você... me... solte!

Ela prende meus quadris com as pernas, imobilizando-me. Com os braços ainda levantados sobre a cabeça e sob o peso dela, eu não posso fazer nada além de me contorcer.

— Solte... ou... vou começar a gritar!

— Você já está gritando. E nada vai acontecer aqui. — Ela dá um sorriso agressivo, cheio de letalidade. — Ultima chance, Minjeong. O que você viu?

Eu estou tentando não chorar. Meu corpo inteiro é tomado por uma emoção tão estranha que eu não consigo sequer identificá-la.

— Você me enoja! — Exclamo. — Quem é você? Quem é você, de verdade?

Seu sorriso fica ainda mais sombrio.

— Estamos chegando mais perto.

— Você quer me matar!

O rosto de Jimin nada diz, mas os olhos ficam mais frios.

— Seu carro não quebrou de verdade, não é? — digo. — Você mentiu. Trouxe-me aqui para poder me matar. É o que Félix disse que você queria fazer. Bem, o que está esperando? — Eu não tenho a mínima ideia do que estou fazendo e nem me importo. Estou cuspindo palavras em uma tentativa de manter meu pavor sob controle. — Você vem tentando me matar todo esse tempo. Desde o começo. Vai me matar agora?

Encaro-a com dureza, sem pestanejar, tentando impedir que as lágrimas se derramem enquanto eu me lembro do dia fatídico em que ela apareceu em minha vida.

— Minjeong...

Eu me contorço. Tento me virar para a direita, depois para a esquerda. Finalmente percebo que estou desperdiçando muita energia e paro. Jimin volta os olhos para mim. Estão ainda mais intensos do que da última vez em que vi esse brilho.

— Aposto que está gostando disso — digo.

— Seria uma aposta inteligente.

Sinto meu coração acelerado dentro do peito.

— Então faça logo! — Exclamo, desafiadora.

— Matar você?

Assinto com a cabeça.

— Se eu realmente quisesse matar você já teria feito isso há muito tempo.

Engulo em seco tentando processar essa informação. Ela passa o polegar em meu pulso. O toque é enganadorarnente suave, o que torna tudo ainda mais doloroso de suportar.

— E Félix? — Pergunto, ainda resfolegando. — Ele é a mesma coisa que você, não é? Vocês dois são... anjos. — Minha voz vacila ao dizer isso.

Jimin alivia ligeiramente o peso sobre meus quadris, mas continua prendendo meus punhos.

— Se eu soltar, você vai me ouvir?

Eu posso sentir meu peito subindo e descendo com a respiração entrecortada. Agora que eu sei que Jimin quer me matar, tudo parece ter perdido o sentido.

— Félix estava errado. Nós fomos aliados, antes que ele pagasse pelos seus crimes — Ela dá um sorriso duro, tentando fazer graça. — Nem tudo é o que parece.

Ela se senta nos calcanhares, soltando-me devagar, testando para ver se eu reajo. Fico caída no colchão, respirando com dificuldade, apoiada nos cotovelos. Conto até três e me lanço sobre ela com toda a força que tenho.

Jogo-me contra seu peito, mas ela só balança ligeiramente e não se move. Eu me contorço e começo a bater nela com as mãos cerradas. Golpeio seu peito até meus pulsos começarem a doer.

— Acabou? — Ela pergunta.

— Não! — Dou uma cotovelada na coxa dela. — Qual é o problema? Você não sente nada?

— Você tem só mais um minuto — ela diz, calmamente. — Ponha toda a raiva para fora. Então eu assumo.

Eu não sei o que ela quer dizer com "eu assumo" e não quero descobrir. Dou um pulo para fora da cama, na direção da porta. Ela me agarra ainda no ar e me joga contra a parede. As pernas dela estão apertadas contra as minhas, frente a frente, por toda a extensão das nossas coxas.

— Quero a verdade! — Exclamo, lutando para não chorar. — Você foi para a faculdade para me matar? Era esse seu objetivo desde o início?

Algo passa pelos olhos de Jimin.

— Minjeong...

Enxugo uma lágrima que ousa escapulir.

— Você está se sentindo triunfante? Conseguiu o que queria, não foi? Me fez confiar em você, me fez se entregar para você para jogar isso depois na minha cara?

Eu sei que estou tomada por uma ira irracional. Estou aterrorizada e agitada. Estou fazendo todo o possível para fugir. Mas a parte mais irracional de minha mente ainda não quer acreditar que ela me mataria, e, por mais que eu tente, não consigo ignorar esse pequeno traço ilógico de confiança.

— Entendo que você esteja irritada... — diz Jimin.

— Estou furiosa! — Grito.

Suas mãos deslizam pelo meu pescoço, e ela aperta suavemente os polegares contra minha garganta, jogando minha cabeça para trás. Sinto seus lábios pressionando os meus com tanta força que ela consegue silenciar qualquer xingamento que estivesse prestes a sair. As mãos dela descem até meus ombros, escorregaram pelos meus braços e se detêm no final das minhas costas. Pequenos calafrios de pânico e de prazer me atravessam. Ela tenta me apertar contra si, mas eu mordo seu lábio.

Jimin lambe o lábio com a ponta da língua.

— Você me mordeu?

— Isso tudo é uma brincadeira para você? — Pergunto.

— Nem tudo.

— O que não é?

— Você.

A noite toda parece fora dos eixos. É difícil confrontar alguém tão indiferente quanto Jimin. Não, ela não é indiferente. É perfeitamente controlada. Até a última célula de seu corpo.

Escuto uma voz dentro da minha cabeça.

Relaxe. Confie em mim.

— Minha nossa — exclamo com uma explosão de lucidez. — Você está fazendo aquilo de novo, não é? Confundindo minha cabeça. — Lembro o artigo que encontrei na internet ao procurar por anjos caídos no Google. — Você pode colocar mais do que palavras em minha mente, não é? Pode colocar imagens, imagens muito realistas, lá dentro.

Ela fica em silêncio.

— O festival de outono. — Digo, enfim compreendendo. — Você estava me influenciando naquela noite, não era? Mas algo deu errado. Depois você me fez pensar que o celular estava sem bateria para que eu não ligasse para Ningning. Você estava planejando me matar durante a viagem para casa? Quero saber como me faz ver o que quer!

O rosto dela está cuidadosamente sem expressão.

— Ponho palavras e imagens lá dentro, mas é você quem decide se acredita ou não. É um enigma. As imagens se sobrepõem à realidade, e você precisa decidir o que é real.

— Esse é um poder especial de anjo?

Ela balança a cabeça.

— Poder de anjo caído. Nenhum outro tipo de anjo invadiria sua privacidade, embora pudesse.

Porque os outros anjos são bons. E Jimin não é.

Ela apoia as mãos contra a parede atrás de mim, uma de cada lado da minha cabeça.

— Coloquei na cabeça do professor Park a ideia de mudar a disposição dos lugares porque precisava ficar perto de você. Fiz você acreditar que estava sem comunicação porque queria me divertir, mas não consegui ir adiante. — A voz dela se suaviza. — Você me fez mudar de ideia.

Respiro fundo.

— Não compreendo. Quando contei que meus pais tinham sido assassinados você pareceu lamentar sinceramente. Quando você conheceu minha tia, foi gentil.

— Gentil... — repete Jimin. — Vamos manter isso entre nós. Não quero perder minha fama de garota má.

Minha cabeça gira cada vez mais rápido. Posso sentir uma pulsação nas têmporas. Já senti esse pânico, essa aceleração do coração antes. Preciso dos meus comprimidos de ferro. É isso, ou então Jimin está me fazendo acreditar que preciso deles.

Ergo o queixo e aperto os olhos.

— Saia da minha cabeça. Agora!

— Não estou na sua cabeça, Minjeong.

Curvo-me para a frente, apoiando as mãos nos joelhos, inspirando com força.

— Você está. Eu sinto. É isso o que vai fazer? Me sufocar?

Estalos suaves ecoam em meus ouvidos, e manchas negras aparecem diante dos meus olhos. Tento encher os pulmões, mas é como se o ar tivesse desaparecido. O mundo perde o foco. Jimin sai do meu campo visual. Apoio a mão na parede para me equilibrar. Quanto mais eu tento inspirar, mais apertada fica minha garganta.

Jimin avança na minha direção, mas jogo a mão para a frente.

— Afaste-se!

Ela apoia um ombro na parede e me encara, com a boca apertada em preocupação.

— Afaste-se... de... mim! — balbucio.

Ela não se afasta.

— Não... consigo... respirar! — digo engasgada, agarrando a parede com uma das mãos e a garganta com a outra.

De repente, Jimin me levanta e me carrega até a poltrona do outro lado do quarto.

— Coloque a cabeça entre os joelhos — diz, empurrando minha cabeça para baixo. Abaixo a cabeça, respirando rapidamente, tentando forçar o ar para dentro dos pulmões. Muito lentamente, sinto o oxigênio de volta ao meu corpo. — Está melhor? — Pergunta Jimin depois de um minuto.

Assinto com a cabeça.

— Você está com seus comprimidos de ferro?

Balanço a cabeça.

— Mantenha a cabeça baixa e inspire fundo e devagar.

Sigo as instruções e sinto o aperto em meu peito diminuir.

— Obrigada — digo baixinho.

— Ainda não confia nas minhas intenções?

— Se quer que eu confie em você, deixe-me tocar novamente nas cicatrizes.

Jimin me estuda silenciosamente durante um longo momento.

— Não é uma boa ideia.

— Por que não?

— Não posso controlar o que você vê.

— Mas a ideia é essa.

Ela espera alguns segundos antes de responder.

— Você sabe que tenho segredos. — Diz em tom baixo, sem emoção.

Sei que Jimin leva uma vida reservada e cheia de segredos. Não tenho a presunção de que nem metade desses segredos tenham relação comigo. Jimin leva uma vida diferente além da que compartilha comigo. Mais de uma vez eu imaginei como seria essa outra vida. Tenho a impressão de que quanto menos souber, melhor será.

Respiro fundo.

— Dê uma razão para eu confiar em você.

Jimin senta-se na beirada da cama, o colchão cedendo com seu peso. Desabotoa a camisa que está usando e curva-se para a frente, descansando os antebraços nos joelhos. As cicatrizes estão completamente à vista, e a luz do quarto faz com que fiquem ainda mais destacadas. Os músculos das costas se tencionam e depois relaxam.

— Vá em frente — Ela diz suavemente. — Não se esqueça de que as pessoas mudam, mas o passado, não.

De repente, não tenho tanta certeza de querer fazer isso. Jimin me aterroriza praticamente em todos os níveis. Mas bem no fundo eu não acho que ela me mataria. Se quisesse mesmo isso, já poderia ter feito.

Observo as terríveis cicatrizes.

Confiar em Jimin parece bem mais confortável do que tropeçar novamente em seu passado sem ter a menor ideia do que irei encontrar. Mas, se eu recuar agora, ela vai saber que eu tenho medo. Ela está abrindo uma das portas fechadas só para mim, e só porque eu pedi. Não posso fazer um pedido tão sério desses e simplesmente mudar de ideia.

— Não corro o risco de ficar presa lá para sempre, não é? — Pergunto.

Jimin dá uma risada suave.

— Não. Pode ficar tranquila quanto a isso.

Reúno toda a coragem que tenho e sento-me na cama ao seu lado. Pela segunda vez nessa noite, meu dedo esbarra na protuberância da cicatriz. Minha visão é tomada por uma névoa cinza que começa a surgir pelas beiradas. As luzes se apagam.

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