19

Winter's pov:

Rolo na cama a noite inteira. O vento bate nos campos abertos que circundam o prédio, jogando detritos contra a janela. Todos os pequenos barulhos, do bater das janelas ao rangido das molas da minha cama, fazem-me acordar assustada.

Por volta das seis horas, desisto. Arrasto-me para fora da cama e percorro o corredor em busca de um banho quente. Estou seguindo para a cozinha quando escuto alguém batendo na porta da frente. Abro e encontro Jong Seong postado na soleira.

Ele está de jeans, camisa xadrez vintage com as mangas dobradas até o cotovelo, óculos escuros e um boné. Por fora, parece ser um típico rapaz coreano. Mas eu não me deixo enganar, e uma injeção de adrenalina é a confirmação.

— Kim Minjeong — diz Jong Seong em um tom condescendente. Ele se curva e sorri, e sinto o cheiro de álcool no hálito dele. — Você vem me causando muitos problemas recentemente.

— O que está fazendo aqui?

Ele dirige o olhar por trás de mim, examinando o apartamento.

— O que você acha que estou fazendo? Quero conversar. Não posso entrar?

— Minha tia está dormindo. Não quero acordá-la.

— Não conheci sua tia.

Há algo no seu jeito de falar que eriça os pelos na minha nuca.

— Desculpe, você precisa de alguma coisa?

O sorriso é meio relaxado, meio de escárnio.

— Você não gosta de mim, não é, Kim Minjeong?

Em resposta, cruzo os braços sobre o peito. Tivemos a mesma conversa há cerca de dois anos e eu pensei que ele já tivesse entendido isso.

Jong Seong cambaleia um passo para trás com a mão apertada contra o coração.

— Puxa. Eu estou aqui Minjeong, em um último esforço para convencê-la de que sou um cara legal e que você pode confiar em mim. Não me desaponte.

— Escute, Jong Seong, tem uns assuntos que eu preciso...

Ele dá um soco na parede, com força suficiente para soltar algumas lascas de tinta.

— Eu não acabei! — Diz de forma ininteligível e em um tom agitado. De repente, ele joga a cabeça para trás e ri suavemente. Curva-se, coloca a mão ensanguentada entre os joelhos e geme. — Aposto dez dólares como vou me arrepender disso mais tarde.

A presença de Jong Seong me deixa arrepiada. Lembro-me de alguns meses antes, quando realmente achei que sua presença na faculdade não me causaria problemas. Fico pensando por que fui tão idiota.

Estou considerando a hipótese de fechar a porta e trancá-la quando Jong Seong arranca os óculos escuros, deixando à mostra olhos vermelhos. Pigarreia, e a voz vem clara.

— Vim aqui porque queria lhe contar que deveríamos acampar no próximo fim de semana. Você, eu, Yzhuo e Aeri. Vai ser a oportunidade perfeita para relaxarmos da faculdade — Cada palavra que sai da sua boca parece estranha e cuidadosamente ensaiada.

— Sinto muito, tenho outros planos.

— Deixe-me fazê-la mudar de ideia. Vou planejar toda a viagem. Arranjo as barracas, a comida. Vou mostrar a você que sou um cara legal. Vou fazer você se divertir.

— Acho que você deve ir embora.

Jong Seong apoia a mão no batente da porta, inclinando-se na minha direção.

— Resposta errada.

Por um momento fugaz, o estupor embaçado de seus olhos desaparece, coberto por algo perverso e sinistro. Involuntariamente, dou um passo para trás. Tenho quase certeza de que Jong Seong é capaz de matar. Tenho quase certeza de que é o culpado pela morte de Eun.

— Acho melhor você ir embora — digo.

Jong Seong avança na minha direção, agarrando a frente da minha camisa e me puxando para fora. Então me joga contra a parede e me prende com seu corpo.

— Você vai acampar, querendo ou não.

— Me largue! — Exclamo, tentando escapar dele.

— Ou o quê? O que você vai fazer?

Ele me segura pelos ombros e me lança de novo contra a parede; meus dentes rangem.

— Vou chamar a polícia.

Não tenho ideia de como pude dizer isso com tanta coragem. Minha respiração está rápida e curta, minhas mãos, úmidas.

— Você vai chamar a polícia gritando? Vai alertar os seus vizinhos e causar uma grande confusão. A única maneira de escapar de mim é jurar que vai acampar.

— Minjeong?

Jong Seong mantém as mãos sobre mim por mais um momento, em seguida faz um som de desagrado e me empurra para longe. Na metade do caminho para o elevador, ele olha para trás.

— Isto ainda não acabou.

Corro para dentro e tranco a porta. Meus olhos começam a arder. Encosto na porta e me deixo cair, até ficar sentada no tapete da entrada, lutando para não chorar.

Minha tia aparece na sala, amarrando o roupão na cintura.

— Minjeong? O que aconteceu? Quem estava na porta?

Pisco para afastar as lágrimas apressadamente.

— Era um garoto da faculdade. — Não consigo impedir que minha voz trema. — Ele... ele. — Eu já estou em uma bela encrenca por causa do encontro com Jimin. Sei que minha tia planejava ir ao casamento da filha de um amigo do trabalho, mas se lhe disser o que Jong Seong fez, não haverá jeito de ela querer ir. E é a última coisa que eu desejo, porque eu tenho planos para hoje à tarde. — Ele queria as anotações que fiz sobre uma das matérias — digo em tom inexpressivo. — Na semana passada, ele colou da minha prova e aparentemente está tentando transformar isso em um hábito.

— Nossa, querida. — Ela senta-se junto de mim, acariciando meu cabelo molhado, que ficou gelado desde o banho. — Posso entender por que você está tão perturbada. Posso ligar para os pais dele, se quiser.

Balanço a cabeça.

— Então vou preparar o café da manhã — diz Taeyeon. — Termine de se vestir. Estará tudo pronto quando você voltar.

Eu estou diante do guarda-roupa quando o celular toca.

— Estava pensando... talvez a gente possa sair para se divertir hoje à noite — exclama Ningning, parecendo estranhamente animada.

— Ningning — digo com a voz trêmula. — Acho que não estou muito afim de fazer isso.

— O que aconteceu?

A mão que segura o celular estremece. Uso a outra para ajudar a mantê-la firme.

— Jong Seong apareceu aqui em casa há 15 minutos, bêbado. Ele... ele me ameaçou fisicamente.

Ela fica em silêncio por um momento.

— O que você quer dizer com "ameaçou fisicamente"? — Pergunta, a voz se enchendo de preocupação.

— Ele me arrastou para fora de casa e me jogou contra a parede.

— Posso ser completamente honesta com você, Winter? Não me odeie, mas no começo eu realmente achei que tudo isso não passasse de um excesso de preocupação da sua parte. Só que levando em consideração as tais acusações de Jong Seong no envolvimento do suicídio daquela garota e suas mais recentes atitudes, acho melhor você manter distância dele.

Fico em silêncio. Agradecendo mentalmente por ela finalmente estar do meu lado.

— Então... O que você vai fazer hoje?

Coloco a cabeça para fora da porta, tentando ouvir minha tia. O som do batedor de ovos em uma tigela vem da cozinha. Parte de mim não vê razão para envolver Ningning em qualquer outra coisa, mas outra parte ainda prefere ser sincera. Ela quer saber quais são meus planos? Muito bem. Não é problema meu se ela não gostar deles.

— Vou dirigir até Gwanak-gu assim que minha tia sair para um casamento. — A cerimônia começa às quatro da tarde. Com a recepção depois, minha tia não vai chegar em casa antes das nove da noite. O que me dá tempo suficiente para passar o final da tarde em Gwanak-gu e ainda chegar antes dela.

— Você vai espionar o Jong Seong, não vai? Você vai investigar na Seoul National University.

— Vou fazer umas comprinhas e passar em uma livraria — digo, deslizando os cabides no suporte do guarda-roupa.

Separo uma camisa de mangas compridas e um gorro que eu reservo para os dias em que o clima está mais ruim e para os fins de semana.

— E essa livraria é onde aquela Eun costumava trabalhar?

— Não é uma ideia ruim — digo. — Talvez.

— E você vai mesmo comprar algum livro ou apenas interrogar os funcionários?

— Talvez eu faça algumas perguntas.

— Não vá se meter em problemas! — Yzhuo exclama antes que eu possa desligar.

\[...]

Eu já estive em Gwanak-gu em muitas ocasiões, mas não conheço o bairro muito bem. Como não quis vir de carro, resolvi fazer o trajeto de ônibus.

Os prédios são de tijolos vermelhos, altos e estreitos, e bloqueiam a luz do pôr do sol, que reluz atrás de um espesso grupo de nuvens de tempestade, vestindo as ruas com um véu de sombras. A fachada das lojas tem varandas e placas sobre as portas. Depois de alguns quarteirões, as ruas congestionadas se abrem para uma área arborizada, e vejo uma placa sinalizando a Seoul National University. Um grande edifício emerge sobre a copa das árvores.

Fico na calçada e dobro a esquina. Depois de descer metade da rua, vejo uma placa da livraria Bookshop. Tiro a lista de perguntas da bolsa e as leio pela última vez. Não é para parecer que eu estou fazendo uma entrevista oficial. Espero que ao mencionar casualmente o assunto "Eun" para os funcionários, possa extrair deles alguma informação que um punhado de repórteres antes de mim deixara passar. Jogo a lista na lixeira mais próxima, torcendo para ter guardado todas as perguntas na memória.

No interior da livraria o chão é de cerâmica amarela e branca. Há estantes repletas com os mais variados gêneros de livro e uma área de leitura com mesas em reservados com estofados azul-marinho. Caminho até uma das estantes.

Uma funcionária com uniforme preto aparece ao meu lado.

— Meu nome é Jisu — diz em um tom indiferente. — Bem-vinda a Bookshop. Está a procura de algo em específico?

— Bookshop? — Franzo a testa e cutuco o queixo. — Por que o nome me soa tão familiar?

— Você não lê jornal? Estivemos nos noticiários por uma semana inteira alguns meses atrás. Os tais quinze minutos.

— Nossa! — Exclamo, como se tivesse entendido tudo subitamente. — Eu lembro. Houve um assassinato, não foi? A garota trabalhava aqui?

— Kim Eun. — Ela diz com impaciência. — Quer que eu recomende algum título?

Eu não quero comprar nenhum livro. Para falar a verdade, não vim aqui com esse propósito.

— Deve ter sido difícil. Vocês duas eram amigas?

— Caramba, não. Vai comprar ou não vai? Vou lhe contar um segredinho. Se eu não trabalho, não ganho. Se eu não ganho, não pago o aluguel.

Subitamente, desejo que o funcionário que está do outro lado da livraria me atenda. Ele é baixo, careca até a linha das orelhas e com um corpo que lembra os palitos de dente. Os olhos nunca se elevam a mais de um metro do chão. Por mais patético que possa parecer depois, bastaria um sorriso simpático meu para fazer com que ele me contasse tudo sobre a vida de Eun.

— Sinto muito — digo, resoluta. — Não consigo parar de pensar naquele assassinato. Claro que vocês já estão cansados disso. Devem ter aparecido muitos repórteres fazendo perguntas.

Ela me lança um olhar penetrante.

— Vamos parar com o joguinho — ordena Jisu. — O que você quer? Você é da polícia? É advogada? Repórter?

— Apenas uma cidadã preocupada. — A frase parece uma pergunta.

— Certo, muito bem. Vou dizer uma coisa. Compre algum dos nossos exemplares e eu conto para você o que eu falei para todo mundo.

Avalio minhas opções: poupança ou respostas.

— Fechado.

— Eun começou a andar com aquele garoto, Park Jong Seong. Aquele dos jornais. Ele estava aqui o tempo inteiro. Acompanhava ela de volta para o apartamento no final do turno.

— Você chegou a falar com Jong Seong?

— Eu não.

— Acha que Eun cometeu suicídio?

— Como vou saber?

— Li no jornal que encontraram um bilhete no apartamento dela, mas também havia sinais de arrombamento.

— E daí?

— Você não acha isso um pouco... estranho?

— Se você quer saber se eu acho que Jong Seong poderia ter deixado o bilhete no apartamento, é claro que eu acho. Um garoto rico daqueles pode se livrar de qualquer coisa. Provavelmente contratou alguém para deixar o bilhete lá. É como funciona quando se tem dinheiro.

— Não acho que Jong Seong tenha muito dinheiro. — Digo. Sempre soube que a família dele era bem estabelecida, mas nada no nível de Aeri. Ningning nunca para de delirar com a casa dela. — Acho que ele estudava na Seoul National University como bolsista.

— Bolsista? — Ela repete com um rosnado. — O que você andou bebendo? Se Jong Seong não fosse montado na grana, como ele teria comprado o apartamento para Eun? Responda.

Luto para não demonstrar surpresa.

— Ele comprou um apartamento para ela?

— Eun não parava de falar naquilo e me deixava louca.

— Por que ele compraria um apartamento para ela?

Jisu me encara, com os braços cruzados.

— Diga para mim que você não é burra de verdade.

Ah. Privacidade. Intimidade. Captei.

— Você sabe por que Jong Seong saiu da Seoul National University?

— Não sabia disso.

Examino mentalmente as respostas dela e as perguntas que ainda quero fazer, tentando recuperá-las na memória.

— Ele encontrou amigos aqui? Alguma pessoa além da Eun?

— Como posso me lembrar disso? — Ela revira os olhos. — Pareço uma daquelas pessoas com memória fotográfica?

— Uma garota alta? Cabelo comprido, castanho, atraente, roupas sob medida.

Ela passa a mão nos cabelos.

— Sim, eu me lembro dessa garota. Difícil de esquecer. Toda extrovertida e cheia de sorrisos. Veio uma ou duas vezes. Foi há pouco tempo. Talvez na época em que Eun morreu. Acho que me lembro de um papo entre eles. Não é que eu seja enxerida, mas tenho ouvidos. Às vezes a gente não consegue deixar de ouvir as conversas. Da última vez que essa garota veio aqui com Jong Seong, eles ficaram curvados sobre uma mesa, falando de uma prova.

— Uma prova da faculdade?

— Como vou saber? Pelo que parecia, a garota não tinha passado numa prova, e Jong Seong não estava feliz com isso. Jogou a cadeira para o lado e saiu batendo a porta. Nem lembrou de levar os livros que havia comprado.

— Eles mencionaram Eun?

— O garota entrou primeiro e perguntou se Eun estava trabalhando. Eu disse que não estava e ela pegou o celular. Dez minutos depois, Jong Seong entrou. Eun sempre atendia o Jong Seong, mas, como eu disse, ela não estava trabalhando, então fiquei responsável por eles. Se falaram sobre Eun, eu não ouvi.

— Você se lembra de mais algum detalhe?

— Nada além disso.

— Tudo bem...

— Você já pode escolher qual exemplar vai levar. Qualquer dúvida basta me chamar. — Ela me alfineta com um sorriso presunçoso e afasta.

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