16
Winter's pov:
Uma chuva fria cai durante todo o sábado, e eu fico sentada próximo à janela, observando as poças na rua aumentarem de tamanho. Eu tenho uma cópia de Hamlet no colo, uma caneta apoiada sobre a orelha e uma caneca vazia de chocolate quente aos pés.
Minha tia saiu para beber com alguns amigos há quase trinta minutos. Embora eu tenha ensaiado diversas maneiras de contar sobre meu encontro com Jimin, acabei deixando que ela passasse pela porta sem lhe dizer nada. Digo a mim mesma que não é um problema. Eu tenho 21 anos e posso decidir quando e por que sair de casa, mas a verdade é que eu deveria ter contado a ela que ia sair. Perfeito. Agora eu vou desfilar por aí com minha culpa a noite inteira.
Quando o relógio de parede no corredor soa anunciando 18h30, fico satisfeita em deixar o livro de lado e vou correndo para o quarto. Passei a maior parte do dia envolvida com trabalhos da faculdade e tarefas domésticas, e isso ajudou minha cabeça a não pensar sobre o encontro à noite. Mas agora que faltam apenas os minutos finais, a ansiedade supera tudo. Não importa se eu quero ou não pensar no assunto, Jimin e eu temos questões mal resolvidas. Nós não voltamos a conversar sobre o nosso beijo. Mais cedo ou mais tarde, isso vai precisar de um desfecho.
Vou para a frente do espelho e começo a me examinar. A maquiagem é mínima, apenas uma leve camada de rímel. Os lábios bem que precisam de um pouco de gloss. Lambo o lábio inferior, que ganha um brilho úmido. Isso me faz pensar mais sobre o beijo com Jimin e, involuntariamente, sinto uma onda de calor. Se um beijo é capaz de provocar isso, imagino como será se as coisas avançarem. Meu reflexo no espelho sorri.
"Não é nada demais", digo a mim mesma enquanto passo a mãos nos cabelos. Fico pensando no que Jimin tem em mente. Jantar? Cinema?
Visto uma calça jeans justa e sapatos. Como o clima está frio, coloco um sueter por cima da minha camisa justa. Ajeito o cabelo e então escuto meu celular tocar; uma mensagem de Jimin avisando que está me esperando lá embaixo.
Dou mais uma olhada no espelho do corredor e então saio do apartamento, indo até o térreo, um jaguar preto está parado na calçada. Jimin corre na chuva até a entrada do prédio, vestida com uma calça escura, botas e uma das suas inconfundíveis jaquetas jeans.
— Carro novo? — Pergunto. Ela me dá um sorriso misterioso.
— As coisas estão indo muito bem no Moonlight, então resolvi fazer uma comprinha.
— Ainda não entendo como você conseguiu um negócio daquele porte — digo, esperando que ela pegue a deixa.
— Apenas investi no empreendimento certo.
A resposta vem com naturalidade, e eu decido que provavelmente isso quer dizer que ela não quer explorar o tema. Infelizmente, quando o assunto é esconder o passado, Jimin não me parece uma amadora.
Pergunto a mim mesma se ela está escondendo algo. Mas detectar mentiras não é um dos meus pontos fortes. Eu não tenho muita experiência. Normalmente eu me cerco de pessoas em que eu confio... Normalmente.
\[...]
Durante o trajeto, eu imaginei que Jimin me levaria para o Moonlight, mas para minha surpresa ela estaciona o Jeep atrás de um Fliperama. Quando chegamos na frente da fila, o caixa pousa os olhos primeiro em Jimin e depois em mim. E continua nesse lá e cá, como se estivesse tentando entender algo.
— E aí? — Diz Jimin, e coloca três notas de wons sobre o balcão.
O caixa transfere o olhar atento para mim. Percebo que eu não consigo parar de fitar as tatuagens que cobrem todos os centímetros possíveis de seu antebraço direito. Ele arqueia uma sobrancelha e diz:
— Está vendo alguma coisa aqui?
— Gosto das suas tat... — começo.
Ele deixa à mostra dentes caninos afiados.
— Não acho que ele goste de mim — sussurro para Jimin quando estamos a uma distância segura.
— G-Dragon não gosta de ninguém.
Sinto um desejo avassalador de voltar correndo para o carro e dar o fora.
— Estamos em segurança? — Pergunto. Jimin me lança um olhar enviesado.
— Anjo.
— Só estou perguntando.
Lá embaixo as paredes de blocos de concreto são pintadas de preto. Há mesas de sinuca forradas de feltro verde no centro do cômodo. Mesas de jogos e arcades espalhadas nas laterais. Trilhos de luz baixa atravessando o teto.
Jimin escolhe a mesa mais distante da escada. Pega dois refrigerantes no bar e usa a beirada do balcão como abridor de garrafas.
— Nunca joguei sinuca — confesso.
— Escolha um taco.
Ela mostra a prateleira com tacos pregada na parede. Tiro um e volto para a mesa de sinuca. Jimin coloca a mão na boca para esconder um sorriso.
— O que foi? — Pergunto.
— Não tem home run no jogo de sinuca.
Assinto com a cabeça.
— Sem home runs. Entendi.
O sorriso dela aumenta.
— Você está segurando o taco como se fosse um bastão de beisebol.
Olho minhas mãos. Ela tem razão. Eu estou segurando o taco como se fosse um bastão.
— É assim que fico mais à vontade.
Ela se move para trás de mim, põe as mãos nos meus quadris e me coloca diante da mesa. Desliza os braços à minha volta e segura o taco.
— Assim — ela diz, conduzindo minha mão direita alguns centímetros para o alto do taco. — E... assim — prossegue, pegando minha mão esquerda e formando um círculo com meu polegar e meu indicador. Em seguida, planta minha mão esquerda na mesa, como se fosse um tripé. Empurra a ponta do taco de sinuca pelo círculo, por sobre o nó do meu dedo médio. — Incline o corpo.
Eu me curvo sobre a mesa de sinuca, sentindo a respiração de Jimin aquecer meu pescoço. Ela dá um puxão para trás, e o taco desliza por dentro do círculo.
— Qual é a bola que você quer acertar? — pergunta, referindo-se ao triângulo de bolas arrumado na outra ponta da mesa. — A amarela, na frente, é uma boa escolha.
— Vermelho é a minha cor favorita.
— Que seja a vermelha.
Jimin faz o taco deslizar para a frente e para trás pelo círculo, mirando na bola, ensaiando a tacada.
Forço a vista na direção da bola branca, e depois para enxergar o triângulo de bolas, mais distante na mesa.
— Você está um pouquinho fora de posição — digo. Sinto que ela sorri.
— Aposta quanto?
— Seis mil wons.
Sinto que ela balança suavemente a cabeça.
Meu braço vai para a frente, e o taco desliza por entre meus dedos, acertando a bola branca, que por sua vez avança, atinge a bola vermelha e desfaz o triângulo. As bolas ricocheteiam em todas as direções.
— Tudo bem — digo, passando a mão nos cabelos —, talvez tenha conseguido me impressionar um pouquinho.
Jimin encara meu rosto. Os intensos olhos castanhos parecendo revelar um brilho esverdeado como os de um felino, a expressão, contemplativa.
— Linda — ela diz.
Em seguida anda pela mesa, examinando a disposição das bolas.
— Seis mil wons que você não consegue encaçapar a bola azul listrada — digo, escolhendo-a de propósito. Está protegida da bola branca, no meio de um escudo de bolas coloridas.
— Não quero seu dinheiro — diz Jimin.
Nossos olhares se encontram e uma covinha mínima forma-se no rosto dela. Minha temperatura sobe mais um grau.
— O que você quer? — Pergunto.
Jimin abaixa o taco até a mesa, ensaia uma vez a tacada e acerta com força a bola branca. Ela atinge a verde lisa, que bate na bola 8, que em seguida empurra a bola azul listrada para dentro da caçapa.
Dou uma risada nervosa e tento disfarçar estalando os dedos, um tique que eu nunca me permito.
— Tudo bem, talvez agora eu esteja mais do que um pouquinho impressionada.
Jimin ainda está curvada sobre a mesa, e levanta o olhar na minha direção. Alguns fios de cabelos caem sobre seus olhos e isso esquenta minha pele.
— Não tínhamos combinado a aposta — digo, resistindo à tentação de mudar de posição. O taco está um tanto escorregadio na minha mão. Discretamente passo-a na coxa.
Como se eu já não estivesse suando o bastante, Jimin diz:
— Você fica me devendo. Um dia vou cobrar.
Sorrio, mas sem muita convicção.
— Vai sonhando.
Passos ressoam na escada do outro lado da sala. Uma garota alta e esguia com um olhar felino e longos cabelos castanhos aparece. Olha primeiro para Jimin e então se volta para mim. Um sorriso atrevido aparece em seu rosto.
— Você não contou que ela era tão agradável aos olhos — ela diz para Jimin, cruzando os braços.
— Também não contei para ela como você é desagradável — devolve Jimin, com a boca relaxada antes de mostrar um sorriso.
A garota se apoia ao meu lado na mesa de sinuca e estende a mão na minha direção.
— Meu nome é Hwang Yeji, querida.
Com relutância, aperto a mão dela.
— Kim Minjeong.
— Será que estou interrompendo alguma coisa? — Pergunta Yeji, lançando um olhar questionador para nós duas.
— Não — exclamo na mesma hora em que Jimin diz "Sim".
De repente, ela pula sobre Jimin, com ar brincalhão, e as duas caem no chão, rolando enquanto tentam se desvencilhar. Há o som de risadas, algumas palavras soltas e de tecido sendo puxado; parte das costas nuas de Jimin aparecem diante dos meus olhos. Duas cicatrizes espessas as atravessam. Começam na altura dos rins e sobem em direção as escápulas, como se para formar um V de cabeça para baixo. As marcas são tão surreais que fico sem palavras.
— Ei, saia de cima de mim! — Grita Yeji.
Jimin sai e, enquanto se levanta, a camisa volta para o lugar.
— Não sabia que sua queda por mim era tão grande ao ponto de me deixar sem roupas — ela diz para Yeji.
Yeji me lança uma piscada mal-intencionada.
— O que você acha, Minjeong? Devemos fazer mesmo isso?
Jimin avança sobre ela, brincalhona, e as mãos de Yeji voam até seus ombros.
— Calminha — diz, recuando.
Olho para Jimin, que me dá um sorriso travesso. O sorriso por si só já é bastante provocativo, mas sob a fachada áspera guarda um tom de desejo. Mais do que um tom, para falar a verdade. Uma sinfonia inteira de desejo.
Jimin inclina a cabeça na direção da escada e estende a mão para mim.
— Vamos sair daqui — diz.
— Para onde vamos? — Pergunto, com o estômago em polvorosa.
— Você vai ver.
Enquanto subimos a escada, Yeji grita para mim:
— Boa sorte com esse aí, querida!
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