03
Karina's pov:
À medida que atravesso o Moonlight Seul, esboço um depreciativo sorriso diante do rumo perigoso que as coisas estão tomando.
Faz seis meses que mudei minhas perspectivas de futuro. Faz seis meses que deixei de focar exclusivamente nos meus ideias e aceitei o desafio de me tornar uma das alunas da Yonsei University.
Era uma tarefa simples, me aproximar de Minjeong apenas o suficiente para cumprir meu objetivo. Mas foi só por os olhos nela para saber que as coisas não seriam tão simples assim. Aquela garota é… linda. E vê-la de alguma forma me lembrou do meu passado. Me lembrou de tudo o que me foi tomado e não posso mais recuperar...
Concentrando-me em meus passos, esquivo dos corpos entre os compassos da música, isolando o arrastar de pés, o sussurro de palavras, o som de algum copo estilhaçando-se contra o chão. Não há motivos para pensar nela. Tenho assuntos mais importantes a tratar essa noite.
Noto a presença de Giselle de imediato porque ela é a única nesse lugar que parece indiferente quanto a diversão que está acontecendo.
— Faz muito tempo que você chegou? — Pergunto, puxando uma cadeira para me sentar e observando à multidão crescendo na casa noturna.
— Apenas alguns minutos — Ela diz. Uchinaga Aeri se distingue por não andar pelos ramos e sabe que eu não suporto que me façam perder tempo.
Nos conhecemos há mais tempo do que sou capaz de mensurar e o laço que nos une de certa forma acabou nos aproximando. Bom, pelo menos o quanto eu permito que as pessoas se aproximem, o que não é muito.
Aeri é atraente e poderosa. Se você cometer o erro de iniciar algum conflito, ela rapidamente resolverá a questão. Ela passa todo o tempo livre trabalhando no estúdio de tatuagens que fica no centro da cidade. Tem cabelos castanhos que sempre estão impecáveis, e roupas completamente negras.
Apesar da sua história, ela é uma das pessoas mais desapegadas do passado que conheço, e eu sou o extremo oposto.
Mas, ao mesmo tempo, nossa conexão faz sentido — uma equilibra a outra.
Ela bebe um gole da sua bebida e respira fundo.
— Desculpe não ter entrado em contato antes, mas é que…
— Imagino que as coisas ficaram tensas para o seu lado — digo calmamente, advertindo que uma garçonete se aproxima.
— Querem algo para beber? — Ela pergunta lentamente.
— Agora não — digo, sorrindo. Posso notar a forma como ela olha para mim, mas não estou interessada.
A garçonete assente com um gesto de cabeça, mas não se move. fica ali, olhando-me fixamente, com seu cabelo loiro curto formando um halo na escuridão ao redor de seu rosto. Encantada, parece ter esquecido seu próprio nome e seu trabalho.
As vezes desperto essa reação em humanos, e que incômodo é isso. Movo a mão impaciente.
— Isso é tudo — murmuro. — Estamos satisfeitas.
Quando ela se afasta, perdendo-se entre a multidão, olho com atenção para Giselle.
— E então, quais informações tem para compartilhar?
Ela passa as mãos nos cabelos e inclina-se para a frente.
— Bom, como você sabe, lutamos juntas muitas vezes, estamos lidando bem com nossa situação atual.
Assinto com a cabeça. Temos protegido uma a outra contra a Ordem Divina durante anos. Embora eu conheça muitos outros, a única em que posso confiar é Aeri. Nosso grupo é superado em número pelos Arcanjos e Serafins, aqueles na posição mais alta na hierarquia dos Anjos, os mais próximos de Deus. Mas eu e minha companheira estamos decididas a proteger os nossos ideias até o fim.
Aeri pigarreia antes de continuar.
— Estive nos arredores de Hongdae como você pediu e a situação por lá merece atenção. Parece que ele está expandindo a sua sociedade e planejando agir no momento mais propício.
Cruzo os braços sobre o peito, empurrando a mesa com o sapato para ter um pouco mais de espaço.
Pouco me importa que alguns daqueles que pertencem ao meu mundo sejam muito sensíveis e se sintam ofendidos pela forma como levo minha vida. Isso só os torna indiferentes a situação que enfrentamos. Mas assim como eu, Aeri é totalmente capaz de entender a classe de inimigos que temos e o que custa defender nosso propósito. E definitivamente não vamos nos envolver em conflitos desnecessários.
Embora Giselle não seja obrigada a me seguir nessa jornada.
— Vou averiguar a situação o quanto antes — digo com firmeza. — Qualquer um que atrapalhe os meus planos precisa ser colocado para fora do caminho.
— Tem toda a razão — ela concorda. — Temos que agir o mais breve possível.
Balanço a cabeça.
— Irei cuidar disso a minha maneira. O que você tem feito já é extremamente arriscado.
— Você tem certeza disso?
— Absoluta.
Ela assente com a cabeça e bebe mais um gole da sua bebida antes de mudar o rumo da nossa conversa.
— Fiquei sabendo que você está interagindo mais na faculdade, fazendo novas amigas.
Respiro fundo antes de olhar para ela.
— Eu não faço ideia do que você está falando.
— Ah, é? Acho que me enganei então — ela mente. Aeri é bem atenta; nunca deixa passar nenhuma palavra que as pessoas dizem. — Bem, já que você está aqui... — ela ri, e eu reviro os olhos. — Vamos logo, Karina. Pode ser que ela faça você mudar de ideia sobre a missão.
— Eu não estou aberta a mudanças! Só preciso me aproximar o suficiente dela até o mês de Cheshvan. Esse vai ser o momento decisivo para todos nós. E se eu não conseguir, então...
— Hum... — ela murmura. — Você sabe que pode confiar em mim. Juro que vou manter nosso segredo guardado a sete chaves.
— O seu segredo. Eu não tenho nada a declarar.
— Qual é, Karina? Olha, eu sei que você tem um objetivo concreto pela frente, mas precisa aproveitar um pouco mais a vida.
— Eu já estou aproveitando a vida da melhor forma possível — digo um pouco mais alto do que gostaria.
— É bom saber — uma das garotas perto da nossa mesa diz com um sorriso atrevido, tendo claramente ouvido minha conversa com Aeri.
Pisco para ela antes de voltar a atenção para minha companheira.
— Você está bem empenhada nesse assunto hoje, né? — Comento. — Achei que tivesse marcado de me encontrar aqui apenas para tratar de assuntos mais urgentes.
— Verdade, mas você tem que admitir que a garota é linda. E sim, minha rede de informações faz o serviço completo.
Se qualquer outro tivesse feito esse comentário, eu o teria eliminado sem remorso. Mas Giselle é diferente e não está errada. Kim Minjeong é linda. O cabelo dela é prateado e longo, e os olhos são castanhos, cheios de medo e curiosidade ao mesmo tempo.
Presto atenção nela desde o primeiro dia em que a vi. Não é só a sua beleza que faz com que eu não consiga parar de olhar, desejando tocá–la. É a maneira como ela parece desprendida das coisas que interessam às demais pessoas — a maneira como presta atenção na pessoa com quem está conversando, sem ficar olhando para o lado para ver se tem mais alguém por ali; a maneira como se entrega aquilo que gosta.
Mas não posso me deixar levar por isso uma segunda vez. Cair aos encantos de uma humana foi o início do meu caos. Hoje eu entendo que nossos mundos só devem colidir quando a recompensa for extremamente importante.
E quanto a Minjeong… Ela nem sequer sabe o destino que a aguarda.
Quando me levanto, fecho os olhos por um instante, inspiro profundamente e sou tomada por uma lembrança: uma jovem seminua sentada ao pé de uma cama, completamente compenetrada, roubada de sua inocência, e sua alma a clamar por mim do chão…
Minha indiferença é substituída na hora por algo maior, que passou muitos séculos sendo alimentado pela raiva e pelo arrependimento.
— Vou precisar me retirar agora, Giselle. Como vê ainda tenho um negócio para administrar, então preciso lidar com algumas questões do âmbito financeiro agora.
— Quer utilizar meus serviços outra vez? Sabe que sou formada em administração pela Seoul National University. — Ela deixa escapar uma risada debochada. — Tenho certeza de que o seu negócio vai lucrar ainda mais.
Passo as mãos nos cabelos, sorrindo.
— Quantas formações contam no seu currículo atualmente, hein?
— Apenas o essencial. — Ela diz, lançando-me uma piscadela.
Balanço a cabeça antes de me virar para ir até o meu escritório.
— Ei, Karina? — Chama Aeri, e dessa vez, quando olho para ela, vejo preocupação em seus olhos. É o mesmo olhar preocupado que ela me lança quando acha que eu posso me perder. — Como você está? Tudo bem?
— Estou bem — respondo. Essa é a resposta que eu sempre dou quando Aeri me faz essa pergunta.
Mesmo depois que o caos recaiu sobre mim anos atrás, respondi do mesmo jeito: estou bem.
Eu sempre estou bem, mesmo quando não estou.
— Certo, então. Olha só, se não estiver satisfeita com o trabalho no Moonlight Seul, você deveria se reevintar. Você ainda está pensando em expandir os negócios ou algo do tipo? Acho que deveria continuar a fazer isso para manter sua cabeça no lugar.
— Certo. Tudo bem.
— Você sabe que vou acompanhá-la até o fim da nossa existência.
— Por que está dizendo isso? — Respondo, confusa.
— Porque gosto de relembrá-la do meu juramento. — Ela assente com a cabeça. — Você é diferente dos outros. Tem lidado com tudo o que aconteceu da melhor forma possível. Mas se um dia precisar dos meus serviços, eu sempre estarei aqui.
Respiro fundo.
— Obrigada.
— Pode contar comigo, Karina.
Escuto sua risada quando me afasto e subo as escadas até o meu escritório, decidida a ocupar minha mente exclusivamente com trabalho.
O movimento no bar aumenta, como costuma acontecer durante à noite, e muitos minutos se passam antes que eu possa voltar a observar as pessoas se divertindo. Não que precisasse ter me preocupado. Eles estão ocupados conversando e bebendo, completamente alheios ao que acontece nesse mundo.
Dou a volta e saio do local. A caminho da porta apago minha imagem do córtex cerebral de todos os humanos do lugar. Os mais fortes vão pensar que estão sonhado. Os fracos nem sequer vão recordar que estive aqui essa noite.
Ao sair à rua, o frio cortante de Seul vem de encontro a minha pele. Puxo o blazer contra o corpo enquanto avanço em direção ao estacionamento.
Entro no meu carro e dirijo até Cheongdam. Paro em frente ao prédio de Minjeong, mas tudo parece normal por ali. Às vezes, eu finjo que estou apenas cumprindo com o meu dever, mas a verdade é bem mais reveladora do que gostaria de admitir.
Houve uma época na minha vida em que eu acreditei que viveria ao lado da pessoa que amava. Houve uma época em que ela era a razão da minha decisão, e eu achava que valia a pena abandonar tudo para vivenciar aquilo.
Engraçado como o tempo tinha transformado meu sonho no meu pior pesadelo. Engraçado como o tempo tinha destruído tudo em que acreditei.
Depois que verifico a situação, dou partida no carro e vou para casa. Moro em uma casa extremamente confortável graças ao luxo que o dinheiro pode comprar. Cada pedaço desse lugar tem uma lembrança de como eu era antes que meus objetivos dominassem minha alma. Tudo nessa casa conta a história da pessoa que eu precisei ser ao longo dos anos.
Eu vivo nesse lugar desde que abri mão de tudo — depois que ela saiu da minha vida e antes de eu ressignificar o motivo da minha existência.
Todas as noites eu me sento ali no escuro, olhando o lugar. No canto da sala há um cavalete e material de pintura, e, no quarto extra, as prateleiras estão cheias de livros. Pela casa também estão dispostos alguns Instrumentos musicais. Não há nenhum cômodo sem uma representação de arte. Essa é a última parte da humanidade na qual eu ainda me apego. A casa é uma herança e uma maldição para mim, me fazendo lembrar do passado, que contrasta completamente com o presente.
É um espaço cheio de vazio.
Eu aceito o vazio de bom grado e permito que a solidão seja praticamente tudo que eu conheço, porque lutar diariamente contra isso só reforça o meu pior sentimento; que eu jamais irei pertencer a esse mundo.
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