⍟ twenty five
15 HORAS DEPOIS
Hannah raspou a pontinha do polegar em torno da boca de Jimin, alinhando o gloss à curvatura de seu lábio inferior, em seguida se afastou com uma expressão expectante. Ela entregou o pequeno espelho a ele e aguardou uma resposta positiva para o seu trabalho.
Jimin encarou a maquiagem que enfeitava seu rosto, a sombra de uma cor terra contornava suas pálpebras e o delineador as cercavam delicadamente. Ele escorregou os olhos por sua boca, observando aquele tom rosado externar a sutileza de seus lábios carnudos.
De repente, ele se encolheu. Uma arfada de ar roçou sua boca num assobio baixo e uma infelicidade profunda controlou suas feições. Aquele definitivamente não era ele.
— O que achou? — perguntou Hannah, roendo a unha recém pintada em nervosismo.
Jimin a encarou sob os cílios, parcialmente inquieto sobre o que dizer.
— Pareço uma menina. — se queixou, sentindo uma pontada de incômodo no fundo.
Ela soprou uma respiração exasperada, cruzando os braços nus contra o vestido brilhante que usava.
— Eu só não te bato porque mancharia a maquiagem impecável que fiz. Mas você deveria aprender que nada disso pertence a um determinado gênero.
Não foi algo que ele gostou de pensar. Vestir roupas consideradas femininas não era o grande problema da questão, a dificuldade estava em usá-las numa situação como aquela. Estava prestes a ir para o leilão, cismar com a maquiagem quando na verdade deveria estar refletindo sobre o que fazer em seguida não era tão relevante.
Mas, mesmo assim, utilizá-las não era do seu agrado.
Por isso ele sacudiu a cabeça para baixo, verificando sua lustrosa roupa de correntes balançar com o ritmo de seus braços quando ele os abriu em sinal de ênfase.
— Está vendo? — ele indagou, uma pergunta vaga que a fez deslizar os olhos ao longo do próprio corpo. — Eles me dão uma blusa rendada como se eu gostasse de usar essa merda. E ainda escolhem essas botas ridículas de salto.
— Nunca que te dariam a permissão de escolher uma roupa, Jimin. — ele desceu os olhos para as próprias mãos no colo, a expressão fugindo depressa de seu rosto. — Olhe para o espelho. Você fica lindo de qualquer jeito, meu anjo.
O menino deu de ombros, mas não irritadiço, apenas disposto a pôr um fim naquela conversa. Só queria ter uma borracha para apagar o seu passado e recomeçar do zero, ou pelo menos um risco de luz no meio de toda aquela escuridão desvanecida.
No entanto, tudo o que lhe restava eram duas opções das quais ele não sabia como escolher, pois, de um jeito ou de outro, isso o levaria a um resultado lastimável.
— Se Taehyung estivesse aqui, certamente diria que essa maquiagem ficaria bem melhor nele. — Hannah comentou subitamente, arrancando um brilho nas profundidades dos olhos de Jimin, que revelou um sorriso de saudade ao ouvir aquilo.
– Provavelmente ele iria tirar essa roupa e colocar nele.
– "Jimin, me passa essa roupa, ela fica bem melhor em mim". — Hannah imitou a voz de seu amigo, fazendo Jimin falhar na tentativa de resistir ao desejo de gargalhar.
— É o típico jeito dele. Tão extravagante. — Jimin ponderou brevemente, contendo um sorrisinho enquanto as lembranças corriam como flashes por sua memória. — Vocês formavam uma dupla excelente, se não fosse pelas brigas sobre qual roupa combinava mais.
— Ele me invejava por eu ser a líder de torcida mais popular da escola. — Hannah declarou, estufando o peito de um jeito triunfante e carregado de uma falsa vaidade.
Jimin repousou os cotovelos por cima das coxas e cobriu a boca com a mão, rindo junto a ela das situações passadas.
De repente, as risadas foram se cessando, suas respirações entrando na linha de controle e o silêncio revestindo toda cela. Hannah mexeu a cabeleira com uma pequena parte embutida no topo da cabeça enquanto os outros fios escorriam pelos seus ombros, chegando na direção do quadril. Em seguida, ela perguntou:
— Será que ele sente nossa falta?
Um sentimento invasor pisou no peito de Jimin. Seus olhos se atentaram no chão, desolados, buscando enxotar aquela sensação ruim que seu corpo trouxe à tona. O martelar de seu coração falhou ao se imaginar sendo esquecido por seu melhor amigo, aquele cuja infância cresceu ao seu lado.
O rosto de Hannah amoleceu com sua reação, ela acabou deslizando os joelhos pelo chão e se aproximando dele cautelosamente. O pingente em sua garganta sacolejou no instante que se mexeu de encontro a ele.
— Ele pensa em nós dois o tempo inteiro, eu tenho certeza. — sua voz veio calma e lentamente. — Podemos fugir hoje para encontrá-lo de novo. Não é isso que você quer?
— O que eu quero está muito longe de acontecer. — seu olhar chicoteou o dela desesperadamente. — Se dependesse de mim eu nem estaria nesse lugar, Hannah. Acha que as coisas procedem do jeito que eu quero? Estou sendo uma marionete nessa merda, são eles quem comandam.
— Você tem razão, eu não devia ter tocado nesse assunto. — disse ela, levantando as mãos na altura dos ombros em rendição.
Ele olhou serenamente para ela, seus olhos acenaram num gesto crédulo para que subisse em seu colo. Hannah se buliu sobre suas pernas, sentando-se de lado e o abraçando com apenas um braço. Ele pregou seus braços em volta dela, enlaçando seus corpos e partilhando do mesmo sentimento.
— Eu só quero ficar com você, Hannah. — pronunciou ele sob sua respiração, conferindo nos verde-claros dela um brilho agitado de emoção reluzindo diante daquelas palavras. — Eu só consigo suportar ficar aqui porque sei que você está comigo. Se não fosse por isso, eu já teria dado um fim em mim mesmo.
— Não diga isso, por favor... — sua expressão murchou, toda expectativa de seu rosto sumiu perante àquela confissão tão dura. Ela o amava, e ouvi-lo dizer com clareza que o sustento de sua força era ela soava como uma facada dolorosa no fundo de seu coração. — Não é fácil viver mais de um ano nessa vida. Eu, mais do que ninguém, sei a dor que está sentindo. Por isso preciso de você. Preciso que esteja comigo quando sairmos daqui. Eu não aguentaria viver sem você, meu anjo.
Jimin não respondeu em palavras. Tomou um profundo fôlego e a trouxe contra seu peito, confortando-a com um contato físico ao ponto de interromper qualquer pensamento ruim que se atrevesse a intervir entre eles.
A porta metálica guinchou quando se abriu de supetão, arranhando o piso ruidosamente. A imagem de Eric brotou no campo de visão deles, que rapidamente se afastaram um do outro, cientes da ameaça estampada naquela estatura austera.
— Chegou a hora, mocinhas. — seu tom estava aguçado como uma faca afiada.
Jimin sentiu alguns choques de calafrios andarem pelo seu corpo, mas ele não soube dizer se era por não saber o que o esperava quando saísse por aquela porta ou pela forma como as palavras escapuliram da boca de Eric.
A luz do corredor arremessou faíscas por seus olhos. Havia também um brilho diferente do lado externo, no qual ele desejou não saber de que tipo era. Talvez aquilo significasse que ele passou muito tempo trancado na cela, proibido de sair até a hora do leilão.
Hannah limpou a garganta e andou na direção de Eric quando ele fez um gesto com a cabeça para que eles o seguissem. Ao se aproximar, ela notou o olhar dele escorregando por pernas desnudas em companhia de um sorriso cafajeste saturado de sacanagem.
— Você ficou uma delícia com essa roupa, Hannah. Poderia usar desse tipo mais vezes. — ele comentou, arrastando as notas num som lento.
— Vai a merda. — ela refutou, ouvindo uma curta gargalhada em seguida.
Por um momento, Jimin ficou estático enquanto encarava seus próprios pés, até que o chamado pelo seu nome ecoou de um jeito que ele não desejava que acontecesse.
— Falta só você, boneca. — Eric falou, deixando o menino bruscamente estarrecido com aquele apelido.
Ele fechou a cara e pisou fundo com suas solas grossas. Odiava ser chamado por aqueles apelidos e, definitivamente, Eric parecia saber bem essa sua implicância. O homem esticou o braço para o lado de fora, bracejando sua cabeça para que andassem.
Hannah e Jimin trocaram olhares cúmplices antes de se mexerem como lhes foi ordenado. Na parte de fora haviam alguns capangas diante dos portões da cela, usando a força bruta para arrancar as meninas de dentro.
Uma sensação enervante explodiu dentro de Jimin quando sua visão testemunhou aquela cena. Elas eram tratadas como se fossem bonecas de pano, servindo apenas como vantagem em seus benefícios econômicos.
O tremor do medo permaneceu com ele até que estivesse atravessando uma porta e mais outra. Eles subiram uma escada larga com rochas talhadas nas paredes e passaram por uma tenda fina, logo chegando no salão da boate.
As meninas que chegavam por trás deles estavam sendo carregadas pelo braço à força pelos marmanjos, estes que Jimin supôs ter mais de dois metros de altura. Uma estranha pontada de dor se manifestou quando ele observou a movimentação em volta do recinto.
Jimin paralisou, tomando uma respiração apavorante conforme observava os arredores. Hannah parou ao seu lado, e de esguelha, ele reparou que seus braços despidos estavam tremendo pelo frio cortante. Ela usava um vestido cintado com um zíper no meio e uma bota comprida até a metade das coxas.
— Formem uma fila! — uma voz feminina determinou, alto e exigente.
Jimin caçou com os olhos a dona daquela voz. Muito de repente, sua atenção derrapou na imagem de uma mulher de estatura baixa se locomovendo deliberadamente pelo pátio e parando em frente à fileira que se estruturou na horizontal. Ela possuía grandes cílios e um cabelo castanho até a altura dos ombros, sua boca estava desenhada com um batom vermelho e ela usava um smoking sob medida.
— Estão cientes do que vão fazer hoje, certo? — ela indagou, sobrancelhas vagamente erguidas. — Não quero ouvir choramingos e resistência quando forem comprados. Caso eu ouça algum resmungo, não vou poupar a sutileza. Esses fortões vão dar uma lição em vocês se isso vier a acontecer.
Ela caminhou em círculos, de um lado para outro, diante do grupo reunido. Seus braços estavam posicionados atrás de seu corpo, sua postura sugeria dominância e comando. Jimin varreu seus olhos ansiosamente pelos passos dela, temendo pelo que viria a seguir.
— Hoje eu estou no comando, então não pensem que vou pegar leve com vocês. — seu tom de voz estava longe de ser sutil, havia néquícia em suas notas.
Ela certamente parecia capaz de jogar os garotos adolescentes em um calabouço por nenhuma razão além de não gostar de suas expressões.
Jimin engoliu a própria saliva com dificuldade. Ele sentiu sua mão ser agarrada pela de Hannah, o que serviu para motivá-lo a olhar para ela abruptamente. O aperto afrouxou no instante em que a palma dela entrelaçou a sua, procurando por segurança.
— Olhe para mim quando eu estiver falando, garoto. — disse a mulher a um palmo de distância de Jimin. Ela o encarou com aqueles olhos felinos, capazes de destruir qualquer estabilidade que ainda se mantinha viva no menino. Ele a olhou de volta, mas desejou não ter feito.
— Me desculpe.
A mulher não disse nada. Ele estremeceu, sentindo uma fisgada de fúria por sua própria fraqueza. De repente, a voz dela veio novamente, acertando sua fragilidade com mais um golpe.
— Park Jimin. — dessa vez seu nome se arrastou em sinal de triunfo. Jimin a observou curvar o contorno vermelho de seus lábios para cima. — Será a atração principal da noite, meu querido. Estamos ansiosos por isso.
Jimin sufocou um suspiro de surpresa que subiu em sua garganta. Definitivamente, não havia entendido o que aquela mensagem queria dizer, embora suspeitasse que não fosse nada bom. Na verdade, tudo o que estava prestes a acontecer naquela noite se mantinha muito longe de ser bom.
A visão da mulher, cujo rosto Jimin nunca havia visto antes, caiu sobre seus dedos enroscados nos de Hannah e automaticamente um sopro risível fugiu de sua boca. Ela acertou sua mão na deles, desfazendo o nó, e então um flash de raiva atravessou sua íris quando ela mirou os dois rostos juvenis assustados.
— Tragam os capuzes e os levem até a van! — ela ordenou para os capangas enquanto ainda os encarava. Uma linha fina se formou na sua boca como um presságio desdenhoso.
As pessoas da fila se entreolharam atordoadas, parecendo não compreender a ordem. Os mesmos homens que haviam tirado as garotas das celas se mexeram a caminho delas com um pano preto em mãos.
Jimin pescou um fino e súbito sorriso aparecer no rosto da mulher, fazendo todos os pelos de sua nuca subirem imprevistamente.
— Quem deixou essa cobra no comando? — Hannah sussurrou perto dele, parecendo pávida com toda aquela situação.
O garoto não teve tempo de pensar numa resposta, pois Eric se aproximou deles com dois capuzes escuros.
— Talvez isso incomode um pouco a sua respiração, mas você se acostuma. — disse ele, abrindo um sorriso de leve em sua expressão, depois colocou os panos sobre a cabeça dele e de Hannah.
Seu olhar descansou por um momento sobre o rosto de sua amiga até o escuro fechar sua visão. Uma única faixa de luz brilhava num fino risco que mostrava seus pés. Ele sentiu seu braço ser puxado por uma mão grande e forte, na qual supôs ser a de Eric, depois seus passos se tornaram mais rápidos à medida que era arrastado na direção da van.
Ele desceu as vistas, derrapando-se no andar de seus pés por cima de um piso antigo. Se não fosse aquela estreita fenda, jamais conseguiria sentir a espessura do concreto, já que as solas de suas botas eram grossas e altas. Não conseguia enxergar nada, mas o eco das pegadas indicava que eles estavam passando por um tipo de pátio vazio. Aquilo o apavorou. Não existia som algum além de suas pegadas constantes. Que tipo de lugar era aquele? Por que era proibido ver?
Uma brisa congelante atingiu seu corpo, impedindo que refletisse sobre aquelas dúvidas. Ele percebeu que estava do lado de fora quando seus calcanhares e pés foram acertados pelo farfalhar das folhas secas.
A porta da van se arrastou e seu corpo foi jogado para dentro junto a inúmeros outros. Havia uma espécie de banco feito por metal dentro do carro, ele acabou forçando a visão para ver onde estava sentando, embora o escuro não facilitasse sua tentativa.
Outro corpo desabou ao seu lado, parecia mais alto e maior. Muitas pegadas se repetiram dentro do curto espaço no furgão, como se as meninas estivessem sendo arremessadas para dentro. De repente, a porta deslizou, fechando-se, e o barulho do motor roncou em partida.
Jimin podia sentir o gosto do terror amargo queimar sua boca, ele nem sequer poderia pensar que o medo tinha gosto até aquele momento. Suas mãos estavam trêmulas acima do colo e sua respiração quase que descontrolada sob o pano. Mesmo não identificando nada, podia perceber a presença de uns três ou mais capangas dentro do furgão.
Era temível formar imagens em sua mente do que estava prestes a acontecer, a sensação vergonhosa que viveria mais uma vez naquela noite. Um grito sufocante se asfixiou em sua garganta quando ele pensou nos toques que seu corpo receberia de estranhos. Não queria aquilo, definitivamente não queria.
O balançar do carro começava a causar nós em seu estômago, as viradas grotescas nas ruas para desviar de outros carros estavam deixando-o enjoado e com o gosto pontudo da bile em sua boca. Estava nervoso, tão nervoso que por alguns segundos ele pensou que fosse desmaiar com o cheiro abafado de tantas pessoas no carro.
As rodas rasgavam a pista numa velocidade implacável como se as horas estivessem temporizadas em um cronômetro. Jimin não podia ver, mas conseguia notar que a distância da boate até o local do leilão ficava em linha reta, sem curvas.
Ele não contou quanto tempo havia passado até o motor do automóvel guinchar quando parou, fazendo um som aguçado assim que cortou por cima dos cascalhos. A porta deslizou mais uma vez e Jimin sentiu a pessoa ao seu lado o segurar pelo braço, começando a carregá-lo para fora do furgão.
A geada cortava sua pele e fazia seu corpo tremer com as rajadas violentas. Ele conseguia ouvir o balançar dos galhos das árvores acima de sua cabeça, como se estivesse entrando numa floresta assombrada. Sua cabeça sacudiu levemente enquanto aguçava a audição para escutar melhor o sussurrar das folhas, tentando identificar onde estava.
Eric cessou os passos quando parou de frente a um tipo de alçapão. Jimin olhou entre a fenda, o vendo se abaixar para remover o cadeado. Ele abriu as duas portas e elas se instalaram quando atingiram o chão, levantando poeira pelo ar.
— Consegue enxergar? — a mulher perguntou à ele, se inclinando para ver a escuridão abaixo.
— Preciso de uma lanterna. — ele sugeriu, esticando a mão sem ao menos esperar uma resposta.
A mulher sorriu de forma debochada para ele, seus dentes brancos brilhando na escuridão da noite, depois retirou uma lanterna da bolsa. Jimin ficou paralisado, temendo que sua respiração pudesse causar algum incômodo na mulher e ela ousasse puni-lo por isso.
Por um momento, tudo ficou em completo silêncio, em seguida um salto no chão, bem afundo de seus pés, ecoou quando Eric pulou. O ruído de seus sapatos se movendo retiniu sob o solo onde eles estavam.
— Pode entrar, querido. — a mulher murmurou de um jeito incisivo contra a audição de Jimin.
— Não consigo enxergar. — ela fez um barulho com a boca, parecendo caçoar de sua desculpa.
— Não se preocupe, Eric vai te pegar lá embaixo. — o rosto dela se aproximou mais do dele. — Apesar de não ser do jeito que ele gostaria.
Se não estivesse com uma blusa de manga comprida, ele poderia jurar que os pelos de seu corpo estariam expostos aos olhos dela num arrepio sombrio.
De repente a mulher o forçou a sentar na borda do alçapão com os pés para dentro. Ele teve um pouco de dificuldade para pular de primeira, já que não estava sentindo nada além do vento em seus pés. Entretanto, a ponta de seu sapato sentiu uma barra de ferro que parecia embutida na parede. Um par de mãos em sua cintura o pressionou para baixo, servindo como apoio na sua tentativa meticulosa de não cair.
O homem o puxou, tirando seu capuz quando o fez. Os olhos do garoto flutuavam abertos, onde ele se esforçou ao máximo para focalizar sua visão turva em um único ponto no meio daquela escuridão. Não era possível observar perfeitamente o que havia nela, a não ser pelo brilho pálido da lua que refletia sobre eles acima da abertura. Jimin sondou em volta, enxergando algumas barras de ferro embutidas na parede servindo como escada. O resto das garotas desceram com o apoio dos grandalhões e o último deles puxou as duas portas, deixando o ambiente em um completo breu.
Jimin avistou Eric percorrendo as sombras, enfiando-se entre elas com as mãos ao longo da parede por onde andava. Ele apertou os olhos para ver se entendia o motivo de seu desaparecimento, mas no instante que um facho de iluminação prateado reluziu mais acima, ali ele teve certeza que era uma porta com acesso a outra área.
— É por aqui. — a voz amarga de Eric fremiu. Ele estava no topo de uma escada de madeira com a porta semiaberta.
Havia uma espécie de corredor do lado externo daquela porta com alguns ganchos de luz pendurados nas paredes. Eles subiram os degraus e transitaram todo o caminho estreito até se depararem com uma sala de espera.
O brilho da luz estava intensamente alto naquele cômodo, diferentemente de onde eles se infiltraram minutos atrás. Eric parou na porta e ordenou com um aceno de cabeça para que todos entrassem. Jimin pescou algumas vozes vindo do lado externo, vozes masculinas, conversando e rindo durante o toque de uma música sensual.
A sensação seguinte minou o coração do garoto. Ao lado daquela sala estava o cenário do grande espetáculo da noite e um conjunto de vozes masculinas ecoando atrás dela. Seu peito se apertou e uma dor aguda no estômago o fez deslizar sobre o primeiro banco que encontrou.
Ele observou em volta, procurando naqueles rostos o de Hannah, e quando se deparou com o olhar aturdido de sua amiga, seu coração disparou em alívio. Ela correu em sua direção, atirando-se em seus braços na primeira chance que teve.
— Meu anjo! — ela disse com a voz abafada, depois se afastou. — Pensei que fossem me separar de você.
— Também fiquei com medo disso acontecer. — seus olhos exploraram o lugar com vários bancos e uma cortina que separava aquela sala do outro compartimento. — Você sabe que lugar é esse?
Hannah chacoalhou a cabeça para os lados em meio a uma respiração aflita.
— Não faço ideia, mas me assusta. Quando tiraram meu capuz, pensei que estivesse presa em um porão.
— O que será que tem atrás daquilo? — de repente ele questionou, olhando de relance para o véu branco que tapava sua observação da outra repartição.
— Provavelmente são os velhos babões que estão atrás de uma carne nova.
— Isso quer dizer que somos nós?
Hannah lançou um olhar completamente óbvio, sem dizer nada além daquilo. O aviso da mulher de blazer cortou aquela conversa subitamente.
— Emilly, você será a primeira. – disse ela, varrendo seu olhar na direção da menina do outro lado. Ela tinha um cabelo volumoso e a pele negra estava quase que totalmente livre de vestes, a não ser pelo monoquini dourado.
— Meu Deus, ela deve estar tremendo de frio. — Hannah comentou com um olhar triste.
Um nó torceu o estômago de Jimin quando ele tentou juntar as palavras em sua garganta, certamente com muita dificuldade em dizê-las naquele momento tão duro. O marmanjo estava carregando a garota escolhida pelo braço, permitindo que ela fosse brevemente revistada e arrumada pela mulher de smoking.
— Senhores, sejam todos bem-vindos! — uma voz masculina disse no microfone do outro lado da cortina, recebendo uma moção de aplausos dos convidados. — Eu vejo rostos familiares na plateia, fico feliz que tenham aceitado nosso convite. Hoje trouxemos algumas variedades no nosso negócio e acredito que vocês vão se impressionar com a qualidade de cada um. Ouvi dizer que há garotos entre eles. — os clientes fizeram um tipo de barulho com a boca, um ruído semelhante a satisfação. — Relaxem seus corpos, controlem seus hormônios porque vocês terão muitas opções para escolher vossa meretriz e vosso meretrício. Então ofereçam seus melhores valores e vamos começar com o primeiro lance.
— Coloque um sorriso nesse rosto, querida. Nenhum homem vai querer oferecer valores altos te vendo com essa cara de defunta. — a mulher cuspiu as palavras na menina assim que recebeu um sinal positivo do homem no palco. — Leva ela, Eric.
Emilly foi arrastada através da cortina, e pela fraca fenda que se tornou visível por um curto período, Jimin pôde notar uma passarela formada por um tapete vermelho e luzes amarelas no chão que trilhava até uma pequena plataforma circular, na qual ficava suspensa no meio de muitas mesas e cadeiras que a cercava.
Jimin lutou para focar seus olhos exaustos em Hannah no momento que a encarregada o enfrentou com aquele olhar animalesco prestes a dar o bote. O garoto se lembrou da proposta de Namjoon e uma dor visceral se agitou em seu peito.
— Hannah — ele a chamou, ganhando toda a sua atenção em segundos. — Eu pensei sobre o que o Namjoon falou.
— E o que você decidiu?
Ele soltou um suspiro abatido.
— Não vou fugir. — sua amiga pareceu brevemente surpresa, sua boca se abriu e fechou algumas vezes sem saber o que expressar. — Não vou te deixar aqui sozinha porque sei que eles vão te ferir caso eu consiga escapar de verdade.
— Está fazendo isso por mim? — Jimin sentiu a preocupação na voz dela. — Não pode me colocar em primeiro plano quando se tem a chance de sair daqui.
— Não é uma chance, Hannah, é uma armadilha.
No silêncio que se seguiu, a música sensual que tocava no fundo e as vozes dos convidados dando os seus lances se tornaram audíveis. Seu peito arfou e então Hannah segurou sua mão.
— Eu respeito sua decisão independente de qualquer coisa, meu anjo. E se você não quiser participar dessa armadilha, então é melhor terminarmos logo essa maldita noite.
Jimin exalou em aflição.
— Acha que vai demorar?
— Os lances são rápidos, a demora está no quarto. É um momento de tortura.
— Às vezes eu acho que esse corpo não me pertence. — ele assumiu, tão secamente que não parecia mais um choque admitir aquilo em voz alta. — Ele já foi usado tantas vezes que eu fico pensando quem poderia gostar dele um dia se até mesmo eu o odeio?
— Meu anjo...
— Quando eles me tocam, não consigo ao menos me sentir. Parece que fui construído em uma fábrica para ser obediente a eles. — seu olhar encontrou o dela e depois desviou-se para o chão. — É normal sentir nojo de tocar o próprio corpo?
Hannah perdeu a noção das palavras. Ela não conseguiu articulá-las como gostaria, estava tão espantada com a forma como Jimin descreveu que meditar sobre sua opinião parecia improvável e inapta naquela ocasião. Ela conseguiu presenciar o interior dele se destruindo e perdendo sua galhardia aos poucos.
Imaginar o que estava prestes a acontecer o angustiava por dentro, deixava um oceano escuro de amargura inundá-lo profundamente. Sua vez nem sequer havia chegado e ele já conseguia sentir as mãos correndo ao longo de seu corpo e apertando sua carne com as digitais.
— Hannah, é a sua vez. — a mulher a chamou, nem um pouco amigável.
A garota ficou perplexa e Jimin sentiu, naquele meio tempo, sua mão sendo esmagada pela dela um minuto antes de ela se levantar. Ele podia ouvir a tensão nela. O sujeito a carregou até a mulher, que suspendeu o vestido dela e abriu sorrateiramente o zíper para deixar mais visível os seus seios.
— Eles gostam de garotas ousadas. — disse ela, recebendo um olhar de repúdio da menina. — Agora ande!
A cortina branca farfalhou quando Hannah atravessou, o tecido deslizou pelo ar revelando outra vez a imagem de homens com olhares ansiosos na direção dela. Eric se aproximou de Jimin e o garoto pescou, furtivamente, o rápido contato visual que a mulher de blazer fez com ele.
— O próximo é você, Park. — disse ele, sua voz parecendo perigosamente insinuadora. — A não ser que faça o que o chefe mandou.
Um soluço desceu ferindo a garganta do garoto, que prendeu um fôlego surpreso diante daquela mensagem. Havia um pressentimento ruim sobre tudo aquilo se instalando dentro dele, como uma fornalha quente se abrindo em seu interior.
Por um momento ele preferiu ficar em silêncio, ouvindo apenas o zunido agudo em sua mente de que não voltaria atrás na sua decisão. No entanto, Eric se agachou, ficando mais próximo dele, o que serviu para expulsá-lo de seus próprios pensamentos.
— Esses homens esperaram horas, sabia? Eles estão tão afoitos quanto um cão faminto. Trouxeram muito dinheiro e estão determinados a transar a noite toda usando vocês como o brinquedinho deles. — articulou Eric, o sussurro de sua voz vagava duramente enquanto se misturava aos gritos de licitação. — Tem certeza que quer participar disso? Você será usado por cinco horas seguidas sem descanso até que eles decidam parar. Se eu estivesse na sua pele agora, escolheria fugir.
Jimin olhou para ele lateralmente e viu na sua expressão inexorável uma vociferação silenciosa.
— Engraçado... Falando assim parece que eu não passo por isso na mão do seu chefe. — a mandíbula do homem enrijeceu, totalmente irritado pelo comentário.
— Eu dou dez mil! — o grito de um dos candidatos cortou o ar.
— Quem ficar com a Hannah vai se dar muito bem, sabia? — Eric comentou, levantando-se, depois enfiou as mãos nos bolsos. Jimin olhou para ele de um jeito desdenhoso e então curvou a sobrancelha.
— O que quer dizer com isso?
— Alguém quer dar um valor maior? — o sujeito perguntou no microfone, esperando por uma resposta que não veio. — Vendida!
Então, o homem de ombros largos e cabelo dourado olhou para ele e sorriu, um sorriso faiscando cinismo.
— Eu já provei ela e posso dizer que é muito boa. — os olhos do menino ficaram tão perplexos que ele pensou que fossem saltar de seu rosto.
Houve um minuto de silêncio. Jimin suspeitava que ele já tivesse visto ela nua ou coisa do tipo, mas ter relação sexual é muito diferente do que sua falha imaginação conseguia processar. Naquele momento ele teve pavor de Eric, seu estômago se contraiu como se uma farpa se arranhasse por dentro dolorosamente.
Não se gastou tanto tempo assim ponderando sobre aquela confissão de Eric, pois logo a mulher buliu seus saltos pelo chão, indo em direção a eles. Ela segurava uma caixa preta entre as mãos enquanto um sorriso perverso dançava em sua boca.
— Coloque isto nele. Daqui a pouco eu o chamo. — disse ela diretamente para Eric.
Eric pegou a pequena caixa e se virou de frente para Jimin, suspendendo uma única sobrancelha numa ordem muda para ele se levantar. Depois de uma rápida relutância, o menino se ergueu da cadeira e enxergou a mulher sorrindo para ele antes de se distanciar. Não foi um sorriso gentil, havia algo distante ligado a petulância e maldade.
Ele estremeceu.
Seus olhos curiosos deslizaram pela caixa, parecendo que havia uma linha curta embrulhando seu estômago e causando arrepios de temor e aflição. A sua respiração falhou no momento que a tampa foi retirada e um objeto diferente rompeu sua expectativa frustrante.
Se aparentava muito com uma gargantilha ou corrente. Ele não soube dizer o que era até Eric segurar a peça na mão e erguê-la de frente para os seus olhos, deixando a faixa pendurada nos seus longos dedos.
Era de couro sintético e havia uma fivela metálica com argola no centro.
— O que é isso? — Jimin perguntou, piscando atordoado para aquele objeto tão estranho.
— Sua coleira, coração. — ele girou o couro no dedo, se divertindo com a perplexidade sinistra na expressão do menino.
— Minha o quê?
— Essa é a sua marca, Park. Vai usá-la para que eles identifiquem que você é a atração principal. — explicou ele, envolvendo a coleira no pescoço do garoto, deixando que o peso do couro não o fizesse esquecer de sua presença.
— Se eu sou a atração principal, por que não posso entrar por último?
Eric riu pelo nariz, depois o encarou.
— Seu valor não está em que posição entra e sim no que está usando. — cada explicação se tornava mais difícil para Jimin entender o que tudo aquilo significava. — Quando você passar pelo tapete, eles vão saber que foi o escolhido para o quarto vermelho.
Jimin franziu a testa e abriu a boca para perguntar, entretanto, uma onda de medo o afundou na decisão contrária. Eric pareceu notar a sua hesitação diante do assunto, embora não tivesse se adiantado em explicar mais coisas.
— O que é o quarto vermelho? — sua curiosidade não foi capaz de ser controlada, ele questionou temendo pela resposta.
— É o único lugar onde tem os equipamentos que eles precisam. É um mecanismo usado no sexo e só quem te comprar terá a chance de usá-los em você. — o garoto empalideceu subitamente, ele não conseguia nem sentir a umidade da saliva em sua boca. — Por isso você está usando isso, Park. Eles vão saber que foi o escolhido e os lances serão altíssimos, porque todos querem estar no quarto vermelho.
O menino travou instantaneamente. Não era possível que todas aquelas coisas estivessem mesmo acontecendo, era? Sua vida parecia que tinha virado de cabeça para baixo, todas as coisas boas sumiram no tempo e só restaram os pesadelos para atormentá-lo diariamente. Não conseguia apagar uma coisa improvável de esquecer.
— Está na hora. — falou Eric por fim, recebendo um gesto positivo da mulher. Jimin correu com seus olhos desesperadamente pelo cômodo, uma sensação ilusória ameaçou confundir sua mente como se tudo aquilo não passasse de um tormento de sua imaginação. — Devia ter fugido quando teve a chance.
A voz do homem refletiu de novo e Jimin mergulhou involuntariamente no fundo de seu pensamento, perguntando-se se deveria de verdade ficar e enfrentar o que o resto da noite o prometia.
Entretanto, ele não teve tempo de considerar suas opções, logo seu braço foi puxado e cada segundo mais próximo da cortina seu peito se contraiu como se uma barra de ferro estivesse se apertando em torno dele, cortando a sua respiração aos poucos.
— Abra um sorriso, querido. Não quer parecer um filhote de gato perdido no meio de uma alcateia de lobos. — a mulher brincou, observando-o sufocar as lágrimas.
— Vamos trazer nossa próxima atração. Dessa vez é um garoto. — o mestre de cerimônia disse, arrancando rumores satisfeitos dos convidados e um tremor absurdo das pernas de Jimin.
Ele pareceu brevemente chocado, os lábios ligeiramente repartidos em surpresa, quando a unha da mulher se enfiou dentro da coleira, tocando sua pele coberta pelo couro.
— Impressione o chefe, Park. — sussurrou ela, deixando um buraco oco na cabeça do garoto com aquele aviso.
Então, com um leve empurrão, seu corpo curvou para frente, introduzindo-se no outro compartimento. A cortina flutuou em torno dele como fumaça levada pelo vento e uma sensação pesada de terror se intensificou em seu peito.
Havia olhares de todos os cantos o assistindo naquele momento. Os pelos de sua nuca se eriçaram, afiados como agulhas, no instante que alcançou os rostos diferentes que faiscaram com sua presença. Eles se mexeram ansiosos em seus respectivos assentos, sorrindo exultantes para o objeto envolvido no pescoço do garoto.
Poucas mulheres se mantinham em pé ao lado de seus senhores com uma caneta e caderno em mãos, anotando coisas sobre os leiloados. Cada uma usava faixa no pescoço de sua respectiva cor para representar a qual dono elas pertenciam. Jimin captou os olhares delas, animadas, conforme a coleira brilhava sob a luz das velas.
— Venha, meu querido. — o apresentador o chamou com um fiapo de impaciência em suas palavras.
Jimin tentou mover as pernas devagar, mas a cada tentativa falha um choque diferente as balançava. Um salpicar de luz dançava em cima de sua cabeça, havia lustres com pequenas velas sustentadas servindo para provocar sombras na passarela.
Ele deu outro passo adiante, secamente, olhando para os lados para verificar as expressões atentas em seus movimentos. Quando se aproximou do palco, o homem que segurava o microfone em uma das mãos esticou a outra para ajudá-lo a subir.
Sua atenção sondou o lugar meticulosamente e no canto esquerdo, com os braços cruzados seriamente contra o peito, estava a figura de Derek sob um fino terno italiano. O olhar inflexível dele não desgrudou do garoto um minuto sequer, a mandíbula vagamente travada como uma navalha declarou o seu rancor por aquela cena.
— Vamos começar com os lances. — pronunciou o mestre, cortando seu contato visual com Derek. — Quem quer começar?
— Eu dou trinta mil! — gritou um deles com a mão erguida. Jimin o viu sorrir descaradamente em sua direção.
— Trinta mil é bom, mas vocês não acham que ele vale muito mais que isso? Senhores, este garoto é o escolhido para o quarto vermelho. — as unhas do menino feriram sua própria pele por dentro da mão quando cerrou os punhos.
— Dou cinquenta mil! — outro bradou, ganhando olhares furiosos por sua oferta tão alta.
— Vai com calma, rapaz, eu também quero o quarto! — um dos convidados reclamou. — Setenta mil para esse docinho.
— Dou cem mil e meu pênis como brinde. — um deles ridicularizou, degustando de seu vinho enquanto a mulher ao seu lado inflava os seios, admirada com o lance concedido.
Alguns burburinhos começaram a repercutir de repente. Eric não mentiu quando disse que eles estavam sedentos, aquilo parecia uma disputa entre cães selvagens e famintos. Sua visão disparou de volta para o mesmo lugar que havia visto Derek minutos atrás, mas ele não estava mais lá.
— Eu posso vê-lo de perto? — uma voz diferente perguntou.
Ele era mais jovem do que todos presentes nas mesas. Usava um terno branco e seus olhos eram pretos como o escuro da noite. Jimin não se desviou dele nem quando se levantou da cadeira depois da permissão do mestre de cerimônia, ajeitando os botões do casaco com cuidado.
Logo que chegou perto, ele estendeu uma palma, oferecendo-a para que Jimin a segurasse. Por um breve momento, houve relutância de sua parte, entretanto, no momento que ele percebeu que o homem não alterou seu humor diante de sua resistência, ele a segurou.
O rapaz sorriu, diferentemente de todos os outros, aquele sorriso não provocou reações de medo no garoto. Contudo, quando seu corpo girou ao comando do homem, Jimin sentiu o gosto do constrangimento amortecer sua garganta e um tremor vacilante ameaçar sacudir suas pernas quando identificou o tato dele apalpar sua bunda.
Instintivamente, ele soltou sua mão depressa, causando uma confusão nos rostos de quem os assistiam. No instante que encarou os olhos do rapaz, ele acabou vendo aquele sorriso tranquilo sendo substituído por um traiçoeiro.
— Por que seu garoto está me rejeitando? — o convidado perguntou ao apresentador, seu olhar ainda sobre o menino.
— É uma questão de regra, senhor. Não pode tocá-los antes de comprá-los.
— Eu quero ele. — sua voz sugeria determinação. Jimin semicerrou os olhos, irritado, mas com as palavras seguintes, sua irritação foi modificada abruptamente pelo pânico. — Eu pago trezentos mil para tê-lo na cama me obedecendo.
Um silêncio prolongado durou tempo bastante até o mestre de cerimônia limpar a garganta, desacreditado, e então dizer:
— E-Eu acho que o senhor deve voltar para o seu assento. Levante a mão quando eu perguntar o próximo lance. Seja compreensivo.
— Eu entendo perfeitamente — ele voltou a depositar sua graciosidade maculada pela insolência novamente no garoto. — Mas ele será todo meu esta noite. Espero que não me decepcione o entregando a outro candidato.
Depois de seu aviso alarmante, o convidado deu alguns passos vacilantes para trás e então se virou para sua mesa, atirando-se no assento. Jimin estava respirando com sugadas pesadas até seu olhar tocar na silhueta de Hannah e senti-la, enfim, normalizar. Ela estava perto da recepção com o homem que a comprou e parecia tensa sob o toque da mão dele.
— Certo, vamos continuar com o nosso leilão. — o sujeito falou no microfone de forma descontraída, apenas para corrigir o momento anterior.
De repente um som se fendeu no ar, algo se estalando em cima do teto como uma astilha na madeira. O rangido retorceu de novo e mais forte, Jimin girou a cabeça na direção de onde o barulho surgiu e viu um dos lustres com as velas se soltando do teto. Ele respirou com dificuldade e arregalou os olhos quando observou o objeto de cristal colidindo com o chão.
Ele saltou para fora do palco no instante em que um súbito clarão quente de fogo apunhalou diante de seus olhos e alastrou-se pelo tapete. As velas tinham se despregado do lustre e emergido uma fornalha pelo pano da passarela. A fumaça negra se ergueu pelo canto, fazendo todos os convidados saltarem das cadeiras apavorados.
Os que estavam perto recuaram para trás, aterrorizados, pulando de seus assentos assim que a brasa esquentou perto deles.
— Que merda é essa?! — um convidado bradou, assombrado.
— Apaguem isso! — o mestre de cerimônia berrou, acuando-se para trás e largando o microfone no chão com pavor do fogo.
O salão ficou brevemente escuro, o fogo aumentou em pequenas explosões quando a chama atingiu os castiçais acima das mesas. Jimin olhou ao redor, caçando a silhueta de Hannah, mas tudo o que conseguiu enxergar foi pessoas correndo desesperadamente à procura da saída.
As flamas rastejavam pelo chão e cobriam as mesas, causando uma montanha de fumaça por todo ambiente. Dois capangas trouxeram extintores para apagar as chamas, entretanto a tentativa foi por água abaixo quando o vapor quente explodiu sobre eles, fazendo-os cambalear para trás.
Jimin encostou na parede, sua respiração ficou tão acelerada que ele pensou que estava sufocando com a quantidade de fumaça que inalou. Ele viu a porta de entrada aberta e muitos corpos se agitando na direção dela. Eric e mais dois marmanjos receberam ordem para retirar as meninas e levá-las à van.
— Hannah! — Jimin gritou, sua voz foi afogada pelo caos em volta, mas mesmo assim ele continuou procurando-a com seus olhos atentos, mesmo que estivesse se deparando apenas com os vultos tremeluzindo entre as chamas.
Naquele momento, Jimin tentou traçar um plano de fuga no meio da confusão. Se ele fosse pela mesma saída que todos estavam correndo aflitos, possivelmente não teria uma brecha para escapar sem ser visto. Ele pensou sobre a possibilidade do plano de Namjoon ter falhado, seus homens não teriam a chance de pegá-lo já que estavam ocupados tentando tirar todos os convidados do local.
Com um flash automático se repetindo em sua cabeça frequentemente, Jimin pensou no porão por onde eles vieram. O alçapão.
Os olhares de animação deram lugar aos gritos agudos de desespero. Jimin colocou o braço no nariz, evitando respirar mais fumaça e tentou afastá-la com a mão quando começou a andar pelas laterais.
O fogo dançava pelo ar, atingindo os outros lustres, os fazendo se despedaçarem de encontro com o chão. Ele deslizou para frente, vendo as chamas quase alcançando a sala que estava minutos atrás. As escadas que levavam aos quartos no andar de cima já estavam sendo destruídas, as mesas de madeira se derretiam e tudo parecia escuro, exceto pelo brilho do fogo.
De repente ele pulou, chegando até a sala de espera enquanto olhava em volta. Haviam mais homens saindo pela porta e mais outros entrando com extintores para cessar o incêndio. Ele tossiu tão forte que achou que seus pulmões fossem diluir, e então virou o rosto para o corredor de onde viera. As tochas de luz penduradas nas paredes piscavam de tempo em tempo, deixando-o fracamente escuro por curtos segundos.
Jimin correu sem pensar duas vezes e quanto mais corria, mais escuro ficava. Sua respiração ficou mais fácil depois que deixou a fumaça, mas seus passos quase fraquejaram de medo. Ele tentou mantê-los firmes e cheios de propósitos, porque no fundo o medo estava estimulando sua determinação.
Acabou parando de frente a porta, mas antes olhou para o lado, enxergando as chamas acertarem a sala por onde passou. Ele piscou um par de vezes, assustado, sentindo uma estranha sensação ondular dentro de seu corpo quando percebeu que não estava com Hannah.
No entanto, aquilo não o impediu de continuar, mesmo com o interior dos olhos ardendo pelas lágrimas, ele empurrou a porta e invadiu o espaço, se arrastando pelos degraus de um jeito desnorteado. Uma completa escuridão ocupava o pequeno lugar e bloqueava sua investida em enxergar o caminho até a escada.
Enquanto tateava o concreto da parede, o barulho do fogo queimando os móveis o apavorou e só o motivou a acelerar em seu esforço. As lágrimas escorregaram por suas bochechas, gerando mais pânico ao sentir que as chamas corriam mais depressa em sua direção. Não podia morrer naquele lugar, não podia desistir sem antes dizer adeus a sua amiga.
Ele forçou cuidadosamente a visão, tentando enxergar algum rastro da barra de metal. De repente sua mão agarrou um ferro retorcido e ali ele teve certeza que encontrou a escada. Um suspiro de alívio fugiu de sua boca, embora o pânico só crescesse ainda mais em seu peito.
Com as pernas trêmulas, Jimin subiu a escada de ferro, o olhar sempre atento à porta do porão para ter certeza se o fogo se aproximava. Sua cabeça acertou a abertura de madeira do alçapão e automaticamente suas palmas começaram a trabalhar em abri-la.
Em instantes, as sombras começaram a balançar por baixo da porta do porão e seus olhos se arregalaram de horror quando se deu conta que a luz bruxuleante das chamas estava cercando o corredor.
— Abre, por favor. — ele sussurrou de forma trêmula por causa das lágrimas, as batidas de seu coração estavam vibrando de um jeito selvagem contra o peito.
Soltou um gemido enquanto tentava abri-la desajeitadamente, mas a trava não cedia. Seu desespero aumentou quando começou a tossir por causa da fumaça que lentamente penetrou a sala. Ele pausou, usando toda força de seus punhos para destravar a porta, repetindo os socos muitas vezes.
A marca em suas mãos ficou vermelha pelo sangue, mas mesmo assim ele continuou golpeando a madeira. Um grito saltou de sua garganta quando viu o lampejo de luz atravessar a porta do porão e incendiar a escada.
O instinto o dominou e a dor naquele momento não significou nada. Jimin continuou empurrando até que a madeira estalou quando abriu. Um soluço forçou caminhou pela sua garganta, mas ele não soube dizer se foi de alívio ou desespero.
O calor do fogo dominou a sala e ele planou no ar quando se ergueu com as duas mãos nas laterais do alçapão e saltou para fora. Suas mãos ensanguentadas tocaram as folhas secas no chão e ele acabou engatinhando para longe.
Sua visão angustiada acudiu apressadamente ao redor, observando a van ainda parada de frente para a taberna e Eric conversando ao telefone, parecia nervoso aos olhos de Jimin. Ele passou a mão no rosto e desligou o aparelho, olhando para dentro do local incendiado até que a mulher o chamou com um aceno para que entrasse no carro.
Os outros automóveis haviam desaparecido, aparentemente os convidados foram embora para salvar a própria vida. Jimin sabia que eles chamaram os bombeiros anonimamente para não levantar suspeitas de seu serviço, mas a postura de Eric em frente ao local indicava que ele o estava aguardando.
Jimin criou forças para andar pela floresta, devia existir uma saída por ela, ainda que não soubesse quanto tempo iria demorar até achá-la. Precisava encontrar alguém que o ajudasse ou pelo menos se escondesse atrás de uma pedra até o amanhecer.
Com uma mão segurando a outra para diminuir a dor, o garoto cambaleou por cima dos cascalhos, sentindo o vento sombrio das folhas caídas em seus pés. Seu corpo tremia pelas rajadas fortes que agitavam os galhos das árvores acima de sua cabeça e seu corpo latejava pela condição lastimável que passou.
As solas dos sapatos provocavam um chiado sobre as rochas escarpadas e o assobio do vento causava calafrios em seu corpo. Ele notou as lágrimas agora secas nas suas bochechas e passou a mão para tirá-las, reparando em suas mãos enegrecidas pelo fogo quando as encarou.
Gritar por ajuda seria como colocar a corda no próprio pescoço, ele tinha que lutar sozinho e ser mais esperto, já que sabia que pela manhã os homens voltariam para fazer uma perícia pelo local em busca de corpos, e então teriam certeza que ele não morreu no incêndio.
De repente um braço contornou seu pescoço, o apertando em volta com brutalidade, ameaçando bloquear sua respiração. Jimin se sufocou, agarrando com as suas mãos sujas o antebraço dele, forçando a tirá-lo.
— Achou que iria fugir tão fácil, Jimin? — a voz dura murmurou, soltando uma gargalhada incrédula. — O chefe vai adorar saber que você sobreviveu.
— V-Você... tá me... sufocando.
— Estou? Não se preocupe, eu vou te levar de volta para o Derek. — Jimin podia jurar que ele estava sorrindo, um sorriso cruel e duro.
— Me solta... — ele tentou se livrar do braço que o apertava, mas isso só intensificou o contato.
— Fique quieto, seu idiota!
O garoto sentiu seu corpo girar de volta para a taberna ao comando do capanga. As lágrimas mais uma vez feriram o interior de seus olhos quando sentiu-se ser rastejado para a direção oposta, sendo quase impossível reprimir a dor de ser pego de novo.
Ele poderia simplesmente pisar com sua bota no pé do sujeito e correr para dentro da floresta, mas não sabia se ele guardava alguma arma ou qualquer coisa que pudesse feri-lo. A incerteza de como agir consumiu sua mente, e seu corpo apenas se deixou ser levado de volta.
— Solte ele. — uma voz ordenou em tom de ameaça, não parecia distante e Jimin conseguiu reconhecê-la.
Dessa vez, o sujeito apontou um objeto pontiagudo para a garganta do menino e rodou seu corpo junto ao dele, o fazendo de escudo.
— Quem é você e porque eu devia te obedecer? — o tom de deboche escorreu por sua pergunta.
— Eu disse para soltá-lo. — repetiu ele, ignorando sua pergunta. Seus pés deslizaram lentos e meticulosamente pelas folhas.
Jimin enxergou a imagem dele se movendo nas sombras, mas não foi o suficiente para conseguir distinguir suas feições. O vento tremulou seu sobretudo e bagunçou seu cabelo, os braços dele estavam esticados com uma arma apontada em sua direção.
— Por que acha que vou te obedecer? — o homem no escuro realizou mais um passo, ficando embaixo dos galhos desfolhados pelo inverno. — Não dê mais um passo ou eu corto a garganta dele.
Jimin estremeceu quando a ponta da faca ameaçou afundar em sua pele. O homem parou, sua respiração insuportavelmente tranquila.
— Eu deixo você ir se me der o garoto.
Jimin não estava louco, ele reconhecia aquela voz. O mesmo tom equilibrado e o mesmo perfume o fizeram lembrar de uma única pessoa, cujo rosto nunca havia sido visto antes.
Até aquele momento.
Ele viu o seu herói misterioso partir das sombras e revelar sua identidade quando deu mais um passo adiante. O seu olhar imperturbado e alerta estava enterrado no capanga atrás do corpo do menino, mas com um breve deslize, aqueles olhos cautelosos caíram sobre Jimin de relance.
— O dinheiro que eu ganho para levar esse menino de volta não vale a minha liberdade. — comentou o capanga. — Largue sua arma.
— Largue a faca. — ele rebateu.
— Primeiro a arma, policial de merda.
Não existiu mais vestígio de dúvida no pensamento do garoto. Aquele era o agente que havia se livrado das imagens das câmeras e o acudido em sua imperfeita tentativa de fuga.
O detetive olhou mais uma vez para o garoto, identificando o pavor através de sua respiração demasiada, depois jogou a arma para longe. O sujeito riu às costas de Jimin, uma risada triunfal de quem venceu uma guerra. No instante seguinte ele parou e acariciou o pescoço do garoto com a ponta afiada.
— Sempre odiei homens que usam essa farda ridícula do FBI. Agora, você vai me deixar levar o menino para o meu chefe — ele olhou para o policial, mostrando seus dentes animalescos. —, ou eu vou enfiar essa faca nele. Recebi ordens e tenho permissão de fazer isso.
Uma nuvem de angústia atravessou os olhos de Jimin, os fazendo brilhar por consequência das lágrimas. O marmanjo abriu um sorriso irônico, guardando a faca dentro do bolso da calça enquanto virava o corpo do menino junto ao dele.
Entretanto, no tempo em que ele avisou por seus movimentos que viraria seu corpo, o detetive sacou outra arma da cintura e mirou no homem, se concentrando por alguns segundos antes de disparar um tiro no meio de sua testa.
Os pingos de sangue espicharam na lateral do rosto de Jimin e ele arregalou os olhos quando sua atenção desceu para o corpo caído no chão, agonizando antes de morrer. Seus olhos estavam estranhamente arregalados e suas pernas fraquejaram, tremendo pelo tiro que cortou ao seu lado.
Ele piscou para longe as suas lágrimas no instante que sentiu a presença do policial perto de seu corpo. A arma foi colocada de volta no cós da calça e as mãos dele percorreram seu rosto, explorando cuidadosamente cada lado, o suficiente para deixá-lo focando apenas em seus olhos.
— Ei, fique tranquilo, você está seguro agora. — Jimin tentou descer a visão novamente, buscando a certeza se aquilo tinha mesmo acabado de acontecer, mas o detetive o impediu suavemente. — Não tem que olhar, Jimin, ele está morto. Eu sinto muito se tive que fazer isso na sua frente.
Por pouco tempo, Jimin teve a impressão de que estava enxergando um mundo sem verossimilhança, completamente remoto da realidade. Sua audição ainda sussurrava com o zunido do tiro e aquela sensação de desrealização durou até a voz do policial cortar aquele som irritante.
— Consegue me ouvir? Preciso que respire fundo e se concentre apenas em mim, isso vai ajudá-lo a se desprender do trauma.
Jungkook o considerou pensativo por trás daquele olhar esbugalhado. O fôlego dele pareceu tranquilizar à medida que o detetive o fez continuar sustentando o olhar no seu.
Com a lua às costas de Jungkook, as sombras escureciam os discretos contornos embaixo de seus olhos e das maçãs do rosto, deixando-o vagamente escondido. Mas Jimin o enxergou pela primeira vez, e ele não podia negar que seu toque, mesmo que desconhecido, fez seu sangue derreter e uma corrente de conforto percorrer por suas células.
— V-Você... — tentou falar, a incapacidade de aceitar que aquilo não fazia parte de um sonho agitou dentro de seu peito.
Jungkook lançou um meio sorriso reconfortante a ele, o fazendo sentir o calor da expectativa abraçar sua pele.
— Eu disse que voltaria para te buscar.
✮✮✮
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top