⍟ thirty four

Jungkook virou o terceiro copo de gim. Já era a segunda garrafa que o bartender depositava no balcão e, certamente, a última que ele beberia naquela noite. O céu através das janelas já começava a escurecer, a lua estava mais nublada e o teto do bar era almejado por uma luz semelhante a cobre derretido.

O detetive vasculhou em volta, observando poucas pessoas ocuparem aquele espaço. Um pequeno lance de escadas ficava a sua esquerda, com as tiras do assoalho refletindo um brilho caloroso, enquanto o bar transmitia uma sensação macia das vidraças com diversas garrafas e copos iluminados por um lustre central.

Jungkook esfregou os olhos, meditando todos os momentos inacabáveis daquele longo dia. Rose se negava a contar o que sabia, os planos da troca foram interrompidos e, no fundo, Jungkook desconfiava que eles iriam atacar de novo. Por fim, não menos pior, Jimin tinha decidido ir embora.

Este último problema o fazia resmungar todos os xingamentos possíveis. Ele tinha lutado tanto para protegê-lo e, agora, o tinha escorrendo de suas mãos como areia. Havia, miseravelmente, falhado e estava pagando por isso. Sentia-se egoísta por pensar assim, mas não se conformava em passar os próximos dias na ausência dele.

Talvez Yoongi estivesse certo, seu instinto protetor estava berrando ao pé de seu ouvindo como um cão desesperado.

Yoongi. Este nome o fez inspirar um longo fôlego e derrapar a garrafa de gim para mais perto de seu copo, no qual despejou mais porção. Estava irritado, não podia negar, Yoongi havia cometido um grande erro e os efeitos disso já estavam acontecendo.

– Um detetive não devia encher tanto a cara. – Uma voz masculina disse atrás de suas costas.

Jungkook rolou os olhos na sua direção e encontrou Nolan. Seu cabelo estava cortado em um topete milimetricamente arrumado, o tom loiro tinha sido substituído por uma tonalidade voltada para o castanho. Os olhos verdes ainda mantinham uma essência familiar e, docemente, apimentada.

– Nolan – murmurou Jungkook, envolvido no sorriso dele.

– Sentiu minha falta?

Ele sentou-se ao lado de Jungkook e pediu uma bebida para o bartender. O detetive sustentou o olhar no seu rosto, enquanto ele escorregava o seu por cima da calça justa que o outro vestia.

– O que faz aqui? – Jungkook quis saber, ignorando a pergunta dele.

– Passando meu tempo já que estou de férias. – Ele agarrou a taça de ponche que o garçom trouxe e tomou um gole. – Você pelo jeito está fazendo o mesmo. O trabalho te cansa?

Jungkook ergueu uma sobrancelha discretamente.

– Não sabia que somos íntimos ao ponto de eu te contar sobre meu trabalho.

O sorriso de Nolan se curvou mais alto.

– Bom, pelo menos eu sei que você geme bem.

Por um momento, Jungkook não disse nada, mas na sua mente se passava uma rápida recapitulação da noite que tiveram. E olhando para os seus lábios agora, eles estavam mais famintos do que naquela noite.

– Digamos que as coisas andam complicadas – Jungkook explicou, movendo os olhos ao redor. – E eu estou me perdendo.

– O que está dizendo? Não me diga que levou um fora?

– A vida me dá um pontapé no traseiro todos os dias. Mas o problema não é só isso – argumentou, brincando com o dedo na borda do copo, olhando para um ponto fixo na parede. – Eu estou me preocupando demais.

Um silêncio áspero boiou entre eles. Nolan continuou fitando a lateral de seu rosto, aliciado com a forma desenhada de sua mandíbula se movendo, aparentemente incomodado.

– Se preocupar pode ser um bom sinal. Indica que você se importa com a pessoa. – seu olhar encontrou o de Jungkook. – Ou com algo. Não sei ao que está se referindo.

– Como me encontrou aqui? – ele mudou a conversa subitamente, explorando sua reação.

– Foi coincidência. – respondeu baixo, percebendo a forma particularizada que Jungkook avaliou sua expressão. – Por favor, não me leia. Não estou mentindo.

– Sei que não está. – desdém escorreu de suas palavras. Ele engoliu toda sua bebida e depositou o copo acima do balcão. Evasivo, ele continuou. – Só não esperava vê-lo de novo depois da nossa última conversa.

Eles seguraram o olhar por um prolongado momento. Nolan hesitou na cadeira, deslizando a taça de ponche à sua boca. Jungkook tinha os olhos como a noite, ao mesmo tempo que era mordente encará-lo, tornava-se embaraçoso desfrutá-lo.

– Foi um momento bem delicado para nós dois. Envolvia o seu trabalho e a minha surpresa de saber quem você realmente é, mas – ele deixou um sorriso pateta estampado no rosto. – eu vejo o agora como um momento oportuno.

Se isso fosse uma insinuação, Jungkook iria ignorá-lo.

– Está dizendo que é para esquecermos o último acontecimento? – Jungkook deu-lhe um olhar aguçado, repleto de inexatidão.

– Tivemos uma noite quente, podemos ter bebido muito, mas ainda consigo sentir seu corpo no meu. Ficou marcado em mim. Não quero estragar isso por conta de um caso que não me envolve. – Nolan esclareceu, havia sinceridade se derramando dos seus olhos. – Além de que eu ainda não sei seu nome verdadeiro.

Não havia vontade suficiente para expor seu verdadeiro nome, entretanto Nolan não parecia uma ameaça, tampouco de má-fé. A maneira como ele olhou para o detetive o disse exatamente como desejava conhecê-lo verdadeiramente.

– Jungkook.

Nolan travou instantaneamente, enfeitiçado, havia congelado a mira de suas órbitas escuras.

– Uau, estou impressionado. – seu rosto se torceu de fascínio e seu sorriso se puxou lento e praticado. – Definitivamente é muito melhor do que Jev.

Jungkook riu, deixando um filete de bebida acentuar seus lábios. Ele rolou o cenho para a frente, facilitando a imagem da sua feição, tão máscula e ao mesmo tempo tão indulgente. Nolan deixou a visão rastejar por cada centímetro daquele rosto, chegando a conclusão de que não havia outro igual. Ele era diabolicamente o homem dos seus sonhos mais perversos.

– O que me diz desse bar? – Jungkook perguntou alheio. – Algumas pessoas o elogiam, outros não se agradam tanto.

– Eu gosto daqui, mas você só pode ter uma opinião se continuar frequentando. – Jungkook correu seus olhos a ele com prudência. – Sua perspectiva do lugar pode ser diferente da minha.

– Está certo – assumiu, acenando o dedo para o bartender e se encurvado contra o balcão quando o viu perto. – Traga mais uma garrafa de gim.

– Já é a sua terceira, estou certo? – perguntou Nolan, examinando as duas garrafas vazias próximas dele. – É melhor parar por aqui. Você vai acordar de ressaca se continuar bebendo desse jeito.

– Me deixe beber o bastante para fazer uma merda – ele falou, deixando o silêncio pairar sobre eles. – Estou me divertindo apenas, não precisa ficar surpreso.

– Não estou surpreso.

– Não é o que parece. Está me olhando como se nunca tivesse bebido até cair.

– Diferente de mim, você é um detetive, precisa estar sóbrio para cuidar dos casos – disse o rapaz, usando um cauteloso, mas com medo, tom de voz.

– Detetives também enchem a cara e se irritam – refutou, arrumando o casaco em seus ombros. – Acha que somos blindados só porque usamos coletes e uma arma no coldre?

Nolan permaneceu calado. Um impulso violento, traidor e de ódio foi cravado em Jungkook. O rosto de Yoongi era a única imagem que dardejava em sua memória diante dessas emoções. Tudo tinha perdido o foco imediatamente e ele só conseguiu se concentrar no vazio de seu copo.

– Eu sinto muito. – Jungkook se desculpou, arrancando algumas notas da carteira e entregando ao barman quando ele ofereceu-lhe a garrafa de gim. – Fique com o troco e a bebida.

– Jungkook-

– Me desculpe, não era minha intenção descontar em você uma raiva pessoal. – Ele saltou da cadeira, arrumando a arma na cintura antes de fechar o zíper do casaco. – Você está certo. Há outras maneiras de esfriar a cabeça sem ser enfiado numa garrafa de bebida.

O rapaz prendeu o lábio inferior entre os dentes, pensando. Ele, definitivamente, não queria que Jungkook fosse embora, havia demorado tanto para achá-lo e agora o tinha partindo de novo numa despedida dolorosamente crucial.

– Podemos conversar um pouco? – Ele quase implorou, segurando no braço de Jungkook, na qual já se preparava para sair.

– Que tipo de conversa seria? Eu tenho um trabalho a fazer, não posso ficar mais do que dez minutos.

– Ficaria mais de dez minutos se continuasse bebendo – revidou, não soando grosseiro. Os olhos do detetive o escanearam em completo silêncio. – Qual é, me dê só um minuto.

Jungkook não correspondeu ao seu meio sorriso, ele apenas suspirou e disse:

– Espero que isso valha meu tempo.

Nolan deslizou algumas notas por cima da madeira, pagando por sua bebida, e ficou em pé na frente de Jungkook. Ele era, excepcionalmente, mais baixo que o detetive, alguns centímetros a menos de pura perdição.

– Tem um beco aqui atrás. Podemos chegar lá pela porta dos fundos – informou, arrancando uma expressão desconfiada do outro.

– Um beco? Por que isso me soa arriscado?

Antes que ele pudesse formar um pensamento sequer, o braço de Nolan tocou a sua jaqueta, aproximando-se sem pressa. Ele chegou perto do seu ouvido e sorriu.

– Se eu quisesse fazer algo com você, seria na minha cama e não aqui. Então não tem o que temer.

Sem dizer mais nada, ele o puxou em direção ao corredor posterior à cortina, mal enxergando as paredes e os trilhos que ficavam naquela direção. O nome saída pulsava com a luz neon mais adiante e indicava com uma seta o caminho. Jungkook deu um olhar apressado sob a escuridão para as costas de Nolan, seus olhos estavam cheios de agravamento.

Eles atravessaram pela passagem estreita e desceram os dois degraus que dava acesso a um beco vagamente escuro, exceto por alguns postes de luz que ficavam na esquina e pontos cintilantes que piscavam nas varandas das casas do outro lado da rua. A brisa refrescante e o coro dos insetos se fizeram presentes no momento em que eles permaneceram calmamente em silêncio.

A mente de Jungkook vagueou misteriosamente aos sinais suspeitos daquele convite. Nolan estava de costas para ele, suas costas movendo-se em nervoso, sua cabeça baixa indicava uma iminente reflexão de como começaria a falar. Jungkook suspirou impaciente, a fumaça raspando sua boca pela baixa temperatura, e afundou as mãos nos bolsos do casaco, à espera de uma iniciativa dele.

– Por que me trouxe aqui? Por que um beco e não o bar? O que tem para falar é tão secreto assim? – indagou Jungkook, o assistindo girar o corpo em sua direção.

– O que tenho para falar deve envolver apenas nós dois. – explicou, abalado por um sentimento que Jungkook não havia desvendado ainda.

Prontamente disposto a ouvi-lo, o detetive recostou contra a parede de tijolos do bar e juntou as sobrancelhas, como se dissesse: "seu tempo já começou". A garganta de Nolan se fechou, dificultando colocar as palavras para fora. Mas bastou apenas Jungkook pigarrear que sua coragem voltou como um choque súbito.

– Eu tenho informações do Elliot – falou de vez, percebendo como sua notícia perturbou o detetive e o fez emitir uma expressão confusa e, virtuosamente, interessada. – Eu sei onde ele está morando.

– E o que te impediu de me ligar? – Ele tinha entregado seu cartão com o número caso houvesse algum aviso importante que Nolan conseguisse descobrir, mas este não o fez nem sequer para uma mensagem.

Ele lançou um olhar para Jungkook, plenamente sensibilizado por um pesar vacilante, e inspirou um fôlego forte. O detetive sentia que ele tinha um bom motivo para ter sumido todos esses dias, e isso envolvia sua relação com o primo. Talvez um desentendimento o fez tomar a decisão de contar tudo. Ou estava somente efetuando uma boa emboscada. Jungkook temia pela segunda opção.

– Eu pensei que ele podia mudar. – Nolan começou, sua voz soando como um sibilo estridente. – Mas depois de ouvi-lo confessar todas as coisas que fez sem demonstrar arrependimento, isso me deixou repudiado.

– Mas decidiu me procurar justo agora? Você tem o meu número, Nolan. – Ele disse em tom de acusação, se afastando da parede e dando alguns lentos passos à frente. Um vento bruto varreu as folhas mortas pelo chão, ao redor dos seus tornozelos. – Me dê o nome do lugar.

– Eu vou querer proteção e sigilo – sugeriu para ele sobre o vento.

– Por que exatamente proteção? – ficou mais próximo dele, permitindo que uma rajada de vento repentina soprasse entre os poucos centímetros que os separavam.

Ele queria intimidá-lo, não podia mentir, mas para a sua surpresa, Nolan não parecia assombrado com essa tentativa.

– Eles vão me pegar quando encontrar o Elliot. – A garganta de Jungkook ficou seca. – Eles virão atrás de mim para puni-lo por ter falhado. Foi por isso que não te liguei antes, eles estão rastreando meu telefone e me perseguindo. Não duvido que há um homem deles de vigia dentro desse bar.

– Como sabe disso? – questionou Jungkook, olhando para os quatro cantos do beco. Não havia ninguém além do assobio do vento.

– O Elliot me contou. Eu não disse nada sobre o FBI, mas ele admitiu para mim o motivo que o fazia continuar frequentando o lugar. – Ele deu uma pausa, parecendo recapitular alguma informação do fundo de sua mente. – Eles têm nomes de amigos e parentes registrados, qualquer deslize e eles pagam por isso. Há pelo menos um homem deles vigiando cada pessoa por precaução.

Jungkook estava, inquestionavelmente, impressionado. Então eram por estas questões que todos os presos entrevistados que faziam parte da máfia se recusaram a assumir seus planos. Eles tinham familiares sob os olhares vigilantes de fuzileiros e pessoas treinadas para matar. Qualquer mínimo deslize e um disparo na cabeça podia ser fatal.

Eles tinham uma tropa de homens espalhados por cada esquina e extremidade daquela cidade. Cidade? Jungkook estava cismando que países seria a palavra ideal. Pensar que eles possuíam um exército muito além do que o FBI seria capaz de enfrentar era entorpecedor. Sua equipe precisava de mais reforços, estava na hora de comunicar a CIA e o Serviço Secreto.

– Acabe com isso, Jungkook – Nolan disse com a voz mais carregada. Ele e Jungkook partilharam um olhar. – Encontre esses filhos da puta e faça cada um pagar.

O detetive continuou calado. As imagens pareceram mover-se para trás de repente e,revisando tudo o que sabia sobre a máfia, era incontestável digerir cada informação sem sentir a vontade sangrenta de destruir cada membro dessa quadrilha.

– Eu prometo te proteger, Nolan – anunciou Jungkook, movido por uma determinação interna. – Mas antes me diga onde seu primo está.

O rosto do rapaz se atenuou no mesmo instante e ele acabou agitando a cabeça num aceno entendedor.

– Ele está morando em uma residência em Kitsilano. O lugar pertence a ex cunhada dele, não fica muito longe daqui.

– Preciso de uma foto dele – pediu, vendo Nolan remexer as mãos no bolso do sobretudo, ele agarrou seu celular e acendeu a tela.

Ele levantou o aparelho com a imagem de um homem. Jungkook estudou cada centímetro daquele rosto, memorizando sua fisionomia com atenção. Ele possuía um queixo quadricular, olhos semelhantes aos de Nolan e o cabelo num tom vivo de cobre. Estava ao lado de uma mulher, na qual Jungkook julgou ser sua ex-esposa.

– Precisa ficar de olho nas ruas perto da casa dele. Quando eu fui lá, havia um homem dentro de um carro escuro e ele não deixava de espionar a casa do Elliot. – O rapaz o alertou, recebendo um aceno como resposta.

– Eu irei preparado. – Um suspiro aliviado escapou dos lábios de Nolan. – Mas para onde você vai?

Aquela pergunta pareceu pegá-lo de surpresa. Ele queria se sentir seguro de novo, ainda mais depois de revelar tudo para um detetive, precisava arranjar uma nova casa.

– Embora. – Ele pareceu brevemente relutante em responder. – Quem sabe Londres seja melhor para mim? Preciso arriscar. Não posso continuar aqui sabendo que sou uma presa fácil.

– Vou deixar um guarda vigiando sua casa.

Nolan assentiu, aproximando-se dele em passadas curtas. Suas mãos correram aos quadris alheios, segurando-os protetoramente perto dele.

– Eu queria que viesse comigo.

Jungkook endureceu e se distanciou devagar, livrando-se do calor de seu corpo.

– Eu tenho um compromisso aqui – argumentou.

– E quando terminar? Podemos viajar juntos.

– Nolan – A voz de Jungkook morreu em formação e ele acabou suspirando antes de prosseguir –, eu gostei da nossa noite, mas não passou disso.

Lentamente, a mandíbula do rapaz foi enrijecendo, seu aperto sobre ele se tornou leve como uma pluma. Sua mão o deixou até que estivesse ao lado de seu corpo.

– Então não passou de sexo? – Ele perguntou, quase frustrado.

– Não devo ser o único que já levou para sua cama só por uma noite. Espero que me entenda.

Ele não se ofendeu com seu tom de voz delator, estava avaliando-o em silêncio como uma peça rara. Jungkook piscou e, então, se afastou para longe, disposto a evitar impressões erradas. Não sentia nada por Nolan, não alimentaria uma situação para não o magoar. Ele conseguia ser terrivelmente direto quando o momento não o agradava.

No intermédio daquele contínuo assobio das rajadas rigorosas do vento, o telefone de Jungkook tocou em seu bolso. Ele o apanhou, olhando diretamente para os olhos de Nolan antes de atender a chamada.

– Detetive Jungkook. Quem fala? – O rapaz torceu o nariz por conta do frio e se moveu para a outra parede do beco. Uma ponta de decepção alfinetou o peito de Jungkook, seu olhar caiu para o chão, periclitante, no momento que recebeu os olhos do outro. – Quando foi isso?

O rosto do detetive se transformou numa nuvem escura e rigorosamente em choque. O silêncio se habitou nele por um longo momento, parecia descrente com a notícia. Nolan o examinou cautelosamente.

– Sim, eu estou ouvindo – respondeu a pessoa do outro lado da linha, ainda com uma porção de incredulidade. – Eu não demoro, já estou indo.

Logo depois ele desligou o celular. Sua mão estava flexionada contra o aparelho e parecia deslizar por sua palma como líquido, mas ele acabou colocando-o de volta no casaco.

– Era meu chefe – falou Jungkook, seu tom de voz dizia que o comunicado não foi suficientemente agradável. – Ele precisa de mim.

– Aconteceu algo urgente?

Ele não absorveu a pergunta. Sua mente tinha conjurado uma sequência de palavras que serviram o bastante para abalá-lo. Elas se rebobinaram na sua cabeça, serpenteando a voz de Seokjin no topo dos seus pensamentos, o deixando como se estivesse dentro da sua mente.

Jimin está aqui no carro, ele me contou sua decisão. Vou levá-lo para minha casa agora, preciso que venha, ele o quer aqui. O detetive se lembrou, sentindo o gosto do sangue na boca.

Retomando aos poucos a consciência, ele piscou os olhos e encarou a figura em sua frente.

– Eu tenho que ir. Quer uma carona para casa?

Nolan deixou as sobrancelhas franzidas e negou.

– É melhor não nos verem juntos.

Jungkook concordou, friccionando as mãos cuidadosamente umas nas outras para se aquecer e as inseriu dentro dos bolsos.

– Compre um celular pré-pago se quiser falar comigo. Estarei à disposição.

Foi tudo o que disse, se apressando pelas folhas secas que farfalhavam abaixo de seus pés para longe do beco. Nolan sentiu seu coração se atrapalhar, mas ao invés de se despedir, ele apenas fechou mais o casaco e tropeçou para dentro do bar.

✮✮✮

Jimin se remexeu no banco do carona pela quarta vez. Ele deixou a cabeça tombar contra a janela do carro e pensou. Uma sequência de lembranças sacudiu como uma corrente de eletricidade dentro de sua cabeça, o fazendo recordar cada momento.

Porventura, optar por ir embora podia ser uma escolha errada, entretanto, diante de todas as circunstâncias, ele não encontrava outra saída senão partir. Não era por Jungkook, tampouco pelo lugar em específico, sua decisão despertou-se quando seu coração deu um grito de basta.

Sentia-se culpado, largado de lado sem uma gota de importância. Permanecer no prédio era como trazer à tona todas as memórias ruins que foram implantadas em si. Eles trabalhavam nisso, não podia julgá-los por cumprir com o protocolo, mas doía profundamente estar num lugar que passava a maior parte do tempo agenciando um caso que o insere e o faz lembrar de todas as torturas que sofreu.

Precisava de um momento longe, e esperava que Jungkook não ficasse triste com sua decisão, que apesar de abrupta, tinha sido muito bem pensada enquanto estava sozinho no quarto.

Lá estava Seokjin, do outro lado do estacionamento, andando de um lado para outro com as mãos nos quadris. Jimin não confiava nele, mas no momento ele era sua única aposta para sair daquele prédio.

Um carro maior e escuro estacionou numa vaga ao lado e uma figura conhecida saiu pela porta do motorista. Jungkook estava caminhando na direção de seu chefe, e olhando bem para sua expressão, ele não parecia satisfeito por algum motivo. Jimin o queria ali e ele não demorou mais do que dez minutos para aparecer como prometido.

– Cadê ele? – Foi a primeira coisa que saiu em forma de palavras quando o detetive se aproximou do diretor.

Seokjin girou o queixo para o carro atrás de suas costas, um tanto distante, e respondeu:

– Está no meu carro. Ele pediu para que eu te ligasse.

– E como isso vai funcionar?

– Ele vai estar totalmente em segurança, não tem o que se preocupar, detetive – garantiu.

– Isso deveria me confortar? Porque não está funcionando.

– Veja bem, Jimin pediu por isso. Ele não quer ficar mais aqui porque não o faz bem, deixe-o seguir as suas vontades. Se continuar colocando sua intuição protetora acima da razão, o garoto pode se sentir pressionado a ficar por sua causa, e não por causa dele – explicou Seokjin, vendo um flash violento relampejar nos olhos dele.

– Você diz que eu coloco minha intuição a frente da razão, mas já parou para pensar que isso é o que mantém ele protegido? – perguntou, soando absurdamente direto na alusão. – Se eu não me importasse com a segurança dele, a Rose ou qualquer outro o teria levado e nesse momento ele não estaria dentro do seu carro. Esses homens o querem, e enquanto não conseguirem isso eles não vão parar.

– Seu ego te cega, detetive. – Ele o acusou friamente. – Acha que é o único que pode protegê-lo porque está obcecado em destruir quem o destruiu. Quer poupá-lo de reviver as mesmas torturas e eu não o julgo por isso, mas também precisa pensar na nossa equipe.

– Está soando tranquilo demais, Seokjin.

– Não me venha blefar com suas acusações. – Ele revidou.

Jungkook olhou por cima de seu ombro, investigando os castanhos brilhantes por trás do vidro demorar em seu rosto, expectante e vagamente envolvido. Em seguida, sua atenção correu ao semblante sério do seu chefe, uma pitada de desdém se derramando no sorriso pequeno que desenhou sua boca.

– Jimin vem no meu carro – determinou, seguindo diretamente para o veículo parado no canto inferior do estacionamento.

Logo que o alcançou, o vidro do carro deslizou para baixo e Jungkook se debruçou contra a janela, sorrindo docemente para Jimin.

– O senhor veio. – Sua voz soou baixinha, quase sussurrante.

A boca de Jungkook traçou com delicadeza.

– Fizemos um trato, lembra? Eu não ousaria quebrar o nosso acordo.

O menino sorriu largamente, deixando dois riscos encantadores figurar no lugar de seus olhos. O detetive se enfocou nesse detalhe, perdendo-se na simplicidade de sua reação. Ele era adorável demais para ser real.

– O que acha de irmos no meu carro? Ele é bem mais confortável. – O federal sugeriu, fabricando uma expressão exclusivamente cênica.

O menino retornou o olhar para Seokjin, o encontrando, seriamente, sóbrio enquanto o observava. Por longos segundos eles se encararam; o ar se sufocou na garganta de Jimin, chamuscando seus pulmões de um jeito ácido.

Recusando-se a interpretar aquele rosto, o garoto piscou para Jungkook e acenou a cabeça. O detetive abriu a porta com prudência e segurou a bolsa preta que ele carregava nos ombros e a pousou nos seus. Eles andaram para o carro de Jungkook em silêncio.

Ao atravessar ao lado do homem, Jimin enxergou uma explosão inquestionável torcer o rosto dele, mas sentiu-a, lentamente, se dissipar. Ele deu uma olhada de esguelha para a figura mais baixa que cortou sua lateral e contraiu a mandíbula.

Abrindo a porta do SUV, Jimin se acomodou no banco do carona e enxergou pelo espelho retrovisor o reflexo de Jungkook colocando sua mala na bagageira. Ele deu a volta no carro e se ajeitou no assento de couro, posicionando as mãos em volta do volante.

– Esperamos ele? – perguntou Jimin, observando o corpo esguio se dirigir ao automóvel em que estava instantes atrás.

– Esperamos.

Jimin focou em seus olhos, eles eram tão intensos e um pouco desarmantes. Jungkook o olhou de volta, mas ele desviou sua atenção para o carro à sua frente movendo-se para fora do estacionamento. Ele, definitivamente, sentia suas bochechas embrasearem quando mantinha um contato visual, não com todo mundo, com Jungkook.

Ligando o motor do carro, o detetive rasgou os pneus direto para a área aberta e ligou o aquecedor. Eles seguiram o veículo de Seokjin na estrada em completo silêncio, percorrendo todo o trajeto enevoado por nuvens baixas.

O vento soprava contra a janela de vidro, fazendo Jimin ter a sensação que seu sangue estava congelado. Ele se agradava com essa estação, embora parecesse tão solitária e vazia, tão semelhante a algo que inundava seu coração.

Recordou-se daquela manhã, dos sussurros em sua mente evocando as palavras de Yoongi e como foi duro dizer em voz alta que preferia ir embora. Seus olhos castanhos salpicaram quando uma lembrança satisfatória dançou nas beiradas de sua mente.

Jungkook o sentiu se agitar no assento, então seu olhar desviou-se da estrada para ele. Jimin procurava por alguma coisa em seu bolso da calça e quando encontrou, houve um momento de admiração pelo que estava em suas mãos. Um papel.

Ele esticou o papel à Jungkook, explorando seus traços confusos pelo inesperado. O detetive trocou um olhar entre o papel e o menino, como se perguntasse silenciosamente se era para ele.

– Eu fiz para o senhor – falou, assoprando as palavras com vergonha.

Ele sorriu e agarrou a folha com cuidado. Com apenas uma mão, desdobrou as bordas do papel e encarou os rabiscos alinhados e muito bem esboçados que estavam desenhados no fundo branco. Era seu rosto.

– Desenhei o senhor – explicou, limpando sua garganta sem saber exatamente o que falar. – Quero que guarde para se lembrar de mim... já que não vamos estar mais juntos. É como forma de agradecimento por tudo o que fez por mim.

Jungkook quase amassou o papel com os dedos quando sentiu sua mão tremer pela raiva, mas logo essa sensação foi lançada para longe e ele apenas apreciou o capricho das suaves mãos de Jimin em desenhá-lo perfeitamente bem.

– Você desenha tão bem. Estou impressionado – declarou, virando-se para aquele rosto delicado. – Obrigado por isso, não tenha dúvidas que ficará guardado comigo.

Timidamente, Jimin aprofundou o sorriso e mergulhou seu corpo contra o estofado de couro, assistindo seu desenho ser colocado dentro do porta-luvas. Para além do para-brisa, os faróis traseiros do carro de Seokjin dobraram uma esquina, chamando a atenção de Jungkook que acabou contornando no mesmo lugar.

Era extremamente estranho mostrar seus desenhos para outra pessoa, mas, diferentemente do que imaginou, Jungkook apresentou uma reação muito além do que esperava que ele tivesse. Foi simples, foi admirável, foi como Jimin não pensou que seria.

E ele continuava a sorrir, sob os efeitos daquele elogio. Enquanto Jungkook manuseava seus pensamentos àquele desenho. Ele havia, provavelmente, passado horas idealizando seu rosto enquanto remexia as mãos de acordo com o que seu cérebro rascunhava.

Jimin era gentil e ele sentiu que também devia dar algo em troca. Mas não por ter recebido um presente e, sim, porque Jimin merecia um.

Jimin travou. Ao mesmo tempo que tudo parecia um mar de rosas, uma dose de veneno foi injetada em sua consciência e ele lembrou-se que Jungkook não parecia confortável com sua decisão, ainda que demonstrasse apoio a ela.

– O senhor está bravo comigo? – perguntou ele, um pensamento nada confortante se passando pela sua cabeça.

– Eu devia estar? – Ele levantou as sobrancelhas em indagação. Jimin o encarou com um pressentimento gelado.

– Eu disse que não iria embora, e bom, estou indo.

– Nem tudo acontece da forma que planejamos, Jimin. Basta alguma coisa nos afetar para mudarmos nossa perspectiva. Você decidiu sair do prédio por um motivo pessoal, jamais sentiria raiva de você por conta disso.

– Então por que o senhor parece tão irritado? – Jungkook pareceu ser pego de surpresa, ele achou que podia esconder melhor sua irritação prolongada.

Jimin também sentiu o cheiro de álcool saindo dos lábios dele, mas não se sentiu no direito de mencionar essa parte, até porque, não lhe dizia respeito nada do que Jungkook fizesse.

– São só coisas do trabalho. – Ele não mentiu, mas escondeu um amontoado de justificativas.

– É por causa do detetive Yoongi?

– Ele não devia ter te usado para conseguir respostas. Foi falta de profissionalismo e eu estou irritado com essa postura dele – declarou, suas mãos se controlando para não espremer o volante.

– O senhor vai conversar com ele?

– Não sei se será apenas uma conversa – respondeu-o, sem deslocar sua visão da estrada.

Checando o tráfego mais ou menos vazio depois de duradouros minutos na estrada, Jungkook passou pelo cruzamento e raspou as rodas do carro por uma rua arborizada, com anões de jardim ornamentando as calçadas entre os cascalhos. Ele registrou a imagem do carro de Seokjin estacionando diante de uma mansão, dentro de um pequeno condomínio, e paroulogo atrás.

O detetive saiu do carro e sondou em volta. Por trás do contorno do lugar, havia dois prédios pequenos de aparência sofisticada, casas com degraus de madeira na frente e proteções sigilosas que Jungkook conseguiu enxergar por cima das torres dos prédios.

– Para que serve isso? – perguntou ele ao seu chefe, ainda com o olhar pregado na rotação vermelha que girava ligeiramente.

– São sensores. Eles identificam a presença de qualquer pessoa diferente que não seja deste condomínio. – Ele olhou para cima, aproximando-se do detetive. – Esses edifícios são reservados para policiais, as casas também são de federais e tudo aqui é protegido pelas forças superiores.

– Eu não sou desse condomínio, por que nada aconteceu comigo? – questionou desconfiado.

– Você está comigo e faz parte da equipe do FBI. – Jungkook estreitou os olhos, vagamente cismado e com um toque alarmado. – Este é um condomínio fechado, somente federais podem entrar. Só há uma única entrada e foi pela qual passamos. Se observar, vai perceber que todas as casas têm um sinalizador na frente, se chegar próximo de alguma delas e não tiver identificação federalista, rapidamente o portão se fecha e o sistema de segurança é ativado. A pessoa fica presa aqui e as trancas das residências se travam mecanicamente como forma de segurança.

– E o que acontece com o Jimin?

– Deixe-o no carro, vou informar aos superiores que ele ficará comigo. – Essa última parte não o agradou tanto, sua garganta acabou se fechando duramente.

Honestamente, ele queria confiar em Seokjin e considerar sua palavra de segurança à Jimin. No entanto, parecia que uma nuvem negra estava tremulando na frente dos seus olhos, serpenteando toda e qualquer assimilação contrária à suspeita cega que havia implantado contra o chefe.

Apesar disso, não havia nada que pudesse fazer. Jimin queria ficar, ele apenas iria ceder ao seu pedido com os dois olhos atentamente abertos.

Um som se destravando veio do seu carro. Ele olhou na direção do SUV e viu Jimin ameaçando deixar o automóvel, porém, antes de pisar no asfalto, Jungkook esticou a mão silenciosamente, pedindo-lhe para que permanecesse no carro. O menino arregalou os olhos como um gatinho assustado e se encolheu no assento, aguardando a autorização dele.

Um arrepio dançou na linha de sua coluna quando ele avistou Jungkook percorrendo em sua direção, os olhos, genuinamente, pestanejando em defesa do vento. Ele se curvou contra o carro e sorriu de forma benevolente para acalmar o menino. E pareceu funcionar.

– Não se preocupe, Seokjin está informando aos superiores que você está aqui sob a ordem dele. – informou Jungkook, ouvindo-o suspirar.

– Pensei que estivesse evitando que eu fosse visto por alguém – disse rapidamente, sentindo o medo contido no seu tom. Ele não quis demonstrar, mas sua parte instintiva fez seus olhos rolarem ao redor de todas as extremidades daquele condomínio, confirmando se não havia mais ninguém.

– Ainda se sente observado? – questionou Jungkook, quase sob sua respiração.

– Até nos meus sonhos. – Seus olhos continuavam a vigiar as arestas das propriedades.

– Jimin – Sua mão alcançou o braço dele, tocando-o suavemente, atraindo aqueles olhos aturdidos aos seus. –, eu posso te levar de volta. Posso te proteger se me permitir.

Jimin vacilou. Suas palavras morreram na metade do caminho. Jungkook tinha os olhos como avelã e observá-los tão de perto passava-lhe uma sensação profunda de segurança. Ele jamais desacreditou de sua devoção e proteção, sabia que estava seguramente acolhido com Jungkook; entretanto, olhando para trás, permanecer sob o teto do FBI não o fazia bem. Era um veneno para a sua memória, embora fosse um ambiente protegido.

– O senhor ainda continua me protegendo. – Ele falou, apesar de sua escolha de palavras, dava para reparar que ele estava, fielmente, decidido. – Eu vou estar aqui, longe de ser um problema para o seu caso, porque, no fundo, eu só preciso que o senhor encontre eles e tire a Hannah de lá. Entre todas as coisas, saber que alguém como o senhor está liderando o caso me conforta. Eu confio no seu trabalho, detetive Jungkook, por isso deixarei que o faça sem se preocupar comigo.

A boca de Jungkook contorceu-se para baixo. Sua declaração o atingiu de surpresa, tanto que suas pálpebras não se moveram e as pupilas pareceram se dilatar extensivamente. Ele não desejava ouvir aquele conjunto de palavras na voz de Jimin, tampouco sentir o efeito delas.

– Eu não consigo fingir que não me importo com você... com sua segurança – declarou, as notas escapando brandamente.

O menino tentou engolir sua confissão, esforçando-se para não parecer, assustadoramente, abalado. Entretanto, diante daquela inusitada revelação, seus olhinhos já se mostravam vidrados em comoção.

– Jungkook! – A voz de Seokjin o gritou, ele passou a mão no rosto e ficou reto, o perscrutando. – Pode trazer o Jimin, recebemos a autorização.

Sua seriedade o bateu fortemente, ele acabou varrendo o olhar para o menino e abriu a porta para ele. Jimin deixou o automóvel, sentindo o vento atravessar por suas roupas, passando como uma geada por toda sua pele. Jungkook conduziu-se até a bagageira e arrancou a mala dele de dentro, sustentando-a no ombro.

A parte de trás do pescoço de Jimin começou a formigar, mas ele não sabia dizer se era pela sensação de estranhamento ou pelo frio congelante que esmagava seus ossos.

Subindo os degraus da casa, Seokjin digitou alguns números num pequeno aparelho ao lado da porta e esperou a luz verde pulsar positivamente e a porta retinir com um leve ronco. As travas zuniram e a madeira marrom estalou, se abrindo. Ele fez um pequeno movimento com o queixo, chamando os dois que se encontravam na calçada, e penetrou o ambiente escuro.

Jungkook subiu na frente e aguardou o menino alcançá-lo no topo dos degraus. Ele espreitou o interior da casa, vendo-a detalhadamente quando as luzes foram acessas. Seus olhos circularam ao redor, contemplando os sofisticados móveis de aspecto moderno. Uma gigante escadaria em formato esférico dava acesso ao andar de cima e havia um par de lustres de gotas de cristais no teto acima de uma mesa.

Jimin ficou encantado. As paredes eram impecavelmente brancas e os tapetes eram exuberantes e felpudos. À sua direita, um corredor levava diretamente à cozinha e a sala de estar encontrava-se logo ao lado. A mobília era estonteante e cada beirada tinha uma essência original.

– Fique à vontade, Jimin. – Seokjin falou do outro lado, depositando a chave do carro acima de uma escrivaninha, próximo de um aquário. – Pode ligar a televisão se precisar, beba e coma o que quiser sem pedir permissão para isso. Tem um quarto de hóspedes em cima, fica no final do corredor, você pode levar sua mochila e ver se o ambiente te agrada. Caso prefira outro quarto, eu dou um jeito de conseguir para você.

– Sim, senhor – respondeu ele, recolhendo sua bolsa dos braços de Jungkook. Em seguida, ele vagueou os pés para longe, marchando à escada.

– Quer uma bebida? – perguntou seu chefe quando percebeu a ausência de Jimin. Jungkook o encarou com seus olhos negros, silencioso, e acrescentou com um levantar de sobrancelhas.

– Não, obrigado.

Ele dispensava sua gentileza, aparentemente, forçada. De repente seu corpo deslizou pelos cantos da sala, pesquisando meticulosamente cada pedaço daquele vasto espaço. Olhou em volta da sala de estar, vasculhou dentro da cozinha e esquadrinhou as pontas escuras do cimo da escada.

– Quando terminar seu momento de patrulha me chame – articulou Seokjin com as feições controláveis.

O detetive franziu a testa, um franzido que se aprofundou no momento que o viu parado na entrada da cozinha com uma taça de vinho na mão. Ele olhou para Seokjin com aparente suspeita.

– Vinho branco? – indagou.

– Meu favorito. Já provou? – Sua resposta o puxou para uma lembrança contestável.

Um relance ficou preso em sua mente, a expressão em seu rosto era calculista e perigosamente observadora. Na ligação que recebeu, o criminoso citava o vinho branco como seu favorito. Porventura, aquela alusão não podia ter sido dita por aleatoriedade, no fundo, de maneira enrustida, era um sinal que simultaneamente estava ligado a Seokjin.

Uma ameaça? Uma correlação ao que pretendia fazer e a quem planejava atingir? Ou seria um prenúncio de quem estava por trás de tudo? Jungkook não conseguiu avaliar ligeiramente, os passos de Jimin sobre a escada o despertou de seu devaneio.

– Encontrou o quarto? – Seokjin perguntou a ele, com um sorriso no rosto.

– Sim, e ele é enorme. Eu não sabia onde colocar a bolsa, então deixei sobre a cama. – ele respondeu, parecendo genuinamente radiante.

– Sem problema, teremos tempo para escolher um local. Quer água, Jimin?

Jungkook pressionou os lábios, incapaz de absorver aquela conversa com pacacidade. Tudo ficou estranho de repente, o ar mais denso e as sensações mais abrasantes. Ele olhava para Seokjin como se estivesse diante de um assassino em série.

– Ah, aliás, vou querer que escreva todos os itens que você precisa. Fiquei sabendo que adora desenhar – falou o homem, aproximando-se dele com uma caderneta em mãos. Jimin sorriu largamente. – Como também fiquei sabendo que dança muito bem.

– Eu fazia aula de dança.

– Interessante. O que acha de uma sala de dança só para você? – questionou, seu rosto emitindo um brilho inaudito e raro.

As sobrancelhas do detetive se curvaram discretamente e uma linha sombria endureceu sua mandíbula. Ele virou-se para Jimin, seus olhos tímidos e espantados olhavam fixamente para Seokjin, surpreendido.

O humor de Jungkook se petrificou imediatamente e ele acabou arrastando os pés para a cozinha. Estava esperando uma enxurrada de perguntas quando se moveu, mas nenhuma inquirição foi enunciada a si. Ele penetrou a cozinha e procurou um copo dentre todos os cálices de cristais, quando o achou, despejou um pouco de água e ingeriu tudo de uma vez.

Ele podia estar delirando sob o efeito do álcool, mas tinha quase certeza que muitas coisas que foram ditas na ligação poderiam ser uma pista. Não havia alcançado, ainda, uma resposta plausível, somente suspeitas que se interligavam. Precisava analisar novamente a gravação e interpretar cada mínimo detalhe. Uma única palavra podia ser a resposta para tudo.

Sua cabeça começou a latejar, a força do álcool já rompia o pouco da consciência que ainda restava para se refletir a respeito das situações. Ele só precisava da sua cama e do suave travesseiro por uma longa noite.

– Senhor? – Jungkook olhou na direção da entrada e viu Jimin parado. Ele tinha os olhinhos de gato concentrados na figura maior próxima da pia. – O senhor Seokjin foi pegar um negócio para me mostrar. O senhor não quer ver?

– Eu já estou indo, só vim beber um pouco de água. – Sua resposta foi objetiva, mas Jimin não ousou se mexer para fora e esperá-lo.

De repente, ele conduziu os pés na direção do detetive. O palpitante calor de estar perto dele não envelhecia, tampouco se tornava comum. A sombra da boca dele, sensualmente esculpida, chamou os olhos do menino naquela rota. Ele parou de frente a Jungkook e sorriu timidamente logo depois.

– Fica comigo hoje – pediu, deixando Jungkook quase boquiaberto. – Não sei se estou pronto para ficar aqui sem sua presença. O senhor é o único em quem confio, então pode ficar comigo, pelo menos, por hoje?

A quase familiaridade o enchia de alívio. O peito do garoto cercava-se de terror ao ter a sensação de ficar longe dele. Jimin só queria ser protegido e a única pessoa capaz de fazê-lo se sentir assim estava bem diante de seus olhos.

Bastou um sorriso reconfortante e uma sequência de palavras, definitivamente, tocantes para Jimin notar seu coração quase explodir de tão aquecido que ele ficou.

– Eu ficarei por sua causa, Jimin. Apenas porque você se tornou a minha primeira opção de quem realmente devo proteger.

Jimin não podia negar, o perfeito timbre solene de sua voz dizendo aquelas coisas o fez ter certeza que estava divagando nas profundezas de um sentimento muito além do que, efetivamente, acreditava que sentia. Ele não sabia decifrar, o desconforto em seu estômago parecia ir muito além do que uma simples felicidade pela resposta positiva e ele soube que não foi somente por isso.

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