⍟ sixty four
O caminho até o hospital pareceu mais longo do que normalmente era. A madrugada em Vancouver trouxe um silêncio ensurdecedor nos corredores da clínica, haviam pouquíssimos enfermeiros perambulando entre um quarto e outro com suas pranchetas em mãos.
Jungkook e Layla tinham percorrido para o hospital mais próximo e igualmente capacitado. Juntos, eles transferiram Hannah para a unidade de emergência, desacordada, enquanto Jimin foi orientado a uma sala de atenção primária sob a disposição de Maryse, que também trabalhava naquele hospital quando não estava na sua clínica particular.
Layla estava sentada em uma cadeira enquanto Jungkook caminhava de um lado a outro. Os olhos dele estavam inexpressivos, sem foco, mas a preocupação era nítida na palpitação de seu coração. Jimin estava sob observação a cerca de vinte minutos e até agora não houve nenhum sinal sobre o seu estado.
A porta se abriu em um retângulo de claridade e Maryse saiu. Layla levantou-se apressadamente na mesma hora que Jungkook parou de andar. A médica se aproximou deles com um olhar favorável no rosto, então lhes deu um sorriso tranquilo. Apesar de não saber quais eram as notícias que ela trazia, Jungkook se descobriu começando a relaxar.
– Então – ele disse. – Como ele está?
– O menino está bem. – Maryse garantiu, ouvindo suspiros de alívio. – Eu potencializei o antídoto, isso permitiu que o organismo dele expulsasse o veneno voluntariamente para fora.
Layla deslizou seu braço pelos ombros de Jungkook e lhe deu um aperto amigável, gesto esse que serviu de conforto, ou melhor dizendo, de colo. A boca dele se contraiu um pouquinho para cima ante aquilo, realmente mais leve com aquela notícia. Jimin não falou muitas palavras no meio do caminho, e quando dizia, eram barulhos indistintos, incapazes de serem ouvidos.
Foi Layla, aliás, quem o tentou manter calmo ao passo que também se esforçava para deixar Hannah acordada. A menina havia perdido muito sangue, ainda que Layla tivesse improvisado uma faixa para estancar o fluxo de sangue. O detetive também arrumou formas de segurar a atenção de Hannah, mas um pouco antes de chegar no hospital, ela desmaiou.
– Como a Hannah está? – Jungkook perguntou em seguida. Pela reação de Maryse, a resposta não parecia ser boa.
– Ela está agora sob o processo de drenagem. – seu olhar firme alternou entre ambos detetives. – Ela perdeu muito sangue, estamos aguardando doações. Por enquanto, é recomendado que ela esteja em observação até que as memórias voltem.
– Isso pode demorar? – Layla perguntou.
– Depende. Não temos noção da quantidade de droga que foi injetada nela, a depender disso, talvez ela nunca mais recupere as memórias por completo.
Jungkook levou um segundo para assimilar aquela informação. Apesar de ele estar usando um casaco grosso, Layla pôde sentir o músculo dele endurecendo sob seus dedos, mesmo através da camada dupla que os separavam. Com isso, a agente se virou para olhar para ele, igualmente surpresa.
Em algum lugar de sua mente, Jungkook encontrou Jimin ouvindo aquela notícia — que também poderia não ser nada além de uma terrível possibilidade —, e o imaginou tristinho, os pequenos olhos cheios de lágrimas. Hannah tinha desafiado as fronteiras do que é considerado uma amizade para reencontrá-lo e agora nem mesmo se lembrava do nome dele.
Pior, ela corria o risco de nunca mais se recordar de nada. O passado simplesmente seria apagado de sua memória para sempre, como se nunca tivesse existido. Por um momento, Jungkook se perguntou como contaria para Jimin sem toda essa situação parecer tão preocupante.
– Você falou sobre doação de sangue? – Layla perguntou a Maryse, arrancando Jungkook para fora de seus próprios pensamentos.
– Sim.
– Meu sangue pode ser compatível com o dela. Podemos testar. – Maryse lhe deu um sorriso largo.
– Claro, isso é ótimo. Me acompanhe até o banco de coleta, por favor.
Com um movimento de cabeça, Maryse a convidou para segui-la. Layla aproximou-se de Jungkook e, com um suave movimento de cabeça, gesticulou para a porta do quarto na qual Jimin se encontrava.
– Eu sei que você quer vê-lo. – ela sussurrou. – Aproveite a minha brecha. Vou esperar vocês na saída.
Dito aquilo, ela começou a andar sem olhar para trás para ver se ele estava prestes a fazer o que ela havia sugerido. Maryse, no entanto, tinha virado a cabeça por cima do ombro, o suficiente para conferir se a detetive estava acompanhando-a. Um momento depois, as duas entraram dentro de uma grande sala, sumindo, então, das vistas de Jungkook.
Jungkook se flagrou tentando não pensar nas piores hipóteses para o que havia acontecido com Hannah, então decidiu seguir para dentro do quarto onde Jimin estava. Ele girou a maçaneta lentamente e foi abrindo a porta no mesmo ritmo, sem deter a ansiedade em poder vê-lo.
Ele pisou cautelosamente para dentro do quarto e fechou a porta às suas costas, aprisionando-se sob uma esbranquiçada luz melancólica. Uma larga mesa de exame estava à sua esquerda e uma pia de mármore à sua direita. Jungkook encontrou equipamentos embalados no suporte de madeira e algodões sujos de sangue dentro de uma lixeira.
Jimin emergiu de trás de uma segunda porta de repente, certamente a do banheiro, e paralisou quando encontrou a figura de Jungkook igualmente parada. Ali, o menino desejou correr e o abraçar.
– Jungkook... – sua frase acabou morrendo.
O detetive caminhou até ele e o puxou para os seus braços. Jimin sentiu o próprio coração saltar entre as costelas e então suavizar abruptamente. Ele retribuiu seu abraço na mesma intensidade, tentando não sugar o ar de forma trêmula. Tudo o que aconteceu naquela noite ainda o abalava muito e os efeitos daquilo continuavam a golpeá-lo.
Sentir o cheiro de Jungkook o confortou como nunca. Ele cheirava a umidade, colônia italiana e, acima de tudo, proteção. Jimin sentia-se em casa toda vez que o abraçava, ele tinha um colo confortável e sabia exatamente o jeito certo de o consolar. Por um momento, o garoto pensou que havia esquecido o quão bom era estar nos braços dele.
– Como está se sentindo? – Jungkook perguntou baixinho enquanto afagava seus cabelos.
– Assustado.
Com isso, o detetive afastou-se um pouquinho, mas antes permitiu-se selar a testa dele com seus lábios. As bochechas do menino arderam, a cor vermelha pulsando alta em suas maçãs. Jungkook o encarou meio confuso, dando a ele um momento de silêncio.
– Assustado? – Jimin assentiu.
– Tudo o que aconteceu hoje continua fresco na minha cabeça. Eu consigo me lembrar de tudo, da conversa com o Namjoon, as coisas que ele me disse sobre o senhor Seokjin, o medo que tive de morrer. Eu achei que o que ele tinha injetado em mim fosse me matar de qualquer jeito.
– Mas você está aqui. – Jungkook disse. – Eu sei o quanto deve ter sido assustador para você, mas o importante é que as coisas deram certo no final. Você está aqui comigo agora.
– E se eu não tivesse? – Jungkook franziu a testa em preocupação. – O Namjoon poderia ter me matado muito antes, ele não quis fazer isso. Sem contar que tudo isso só está acontecendo porque eu fui um idiota. Se eu não tivesse seguido aquela carta achando que era sua nada disso estaria acontecendo agora.
– Anjo – ele o segurou em cada lado de seu rosto. Jimin sentiu uma onda de arrepios em seu corpo quando ele o tocou daquele jeito. – O Namjoon teria te atraído até ele de um jeito ou de outro. Com certeza ele tinha outras formas para atrair você. A estratégia da carta foi uma delas. Não acho justo que se culpe por algo que não estava em seu alcance impedir.
Jimin fez um pequeno ruído em sua garganta e disse:
– Você acha mesmo?
– Tenho certeza. – um sorriso gentil tocou-lhe os lábios. – Mas isso não importa agora. O Namjoon está morto. Eu tive tanto medo de ele te jogar daquele terraço que não posso acreditar que você está aqui comigo.
– É tão bom estar com você de novo. Digo, sempre que ficamos juntos alguma coisa ruim acontece, mas pela primeira vez sinto que tudo de ruim já se passou.
Jungkook sorriu como um anjo e acariciou seus cabelos com a curva de seu indicador. Ouviu Jimin soltar o fôlego lentamente, como se o seu toque estivesse afetando-o de algum modo. Ele deu um passo em direção a Jimin, depois outro, ficando tão perto dele que era possível ver claramente as suas pupilas dilatadas.
– Eu sou completamente louco por você. – disse o detetive, deslizando a mão para o queixo dele, logo acima de um pequeno corte superficial. – Nunca senti algo parecido por ninguém. Sempre disse a mim mesmo que não me apaixonaria, mas você veio e quebrou minhas próprias regras.
Sentindo a cabeça mais leve, Jimin sorriu.
– Por que você é assim? – uma agitação de felicidade sacudiu seu coração. – Toda vez que me sinto triste, você sabe como me animar. Parece que você consegue me ler como ninguém.
– Isso significa que eu tenho uma boa perspectiva. – ele dedilhou a pontinha do nariz do menino, o fazendo soltar uma risadinha fofa. – Mas estou falando sério. Nunca me senti assim por ninguém antes.
– Talvez você não se lembre.
– Ou talvez porque eu realmente estou apaixonado por você. Sem vírgulas ou reticências.
Jimin sentiu-se corar. Por um momento, ele se perguntou se era por causa do frio ou daquelas palavras que, sem sombra de dúvidas, eram capazes de chicotear sangue para o seu rosto. No fundo, contudo, ele estava mais convicto de que a segunda opção se encaixava melhor.
O jeito como Jungkook o olhava agora o fazia sentir arrepios pelo corpo. Pensou que nunca mais alguém pudesse olhá-lo daquela forma ou demonstrar qualquer tipo de afeição após o que sofreu, no máximo acreditou que as pessoas pudessem sentir pena. Nada além de pena.
– Obrigado por estar aqui. – Jimin se flagrou agradecendo de modo inevitável. – Eu sei que já falei isso milhares de vezes, mas me sinto muito melhor quando estou com você. Não é uma surpresa.
Jungkook sorriu.
– Eu faço qualquer coisa por você. – ele o respondeu após uma suave carícia em seu rosto. – A propósito, a Maryse disse que voltaria para terminar a avaliação?
– Não, ela só me disse que precisava sair para ver a Hannah. – na menção daquele nome, um pensamento desagradável preencheu a cabeça de Jimin. – Você acha que ela tá bem? Eu nem pude falar com ela como gostaria.
O detetive recuou uma pegada, afastando-se, e então tirou suas mãos dele lentamente. Ele inspirou, algo que não precisava fazer, mas aquela pergunta praticamente o obrigou. A verdade é que Jungkook não tinha certeza sobre a condição de Hannah, então ele ficou dividido entre prepará-lo para o pior ou lhe dar um pouco de esperança.
Posteriormente, sua mão agarrou a de Jimin e o puxou para a cama, onde o convidou a sentar. O menino subiu no colchão, ainda segurando a mão de Jungkook, e enrugou a testa para o silêncio dele. Havia certa rigidez na boca de Jungkook que o deixou momentaneamente preocupado.
– Você quer ouvir a verdade? – ele perguntou então, sendo gentil apesar da preocupação. Jimin congelou com aquilo.
– Por favor.
– O estado de sua amiga é delicado. Ela está passando pelo processo de drenagem, mas não se sabe ainda se ela vai recuperar todas as memórias. – Jimin abriu a boca em surpresa, mas ele não pareceu tão assombrado quanto Jungkook esperava ver. – Maryse me disse que ela vai precisar ficar sob observação para ver se há alguma melhora.
– Então ela pode nunca mais se lembrar de mim? – o detetive confirmou com relutância, esperando a pior reação dele. – Tem que ter algum jeito de fazer ela se lembrar das coisas. Não é possível que isso aconteça.
– Infelizmente é possível, anjo. – Jimin sacudiu a cabeça para os lados, mas ele sabia que não adiantava nada alimentar sua descrença. – A Hannah foi drogada por vários dias, não sabemos se a substância, mesmo fora do corpo, ainda pode agir sobre ela.
– Mas ela atacou o Namjoon. Você não acha que ela fez isso porque se lembrou de alguma coisa?
– Sim, talvez. – respondeu. – Se houve algum flashback então é possível que ela recupere algumas memórias, mas não se sabe ainda se ela vai resgatar todas as memórias, entende? Estou lhe contando isso porque é necessário que se prepare para as consequências caso a Hannah nunca mais se lembre de nada, inclusive de você.
– Eu vou perder a minha melhor amiga por causa daquele desgraçado. – Jimin falou, a voz baixa, ácida e com um toque de frustração.
– Você pode conquistá-la de novo. – Jimin hesitou com sua sugestão, pois vozes de lembranças soaram dentro de sua cabeça, trazendo à tona o dia em que conheceu Hannah. – Ela atacou alguém que se dizia um aliado só para te salvar, isso é prova suficiente de que há chances de você se aproximar dela e reconquistar a amizade.
– Reconquistar a amizade? – ele perguntou, meio que considerando a possibilidade.
– Sim. – disse. – Digo, começar tudo de novo. A Hannah pode não se lembrar de muitas coisas, mas suspeito que ela ainda tenha os mesmos gostos. Você sabe, sobremesa favorita, estilo de roupa favorito e por aí vai. Você pode usar isso a seu favor e mostrar o quanto a conhece.
Jimin mordeu a pontinha do lábio, realmente atraído por aquela estratégia. Perder as memórias não deve ter sido nada fácil para sua amiga, mas ele poderia utilizar coisas que foram significativas para Hannah para que ela pudesse recobrar as lembranças. Lugares que carregam uma carga afetiva muito forte na vida dela era uma ótima opção.
Mesmo que devagar, talvez Hannah consiga diferenciar os próprios gostos e, portanto, seja capaz de trazer de volta suas antigas memórias. Não parecia ser um trabalho difícil, Jimin só precisava investir, primeiramente, na confiança dela. Se Hannah começasse a confiar nele, os próximos passos seriam mais espontâneos.
Jimin se desconcentrou dos próprios pensamentos quando sentiu os dedos de Jungkook acariciando as costas de sua mão. Ele podia facilmente sentir a preocupação naquele toque. Seus olhos, então, se moveram para suas mãos entrelaçadas, como se alguma coisa tivesse despontado nele, em seguida voltaram-se para o rosto de Jungkook.
– Jungkook – ele o chamou, baixinho, arqueando as sobrancelhas delicadamente. O detetive interrompeu a carícia e o encarou de volta. – Quer me dizer alguma coisa?
Jungkook assentiu com a cabeça, de modo que nem ele mesmo tinha certeza se queria falar. O menino, no entanto, fez um gesto para que ele prosseguisse. Seu rosto estava definido em um olhar de incerteza, mas a essa altura ele tinha sempre uma aparência de incerteza. Ainda estava passando pelo processo de assimilação, afinal.
– Não sei se é uma boa hora para perguntar sobre isso – o detetive falou, sua expressão era uma mistura de hesitação e curiosidade. –, mas eu gostaria de saber como você está se sentindo depois daquela bomba sobre o Seokjin ser seu pai de sangue?
Os olhos castanhos de Jimin deram um solavanco momentâneo. Ele ficou tenso com a menção daquele assunto. Ainda não tinha parado para pensar sobre a revelação, nem mesmo havia se questionado sobre a possibilidade de tudo aquilo ser uma grande balela de Namjoon. Ele tinha consciência que Christopher não era seu pai biológico, mas isso não significava que Seokjin era.
– Ainda não sei o que pensar. – ele disse, seu tom era ácido por fora, mas seu coração estava mole por dentro. – Acho que nunca mais vou conseguir olhar para ele como antes. Seria tudo mais fácil se eu não tivesse descoberto que tinha outro pai.
– Isso quer dizer que você não gostou?
– Não é bem isso, sabe? Namjoon me contou algumas coisas sobre ele que me embrulhou o estômago. – Jungkook apertou as sobrancelhas em confusão. – Ele me disse que o Seokjin usou a minha mãe e que ele não testemunhou a favor do Namjoon sobre o que aconteceu com ele e o treinador. Você acha que o Seokjin faria isso?
– Essa é a versão que o Namjoon te contou. Acho justo que também ouça a versão do Seokjin. – Jimin respirou fundo, como se aquele pedido estivesse longe de seu alcance. – Anjo, eu imagino que tenha sido um choque para você, mas é fundamental que você conheça os dois lados da moeda.
– E se eu não conseguir? – ele manteve a voz firme com esforço. – É tão estranho me imaginar chamando ele de pai. Eu sei que se essa história for mesmo verdade, um dia vou ter que me acostumar com isso. Mas nesse momento não consigo nem sequer olhar pra ele sem lembrar das coisas que o Namjoon me contou.
– Ouça – Jungkook virou o próprio corpo de frente para o dele. – O que quer que aconteceu no passado do Seokjin, seja com a sua mãe ou com o Namjoon, tenho certeza que ele não fez com más intenções. Namjoon tentou te manipular, não tenho dúvidas que ele se aproveitou de algumas palavras a mais só para te convencer de que o Seokjin é o vilão.
– Eu entendo os motivos do Namjoon. – ele abaixou a cabeça após dizer aquilo, como se sua confissão fosse ilegal. – Ele se encheu de amargura e quis esvaziar esse sentimento nas pessoas que ele considerou culpadas. E como eu sou filho daquele que o rejeitou, ele fez tudo isso comigo porque me queria do lado dele. Só que ele buscou justiça da pior maneira possível.
– Ele é louco.
– E foi abandonado. – Jimin adicionou. – Eu sempre tive você e a Hannah, também tive o suporte do FBI. O Namjoon não teve ninguém ao lado dele. – seus olhos lacrimejaram. – Ele se tornou um monstro depois de ter sido uma vítima como eu.
– Ele fez as próprias escolhas, anjo. – seus olhos negros estudaram os de Jimin, passando-lhe conforto. – Não anulo a dor dele, mas também não anulo o caminho que ele escolheu fazer. Olhe ao seu redor, tudo o que fazemos tem uma consequência, seja ela boa ou ruim.
Jimin compreendia que o ponto crucial para as consequências começa a partir das escolhas, mas ele não podia deixar de pensar que tudo teria sido diferente se o FBI tivesse punido Robert ao invés de o acobertar como se ele tivesse sido a vítima da história. Namjoon fez escolhas erradas, pois ninguém havia lhe dado uma oportunidade de ser melhor.
Jimin não conseguia concluir a essa altura qual teria sido sua atitude se tivesse passado pela mesma situação que Namjoon. Talvez eles fossem mais parecidos do que imaginava. A grande diferença entre os dois, Jimin pensou, era a obsessão por vingança que teria levado Namjoon a não enxergar nada mais que aquilo.
– Eu sempre tive medo do Namjoon porque ele era o mais esperto. – Jimin contou de repente. – Mas eu nunca cheguei ao ponto de odiar ele como odiei o Derek. Eu deveria sentir ódio, não é?
Jungkook tocou-lhe o rosto com carinho, então seus dedos fizeram uma breve carícia na curva de sua bochecha.
– Fico feliz que não sinta. – disse. – Mas eu não te julgaria se sentisse.
O detetive raspou as pontas dos dedos pelo cabelo dele, onde deslizou uma mecha para trás da orelha. Jimin enxergou um lampejo de fascínio mergulhando as órbitas dele, dando um breve sinal de qual seria seu próximo passo. O menino suspirou em expectativa e mordiscou a pontinha do lábio.
Jungkook encarou aquele gesto brevemente e voltou a enfrentá-lo nos olhos. Percebendo que ele parecia inseguro quanto ao que fazer, Jimin tocou a mão dele com a sua e a beijou. O detetive cravou o olhar nele enquanto sentia a delicadeza daquela boca quente contra sua pele.
Jimin se pôs de pé rapidamente, ficando de frente para ele. Jungkook estava sentado na beirada da cama, sua cabeça inclinada para trás para observá-lo. O menino se enfiou entre as pernas dele e entrelaçou os braços em seu pescoço. Jungkook sorriu com aquilo.
– Tudo o que aconteceu hoje é um indicativo de que agora podemos ficar juntos? – Jimin perguntou, como se a memória doesse e ao mesmo tempo o aliviasse.
– Não há ninguém para impedir. – ele respondeu, cada palavra possuía uma sugestão escancarada. – A máfia caiu, você e as meninas estão livres, então posso assegurar que o caso foi encerrado.
Jimin sorriu. Depois de anos sequestrando garotas, coagindo-as, vendendo-as, obrigando todas elas a venderem o próprio corpo, finalmente a máfia foi destruída. Jimin havia sido uma vítima dessa história macabra e agora ele esperava ser um exemplo de superação para muitas pessoas que também foram vítimas de tráfico humano.
Ele ainda sentia os resquícios deixados pela máfia, tinha consciência que não se livraria desses fantasmas muito cedo, mas agora ele estava livre. Antes, a sua liberdade, aquela que ele tinha conseguido alcançar escapando, ainda era uma gaiola. Ele tinha deixado a boate, mas a boate não o tinha deixado, desse modo, a sensação que tinha era de que não estava totalmente livre
Mas isso havia mudado. Jimin podia sentir a sua liberdade a pouquíssimos centímetros de distância de sua mão, prestes a ser alcançada. Agora ele tinha em mente que, enfim, tudo acabou.
– No que está pensando? – Jungkook perguntou com um sorriso pequeno.
Jimin o encarou com um leve interesse, e em resposta, se inclinou contra os lábios dele, beijando-o. Surpreendido, Jungkook escorregou as mãos para as costas dele, o trazendo para perto. Aquilo foi um gesto tão sincero, uma mera gratidão compartilhada, como se todas as feridas passadas nunca tivessem existido. O beijo não foi além de um simples selar, logo eles se afastaram.
– Que agora estamos livres. – Jimin o respondeu com uma simplicidade devastadora. Jungkook sorriu e ele também. – Tem algo que eu quero te dizer, mas não tive coragem. Talvez fosse por causa da minha insegurança, só que agora eu entendo o que estou sentindo de verdade.
Suas mãos começaram a suar, principalmente quando percebeu o quão curioso Jungkook pareceu ao ouvi-lo dizer. O detetive continuou em silêncio, mas seus olhos gritavam em absoluto interesse. Quando ele não reagiu, Jungkook traçou seu dedo pela boca dele, desceu para o queixo e correu delicadamente para a orelha esquerda, quase como um gesto protetivo.
– Estou ouvindo, anjo.
O sangue de Jimin pareceu congelar imediatamente. Era provável que sua coragem de confessar o que pretendia tivesse se quebrado. Jimin nem mesmo sabia se isso o faria se arrepender mais tarde. Jungkook não estava com cara de quem sabia do que se tratava a suposta confissão, mas o garoto supunha que ele tinha um bom palpite.
Seu próprio pensamento o acertou em cheio e ele ficou extremamente envergonhado sobre isso. Apostava que Jungkook o acharia um louco por dizer aquelas três palavrinhas mágicas, aquelas que pessoas muito próximas e íntimas dizem. Muitas vezes nem isso.
– Eu a-
Antes que pudesse terminar o que começou, a porta do quarto se abriu em um baque. Jimin saltou para trás ao mesmo tempo que Jungkook se deslocou para fora da cama. Maryse paralisou brevemente quando detectou o que estava acontecendo. Ela fez uma careta de desculpas e suspirou.
– Atrapalhei alguma coisa? – ela forçou um sorriso torto, dando-lhes um longo olhar de avaliação. – Tudo bem, isso não me diz respeito. Eu trouxe notícias sobre a Hannah.
Jimin estava assustado no primeiro momento, mas depois daquela informação ele ficou, obviamente, muito mais nervoso do que gostaria. A expressão de Jungkook ficou séria de repente. Ele tocou os ombros de Jimin quando o sentiu tenso ao seu lado.
– Ela acordou? – a pergunta de Jimin escapou antes que ele pudesse detê-la.
Maryse bateu a porta com educação e se aproximou deles, limpando a garganta ruidosamente. Ela deu a Jungkook um olhar cúmplice e igualmente preocupante, o suficiente para fazer o menino olhar para ambos em confusão.
– Ela acordou. – Maryse disse. – Mas ainda está desorientada. É provável que ela sofra alguns desmaios ou sinta náuseas após o processo de drenagem, por isso recomendo que ainda não vá vê-la.
– E quanto as memórias? – Jungkook questionou.
– Ainda é cedo para dizer se ela começou a se lembrar das coisas, por enquanto tudo que posso dizer é que ela não corre risco de vida.
Jimin suspirou alto, como se tivesse tirado um peso enorme das costas. Jungkook se mostrou igualmente aliviado, mas ele sabia que Maryse estava guardando outras informações. Ao julgar pela expressão dela, supôs que não seriam nada agradáveis.
– Tem outra coisa que preciso dizer. – ela falou para a surpresa de Jimin e o aguardo de Jungkook. – Você me disse que ela foi vítima de violência sexual, certo?
Jungkook confirmou.
– Acabo de receber a notícia de que ela está grávida de algumas semanas. Quatro para ser mais específica. Por sorte, a faca não atingiu o bebê e ambos passam bem.
– O quê? – Jimin arregalou os olhos. – Como assim? De quem? Namjoon?
– Namjoon não faria isso, pois ele queria manter o personagem de pai protetor. – Jungkook opinou, e apesar de estar igualmente surpreendido com aquilo, ele tentou manter a racionalidade. – Acho que o Derek é o responsável.
Chocado, Jimin virou de frente para ele, o som de sua respiração se infiltrou entre o silêncio duro deles. Tentando manter a voz estável, o garoto disse:
– Ela engravidou daquele desgraçado? – Jungkook apertou os lábios em lamentação. – Não. Não pode ser.
– O Eric nos disse aquele dia que ela estava mais próxima dele, lembra? Com certeza o Derek se aproveitou disso. – ele explicou com cautela, gastando um momento para olhar a expressão de Maryse antes de se voltar para Jimin. – Aposto que essa notícia vai ser um choque para a Hannah, por isso você não deve se precipitar em contar.
– Mas ela precisa saber. É o corpo e a vida dela.
– Na hora certa, anjo. – após a menção daquela palavra, Jungkook se amaldiçoou por ter feito aquilo na frente de Maryse. Ela não se mostrou surpresa, mas constrangida. – Maryse vai contar a ela sobre a gravidez, ok? É uma situação delicada e ninguém melhor do que um profissional para dar esse tipo de notícia. Sem contar que ela tem o direito de abortar se quiser. Maryse vai dar todos os detalhes e nós vamos aguardar.
– Oh, sim – a médica disse, sorrindo gentilmente. – Ela já tem idade suficiente para optar pelo aborto. É uma situação terrível, mas cabe a ela decidir se quer enfrentar o procedimento. Vou fazer o possível para informá-la sobre esta prática e todos os critérios legais que a protegem caso ela opte por fazer.
– Obrigado, Maryse. – Jungkook lhe agradeceu.
– E-Eu não posso acreditar nisso. – Jimin se queixou. – A Hannah passou por tanta coisa e agora vai ter que passar por isso também. Ela sempre teve medo disso acontecer. Da gravidez. E agora mal sabe que espera um filho daquele demônio.
– Sinto muito por tudo isso. – Maryse disse com um tom de misericórdia.
– É uma péssima notícia, mas não podemos fazer nada a não ser apoiar a decisão dela, seja qual for. – Jungkook falou com um murmúrio de simpatia. Jimin expulsou o ar, como se concordando.
– Escute o detetive. – aconselhou Maryse. – Ele tem ótimos conselhos. A sua amiga receberá todo o nosso suporte. Por isso, recomendo que, assim como ela, você também tenha um bom descanso. Posso ver que não se sente muito bem. Vá para casa, ou melhor dizendo, para o prédio.
– Mas eu queria ficar para quando ela acordar.
– Jimin, a Maryse tem razão. – disse o detetive em sua melhor voz gentil. – Ficar aqui talvez não seja uma boa ideia. Vou deixar a Layla de olho na Hannah, qualquer notícia que ela tiver será passada a mim. Você também precisa descansar, tire um tempo para si mesmo.
Mesmo com um ar de dúvida, o garoto balançou a cabeça em um movimento lento, acatando seu conselho. Talvez ele fosse um adolescente emocionado demais, mas a verdade é que esse sentimento protetivo era mais forte do que ele gostaria. Se importava muito com Hannah e não conseguia fingir que os problemas não estavam refletindo em suas vidas, principalmente na dela. Para o seu desgosto melancólico, ele assumiu para si que não tinha muitas opções do que fazer naquele momento.
– Tudo bem. – sua voz parecia frustrada, Jungkook podia sentir.
O detetive tocou-lhe os ombros com cautela e esticou a mão livre na direção da porta, convidando-o a segui-lo. Jimin estava pensando, Jungkook percebeu, mas ele permitiu-se ser conduzido à saída sem qualquer resistência. O detetive parou de andar quando alcançou a porta, agora aberta, e virou-se para a médica.
– Obrigado mais uma vez. Me ligue se tiver notícias.
Maryse assentiu rapidamente e sorriu, enfiando ambas as mãos nos bolsos do jaleco. Depois daquela garantia, Jungkook foi para fora e fechou a porta. O corredor continuava vazio como o tinha deixado antes de entrar no quarto, e também estava gelado pela brisa da madrugada. Jimin bateu os dentes quando uma corrente gélida de ar o golpeou.
O detetive ligeiramente se encontrou trazendo-o para próximo de seu corpo, onde o abraçou lateralmente. O menino, ao sentir o braço dele em torno de seu ombro, retribuiu aquele gesto envolvendo os próprios braços ao redor de sua cintura, por dentro do casaco quente dele.
– Vamos voltar para o prédio? – Jimin perguntou baixinho, deitando sua cabeça no ombro dele conforme caminhavam.
– Não, anjo. O prédio foi isolado até que possa estar em boas condições de novo. Não podemos entrar até que o gás tenha sido totalmente retirado. Eles vão fazer uma limpeza no ambiente, mas não se sabe ainda por quantas horas.
– Então, onde vamos ficar?
– Seokjin me mandou uma mensagem agora a pouco. Eles estão em um hotel não muito longe daqui. – explicou. – Vamos ter que passar o dia lá até que tudo esteja resolvido.
Jimin se encolheu nos braços de Jungkook após a menção daquele nome. Ele não estava nem um pouco preparado para reencontrá-lo depois do que descobriu e presumiu que não estaria tão cedo. A revelação que recebeu de Namjoon foi um golpe em sua barriga, toda vez que se recordava disso seu estômago azedava.
No entanto, novamente, ele não tinha outra escolha a não ser caminhar de volta para o seu passado.
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Dez minutos mais tarde, Jungkook estacionou o carro na frente do hotel que fora instruído pelo GPS. Seokjin o havia dito que o prédio era do governo canadense e fora construído com intenções emergenciais, recomendado somente para os membros da polícia. O lugar não era tão imenso quanto o prédio do FBI, mas estava apropriado para tal urgência.
Jimin se pôs para fora do carro na mesma hora que Jungkook. Ele o escutou ativar o alarme um segundo antes de o alcançar. Honestamente, Jimin estava indeciso sobre encontrar Seokjin, até porque ele tinha certeza que uma hora isso acabaria acontecendo, e nem sabia se conseguiria ouvir a versão dele.
Mas, no fundo, ele realmente gostaria de ouvir a sua versão.
Jungkook o guiou para dentro dos portões do edifício, sentindo as folhas secas farfalharem ao redor dos seus tornozelos no meio do caminho. Havia um guarda na porta de entrada, no qual solicitou a credencial de Jungkook antes de dar espaço e autorizar a entrada deles.
No saguão, entretanto, não havia tantas pessoas, mas um grupo de policiais estava reunido à distância. Jimin roubou um olhar para ambos os lados, encontrando a figura de Seokjin mais adiante, um pouco atrás do bistrô. Seu coração começou a bater mais depressa, a sensação de gelo nos ossos estava de volta.
Quando encarou à frente, Jungkook pescou alguns olhares maliciosos em sua direção. Ele tinha consciência que após o escândalo de Namjoon sobre o suposto namoro entre ele e Jimin, o burburinho na tripulação havia crescido absurdamente. Antes havia especulação, agora havia certeza.
– Vocês estão aí! – Yoongi exclamou, trombando em Ric ao descer as escadas apressadamente, sem querer — ou nem tanto.
Ao som de sua voz, Seokjin girou na direção da porta e encontrou os olhos fixos de Jimin. O menino sentiu como se alguém, ou alguma coisa, tivesse acertado um soco em seu estômago. Ele desviou as vistas para Yoongi se aproximando, mas sua atenção estava parcialmente concentrada em Seokjin.
– Como você está, Jimin? – o menino pestanejou para ele, tentando recompor novamente sua compostura. – Você parece prestes a vomitar. Não me diga que o veneno ainda está...
– Não, Yoongi. – foi Jungkook quem o respondeu. – A neurotoxina não está mais no corpo dele, felizmente chegamos a tempo.
Seu parceiro suspirou em alívio.
– E onde está Layla?
– Ela ficou com a Hannah. – Yoongi olhou de relance para Jimin, como se perguntasse através daquele gesto se ele podia lhe contar o motivo na frente do menino. – Ela ainda não acordou cem por cento, mas acreditamos que até o fim do dia ela possa acordar de vez.
– Caramba. – ele disse, como se a informação tivesse pesado nele.
Jimin foi distraído por um conjunto de passos à sua direita. Uma conexão tão forte fez os seus olhos correrem naquela direção, o deixando imóvel e com os pelos do braço eriçados, principalmente quando se deu conta de quem era. Tarde demais, Seokjin já havia os alcançado.
– Jungkook. Jimin. – ele os cumprimentou, mas seu olhar demorou-se um pouco mais no menino. – Eu estava aguardando vocês. – houve uma pausa perceptível. – Especialmente você, Jimin.
Com aquilo, o garoto levantou os olhos para ele, suspeitando de um leve grau de simpatia nas suas palavras. Ele não queria demonstrar uma reação negativa, mas não pôde deixar de expressar um choque por ouvir sua confissão. Pior que isso, ele sentiu-se ficar vermelho no rosto.
Alguém pigarreou. Foi Yoongi.
– Bem, eu tenho algumas coisas para fazer. Você não vem, Jungkook? – ele arrumou uma desculpa para deixá-los a sós e esperou que seu parceiro entendesse o recado.
Jimin segurou Jungkook pelo cotovelo, seu gesto indicava objeção. O detetive pegou sua mão, a mesma que havia lhe tocado no cotovelo, e ficou de frente para ele. O menino balançou a cabeça para os lados, uma ampla quantidade de desespero fervendo na superfície de seus olhos.
– Anjo, eu não vou te deixar. – disse ele, exalando gentileza. – Mas você precisa tentar conversar com ele, saber o que realmente aconteceu.
– Não consigo.
– Dê a ele a oportunidade de se explicar.
– Jimin – Seokjin o chamou, diminuindo a distância entre eles com duas pegadas. O menino o encarou. – Eu sei que está assustado com todas as coisas que aconteceram hoje, mas me deixe explicar. Se te conforta, eu estou tão assustado quanto você, então seria muito importante para mim se me ouvisse.
Jimin mordeu o lábio, pensando em suas opções. Havia uma mistura potente de medo, desespero, curiosidade e expectativa, todos juntos, em seu peito. Não havia razões para ver Seokjin como uma ameaça, pensou, então não tinha problema em escutar o que ele tinha para dizer. Depois, portanto, ele poderia ter uma opinião sobre tudo.
Finalmente, Jimin soltou um suspiro e acenou com a cabeça. Seokjin ofereceu sua mão para ele, mas Jimin não estava certo se conseguiria segurá-la. Ele a tinha segurado no terraço porque estava assustado, mas agora seus pensamentos estavam mais ajustados. Sem uma resposta aparente, Seokjin recuou o braço.
– Podemos conversar em um lugar com menos pessoas? – Seokjin perguntou, segurando levemente sua ansiedade.
Jimin olhou para Jungkook, mas este não lhe disse o que fazer. Ele não sabia se ficar sozinho com Seokjin era uma boa ideia e, obviamente, não seria Jungkook a pessoa a lhe responder isso. Tinha que admitir, haviam momentos em que Jungkook não podia meter a mão e ele, certamente, tinha consciência de quais eram esses momentos.
No entanto, Jimin não podia se culpar por sempre presumir o pior. Todas as coisas sinistras que lhe aconteceram nos últimos anos eram provas suficientes de que ele não podia subestimar as pessoas. Mas Seokjin merecia uma chance, todas as pessoas merecem, afinal.
– Tudo bem. – finalmente disse. Seokjin tentou, mas falhou, em esconder a felicidade em ouvir aquilo.
– Eu vou estar por perto. Me chame se precisar. – a voz de Jungkook foi dirigida a ele e em seguida para Yoongi. – Pode me levar até o Seokmin? Quero agradecer a ele por ter chamado a SWAT.
Yoongi fez que sim, depois lhe indicou o caminho. A mão de Jimin largou o braço de Jungkook na mesma hora que o sentiu se mover para longe. Um minuto mais tarde, Seokjin apontou para o bistrô e abriu espaço para que ele fosse na frente, seguindo-o sem demora.
O foco de Jimin mudou instantaneamente para Jungkook subindo o grande lance de degraus, em seguida desviou-se para as portas abertas do bistrô. O lugar estava vazio. Assentos desocupados, bar fechado, pontilhados candelabros estavam pendurados no teto do ambiente e um silêncio imenso preenchia cada extremidade.
Seokjin arrastou uma cadeira para Jimin, o convidando a sentar. Ele lhe deu um sorriso pequeno de agradecimento antes de se acomodar. A sua ansiedade tinha diminuído um pouquinho e seus ombros ficaram mais relaxados, embora a expressão em seu rosto continuasse a transmitir desconforto.
– É, hum... – Jimin começou, pondo os braços acima da mesa. – O que o senhor quer me falar?
Mesmo que ainda estivesse confuso com toda aquela situação, pela primeira vez ele se permitiu conversar com Seokjin sem necessariamente vê-lo como uma autoridade, apesar de ainda não o ver como um pai. Jimin o sentiu ficar tenso quando ele colocou as mãos próximas das suas, mas sem tocá-lo.
– Imagino que esteja confuso sobre tudo o que ouviu da boca do Namjoon, e acredite, eu também fiquei muito confuso com toda essa história, mas depois de tanto pensar, cheguei à conclusão de que ele pode estar certo a respeito de eu ser seu pai. – ele confessou. – Quero me certificar de que não há nenhum segredo entre nós, por isso quero que você me pergunte o que quiser, qualquer dúvida que esteja tendo sobre tudo isso.
Um bom tempo se passou em silêncio enquanto Jimin formulava a pergunta mais direta em que podia pensar.
– Você usou a minha mãe? – ele quis saber, a voz transbordando aflição.
– Está querendo saber se só quis dormir com ela e pronto?
Jimin fez que sim duramente. Não que ele se importasse com a mãe àquela altura, mas a ideia de que Seokjin pode ter se aproveitado de Hyeri e a usado para o próprio prazer não o confortava em nada.
– A resposta é não. – Jimin não disse nada, nem meia palavra. – Eu e a sua mãe ficamos, mas ambos tinham consciência disso. Tanto ela quanto eu sabíamos que a nossa noite acabaria daquele jeito.
– Eu não me importo de ouvir os detalhes.
Realmente, Jimin queria saber de tudo, do início ao fim, e, acima de tudo, dos porquês. Ele não estava empolgado para obter os detalhes do momento íntimo propriamente dito, mas gostaria de pelo menos entender como chegou a esse ponto e como eles se conheceram.
– Eu estava no último ano do colegial, prestes a me formar, quando conheci a Hyeri. – Seokjin contou. – O meu melhor amigo de escola, Adam, propôs uma festa de comemoração, tínhamos que ir em pares para ninguém ficar na seca, se é que você me entende. Nós éramos adolescentes à procura de diversão, então não víamos problema em dormir com alguém por uma noite. No caso da Hyeri, algumas horas.
– Ela foi o seu par?
– Na verdade, quem não tinha um par poderia encontrar na hora da festa, mas o Adam achou melhor encontrar a minha parceira um pouco antes disso. – Jimin surpreendeu-se quando o observou sorrir, realmente perturbado com as possíveis memórias que ele estava tendo. – A Hyeri era amiga da Melody, namorada do Adam na época, e eles se uniram para que eu e ela tivéssemos alguma coisa. Então, sim, Jimin, sua mãe sabia o objetivo daquela festa.
– Não passou pela sua cabeça que eles poderiam nem ter contado a ela sobre isso? Tudo bem que vocês formaram um par, mas ela realmente sabia que vocês iam... você sabe, fazer aquilo?
– No dia da festa, eu me certifiquei de perguntar a Hyeri se ela sabia o porquê de estarmos juntos naquele dia. Ela disse que sim. – explicou. – Eu não usei a Hyeri como o Namjoon alegou. Nós dois, como meros adolescentes à flor da pele, queríamos a mesma coisa.
– Eu não entendo. – Jimin confessou. – Se ela sabia o que estava fazendo, então por que ela sente tanta raiva de você? Alguma merda o senhor deve ter feito.
Seokjin riu, mas não havia humor.
– Depois que ficamos, eu e a Hyeri voltamos para a festa e curtimos até o amanhecer. Eu acabei dormindo no sofá da casa do Adam e ela foi embora muito cedo com a Melody. Para ser honesto, não me lembro de muita coisa porque estava bêbado, nem mesmo me lembrava de saber o nome dela. – Jimin chegou à conclusão de que ele, com a mesma idade que Seokjin tinha naquela época, era muito mais responsável do que seu pai foi um dia.
Pai? Ele se encontrou perguntando a si mesmo, realmente surpreso por ter usado aquela palavra. Jimin deveria ter se amaldiçoado por chamá-lo mentalmente daquele jeito, afinal, ainda era cedo para uma nova adaptação, mas a realidade é que o resultado não pareceu tão ruim assim.
– Quer saber o que acontece depois? – Seokjin lhe perguntou, afastando-o do seu próprio devaneio. O menino confirmou. – Eu fui aprovado pela academia do FBI e estava prestes a me mudar para a base de treinamento quando a Hyeri foi até minha casa dizendo que precisava falar comigo. Quase um mês depois, sua mãe apareceu na minha vida de novo e, sendo sincero, não me lembrei dela.
– Realmente, ela não passou de um caso. – Jimin comentou baixinho, mas Seokjin havia escutado seu leve murmúrio, porém o ignorou.
– Ela me disse em seguida quem era e eu rapidamente me lembrei. – relatou. – Perguntei o que tinha acontecido, mas ela não me disse. Ela estava nervosa, tremia muito, quase chorando. Tudo o que a Hyeri me falou foi um "precisamos casar" desesperadamente. Foi estranho ouvir aquilo, nenhuma garota me pediu em casamento por causa de uma noite. Por isso minha resposta foi não.
– Você não perguntou o motivo desse pedido de casamento maluco?
– Claro que perguntei, Jimin, mas sua mãe não teve coragem de me falar. Ela simplesmente virou as costas, saiu pisando fundo e se dizendo arrependida. – uma boa parte do garoto, pelo menos, estava horrorizada com aquela história. – Acredite, se a Hyeri tivesse me contado que estava grávida, eu teria desistido de entrar para o FBI. Estar aqui sempre foi um sonho, não pude deixar isso fugir de minhas mãos porque uma garota estranha me pediu em casamento. Eu nunca tive sentimentos pela Hyeri e creio que ela também não.
– Você contou tudo isso para o Namjoon?
– Sim, contei. – Jimin ficou quieto, mergulhado no próprio silêncio. – Um dia estávamos falando sobre situações bizarras que nos aconteceu e eu acabei mencionando esse episódio. Ele me pareceu bem interessado no assunto, tanto que ficou me perguntando o nome da garota, mas eu não disse, até porque não me lembrei do nome dela.
– Ele contou que você sempre quis ser pai... – Jimin mencionou, sugerindo alguma coisa. Seokjin ficou o encarando por um instante.
– É verdade.
Sua confissão derreteu o gelo nas veias de Jimin. Percebendo que ele estava sendo sincero, o garoto não pôde deixar de questionar uma coisa.
– Por que isso nunca aconteceu? – Seokjin abriu um lento sorriso após sua pergunta, embora estivesse intimamente frustrado com a lembrança. – Digo, você namorou a Rose, tem mais de trinta anos, então poderia ter tido um filho com ela.
– Eu entrei na academia solteiro e saí de lá solteiro. Não podíamos receber visitas, raramente víamos um familiar nosso. – Jimin teve uma distinta sensação de que ele não estava muito feliz em contar aquilo. – A Rose foi a única mulher por quem me apaixonei de verdade após entrar para a equipe oficial. Claro que tive muitos amores, amantes, casos, namoradas, mas ela, em especial, foi a mulher por quem me dediquei muito e sonhei em ter um futuro.
– Ela não quis?
– Não. – Seokjin suspirou. – Ela se dizia nova demais para ter filhos ou pensar em casamento. Claro que respeitei a decisão dela, mas me doeu ouvir aquilo. Foi por estes motivos que burlei o sistema e fiz parecer que a Rose era uma detetive, porque no fundo tentei fazer o possível para mantê-la ao meu lado. Mas, como pode ver, fui enganado.
Jimin ficou encarando-o por um instante antes de desviar os olhos para baixo, completamente comovido com aquela história. A vida é realmente cheia de curvas sinuosas. Todo mundo tem o poder da escolha, e mesmo quando elas são erradas, surgem novas estradas para consertar aqueles erros, mas nem sempre sabemos por qual caminhar.
Tudo poderia ter sido diferente se Hyeri tivesse contado sobre a gravidez. Seokjin poderia não ter relatado aquela situação para Namjoon. Ele poderia, também, ter esticado sua mão para ajudar Namjoon no dia do vestiário e repensado duas vezes antes de colocar Rose na equipe. No entanto, as escolhas o deixaram ausente de um filho, o fizeram ter um poderoso rival e, sobretudo, uma mulher que não o amava.
Diante de tudo isso, Jimin não poderia culpá-lo.
– Sabe, Jimin – Seokjin prosseguiu, atraindo os olhos dele de encontro aos seus. – Eu estou muito feliz de ser seu pai. É um pouco estranho essa sensação de paternidade, devo dizer, mas ela é muito boa. Não tenho experiência com essas coisas, mas pretendo ter. – Jimin se surpreendeu, mas não se assustou, quando ele segurou suas mãos com todo cuidado sobre a mesa. – Quero que me ensine a ser um ótimo pai. Me apresente seus gostos, sua rotina, as coisas que você odeia, tudo. Eu quero te conhecer melhor, Jimin, mas dessa vez como meu filho. Me permita fazer isso.
O garoto fitou as grandes mãos sobre as suas, realmente sentindo algo diferente nelas. De todas as outras vezes que Seokjin lhe tocou, aquela, em especial, parecia ter um sentimento a mais. Jimin voltou a encará-lo. Seokjin queria uma resposta da qual Jimin não a tinha, ou pelo menos pensava que não.
– Eu – começou ele, lambendo os lábios de repente. Seokjin o olhou com expectativa. – Eu posso tentar.
O homem à sua frente sorriu. Não era bem a resposta que esperava ouvir, mas já era um ponto de partida. De repente, dois pares de passos ecoaram pelo bistrô. Jimin olhou por cima da cabeça de Seokjin e encontrou a imagem de Jungkook e Yoongi. Ele considerou sorrir, mas preferiu não o fazer.
– Oh, estamos atrapalhando? – Yoongi perguntou, sobrancelhas arqueadas, enquanto fitava as mãos deles juntas.
Jimin rapidamente retirou as palmas debaixo das dele e as colocou sobre o colo.
– Sinto muito em interromper, mas preciso levar o Jimin. – Jungkook disse, colocando a mão no espaldar da cadeira dele quando deu a volta pela mesa e o alcançou. – Escolhi um quarto para você descansar, anjo. Vai adorar.
– Eu preciso tomar um banho também. Quero tirar esse cheiro do Namjoon das minhas roupas. – se queixou.
– Lá tem tudo o que você precisa. – Jimin sorriu para ele em gratidão e então deslocou seu peso para fora da cadeira. Jungkook o ajudou.
– Bem, eu acho que estamos acertados, não é, Jimin? – Seokjin perguntou. O garoto mordeu a ponta do lábio e fez que sim. Um momento depois, Jimin notou que os olhos dele foram direcionados à Jungkook. – Cuide bem do meu filho. A partir de hoje as coisas não serão fáceis para você, detetive.
Havia um leve tom de brincadeira na voz de Seokjin, o que certamente sugeria que aquela ameaça não era de fato real. Jungkook torceu uma faixa de sobrancelha para cima e colocou a língua na parte interna da bochecha, como se estivesse evitando sorrir.
– Isso quer dizer que estou encrencado? – perguntou.
– Ah, com certeza.
Jimin e Yoongi se entreolharam, como se a coisa toda estivesse longe de acabar. O detetive envolveu o braço por cima dos ombros de Jimin e fez uma careta de tédio.
– Avisa ao Jared que ele não precisa mais me advertir, ter você como sogro já é um baita castigo. – Jungkook disse, brincando, e arrancou uma risadinha baixa de Jimin. Seokjin ficou boquiaberto, mas não realmente. – Vamos, anjo?
Ah, como Jimin estava sentindo falta dessa energia de Jungkook. Sempre quando ele estava por perto, seu humor aumentava algumas porcentagens. Jungkook conseguia, mesmo que sem querer, manter os seus medos encurralados e tão escondidos que Jimin raramente se dava conta de que eles estavam lá.
Ele se flagrou seguindo Jungkook pelo bistrô. Seokjin descansou seus olhos nas costas dele, transformando seu rosto lentamente em uma máscara de felicidade. Sim, ele não podia negar que agora sentia-se feliz por enxergá-lo como seu filho, não apenas como Park Jimin.
Alguns minutos mais tarde, Jungkook o conduziu por um caminho que os levaram a um corredor com portas brancas, todas alinhadas. Ele alcançou uma delas, então abriu-a e convidou o menino para entrar. Jimin espiou o interior lentamente, em seguida mergulhou para dentro. Com tudo escuro, ele apurou a própria visão para localizar os móveis e não correr o risco de tropeçar em algo.
Jungkook acendeu as luzes e o quarto ganhou forma. Um ruído de trancas sendo acionadas foi percebido por Jimin, o fazendo girar o corpo e observar o detetive fechando a porta com um clique. Eles estavam sozinhos agora, Jimin pensou, e esse pensamento o fez morder a boca.
O rangido do assoalho quando Jungkook começou a caminhar lentamente em sua direção trouxe um arrepio inconfundível na sua espinha. O detetive, no entanto, parou de andar na metade do caminho, ficando a um metro de distância de Jimin.
– Eu separei essas roupas para você. – explicou ele, apontando para algo às costas do menino. Jimin se encontrou girando a cabeça e olhando para as peças de roupa dobradas nos pés da cama. – Tem toalha, escova de dente e sabonete no banheiro, tudo o que você precisa. Aliás, posso trazer algo para você comer também.
– Obrigado, senhor detetive. – ele agradeceu, divertindo-se com aquele antigo nome, o qual costumava chamar Jungkook. Este, portanto, espremeu os olhos e abriu um lento sorriso. – Bem, eu vou dispensar a última parte porque não sei se consigo comer depois de tudo que aconteceu hoje.
Jungkook ficou onde estava, encarando-o, depois se aproximou dele com vagarosos passos, onde apoiou suas palmas em cada lado de seu rosto. Jimin sentiu as próprias bochechas queimarem com aquele contato.
– Você perdeu muita energia, precisa repor, mocinho. – falou com carinho, e fez uma breve pausa. – Me deixe trazer algo para você comer. Ou talvez possamos ir para o refeitório. O que prefere?
– Err, eu não quero te fazer de escravo, por isso prefiro ir com você para o refeitório. É melhor. Assim podemos comer juntos. – Jungkook fez uma cara confusa para o comentário dele.
– Eu diria que isso tem outro nome, anjo. – Jimin sorriu. – Eu gosto de fazer isso, mas só para você. – ele reduziu a voz em seguida e sussurrou. – Não comente com o Yoongi, ele me mataria.
Jimin deu uma risadinha e cruzou os dedos contra os lábios em sinal de juramento. Toda vez que ele sorria, Jungkook tinha a impressão de que estava observando um anjo. A imagem se formava facilmente em sua cabeça. As asas. A auréola. Tudo.
– Como foi sua conversa com Seokjin? – ele tinha prometido a si mesmo que não tocaria no assunto se Jimin não quisesse, mas não pôde evitar essa curiosidade.
– Eu decidi dar uma chance a ele. – confessou. – Minha mãe o afastou de mim, ele não merecia passar por tudo isso.
– O importante é que agora vocês se acertaram. Por mais que o caminho até aqui tenha sido doloroso, pelo menos descobrimos a verdade. Tenho certeza que ele será um bom pai. E, acredite, meu faro quase nunca falha.
Jimin tentou pensar na imagem de Seokjin como alguém que lhe acordaria cedo para tomar o café da manhã, com um sorriso de orelha a orelha, lhe acompanharia ao cinema e faria cafuné em seus cabelos quando o encontrasse triste. Realmente, não parecia ser um papel que se enquadrava nele.
– Agora que tudo acabou, tenho que começar a me acostumar com essa nova vida. – Jimin assumiu, abaixando o olhar rapidamente quando uma lembrança indesejável emergiu. – Nem acredito que tudo acabou mesmo. As meninas tão livres, assim como eu. Sei lá, às vezes nem parece verdade.
– Pois é verdade. – Jungkook respondeu. – A máfia acabou. Essa máfia acabou. Infelizmente existem inúmeras outras espalhadas por aí.
– Isso me entristece.
– Não fique. – seu longo dedo acariciou a bochecha esquerda dele. – Você precisa descansar e não ficar pensando essas coisas, tá bom? Na verdade, você pode pensar em uma coisa.
Jimin fez uma expressão interrogativa.
– No quê?
– No quanto você se tornou uma inspiração para pessoas que passaram pela mesma situação que você. – ele disse, o deixando surpreendido.
Se aquela confissão tivesse vindo de qualquer outra pessoa, Jimin não teria acreditado para variar. Mas, como havia partido de Jungkook, ele ficou pensativo. Não se via como uma inspiração, ou melhor dizendo, não se achava forte o bastante para servir de inspiração para alguém.
Talvez um dia ele pudesse ajudar quem passou pela mesma situação que a sua, no entanto, pensou, nem ele mesmo conseguia se ajudar, como faria isso com outros? Antes de esticar a mão para o outro, estique primeiro para si mesmo. Se ajude e então ajude o próximo. Refletiu.
– Vou deixar que descanse, ok? – Jungkook falou, recolhendo suas mãos do rosto dele. – As meninas estão dormindo. Depois de tudo o que aconteceu, você e elas precisam disso. Quando acordar, podemos ir para o refeitório.
Jimin o segurou pelo braço para o interromper de se afastar. Seus olhos estavam brilhando.
– Espere. – Jungkook continuou imóvel a pedido dele. – Antes que vá, quero te mostrar uma coisa.
Muito atento, Jungkook acenou em confirmação. Ele fez uma varredura mental para tentar adivinhar o que Jimin estava prestes a lhe mostrar, mas não havia quaisquer objetos em suas mãos, ainda mais porque ele tinha acabado de conhecer seu novo quarto. O menino, desse modo, recuou um pouco e esticou a distância entre ele e Jungkook.
– Eu nunca tive coragem de mostrar isso para ninguém, exceto para a minha melhor amiga. – assumiu Jimin, respirando fundo em busca das palavras certas. – Isso vem me perturbando a bastante tempo, talvez seja até exagero dizer, mas elas me assustam, tanto que sou incapaz de me olhar no espelho por muito tempo.
O detetive não tirou os olhos dele, especialmente quando o observou tocar a bainha da blusa, ameaçando suspendê-la.
– Eu quero que você seja o primeiro a ver. – assumiu. – Não precisa dizer nada se não quiser, só preciso que veja com seus próprios olhos.
Jungkook não lhe disse nada, mas sua atenção foi multiplicada naquele momento. Ele esperou, tenso, e então viu Jimin se virar de costas e começar a suspender a blusa. O detetive pareceu imediatamente preocupado quando seus olhos pousaram sobre as cicatrizes assim que elas apontaram lentamente.
Jimin não havia retirado a blusa por completa, ele somente levantou a parte de trás, onde os recordes robustos estavam. Suas costas estavam nuas até a linha escura da calça jeans. Havia marcas pálidas serpenteando a superfície de seu dorso, uma bem próxima de seu quadril, todas elas desordenadas. Jungkook olhou para aquilo com total incredulidade.
– Você entende agora o porquê de eu odiar meu próprio corpo? – Jimin perguntou, ansioso e tímido, ele estava incerto do que Jungkook responderia. – Não quero que as pessoas vejam isso. Nem quero que elas toquem nas minhas costas.
– Anjo...
– Eu consigo me lembrar desse dia, então toda vez que alguém me toca nas costas, essa memória me volta à cabeça e eu surto. – ele tirou as mãos da blusa e o tecido deslizou sozinho para baixo, cobrindo-o. No entanto, ainda permaneceu virado. – Essas marcas não vão sair tão cedo de mim, e pior, elas não vão sair da minha cabeça. Derek estava certo quando disse que iria me infernizar mesmo morto.
Jungkook se viu querendo mostrar o seu apoio para Jimin, por isso aproximou-se dele com cuidado, sem fazer qualquer movimento brusco. O menino correu o risco de encarar seu medo particular, Jungkook reconheceu, e provavelmente esperava seu posicionamento, ou talvez o seu silêncio.
Ele desejou acariciar suas costas, beijar suas cicatrizes e arrancar a dor crepitante que elas traziam, mas lembrou-se no último minuto que Jimin havia mencionado o fato de odiar que as pessoas o tocassem nas costas. Apesar de Jungkook não ser qualquer pessoa, ele considerou melhor não o fazer.
– Anjo, olhe para mim. – ele pediu por fim, sentindo-o cheio de expectativa e hesitação. Jimin ficou de frente para ele, mas sem enfrentá-lo nos olhos. Jungkook o agarrou suavemente pelo queixo e suspendeu sua cabeça. – O que aquele cara fez com você é um ato de covardia. Ele não era dominante, poderoso, soberano ou qualquer outra coisa do tipo como se dizia ser. O cara que fez isso com você era um covarde. Nada além disso.
– Não importa o que ele foi. Ele foi o responsável por isso e é por causa dele que eu não consigo gostar de mim.
– Está falando do seu corpo? – Jimin fez que sim.
– Não consigo me olhar no espelho e gostar de mim. Sinto nojo, ódio, desgosto, vergonha e um monte de outras coisas.
– Talvez porque você está se enxergando como o Derek te enxergava. – Jimin empalideceu subitamente. Ele sentiu os dedos de Jungkook em seu rosto, quentes e macios. – Anjo, eu te acho lindo. Sua alma, seu sorriso, seu beijo, seu jeitinho, seu corpo... E eu não digo isso no sentido sexual, muito pelo contrário, vejo o seu corpo como uma arte, entende? Uma ferramenta que pode transmitir paixão, beleza e maestria.
– Uma ferramenta?
– Sim. – Jimin fez uma cara confusa. – Quando você dança, por exemplo, seu corpo está transmitindo algum sentimento. O nosso corpo é como uma pintura, tem várias formas, cores e tamanhos. Sabe aquelas artes diferentes que os artistas fazem e que você não entende o que ele quis dizer? Pois bem, o nosso corpo funciona assim. Ele pode ter vários significados para diferentes pessoas, mas, para você, o que o seu corpo significa?
Jimin olhou para Jungkook e seus lábios se separaram, como se tivesse ficado subitamente surpreso com sua observação. Ele se imaginava tanto como alguém inferior que nunca parou para pensar em seu corpo como sendo uma fonte artística, criada por ele mesmo com seus próprios desejos. Sempre se enxergou com os desejos dos outros, ou melhor dizendo, com os desejos de Derek.
– Quer ouvir uma coisa? – Jungkook disse, atraindo sua atenção. – Essas marcas em suas costas podem carregar lembranças ruins, mas elas também trazem a sua superação. Você teve coragem de me mostrar algo que não precisava ser mostrado e isso é prova suficiente de que você pode superar elas.
– Como?
– Só você pode descobrir, anjo. – o menino engoliu duro. – Comece, talvez, se olhando um pouco mais no espelho. Desfrute do seu corpo, conheça-o melhor, estude cada centímetro de seu corpo, porque ele é apenas seu e só você pode fazer isso.
– V-Você acha que eu consigo?
Jungkook sorriu, um sorriso brilhante.
– Você conseguiu dar o seu primeiro passo me mostrando as cicatrizes, tenho certeza que os próximos também vão vir.
Um novo pensamento perturbou o garoto, então ele perguntou:
– Isso não te incomoda? Digo, você não ficou com nojo de mim?
Ao invés de o responder com palavras, Jungkook simplesmente sorriu e colou seus lábios nos dele. Jimin ficou imóvel por um instante, derretido entre a concha de mãos em suas bochechas, ouvindo seu próprio batimento cardíaco. Aquele beijo significava muito mais do que algumas palavras, Jimin pensou, e isso o deixou aliviado.
– Sou apaixonado por você com ou sem marcas. – Jungkook lhe disse quando se separou dele e grudou suas testas. Jimin sorriu pela primeira vez desde que tocou naquele assunto. – Eu gosto de você por inteiro, não apenas do seu corpo. – o menino o encarou, sentindo-se quente. – Como eu queria te fazer enxergar o quão belo você é, Jimin.
Os olhos castanhos do menino brilharam pelas recentes lágrimas, mas elas eram de felicidade, não de dor. Jungkook varreu a primeira lágrima que deslizou pela curva do nariz dele e então selou sua bochecha, o fazendo fechar os olhos durante o toque. Era mais um gesto de solidariedade que algo romântico.
Ele escutou o menino dar um baixo suspiro de alívio, e rapidamente soube que seu gesto serviu de conforto. Apesar de tudo, não deixava de ser íntimo para ambos. De repente, algo vibrou no bolso de Jungkook, o fazendo tomar um pouco de distância. Silenciosamente, ele buscou por seu celular, e antes de pôr no ouvido, murmurou um "espere um minuto" mudo para Jimin.
– Oi, Layla. – ele atendeu, afastando-se.
Jimin não pôde esconder a expectativa quando ouviu aquele nome. A agente Layla tinha ficado com Hannah para dar notícias de seu estado, e aparentemente ela parecia ter algumas. Ele conseguia ouvir, de modo muito fraco, o zumbido da voz dela do outro lado da linha, mas as palavras pareciam fora de contexto.
Se obrigando a ficar calmo, Jimin enxugou os olhos às pressas e caminhou até a beirada da cama, onde se sentou e tentou manter a normalidade enquanto Jungkook falava ao telefone. Ele não sabia o que estava sendo dito do outro lado da linha, mas supôs que seu nome foi citado, uma vez que Jungkook o flagrou de relance.
Quando o detetive desligou a chamada, Jimin se impulsionou à frente e foi até ele, sem disfarçar sua curiosidade.
– O que ela disse? – perguntou.
– A Hannah está acordada. – Jimin esperou, consciente de que ele tinha mais coisas para falar. – Ela está perguntando por você. Layla me pediu para lhe levar ao hospital.
– Meu Deus... – ele recuou um passo. – Então ela se lembra de mim?
– Layla disse que ela não citou seu nome, mas pelas características que deu, ela supôs que o garoto de quem Hannah falava era você. – o olhar de Jimin tinha ficado distante. – Tome um banho, anjo. Vou estar te esperando no lado de fora, ok? Quando terminar, vamos direto para o hospital.
Com isso, Jimin concordou freneticamente e então recebeu um beijinho na testa um segundo antes de senti-lo caminhar para fora do quarto. Jungkook fechou a porta com um clique e desapareceu das vistas do garoto. Ele ainda estava parado no mesmo lugar, digerindo o que acabou de acontecer.
Ele espanou as possibilidades ruins e correu para dentro do banheiro. Se Hannah estava perguntando por ele, pensou, é porque algo ela tinha para lhe falar.
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Havia uma mulher parada diante de uma porta branca que ficava dentro de um extenso corredor muito iluminado. Jungkook e Jimin se aproximaram dela com cautela, logo a silhueta ganhou familiaridade. Era Layla. Ela se virou para eles quando escutou seus passos.
– Vocês demoraram. – comentou, a voz tensa por causa da ansiedade. – Maryse está lá dentro com ela.
Ouviam-se murmúrios através da porta, baixos e sem forma. Era impossível decifrar o que elas conversavam, mas era evidente que o assunto carecia de privacidade. Jimin ficou bem quietinho, encarando a porta de esguelha como se desejasse entrar logo.
– Você está liberada, Layla. – Jungkook lhe disse, suspirando. – Obrigado por ter ficado.
– Eu posso esperar se quiser. – ela sugeriu.
– Bem, não vai ser mais necessário, mas se você quiser assim, a decisão é toda sua. – um sorriso lateral cresceu em seus lábios.
Antes que pudesse dizer algo mais, a porta do quarto abriu-se e Maryse se pôs para fora. Ela sorriu docemente quando suas vistas caíram sobre o garoto. A expressão em seu rosto era de aguardo. Jimin sentiu o próprio estômago gelar quando a médica deu espaço na entrada, de modo que ele conseguiu ver Hannah recostada na cabeceira do leito.
– Fique à vontade, Jimin. – falou Maryse, balançando a cabeça em encorajamento.
Jimin não conseguiu dizer nada desde que chegou, talvez porque estava ansioso desde o momento que pisou naquele hospital, e também porque estava sendo o centro de três pares de olhos Ele tinha estado com tanta saudade de Hannah que chegava a doer, mas, acima de tudo, curioso. Curioso, principalmente, para saber o que a levou a fazer aquilo contra Namjoon.
Olhando para Jungkook de relance, ele tentou manter a calma com um pouco de esforço e então afastou-se dele, caminhando para dentro do quarto. Maryse puxou a porta e a fechou com um clique. No interior, tudo caiu em completo silêncio. Nervoso, ele escutou o próprio coração estalando nas costelas, tal como sua respiração após um suspiro longo.
– Oi, Hannah. – ele cumprimentou-a, sua voz parecia melancólica. Ela o encarou à distância.
Embora parecesse indiferente, pelo menos ela havia atendido pelo nome original. Isso era um bom sinal, pensou Jimin.
– Como você está se sentindo? – ele prosseguiu quando não houve um retorno.
A menina suspirou com aquela pergunta.
– Um pouco tonta, mas nada além disso.
A luz do quarto destacava os cortes superficiais na pele dela devido os treinamentos. Hannah parecia exausta e com as reservas emocionais muito baixa. Jimin sentia falta de seu sorriso brilhante, no qual tinha sido brutalmente substituído por uma severa expressão.
– Você sabe porque está aqui? – Jimin perguntou, começando a se aproximar dela. Os olhos de Hannah o acompanhavam conforme ele andava.
– Ataquei o Namjoon e ele me esfaqueou, não foi? É, eu me lembro disso.
– Você fez isso porque se lembrou de alguma coisa?
– Está querendo saber se me lembro de você, não é? A resposta é não. Eu ataquei o Namjoon porque me lembrei dele. – Jimin engoliu. Era estranho ouvir sua amiga falando com aquele tom. – Quando ele me chamou de Hannah, me lembrei de quem ele era.
Um pesado silêncio se instalou entre eles muito rapidamente. Jimin poderia ter ficado feliz em saber que Hannah havia se lembrado de Namjoon antes do ataque, mas alguma coisa em seu íntimo o impediu.
– Não consegue se lembrar de mais nada? – Jimin se encontrou perguntando após um momento de hesitação.
– Tenho alguns flashes, mas ainda não sei o que significam. Não me lembro como fui parar naquela boate, nem como era minha vida antes disso tudo. O que consigo me lembrar é que aquele homem, Namjoon, me sabotou. Ele me obrigou a fazer coisas terríveis.
– Está falando sobre a Jennie?
Hannah desceu o olhar para as próprias mãos como se o assunto tivesse afetado-a de algum modo.
– Eu não quis fazer aquilo, mas ele me convenceu a fazer. Não faço ideia de quem seja aquela mulher para ser honesta.
– Ela era do mal, assim como ele. – Jimin lhe respondeu com a voz indiferente, mas ainda cuidadosa. – De qualquer forma isso não importa, a polícia entende que você agiu assim porque estava fora de si.
– Eu espero que sim. – a expressão dela era uma mistura de fúria e tristeza. – Aliás, aquele cara que veio com você é policial?
– Detetive. – respondeu. – Ele vai te ajudar com isso. Não se preocupe.
– Não estou preocupada. – e ela realmente não parecia estar, apesar de sua falta de humor.
– Mas alguma coisa está te incomodando, não é? – Jimin observou, surpreendendo-a.
Ele teve certeza que viu um lampejo de aborrecimento nos lábios dela, mas isso passou despercebido. Hannah parecia esgotada e mesmo assim estava atenta a tudo que acontecia ao seu redor. Depois de aproximadamente um minuto de silêncio, ela disse:
– Eu estou grávida. – ele fez uma cara de compaixão, no qual fez Hannah semicerrar os olhos. – Pelo jeito você sabia disso, não é?
– Maryse me contou mais cedo. Eu quis te falar a verdade, mas ela achou melhor você saber pela boca dela. Me desculpe.
– Não peça desculpas.
Aquilo devia ter sido gentil, mas seu tom soou rude. De repente, Hannah lançou o lençol que cobria suas pernas para longe e tentou se levantar, mas antes que seus pés pudessem alcançar o chão, Jimin foi até ela.
– Hannah, você não pode se levantar. Está machucada, lembra?
Ela empurrou a mão dele quando o sentiu fazer menção de tocar seu braço. Jimin ficou espantado enquanto tentava compreender aquela reação. Ele não esperava um abraço de amizade, mas também não esperava um empurrão depois de ser convidado por ela.
– O que há com você? – ele explodiu pela primeira vez. – Eu venho aqui pra te ajudar e você age como se eu fosse o seu inimigo. Se acha que sou, então por que me chamou aqui?
Ao prestar atenção, Jimin notou que a respiração dela estava ruidosamente irregular, seu rosto era um retrato pálido e doente. Depois do que ele disse, Hannah começou a respirar devagar. Seus olhos caíram para as próprias mãos como se tivesse ficado subitamente arrependida.
Quando um ruído de soluço ecoou nos ouvidos de Jimin, automaticamente ele se deu conta de que Hannah estava chorando. Isso fez o sangue em suas veias congelar. Ele se perguntou brevemente se o motivo das lágrimas dela era por causa do que disse segundos antes.
– Eu te chamei aqui porque me sinto sozinha. – ela lhe contou, deixando Jimin completamente surpreso. – Acredito em você quando diz que fomos amigos. Sei que tivemos alguma relação da qual não me lembro, mas posso sentir. Não me culpe por estar confusa.
– Hannah... – ele tocou a mão dela com a sua, dessa vez não houve resistência.
– A única pessoa que acreditei ser minha família, na verdade era um monstro manipulador. Eu me sinto sozinha de novo. – desabafou. – Não me lembro de nada, Jimin, e eu sei que você pode me fazer recordar de tudo aquilo que esqueci. Quero que você me faça lembrar das coisas.
– Você nem precisava me pedir isso, Hannah. – ela o encarou. – Eu vou te ajudar a se lembrar. Você é a minha família.
A garota varreu as lágrimas rapidamente, pois odiava chorar na frente de qualquer pessoa, e então, para a surpresa de Jimin, ela sorriu. Sua expressão era de gratidão, apesar de uma pesada tristeza em seu gesto.
– Isso é muita generosidade da sua parte, já que eu quase tentei te matar. – ela comentou, dando uma risadinha sem jeito.
– Um dia você vai entender que não se trata só de generosidade.
Um cisquinho de esperança cresceu no peito de Jimin quando ela não refutou suas palavras, apenas lhe encarou nos olhos. Hannah estava perdida, mas cheia de vontade de reverter o que havia feito. Ela precisava de alguém e ninguém melhor do que Jimin para assumir esse papel.
A ideia de perdê-la para Namjoon foi devastadora, só não era maior que sua esperança de poder reestruturar sua antiga amizade. Finalmente Hannah estava livre da droga e prestes a recomeçar uma nova página. Jimin só não poderia saber o que as ações de Hannah, enquanto Lauren, trariam para o futuro.
Nesse caso, nem tudo estava acabado.
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Olá meus amores, tudo bem com vocês? Eu não curti esse capítulo, achei que faltou alguns elementos importantes pra ficar do jeitinho que pensei, não revisei, então perdoem os erros e espero que tenham gostado.
Eu notei que algumas pessoas, senão todas, ficaram confusas em relação ao Namjoon/Steve. Bem, vamos esclarecer uma coisa: Steve e Namjoon são irmãos gêmeos. Namjoon foi morto, Steve assumiu o seu lugar, mas ambos têm a mesma aparência. Não se confundam haha.
A próxima atualização é a última, provavelmente vou demorar um pouquinho pra atualizar por falta de tempo e tbm pq é o único capítulo que resta pro fim da primeira parte dessa jornada. Obrigada de verdade por chegarem até aqui e por gostarem do meu trabalho. <3
Espero vocês na última atualização, que promete muita coisa, inclusive suspeito de que será um cap longo, e beijo na bunda!!
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