⍟ fifty six
Vancouver, 07:50AM
Jimin chegou no saguão antes do horário marcado, já se preparando para encontrar o espaço vazio, mas para a sua surpresa, havia um conjunto de pessoas em perfeito uníssono com ganchos de armamento nas vestimentas andando para lá e para cá. O menino se aproximou pelas beiradas e ficou no cantinho observando a movimentação, nem um pouco confortável em se aparecer para eles.
Seus olhos inspecionaram o lugar a procura de Jungkook e o achou a uma distância de quatro metros. Ele deixou um suspiro desafinado escapar dos lábios quando se lembrou dolorosamente da noite passada. Não havia pregado os olhos a noite toda, sua mente estava muito turbulenta, quase não dava para processar aquela corrida de pensamentos que se atropelavam dentro de sua cabeça. Alguns eram bons, outros nem tanto.
Jungkook, de braços cruzados enquanto ouvia as instruções de Seokjin, usava um rígido casaco de viagem e seu cabelo, tão preto quanto uma ardósia, estava lambido em um topete, exceto por um fio grosso que deslizava ao longo de sua testa. Ele tinha um perfil glacial e perfeitamente desenhado daquele ângulo. Havia duas malas pretas no chão, uma delas possuía uma longa alça para se apoiar no ombro. Jimin sentiu o coração espremer e um desejo avassalador de chamá-lo, mas pensou melhor e supôs que talvez fosse atrapalhar a conversa deles.
Quando a conversa entre eles encerrou, Jungkook se deparou com Jimin acidentalmente, então houve uma perceptível surpresa em seu rosto por vê-lo. O garoto recobrou sua compostura e ficou onde estava, o encarando de volta. Ele viu algo nos olhos de Jungkook que o fez congelar os pés no lugar.
Saudade?
Houve uma ligeira sensação de um buraco oco no seu estômago quando o viu se virar para longe, como se sua presença não fosse nada demais. No instante seguinte, o detetive falou algo para um policial próximo, que pegou suas malas e as levou para fora do saguão, em seguida ele voltou-se para o menino e espremeu seu caminho até ele com uma seriedade profissional no rosto, uma seriedade que Jimin só o via demonstrar com os outros, não com ele. Aquilo o fez piscar instantaneamente para baixo.
– Jimin. – ele o cumprimentou quando chegou perto, o garoto ergueu a cabeça, envergonhado, para encará-lo. Ele pôde sentir um suor frio subindo sua espinha. – Bom dia.
– B-Bom dia, senhor.
– Não precisamos manter essa política formal, eu acho. – ele forçou um sorriso gentil que não chegasse perto de revelar o desconforto que sentia. – Ainda prefiro que me chame pelo nome.
Jimin estremeceu quando ele disse aquilo, então o frio que sentia no estômago acabou relaxando. Realmente, não se sentiria bem se voltasse a tratá-lo com todo aquele ritual de etiqueta e dava para notar que Jungkook também não estava disposto a seguir com isso. Ele estava sendo, no mínimo, uma boa companhia.
– Me desculpe. – falou Jimin, sorrindo um pouquinho, e tentou parecer mais suave com aquilo. – Vocês estão indo agora?
– Daqui a pouco. Estamos esperando o resto da equipe, não sabemos exatamente quantas pessoas serão necessárias para o reforço.
– Reforço? – observou. – Isso tudo só para pegar a sua irmã?
– É necessário. – Jimin não falou nada em resposta. – Não sabemos o que podemos encontrar no caminho. A Jennie é esperta o bastante para se camuflar atrás de alguém, ela definitivamente não está sozinha. Sem contar que as reféns provavelmente estão com ela, então devemos ter o melhor reforço possível.
– Onde elas estão? Na Espanha? Como a Jennie conseguiu viajar com elas? Como? – ele indagou melancolicamente, observando que Jungkook segurou a resposta por um tempo.
– Não posso dizer muita coisa.
Talvez tivesse sido um grande erro fazer aquelas perguntas. Jimin tinha tanta certeza que Jungkook o contaria que não pensou na possibilidade de ele negar, afinal, ele nunca o escondeu nada. No entanto, acabou se arrependendo. Jungkook estava diferente agora, mais rígido e profissional, seu rosto era como a pintura de um oficial em tempos de combate, com olhos indiferentes e ao mesmo tempo preocupados.
Jimin tinha finalmente entendido a atitude dele. Ele não podia simplesmente arrancar mágoas de dentro do seu peito fingindo esquecer que foi o autor dessa súbita mudança de comportamento de Jungkook. Não importava o quanto aquilo lhe machucasse, tinha de admitir que foi ele quem o pediu para que agisse assim.
– Bem, então boa sorte na missão. Eu espero que não passe por nada parecido com o que aconteceu naquele galpão com o Derek. – seu rosto estava começando a ficar da cor de um tomate, principalmente quando se recordou do beijo que deu nele. Jimin nem conseguia acreditar que teve coragem de beijá-lo na frente de Derek, foi tão impulsivo, tão intenso, tão...
– Obrigado. – a voz dele partiu suas lembranças ao meio, então o menino o encarou por baixo. – Acredito que será muito mais tranquilo do que aquele dia. De qualquer forma, obrigado pela força.
Olhando daquele ângulo, o garoto percebeu que Jungkook parecia bem melhor, sem contusões no rosto ou qualquer sombra sob os olhos. Ele ainda parecia sufocar algo, um sentimento talvez, desde a noite passada. É óbvio que ele não estava feliz com nada que estava acontecendo, Jimin pensou, e por isso seu rosto permanecia engessado com uma expressão profissional. Com isso, o menino sentiu aquela sensação de buraco dentro do estômago voltar à tona novamente, o fazendo empurrar os olhos para baixo.
O garoto viu uma sombra descer as escadas do saguão pela lateral da visão e suspendeu a cabeça imediatamente, dando de cara com Yoongi, que começou a andar na direção de Seokjin. No entanto, ele deixou uma olhadela para a dupla na metade do caminho, não prolongando muito seu gesto. Jimin pensou que ele fosse dizer algo, mas simplesmente fingiu que não havia o visto. Jungkook não retribuiu o olhar dele em momento algum, embora tivesse igualmente sentido a sua presença.
– Você conversou com ele? – Jimin perguntou baixinho, observando de relance a depreciativa carranca no rosto de Yoongi.
– Ainda não. – ele levou um tempo para desenrolar as próximas palavras. – Não acho que temos algo para conversar que não seja sobre o caso. Ele não faz nada além de cuspir conceitos politicamente corretos. Não existe mais uma amizade aqui.
– Não diga isso, por favor. – Jimin o encarou como se estivesse o acusando de algo. Jungkook nada disse. – Por mais que ele tenha dito aquelas coisas, isso não é motivo pra terminar uma amizade, ainda mais por minha causa.
– Ele causou tudo isso, Jimin. – houve uma pausa quase imperceptível por parte de Jungkook. Normalmente, ele poderia ter mudado o rumo da conversa, mas não o fez. – A nossa relação vai ser apenas profissional, pelo menos até ele mudar esse comportamento.
Jimin considerou e descartou várias observações daquela afirmação. Inclusive, ele percebeu o gosto amargo da desconfiança que teve sobre os sentimentos de Yoongi em relação a Jungkook. Não era comum essa perseguição em nome do protocolo, na verdade suas atitudes tinham sido semelhantes com as de alguém inevitavelmente atraído por outra pessoa e que estaria com ciúme. Isso fazia sentido? Para Jimin, talvez.
– Acho que ele gosta de você. – de repente o garoto disse, não suportando falar aquilo em voz alta. – Eu não tinha pensado sobre isso antes, mas agora posso ver o jeito que ele te olha. É diferente.
– Não, não acredito que seja isso. Eu teria percebido.
– Pois eu acho que você pode começar a perceber. – ele mordeu o lábio e se perguntou se sua voz parecia tão amarga quanto se sentia por dentro. – Todo mundo gosta de você, é impressionante.
Ele riu nervosamente e desviou o olhar para baixo, notando que suas mãos estavam tão apertadas que os nós de seus dedos estavam pálidos. Bem, ele não tinha certeza sobre essa observação, mas a raiva estava começando a girar dentro dele, ou talvez fosse só mais um ataque de insegurança.
– Eu não sei. – o detetive disse, como um desabafo, e instantaneamente lamentou pelo olhar que apareceu no rosto de Jimin. – O importante é que eu gosto de outra pessoa nesse momento e vou esperar por ela.
Jimin sentiu um gosto metálico na boca e os olhos se arregalando de modo automático, não acreditando que tinha se mostrado pego de surpresa por ouvir aquilo. Não importava o que isso significava, por um milésimo de segundo ele teve vontade de voltar atrás com sua decisão, principalmente porque Jungkook estava prestes a viajar. No entanto, pensou melhor sobre isso e optou por priorizar sua escolha inicial. Não podia arruinar tudo agora, simplesmente não podia.
– Jungkook! – era a voz de Seokjin à distância. O detetive não se virou para ele, mas desviou o olhar de Jimin. O diretor se aproximou com pegadas suaves e descansou a mão sobre seu ombro. – Está na hora, meu guerreiro. A equipe está te esperando.
Jungkook ficou em silêncio, sentindo o próprio estômago se retorcer ao pensar em dar as costas para Jimin. Seokjin sentiu a saliência dos músculos dele se apertando sobre o tecido do casaco e logo percebeu que a situação ali estava tensa. Ele não podia afirmar nada só de olhar para os dois, mas não era como se o clima não estivesse tão perceptível assim.
– Eu... – a frase morreu no caminho, o fazendo pausar. – Com licença.
Jungkook se virou para sair, mas Jimin o segurou pelo pulso tão depressa que nem ele mesmo se deu conta de seu ato. O detetive direcionou seus olhos para os dele, realmente diferente por sentir o seu toque físico. Jimin se lembrou de Jungkook o abraçando cautelosamente na noite passada e por um momento sentiu falta dos braços dele ao seu redor. Pensar nisso foi como um sinal de encorajamento para o que estava prestes a dizer.
– Tem uma coisa que quero te dar. – o menino começou, procurando por algo em seu bolso traseiro. De repente, ele trouxe um pequeno objeto circular entre as mãos, aquilo fez o detetive apertar os cílios em curiosidade. – É um anel. Eu fiz ontem quando fui no pavilhão. Quero que leve com você para essa viagem, sei que vai precisar. É como um amuleto da sorte.
Jungkook ficou tão surpreso que ficou rígido. Seokjin estava igualmente impressionado, por isso não interferiu naquele momento. Jimin sentiu os dedos dele movendo-se lentamente sobre sua palma quando pegou a peça. Ele soava normal, mas seu coração batia intensamente contra o peito. Por um momento, em selvagem receio, o menino pensou que talvez ele não tivesse gostado, mas logo essa percepção virou areia.
– É lindo. – comentou Jungkook, fitando o anel rústico feito com galhos de rosal. – Eu não sabia que além de desenhista e dançarino você também era artesão. Muito obrigado, Jimin. Não vou largar isso por nada.
Pelo olhar em seu rosto, estava claro que havia algum tipo de gratidão ocorrendo dentro dele. Jimin sorriu largamente e sentiu-se aliviado pelo comentário. Jungkook guardou a peça no bolso interno do casaco e se despediu com um aceno, embora desejasse mesmo ganhar um abraço dele. O garoto fitou as costas dele com algum tipo de preocupação e esmagou a vontade de ir atrás.
Não podia negar que estava com medo. Jungkook estava indo para um território desconhecido, sem consciência do que poderia estar o esperando quando chegasse. Depois do episódio aterrorizante que ocorreu no galpão, Jimin passou a temer qualquer coisa nesse caso. Derek podia estar morto, mas ainda havia um punhado de criminosos lá fora.
As portas do saguão oscilaram abertas quando o detetive passou por elas, deixando uma última olhadela para Jimin no meio do caminho. Ele pareceu sumariamente inclinado a parar, mas seu corpo deslizou sozinho para o lado de fora. O menino se sentiu um pouco culpado por não ter dito nada antes de ele ir embora e esse pensamento fez seu coração se contrair no peito.
– Jimin? – era a voz de Seokjin. Ele quase se sentiu culpado por interromper o devaneio do menino, que ergueu os olhos de encontro aos seus. – Você já tomou seu café da manhã?
– Ainda não.
– O que acha de subirmos? – o garoto olhou uma última vez para a entrada principal e visou os guardas fechando a pesada porta. Ele já estava partindo. – Eles terão uma boa viagem, não se preocupe com isso. Precisamos comer um pouco, vamos.
Por um momento, Jimin pareceu considerar aquele convite, então sorriu desajeitadamente, sem mostrar totalmente os dentes. Seus olhos pousaram em Seokjin e sua cabeça forçou um aceno. Não adiantava nada ficar ali parado, ele só precisava não pensar negativo. Então, deixou-se ser levado escada acima para o andar principal, mesmo que no fundo estivesse sentindo um estranho oco por estar distante de Jungkook.
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Madri, 18:10PM
O cheiro da capital espanhola trazia um conjunto de sabores desconhecidos, uma novidade quase que incomum. A essência da cultura latina estava estampada em diversas zonas comerciais. O vestuário da população tinha o seu encanto, e como estava no inverno, um casaco felpudo e cachecol fazia parte das vestimentas da maioria dos pedestres.
O jato particular do FBI havia aterrissado numa área restrita para federais, mas eles tiveram que seguir para o apartamento com um carro confidencial que o departamento da polícia espanhola disponibilizou. Jungkook estava agora no banco traseiro, recostado no vidro lateral meio sonolento e com os olhos quase se fechando. O eco da cidade lá fora diminuía e aumentava conforme a velocidade do automóvel. O céu acima se erguia como um dossel desanuviado e meio escuro, indicando que a noite já havia chegado.
Depois de dez horas de voo e alguns minutos de carro, o motorista manobrou o veículo para dentro de uma rua silenciosa e com pouca movimentação, havia uma sequência de árvores ladrilhadas que ficavam na frente de um edifício. A estrada a frente estava molhada pela fina garoa que começou a cair segundos atrás, e embora o ar estivesse frio, a aparência do tempo não indicava que era inverno.
O detetive abriu lentamente as pálpebras quando sentiu o carro parando aos trancos. Eles receberam um sinal de que tinham chegado, então Jungkook tirou o cinto, abriu a porta e se lançou para fora. Uma brisa o acertou no rosto, o fazendo piscar um par de vezes enquanto olhava ao redor por um longo tempo. Tudo era tão diferente naquele lugar, ele levaria um tempo para se adaptar com esse novo espaço e, sobretudo, com a distância.
Dois grandes carros estacionaram logo atrás, cuspindo para fora uma sequência de policiais que foram compor o reforço da equipe. Yoongi e Seokmin deixaram o veículo com um pulo. Seokmin foi o primeiro a caminhar até o bagageiro e pegar suas coisas. Jungkook recolheu as dele sem dizer uma palavra e, ainda sem olhá-los, andou para dentro do prédio. Ele tinha outras prioridades agora, então não estava interessado em ouvir perguntas sobre sua expressão fechada. A viagem inteira foi assim: olhares tortos e dúvidas imaginárias a respeito de seu silêncio.
– O que seu amigo tem? – Seokmin perguntou para Yoongi quando ele se aproximou para pegar suas malas. – Não disse uma palavra a viagem inteira. Algum bicho mordeu ele?
– Acho que o Jungkook só está focado na missão. – disse. – Vamos respeitar isso.
– Claro. – finalizou com um leve tom de deboche e depois se afastou.
Yoongi continuou fitando-o pelas costas, em seguida desviou o olhar para além da porta dupla escancarada. Ele começou a fazer seu caminho pela escada de pedra que tomava todo comprimento da construção enquanto o resto da equipe pegava as coisas do porta-malas. O edifício que se erguia a frente possuía um padrão angular e deslumbrante de janelas escuras, no lado de fora havia estátuas de pedra e um lindo jardim iluminado. A luz de dentro do prédio parecia branquear tudo de tão forte que era.
Chegando no saguão, Yoongi se deparou com uma figura alta, oficial, cabelos pouco grisalhos, nariz afilado e uma expressão cortês descendo as escadas. Ele parou de andar para olhá-lo por um longo tempo e o observou vindo na sua direção. Estava vagamente consciente de que aquele era um oficial da polícia.
– Buenas noches, señores. – ele disse, se dirigindo aos detetives. – Soy Santiago.
Jungkook, que estava o esperando, deu um passo à frente e o cumprimentou com um aperto de mão, Yoongi fez o mesmo posteriormente, depois Seokmin apareceu ao seu lado. Santiago deu um suspiro seco e encarou os três rostos antes de chamar um dos funcionários do prédio e instruí-lo sobre algo. De repente, o empregado pegou as bagagens no chão e as colocou em cima de um carrinho dobrável, não demorando muito para levá-las ao elevador.
– Acho melhor falar a língua de vocês. – Santiago voltou-se para eles, sua voz carregava um ligeiro sotaque. – Seokjin me informou que vocês viriam, então deixei reservado este hotel. É completamente seguro.
– Só um momento – Seokmin interrompeu, meio incerto. – Nós temos uma autorização oficial para ficar neste hotel?
– Sim, não se preocupem com isso. Como o FBI não tem jurisdição nesse país, vou precisar que vocês assinem um termo de concordância, só para confirmar que a polícia local autorizou a atuação de vocês nesse território, apenas isso. – ele explicou. – Vamos ter um longo tempo para debatermos esse assunto. Vocês precisam descansar agora. Vou acompanhá-los até o quarto. Venham.
Jungkook foi o primeiro a se movimentar na direção do elevador enquanto os outros dois o seguiram instantes depois. Em algum canto distante de sua mente, o detetive estava consciente de que Yoongi estava o observando com uma careta tensa, por isso o fitou de esguelha para testar essa observação e o viu desviar o rosto tão rapidamente quanto possível para o chão. Seokmin semicerrou os olhos com aquela cena e entrou no elevador depois deles.
Com um guincho, o elevador deslizou para cima com um afiado som de engrenagens se movendo em harmonia. Yoongi encarou o seu parceiro novamente e se lembrou, com um desagradável impulso, de como ele estava indiferente, calado, quieto, insuportavelmente estranho. Aquele sentimento mais uma vez bateu no seu peito, o dizendo que ele tinha que fazer algo para mudar esse clima pesado, independentemente de quem fosse a culpa.
O elevador parou depois de alguns minutos com um ecoante solavanco metálico e a porta rolou para o lado. Santiago saiu e deu espaço para que os detetives passassem na frente. Ele os levou para uma porta no final do corredor e, de seu bolso, arrancou uma chave de aço e destrancou a porta sem demora. Tudo lá dentro estava muito quieto e apagado, exceto por um feixe esbranquiçado que vinha da janela dianteira.
Santiago acendeu a luz e os móveis ganharam forma subitamente. O lugar era sofisticado, possuía uma mobília tradicional e um espaço adequado para três ou mais pessoas. Jungkook observou o lugar com olhos escuros e pensativos, reparando que o local escolhido também era exclusivo para a guarda policial, o que dava a eles uma privacidade burocrática.
– Aqui estamos. – Santiago anunciou com um sorriso de orelha a orelha, os deixando a vontade para inspecionar o ambiente. – Os outros ficarão em quartos vizinhos, assim vocês vão poder se comunicarem quando quiserem. Creio que agora vocês precisam de um tempo para trabalhar. Vou buscar o documento para que assinem, não demoro.
Com isso, o comandante passou pela porta e a fechou silenciosamente, deu para ouvir seus largos passos pelo assoalho do corredor lá fora. Jungkook tirou o casaco e o colocou acima do espaldar do sofá, ele foi até a janela e olhou abaixo sem dar uma palavra. Seokmin e Yoongi se entreolharam demoradamente, então Yoongi se apressou para a mesa de centro e abriu seu notebook.
– Vou avisar a Seokjin que já chegamos. – ele disse para ninguém em específico enquanto ligava o aparelho. Foi Seokmin quem o respondeu em seguida.
– Faça isso enquanto bebo alguma coisa. Preciso de álcool. – ele perfurou o caminho até a cozinha e sumiu quando dobrou uma parede lateral.
Havia um monte de coisas para se verificar, mas naquele momento Yoongi estava preocupado com o silêncio de Jungkook, que estava em pé na frente da ampla janela observando a cidade à distância. Ele se perguntou se Jungkook estava mesmo aqui ou se sua mente estava vagando em outra dimensão, afinal, ele raramente se desconectava de uma situação importante como aquela. Por isso, com seus olhos e língua picando, Yoongi o chamou.
– Jungkook? – ele demorou a se virar, e quando o fez, não pareceu que queria ter feito. – Será que você pode falar com o Seokjin pela chamada de vídeo? Ninguém é melhor do que você com as palavras.
O detetive não disse nada, mas quando fez menção de responder, Seokmin retornou com três cálices na mão.
– Eles têm cava. Eu sempre quis beber isso. – ele colocou as taças no balcão e abriu a garrafa de espumante. – Alguém quer?
– Eu aceito. – Yoongi falou.
– E você, Jungkook?
– Outra hora. – foi a primeira coisa que ele falou depois de quase onze horas em silêncio. – Ligue logo para o Seokjin, temos que adiantar isso.
Após sua sugestão, Yoongi precipitou os dedos nas teclas e iniciou a chamada de vídeo, sentando-se no chão para ficar mais confortável. Seokmin trouxe as bebidas e ofereceu uma para Yoongi, que aceitou imediatamente. Ele sentiu o corpo do outro se afundar no estofado atrás, igualmente aguardando a chamada de vídeo, enquanto Jungkook continuava em pé sem interesse de ir até lá.
Quando Seokjin atendeu a chamada, o detetive se juntou a eles no fundo do sofá, ao lado de Seokmin, para ficar dentro do campo de visão da câmera do notebook. O rosto do diretor estava muito evidente na tela e o cenário atrás indicava que ele estava no seu escritório.
– Olá, detetives. Como foram de viagem?
– Cansativo. – Yoongi falou.
– Entediante. – emendou Seokmin.
Jungkook não falou absolutamente nada, mas ele notou que houve um momento de silêncio por parte dos outros, certamente aguardando sua resposta. Seokjin ergueu uma faixa de sobrancelha, havia algo no seu gesto que fez Jungkook ceder.
– Conseguiu o mandado? – foi tudo o que ele perguntou. Seokjin balançou sutilmente a cabeça para os lados e deixou para lá.
– Consegui. Já enviei para vocês. – falou. – Estávamos investigando o cassino do tal Lorenzo antes de vocês ligarem. É um lugar constantemente frequentado por ele, então se querem achá-lo, já sabem como e onde.
– Vai ser uma missão de disfarce? – Yoongi indagou, animado. Ele adorava as operações com disfarces.
– Não se anime tanto. – aquilo quebrou o sorriso dele. – O mandado enviado será para vasculhar o hotel dele. Vocês terão autorização para evacuar o prédio e investigar cada canto em busca das vítimas. A equipe que está com vocês é insuficiente para esta operação, por isso estou enviando mais uma tropa de homens. A polícia local não poderá colaborar com essa missão porque ela vai estar ajudando o Jungkook.
Jungkook foi pego de surpresa, suas feições mudaram em segundos.
– Me ajudar em quê?
– Yoongi e Seokmin vão vasculhar o hotel. Você ficará responsável por desmascarar o Lorenzo. – houve uma perceptível pausa, portando, Seokjin deu continuidade. – Ele está colaborando com o plano da Jennie e certamente deve estar cobrando algo em troca. Quando digo algo, me refiro a uma das reféns. Então você, Jungkook, entrará em ação e tentará arrancar alguma informação dele, alguma prova. A polícia de Madri vai estar à sua disposição para prendê-lo quando necessário. Alguma dúvida?
– Todas. – assumiu ele, como ácido invisível na voz. – Nós viemos aqui para pegar a Jennie. Ela é nossa responsabilidade, não o Lorenzo. Ele é jurisdição da polícia de Madri e não nossa. Se deixarmos ela para segunda opção, não fique surpreso se ela fugir.
– Nós também queremos isso, detetive. – lá estava o seu tom de líder em cada sílaba que saía de sua boca. – Mas vocês vão ter uma oportunidade melhor de pegá-la, dessa vez vou querer que esteja acompanhado do Yoongi. Escute, a Jennie vai participar de uma festa de gala amanhã a noite e você vai estar lá. Implantamos dois nomes falsos na lista de convidados assim que ficamos cientes desse evento, então você e o Yoongi vão comparecer disfarçados.
– Espere um pouco – Seokmin interferiu. – O que necessariamente vamos fazer hoje? Não podemos confundir as bolas, temos que primeiro focar em resgatar as vítimas. Nem sabemos se elas podem estar no prédio. Se elas estiverem em outro lugar, qualquer capanga ou funcionário disfarçado pode tirá-las do esconderijo se souberem da evacuação. Precisamos pensar em algo mais sigiloso, que não deixe tão na cara que é uma investigação policial.
– Vocês dois vão buscar pelo quarto da Jennie, que vai estar vazio, e vão fazer uma inspeção completa em cada canto daquele lugar. Ela alugou uma pousada para passar a noite, fica perto do espaço que vai acontecer a festa de gala, então não tenham receio de procurar por provas. Precisamos que achem qualquer coisa que mostre que as vítimas estão naquele prédio.
– Enquanto procuramos por provas no quarto dela, o Jungkook vai fazer o quê? – demandou Yoongi.
– Ele vai fazer uma visitinha ao cassino do Lorenzo. – Jungkook ficou quieto, pensativo, avaliando suas estratégias. – Jungkook, preste atenção, é muito provável que as reféns não estejam no hotel, mas não podemos descartar a possibilidade de haver esconderijos subterrâneos, é por isso que Yoongi e Seokmin farão a busca pelo prédio enquanto você tenta uma outra abordagem com o Lorenzo. Esse cara precisa ser preso no flagra e se a Jennie escondeu as meninas muito bem, ele é a chave para encontrarmos elas.
– E o que exatamente vou fazer? Embebedá-lo até ele abrir o bico? – Jungkook questionou.
– Tente seduzi-lo. – o detetive sussurrou algo debaixo de sua respiração, como se dissesse que aquele plano não iria dar certo. – Você definitivamente faz o tipo dele. De qualquer um, aliás.
– Está enganado. Ele é do tipo que se atrai por garotos novos.
– Alexander também gostava de garotos novos e mesmo assim ele conseguiu se interessar por você. – disse Yoongi abaixo, a voz elevada. Jungkook o encarou de cima. – Você o prendeu no flagra e pode fazer a mesma coisa com esse Lorenzo.
– Confie no seu charme, detetive, ele vai comer na sua mão. – Seokjin garantiu. – Aliás, o amante dele tinha sua idade. Se você souber exatamente o que está procurando e como fazer, bingo.
O rosto proeminente do detetive ficou pensativo, examinando o tamanho de seu grau de sorte em não ser desmascarado. Havia algo naquela missão que o deixava nauseado, talvez o fato de estar lidando com pedófilos. Entretanto, ele pensou melhor e concluiu que já tinha sobrevivido a uma missão parecida, então seria capaz de fazê-la novamente.
Jungkook regulou a postura e se pôs de pé num ligeiro lampejo, de repente estava com os braços cruzados contra o peito, não parecendo animado com a ideia, porém rendido a ela.
– Tudo bem, vamos resgatar as reféns primeiro. – declarou por fim. – Mas que fique claro que a Jennie é minha. Eu quero ser o responsável por pegá-la.
– Amanhã você se concentra nisso, hoje a missão é outra. – Seokjin garantiu. – Elas precisam ser salvas o mais rápido possível, estamos suspeitando que a Jennie as vendam para estrangeiros. Não podemos tolerar isso.
– O que vai acontecer com as vítimas que foram vendidas para territórios estrangeiros? Como vamos salvá-las? – interferiu Seokmin, seus olhos estavam concentrados na tela com uma avidez evidente.
– Não podemos rodar o mundo para resgatar todas elas. O que podemos fazer é informar ao departamento de polícia de cada país. Já antecipamos isso, mas até agora não houve resultados.
– Estamos prontos. – Yoongi falou. – Vamos manter contato com você durante a operação. Precisamos nos organizar logo, o tempo não espera.
– Sim, você está certo. – ele fez uma breve pausa. – Boa sorte para vocês e não se esqueçam que essa é a missão mais importante que estamos fazendo. O FBI e a CIA estão dando todo apoio, qualquer coisa que precisarem é só solicitar. As identidades falsas já foram transferidas para vocês, elas devem chegar a qualquer momento. Nos vemos depois. Até logo.
Em poucos segundos a chamada de vídeo foi encerrada. Yoongi fechou a tela do notebook e tomou sua bebida num só gole. Jungkook ficou quieto no mesmo lugar, os dedos debaixo do queixo em reflexão. Seus olhos estavam brilhando, quase prata sobre o preto, em resposta de uma ideia que surgiu de repente.
– Ótimo, alguém tem uma ideia? – Seokmin perguntou, levantando-se num pulo.
– Chame o resto da equipe. Vamos precisar de todo mundo aqui. – Jungkook explicou, dando a volta pelo sofá. – Eu tenho um plano, mas todos precisam saber o que fazer na hora. Não posso estar sozinho no cassino e nem levar a polícia local para dentro porque chamaria atenção. No mínimo, dois ou três agentes disfarçados têm que estar lá para me dar cobertura.
– Vamos utilizar microcâmeras? – Yoongi perguntou, quase de modo retórico.
– Sim.
– Perfeito. – Seokmin interrompeu, colocando a taça vazia acima da mesinha. – Vou chamar os outros. Não se matem até eu chegar.
Dito isso, ele deu as costas e alcançou a porta ligeiramente, saindo com um bater suave. Calado, Yoongi assistiu o seu parceiro pegar as malas em silêncio para subir, e, ao pensar em criar coragem para falar com ele diretamente, teve a sensação de que a bile subiu a sua garganta como uma avalanche.
– Jungkook? Pode me ouvir por um minuto? – ele pôde ouvir a dúvida na própria voz, mas também a certeza não dita.
O detetive o encarou por baixo, a expressão não muito amigável, porém profissional.
– Da última vez que te ouvi as coisas saíram do controle, então acho melhor não. – uma confusão abrupta se manifestou na face de Yoongi, como se ele tivesse levado duas bofetadas. – Deixe para outra hora, é melhor.
Yoongi abriu a boca para dizer algo, mas as palavras estilhaçaram como vidro quebrado na sua garganta. Ele estava o observando ir embora para o outro cômodo com um tipo de arrependimento amargo. Não havia importância em derramar suas justificativas nos ouvidos dele agora, até porque o momento era inadequado, mas ele só queria estar próximo de Jungkook como no início do caso.
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Aninhado perto à costa, uma ampla construção de blocos cinzas com uma placa elétrica piscando na fachada apontou à distância. Jungkook estacionou o carro numa vaga de frente para o cassino e bateu a porta quando saiu. Seu olhar checou o ambiente ao redor e deduziu, pela quantidade de automóveis, que o clube estaria cheio de pessoas. Ele se dirigiu para dentro, percebendo alguns olhares clandestinos enquanto fazia seu caminho. Isso o fez resplandecer com a própria convicção de que estava suficientemente bonito.
É claro, ele podia ter entrado sem todo aquele charme espiritual, mas a parte engraçada disso tudo era que ele já estava acostumado a ser cortejado por outras pessoas. Então, deixando isso de lado, Jungkook tentou manter seus pensamentos indiferentes e mergulhou para dentro de uma trilha de iluminação na porta de entrada.
Uma fileira de máquinas de jogos estava espalhada entre um setor e outro. Todas as mesas de pôquer estavam lotadas com apostadores enquanto fumaça de gelo seco subia entre as luzes coloridas do palco de música. Havia uma coluna de janelas escuras no andar de cima, Jungkook manteve seus olhos naquela direção por um instante, percebendo que um lance de degraus aninhado ao bar dava acesso àquele setor.
Ele claudicou os passos até o bar e fisgou uma banqueta vazia, um despreocupado sorriso brincou em seus lábios quando o rapaz que estava servindo as bebidas veio na sua direção com um enorme sorriso.
– Buenas noches, señor. Qué vas a pedir?
– Consegue falar meu idioma? – o detetive perguntou baixinho, mas o rapaz se mostrou confuso – ou curioso –, então Jungkook esfregou a testa com aquilo. – Bem, esqueça...
– Um norte americano por aqui? – ele o interrompeu com um sorriso ainda mais largo. – Não costumamos receber tantos estrangeiros nesse lugar. Apesar de eu ser quase um.
Isso pareceu ter alguma influência sobre Jungkook, que acabou relaxando no íntimo. Ele tinha ficado consciente de algo diferente nele a princípio e agora conseguia identificar exatamente o que era.
– Parece que não estou tão sozinho nesse lugar. – emendou, apontando para a prateleira às costas do rapaz. – O que você tem aí? Me impressione.
– Algo me diz que você vai adorar o rum. É uma bebida refrescante e não vai te deixar de ressaca.
– Aceito.
O funcionário pegou a garrafa sobre a base e a trouxe para Jungkook. Ele derramou o líquido em um copo largo e o deslizou para perto do outro, deixando a garrafa próxima dele caso quisesse colocar mais. Jungkook provou a bebida e sentiu um corpo se debruçar lentamente contra o balcão.
– Está aprovado? – o rapaz perguntou em tom confidencial. Jungkook deitou o copo na bancada.
– Falta algo.
– Está dizendo que não foi aprovado?
– Estou dizendo que falta gelo. – ele disse em volta de um sorriso. – Traga alguns cubos.
Qualquer sorriso restante no rosto do rapaz desapareceu subitamente. Ele se pôs de pé e tentou agir de modo profissional quando notou que alguns olhares perdidos o fitavam. Mesmo assim, ele levou um tempo para achar sua voz.
– Está lá dentro, não demoro.
Quando ele recuou e atravessou para trás de uma parede, o detetive selecionou seus pensamentos e lembrou-se de ligar o microfone na parte interna do colarinho. Ele tinha posto uma microcâmera no bolso externo do casaco, dentro de um broche de prata. Até o momento, sem sinal do suspeito.
Um dos agentes que o acompanhou estava sentado próximo a mesa de pôquer. Ele deu um discreto sinal para Jungkook e apontou clandestinamente para o setor vizinho, onde estava o segundo agente da equipe. O detetive enviou um gesto para eles, normalmente usados por federais, sinalizando para que ficassem de olho.
– Jungkook? – era a voz de Seokjin no aparelho de escuta. Com os cotovelos no balcão, o detetive cobriu a boca disfarçadamente e murmurou algo, apenas para certificar de que estava ouvindo-o. – Yoongi e Seokmin já estão no prédio. Eles disseram que Lorenzo não está lá, a qualquer momento ele deve chegar aí. A polícia local já está em posição, estão aguardando seu chamado.
– Aqui está. – dessa vez era a voz do funcionário, trazendo um copo cheio de cubos de gelo. Ele despejou dois dentro da bebida de Jungkook e sorriu. – Deseja mais alguma coisa?
– Obrigado. – dispensou.
O rapaz saiu para atender outro cliente, mas dessa vez ele não tinha sorrido da mesma forma que sorriu para Jungkook.
– É, parece que ele gostou de você. – Seokjin riu nos seus ouvidos
O detetive ficou a um fio de revirar os olhos com aquilo, mas se lembrou que estava em público e, perceptivelmente, sem ninguém ao seu lado, portanto não o fez. É claro que devia ter previsto isso, afinal de contas, Seokjin estava vendo tudo através da microcâmera embutida.
Mas não foi isso que o fez ficar pensativo. Uma avalanche de lembranças se elevou na sua memória e todas elas flutuavam o rosto de Jimin. Estar longe dele estava sendo tão dolorosamente estranho, como se seus próprios sonhos tivessem sido fragmentados ao ponto de se tornarem vazios. O anel que ele recebeu estava no seu dedo anelar, servindo como uma única ligação entre eles naquele momento. Jungkook fitou a pequena peça e sorriu para si mesmo.
Com uma inclinação involuntária de cabeça, Jungkook olhou para o lado bem a tempo de se deparar com uma figura conhecida acompanhada por dois marmanjos de terno. Seus pensamentos automaticamente se partiram ao meio com aquela cena. Eles estavam indo na direção da escada que levava para o andar de cima, um pouco apressados, talvez. Lorenzo finalmente estava no cassino e isso fez os dentes do detetive apareceram em seu sorriso.
– Agora sim a noite começou. – ele sussurrou com os lábios na borda do copo.
Quando o trio sumiu na parede lateral a escada, Jungkook casual e notavelmente bebeu seu rum e encheu novamente, deslizando para fora da banqueta com o copo na mão. As luzes do palco mandaram sombras dançantes para os degraus e ele andou até lá, observando acima com uma faísca de curiosidade. Ele sondou os arredores do cassino antes de decidir subir.
Jungkook se apressou pela escada, usando o corrimão para se propelir para cima enquanto tentava não provocar estalos no assoalho de madeira. Chegando perto do cume, ele diminuiu os passos e escutou um marchar de pegadas perambulando para longe, houve um murmúrio de vozes no fim do corredor e depois um bater de porta agressivo. Isso o fez sair de trás da parede, no entanto, alguém estava bloqueando seu caminho.
– Donde va? – o cara perguntou com seu arrastado sotaque. Ele tinha a pele bronzeada e mastigava um palito na boca.
Jungkook recuou uma pegada quando viu o crachá dele. Segurança, ele leu, fingiu confusão e sorriu.
– Oh – sua mente pensou em algo depressa, se dando conta de que seria inútil dizer que estava perdido. – Eu estava procurando o banheiro, perdón.
O marmanjo deslizou um olhar sobre ele como se estivesse diante de um inseto imundo. Jungkook xingou um palavrão no pensamento, pois sabia que estava encrencado. O homem o encarou por um tempo e disse:
– Essa área é restrita, não pode entrar aqui, forastero. O banheiro fica no andar de baixo. – suas palavras saíram friamente debochadas. O detetive quis olhar sobre os ombros dele, mas ao mesmo tempo não queria demonstrar suspeita.
– Me desculpe, então.
O cara continuou fitando-o como um felino enquanto Jungkook dava as costas para ele e ia na direção das escadas. Tão veloz quanto um leopardo, o detetive colocou a bebida sobre um baú isolado no canto e de repente desferiu um soco no rosto do sujeito. O marmanjo se desequilibrou para trás e tombou na parede, completamente pego de surpresa, ele tentou acertar Jungkook em retorno, mas com um movimento abaixo, o detetive se esquivou do golpe.
Cortando caminho, o homem tentou chutar Jungkook, mas foi agressivamente agarrado pelo pescoço com o antebraço alheio, que o imobilizou com um giro abrupto. Jungkook o apertou tão forte que parecia que o queria chacoalhar até a morte, porém, ao invés disso, o puxou para dentro da primeira sala que encontrou. O marmanjo gorgolejou por ar, arranhando o braço dele sem parar em busca de oxigênio.
– Liberarme! – ele berrou em meio aos sufocos.
Jungkook o arremessou no chão e bateu a porta, trancando-a posteriormente. O segurança avançou contra ele, ameaçando desferi-lo um golpe, mas seu punho acertou a madeira da porta quando Jungkook se abaixou em reflexo. Com aquilo, o detetive pegou sua cabeça com as duas mãos e a lançou contra a porta duas vezes, o deixando grogue ao ponto de fazê-lo cair no chão como areia.
Jungkook ficou quieto por um instante, depois arrumou um fio de cabelo que bagunçou durante a briga. Ele olhou abaixo, o assistindo gemer de dor conforme acariciava o queixo, tinha sangue escorrendo da linha de seu cabelo à curvatura do pescoço. Ele teve uma inconsciência momentânea que não durou muito, então Jungkook pensou em algo antes que ele se recuperasse de vez. Estava dentro de um depósito de máquinas quebradas, não havia tanto espaço para se mover, no entanto, uma ideia pareceu subir à superfície de sua mente.
Ele arrastou o sujeito pelos braços e o deixou caído próximo de um caça-níquel danificado, onde esticou o seu punho até uma barra de aço para algemá-lo. Jungkook retirou o celular e outros pertences do bolso dele, como um rádio de comunicação e um canivete, afinal, ele não podia ter nada que chamasse a atenção dos outros seguranças ou que o ajudasse a escapar.
Visando um rolo de fita adesiva em cima de uma das máquinas, Jungkook rasgou uma faixa enorme e colou na boca dele com duas voltas, torcendo para que o sujeito não percebesse de imediato que tinha uma tira o impedindo de gritar. O detetive olhou ao redor e procurou onde jogar aquelas coisas, no final, acabou as arremessando para o fundo do depósito com um estatelar agudo.
Ele levou um momento para notar que a conexão tinha falhado, por isso reconectou a escuta e acionou a chamada.
– Jungkook? O que aconteceu? – Seokjin entrou na comunicação, parecendo preocupado.
– Um merda de um segurança me barrou no caminho, mas agora está tudo bem. – ele destrancou a porta devagar para não fazer qualquer barulho. – Ric? Peter? Vocês estão me ouvindo?
– Sim, senhor. – Ric foi o primeiro a responder, Peter deu sua resposta positiva em seguida.
– Fiquem de olho e vejam se mais seguranças sobem aqui. Estou indo atrás do Lorenzo e não posso ser visto por mais ninguém, então confiram se o caminho está limpo. – ele determinou.
Enquanto os dois agentes monitoram a vigilância, Jungkook decidiu abrir a porta devagar para ter certeza se o corredor estava vazio, mas foi obrigado a fechá-la abruptamente quando uma voz surgiu através das paredes. Ele ficou de costas para a porta, xingando baixinho, e seus olhos caíram para o marmanjo recuperando a consciência. Se ele o deixasse acordar, o cara iria denunciar sua invasão e todo o disfarce iria por água abaixo.
Então, pensando por esse lado, Jungkook foi até ele e deu um chute no seu rosto, o suficiente para fazê-lo desmaiar por algum tempo. Nos primeiros segundos, o detetive pensou que alguém tinha ouvido a pancada, mas logo percebeu que a voz continuava a conversar do outro lado, não parecendo nada calma.
– Vigila a las chicas! – Jungkook escutou aquela voz desconhecida murmurar repetidamente, não raivosa ou irritada, mas sim impaciente. Era Lorenzo.
Ele deu outra ordem para um de seus homens, mas Jungkook não soube interpretar direito o que era. Parecia que Lorenzo estava indo para algum lugar e queria que seus capangas ficassem de olho em alguém. O detetive não precisou de tanto esforço para fazer uma dedução de tudo aquilo, pois estava claro que algumas das reféns foram "emprestadas" para Lorenzo em troca de sua colaboração nos serviços sujos. Isto é, algumas das vítimas estavam no cassino e Jungkook precisava encontrá-las o mais rápido possível.
Quando o murmúrio de conversa se dispersou, Jungkook abriu lentamente a porta e espiou através da fresta, não enxergando nada além de portas alinhadas dos dois lados do corredor. No lugar de um sentimento de paz e quietude, aquele lugar transbordava uma ameaça escondida. O detetive saiu do depósito, olhando cada canto com um pouco de suspeita, então decidiu fazer seu caminho até os confins do corredor, considerando fazer um jogo de eliminação até que encontrasse as garotas.
– Seokjin? Está me ouvindo? – ele pressionou o aparelho no ouvido e o chamou num sussurro grave.
– Estou aqui, diga.
– Consegue ver por onde estou andando?
– O lugar está meio escuro, não consigo ver muita coisa, mas posso escutar tudo.
Jungkook apertou a boca com aquilo e usou as paredes para guiá-lo, afinal, não queria ser surpreendido novamente. Não sabia o que havia dentro daquelas portas, mas também se houvesse algum movimento suspeito, ele se jogaria para dentro delas sem pensar duas vezes. Ele avaliou mentalmente o comprimento do corredor, o trecho com uma nebulosa luz a esquerda e a distância entre as salas com pessoas dentro. Se calculasse bem, talvez acertasse em cheio onde as meninas estavam.
– Eles estão com algumas reféns. – Jungkook informou. – O Lorenzo ordenou que ficassem de olho nelas enquanto ele saía. Devem ser uns quatro ou cinco homens de vigia, não posso lidar com eles sozinho.
– Ache as reféns e nos dê o sinal, a polícia vai entrar no cassino com uma ordem judicial e tirá-las daí. – Seokjin explicou. – Depois encontre o Lorenzo, ele deve ter informações valiosas e não podemos descartar isso. Yoongi e Seokmin já estão vasculhando o hotel, e como previmos, a Jennie não está lá. Eles não encontraram nenhum esconderijo subterrâneo, mas a equipe ainda está procurando por elas. Você precisa achar o Lorenzo.
– Certo. – Jungkook olhou para os lados e continuou fitando a sala de onde vinha o falatório. – Ric e Peter fiquem de olho no Lorenzo e me mantenha informado, eu vou tentar achar as meninas.
– Ele está no bar agora, conversando com um dos funcionários. Acho que está pegando algumas bebidas. – Peter contou.
– Ótimo, quando ele estiver vindo me fale.
Jungkook começou a andar em frente, em direção a última porta. Muito devagar, ele deu um passo cuidadoso para perto e visou um pequeno lance de degraus a sua direita, onde a iluminação estava mais enfraquecida. Jungkook fez uma ligeira inspeção no corredor às suas costas um segundo antes de subir a escada.
Um feixe de luz vinha debaixo de uma porta dupla, assim como sons de risadas. O detetive se escondeu atrás de uma pilastra quando uma cabeça passou através da pequena abertura de vidro e abriu a porta. As gargalhadas se elevaram brevemente, mas logo foram abafadas. O homem desceu a escada e virou o corredor, ele devia ter uns trinta anos e estava com uma garrafa na mão. Jungkook o observou sumir e aproveitou para ir na direção da sala que eles estavam, meio corcovado para não ser visto.
Quando chegou perto, espiou o lado de dentro através do vidro e se deparou com meia dúzia de homens jogando pôquer. Nos fundos da sala, havia duas meninas paradas usando roupas sensuais e seus rostos demandavam uma combinação amarga de repúdio e sofrimento. Elas tremiam dentro de suas vestimentas, Jungkook podia sentir o cheiro de pânico na forma como elas respiravam.
– Encontrei. – Jungkook resmungou, os olhos fixados nas garotas. Ele estava a um passo de chutar aquela porta.
– Ok, agora saia daí. A polícia já vai subir. – Seokjin ordenou, mas sua ordem pareceu ter caído em orelhas surdas.
Um dos jogadores comemorou a vitória e, com isso, chamou uma das meninas com um gesticular de dedo. Ela relutou para andar, começando a chorar compulsivamente entre as mãos. O apostador, impaciente, se levantou e foi até ela, agarrando-a pelo braço com tanta força que a fez gritar em resistência. Os outros riram com a cena, usando palavrões para chamá-la. A menina tropeçou à frente, sendo colocada com violência entre a mesa e o apostador e forçada a consentir seus toques.
Jungkook puxou uma faixa de ar quando o viu enfiar a mão dentro da roupa dela enquanto tentava beijá-la, seus dedos estavam a poucos milímetros de tocar o cabo do revólver. Quando o homem fez menção de abaixar o vestido dela, Jungkook arrancou a arma da cintura e chutou a porta. Os marmanjos saltaram de seus assentos, assustados com o baque, as fichas caíram no centro da mesa e eles o encararam em confusão. O detetive fez contato visual com cada um e disse:
– FBI! Parados! – ele comandou, os vendo largar as cartas imediatamente e levantar as mãos ao nível dos ombros. – A garota, solte-a.
O homem olhou para os lados, sem compreender o que ele dissera. Jungkook revirou os olhos e reformulou.
– Las chicas. – ele fez menção com o queixo, especificando melhor sua ordem.
O marmanjo a largou e ela encolheu os ombros em defensiva. Ric e Peter surgiram logo atrás de Jungkook e entraram na sala, igualmente apontando as armas na direção dos estranhos. O brilho nos olhos dos três não era de quem estava para brincadeira. Eles cercaram o cômodo e reuniram os sujeitos contra a mesa, mas Jungkook percebeu que um deles começou a procurar com os olhos por algum objeto de ataque.
– Qué mierda está pasando...
Lorenzo apareceu na entrada, os interrompendo, mas acabou engolindo as próprias palavras quando viu seus colegas assustados. Aproveitando que foram interferidos, o homem que estava caçando algo em sua defesa agarrou um objeto debaixo da mesa e fez menção de atacar Jungkook na cabeça, mas Ric agiu depressa e atirou na coisa, espalhando estilhaços por todos os lados.
Tomado por uma surpresa crua, Lorenzo deixou a garrafa de champanhe deslizar de sua palma e se quebrar no chão, derramando espumas pelo piso inteiro. Quando ele tentou correr para longe, o grupo de reforço barrou sua passagem e então ele teve que recuar em desespero. Seus olhos ficaram subitamente esbugalhados quando encarou os canos das armas apontados na sua direção.
– Prendam esses caras, eles deram trabalho demais. – Jungkook falou diretamente para o chefe de polícia, que invadiu a sala e estudou o território minuciosamente. – E você, Lorenzo, vamos hablar un poco.
O empresário disparou um olhar apavorado sobre ele, estremecendo com aquela sutileza ameaçadora. O detetive abaixou a arma quando o chefe da polícia deu a ordem para que os algemassem. A equipe começou a ir até os apostadores e os prenderam em meio aos seus protestos. Lorenzo engoliu uma densa camada de saliva e foi empurrado para dentro da sala por outro sargento. Ele tinha mudado completamente de cor, sem saber o que pensar sobre aquilo.
Com isso, ele manteve a boca fechada, sabendo que falar poderia ser perigoso demais.
– Levem eles pela ala dos fundos para não chamar atenção. – o comandante falou para os seus guardas e se dirigiu para Jungkook em seguida. – Faça o que tem que ser feito, eu estarei aqui fora esperando.
O detetive acenou e aguardou todos saírem, menos Ric e Peter, que bateram a porta quando todos passaram. As meninas estavam tremendo, mas Jungkook não soube dizer se era de medo ou frio. Seu olhar demorou-se sobre elas, pensando em um plano para mantê-las seguras e longe das vistas de outras pessoas. Lorenzo deu uma olhadela para cada centímetro das garotas e suspirou em impaciência.
Jungkook andou até elas e se aproximou, sem tocá-las. Seus olhos negros pareciam tão acolhedores agora, eles davam sinais de que tudo ficaria bem. Uma das meninas levantou os olhos, e quando viu o distintivo no casaco dele, desmanchou-se em lágrimas.
– Está tudo bem agora, você está segura.
Ela se lançou nos braços dele, seus ossos tremiam, e sujou seu ombro com lágrimas. Jungkook a confortou com um carinho nos cabelos enquanto distribuía um olhar gentil para a outra que também chorava. Seus olhos gesticularam para Peter, que se aproximou calmamente e pegou a garota pelo braço, sem qualquer sinal de força. Ela se soltou de Jungkook e foi com Peter para um sofá no outro compartimento da sala. Ric ficou com a arma apontada para Lorenzo durante aquele momento.
O detetive fisgou uma cadeira próxima e a colocou de frente para o homem, que observou tudo sem dizer nada.
– Sente-se. – aquilo definitivamente não era um convite.
Lorenzo fez o que ele pediu, forçando-se contra a cadeira. Jungkook sorriu com aquilo e gesticulou para Ric, que ligeiramente andou até as costas dele com o revólver na sua direção. O detetive curvou o tronco para ficar do mesmo tamanho que ele e o encarou fundo, chegando mais perto como se fosse dividir um segredo.
– Agora somos apenas nós dois, então acho melhor você cooperar e não terá nada a temer. – o alertou. – Entiendes?
O cara o enfrentou nos olhos com uma raiva sobre humana e quase rangeu. É claro que ele entendia cada palavra que ele dissera, não só entendia como também reagia a elas.
– Por que eu? – indagou Lorenzo, friamente em inglês.
Jungkook riu brevemente e depois deu um tapa na cara dele, o vendo remexer os ossos da mandíbula para os lados enquanto regulava o rosto. O detetive o agarrou pelo queixo e entortou a sua cabeça para o lado, o fazendo ver as meninas chorando no outro compartimento.
– Você ainda não percebeu? – Jungkook murmurou perto de seu ouvido, realmente perdendo a sutileza. – Essas garotas não querem te dizer nada?
Lorenzo gemeu quando sentiu os dedos dele espremendo sua face, mas logo foi solto com força. O empresário massageou as bochechas, sucintamente enraivecido, e uma gota de suor derrapou por sua têmpora. Jungkook percebeu que ele estava olhando demais para baixo, especificamente para os bolsos da calça.
– O que tem aí? – Lorenzo balançou a cabeça, como se dissesse que não era nada. – Está pensando em ligar para a Jennie? Ou eu devo chamá-la de Valentina?
Surpreso, Lorenzo arregalou as pálpebras e engoliu uma nesga de ar. Ciente de que sua observação tinha surtido algum efeito, Jungkook vasculhou os bolsos dele e encontrou o celular, notando que tinha uma mensagem não lida no visor. Era de Jennie. Ele sorriu para a tela e esticou o celular para o seu refém.
– Coloque a senha. – ordenou.
– Não me lembro...
– Coloque a senha! – dessa vez ele esbravejou.
Lorenzo pegou o aparelho relutantemente, sentindo uma pequena rachadura no seu terror enquanto digitava os números. Ele o entregou em seguida, devagar e deliberadamente resistindo. Jungkook leu a mensagem no pensamento, depois decidiu verbalizar.
– "As garotas estão se comportando? Aproveite bem". – ele leu em voz alta. – Quanta preocupação a dela, não acha? Pelo jeito não vou precisar te contar o motivo por você estar aqui sentado nessa cadeira. Então vamos direto ao ponto: onde você escondeu as outras meninas? No seu hotel?
– Não sei do que está falando. – Lorenzo se defendeu. – Eu paguei por essas duas garotas porque queria me divertir. Hoje em dia é difícil encontrar uma esposa, então a Valentina me vendeu as garotas por uma noite. Não sei nada de esconderijo.
Ele poderia até estar sendo coerente com a resposta, afinal, foi pego em flagrante, mas algo não se encaixava nessa justificativa e Jungkook ficou encucado com isso por alguns minutos.
– De onde você a conhece? – interpelou.
– Eu a conheci em um evento e ela me apresentou o Namjoon, meu grande adversário em pôquer. – Jungkook olhou de relance para Ric, que se mostrou confuso com aquela história e principalmente por ele estar sendo totalmente coerente com as respostas.
– Qual serviço você faz para ela em troca de uma garota por noite?
Lorenzo suspirou.
– Já disse, eu paguei por elas. – o detetive suspendeu uma sobrancelha. Ele notou que o homem tinha ficado subitamente calmo em comparação com seu nervosismo inicial, o que indicava que ele estava começando a se adaptar com as próprias mentiras. – A Valentina trabalha com prostituição, você já deve saber, e eu sou um cliente dela.
– Tráfico. – Jungkook corrigiu. – Importunação sexual e corrupção de menor. Você está encrencado, então é melhor deixar a lealdade de lado e parar de limpar a barra dela. Onde estão as outras?
– O que você quer ouvir, detetive? Já disse tudo o que sei, não estou mentindo. – em partes, ele realmente não estava.
Jungkook semicerrou os olhos. Se ele não fosse tão atencioso, Lorenzo poderia escapar de seu alcance. Ele estava se apoderando de um discurso ensaiado, no qual estava fazendo Jungkook optar por uma outra abordagem de interrogatório para o encurralar.
– A quanto tempo está envolvido com isso?
– Hoje foi a primeira vez.
– E por que você disse que era um cliente? Um cliente deve consumir frequentemente um produto do mesmo fornecedor para ser chamado de cliente, não acha? – Lorenzo travou de repente e engoliu as palavras. – O que me faz pensar que você está mentindo quando diz que hoje foi sua primeira vez.
O homem se remexeu na cadeira quase em pânico, ele soube esconder isso muito bem dos outros, mas não tão bem dos olhos do detetive. Jungkook estava a um passo de fazê-lo contar.
– Você já se entregou, não há mais nada a perder, então poupe esse interrogatório e me conte onde estão as outras. – Jungkook falou, novamente com aquela voz autoritária. – Sua vida está corrompida a partir de hoje. Eles vão te pressionar para falar muito mais do que estou fazendo.
– Mierda. – Lorenzo resmungou, exausto. – Tudo bem, você venceu. Foda-se isso tudo. Pergunte o que quer saber.
Depois de Jungkook certificar se ele de fato estava sendo sincero com aquelas palavras, ele olhou para Ric, como se perguntasse o que ele achava daquilo. O agente deu de ombros, gesto que dizia "vá em frente", e demonstrou apoio. O detetive retornou a encarar o homem sentado e disse:
– Elas estão no seu hotel?
– Não. – dentro de seus olhos havia uma sombra de convicção. Jungkook continuou a encará-lo, o estudando. – Não há espaço naquele lugar para tantas meninas, isso seria uma estupidez. Você faria isso?
Jungkook, infelizmente, foi forçado a concordar que talvez o hotel não fosse o local mais adequado para se esconder tantas meninas, mesmo que cogitasse esconderijos subterrâneos.
– E onde elas estão?
– A pergunta certa não é onde, mas sim como. – aquilo pareceu ter rolado como uma provocação. – Você nunca cogitou que elas podem estar mortas? Ou que talvez estejam sendo estupradas agora mesmo?
Jungkook o agarrou pelo colarinho e espremeu o tecido entre seus dedos. Lorenzo levou um susto a princípio, mas depois soltou uma gargalhada escandalosa. O detetive conseguia sentir seus nervos pulsando contra a pele dos dedos conforme continuava a esmagar a roupa dele.
– Você é um filho da puta nojento... – Jungkook cuspiu as palavras, prestes a xingá-lo mais quando foi interrompido.
– Continue me xingando, detetive. – Lorenzo retrucou, ainda rindo. – Faça isso e deixe elas apodrecerem naquele lugar. Se continuar me tratando como bicho, você não terá a resposta que precisa.
– Senhor. – Ric o chamou. – É melhor deixar que ele fale primeiro.
Depois de pensar muito, Jungkook o largou com um empurrão e ele caiu de bunda na cadeira. Não podia dar as suas emoções tempo para se elevarem, ele poderia lidar com elas mais tarde, agora precisava manter o foco no que realmente importa. Seus olhos seguraram os dele por alguns instantes.
– Deixe eu te falar uma coisa – começou o detetive, uma seriedade absurda no rosto. – Se você mentir sobre o lugar, vai desejar nunca ter aberto sua boca.
– Por que eu faria isso? – deu para notar que ele estava lutando para não sorrir. – Passei vinte anos me envolvendo com essas coisas. Cheguei em uma fase que não importa o que aconteça, eu já aproveitei o que tinha que aproveitar.
– É disso que se orgulha? – Jungkook levantou uma sobrancelha em deboche.
– Sim.
Que ele era um parasita doentio Jungkook já sabia, mas vê-lo admitir seus crimes com tamanha tranquilidade nunca chegou a ser tão insuportável de ouvir. Todos os outros negavam qualquer acusação até o último fio de cabelo, mas Lorenzo não, ele estufava o peito para contar seu passado. De uma forma ou de outra, isso ganhou a atenção de Jungkook e naquele momento ele se deu conta que o homem estava em busca de holofotes.
– Você quer ser famoso por isso, não quer? – o detetive acusou. – Quer ser conhecido por abusar de meninas e ter enganado a polícia por vinte anos. Isso é fantástico, Lorenzo. Você finalmente vai sair na primeira página dos jornais como sendo o maior charlatão que a Espanha já viu. Espanha, não. O mundo.
De repente, o homem pareceu fantasiar a cena na sua cabeça como se fosse algo mágico. Naquele momento, Jungkook teve certeza que atingiu o ponto culminante dele, sabendo que tinha especulado exatamente o que ele sonhava ter um dia. Jungkook estava certo, em todos os níveis, que dinheiro não era tão importante para ele quanto a sua cobiça por fama.
A oferta estava feita. Ele o concederia um instante sob os holofotes.
– Tem uma fábrica que foi fechada a dois anos atrás. – Lorenzo contou. – O proprietário faliu e largou tudo de mão. O lugar está uma porcaria, então se quer salvá-las, é melhor andar depressa antes que elas morram. Valentina espera que todas elas morram naturalmente, sem comida, banho e água. Então nós as trancamos lá, mas antes disso escolhi duas meninas para ficar comigo.
– Onde fica essa fábrica?
– Calle de Serrano. – ele falou. – Não se deixe enganar pela arquitetura bela do lado de fora, dentro é uma área fantasma. Você vai se assustar quando pisar lá dentro.
Confiar naquelas palavras parecia muito mais arriscado do que não ter ideia do que poderia achar. Só porque ele tinha contado o local não significava que fosse verdade. Lorenzo tinha o perfil ideal de quem emprestava a corda para os outros se enforcarem. Por isso Jungkook teve plena consciência do que estava por vir através daquela informação e não recuaria, muito menos se deixaria cair novamente em uma emboscada.
– Você vai me dar uma prova concreta de que elas estão lá. – Lorenzo deu uma risada curta, mas o som ecoou de forma nervosa. – Você vem com o FBI para Calle de Serrano, e por ordem judicial, será o primeiro a entrar na fábrica.
Lorenzo arregalou os olhos de repente. Se ele pensou que poderia ter um confronto com alguém tão indiferente quanto Jungkook, ele se enganou. O detetive puxou um par de algemas do bolso interno do casaco e a balançou sobre o dedo.
– Estenda as mãos. – ordenou, percebendo que Lorenzo estava quase entrando em pânico.
– Eu já te dei o local, o que mais você quer?
– Estenda a porra das mãos.
O refém esticou os braços de forma hesitante, ele tinha virado o rosto para o outro lado, sua boca estava tão firme quanto uma corda de aço. Jungkook envolveu seus pulsos com as argolas de ferro e fez um gesto com a cabeça para que ele se levantasse. Ric deslizou para a lateral da visão deles, com a arma equilibrada entre as mãos, e seguiu as instruções de Jungkook para que abrisse a porta.
O comandante estava parado com o ombro apoiado no batente, quando ele ouviu o estalo da maçaneta se abrindo, regulou sua postura imediatamente. Jungkook o estudou em silêncio por um momento muito curto e empurrou Lorenzo na direção do chefe do departamento.
– Leve ele para o carro. Vamos fazer um belo passeio por Calle de Serrano. Não é mesmo, Lorenzo? – o homem o encarou feio por cima do ombro, se ele estivesse armado, teria atirado na primeira oportunidade. – Você vai precisar de muita sorte se estiver mentindo.
O comandante o pegou pelo braço e o carregou para longe, mas antes disse algumas coisas para Jungkook a respeito da operação. O detetive esfregou o rosto, pensando no seu próximo passo, e cogitou falar com Seokjin sobre a região fornecida, mas provavelmente ele tinha ouvido tudo através da escuta. De qualquer forma, ligaria para eles para solicitar o reforço e cancelar a fiscalização no hotel.
– O que vai fazer com isso? – Ric perguntou ao seu lado, referindo-se ao celular de Lorenzo.
Jungkook manuseou o aparelho entre os dedos, havia um olhar misterioso no seu rosto, depois disse:
– Vamos ficar com ele e esperar que a Jennie mande alguma mensagem. Ela precisa pensar que ele está bem. – havia uma característica enevoada na sua voz quando ele citou aquele nome. – Traga as meninas para o carro, você e o Peter vão levá-las para o hotel enquanto eu e o Santiago vamos conferir se a informação da localidade é verídica.
– Eu queria ir com você. – Ric disse, atraindo aqueles olhos negros na direção dos seus. Jungkook tinha levantado uma sobrancelha em sinal de inquérito. – Nós nunca fomos parceiros nas operações, por isso fiquei feliz quando você me escolheu hoje.
O rosto do detetive continuou uma máscara, e em qualquer instante Ric soube dizer o que ele estava pensando de tudo aquilo. Com seu silêncio, o agente experimentou um instante de confusão e constrangimento.
– Nós continuaremos trabalhando juntos e eu acredito no seu potencial. – admitiu Jungkook. – Por isso estou colocando nas suas mãos a responsabilidade de levá-las ao prédio. Está bem?
– Sim. – Ric falou depois de um instante de pausa. – Gosto de você. Digo, gosto de trabalhar com você. – Jungkook continuou o encarando, um pouco surpreso com aquelas palavras.
– Obrigado. – Ric deu um sorriso pequeno e o detetive teve uma ligeira impressão de que ele estava envergonhado.
Ric era um agente novo, tinha entrado a pouco tempo no departamento e possuía muitas habilidades com espionagem e tiros de maior alcance. Ele tinha vinte e três anos e já possuía um currículo impressionante para alguém tão novo. Seus pais também foram federais e hoje são aposentados, isso facilitou sua entrada à base de treinamento.
Sem aviso, Jungkook deu um tapinha de leve nas costas dele e desceu o pequeno lance de degraus. Ric tinha engolido em seco e mudado de expressão subitamente, desviando seus olhos das costas dele quando Peter apareceu na entrada com as meninas.
Jungkook soltou o ar quando virou o corredor, era o suspiro de alguém que estava inteiramente cansado e com os pensamentos esvoaçantes. Havia uma linha vermelha na sua frente e ele não pretendia cruzar por ela, na verdade ele estava bem interessado em saltitar para trás e evitar confusão. Só queria acabar com tudo isso e voltar para o seu conforto.
Ele estava louco para voltar para os braços de Jimin.
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