30
CAPÍTULO TRINTA:
꧁ Como seu namorado, sabe? ꧂
George Weasley
O piso rangeu com o meu peso e eu parei por completo um segundo fazendo uma careta de censura. Eu já fui mais sorrateiro uma época — e com isso digo em situações bem mais estressantes — mas essa maldita casa é velha e torna minha missão silenciosa impossível.
Ouço uma agitação no cômodo a minha direita e colo as costas contra a parede. É como se ela estivesse fechando alguma gaveta abruptamente. O silêncio se segue, mas é rompido por sua voz.
— Eu sei que você está aí, Weasley.— ela me fala, cortando minha onda e eu deixo os ombros caírem em desistência. Que surpresa eu esperava fazer, exatamente? Ela diz que só eu sei que ela se esconde na casa dos gritos quando bem entende, aqui está a prova disso.
Eu estico o pescoço para dentro do cômodo, cauteloso, e a encontro sentada no chão, no canto do quarto com o pé em uma tábua solta do piso. Seus olhos estão molhados e ela puxa as mangas da blusa de lã para esconder as mãos. Eu forço um sorriso.
— Demorei?
— Na verdade não.— ela resmunga, um pouco rouca. Eu saio por completo do meu fraco esconderijo juntando as mãos na frente do corpo, exalando insegurança. Dakaria se levanta e se aproxima, assim que eu tomo coragem para abrir a boca, ela me abraça de um jeito brusco e eu demoro para processar e retribuir. Ok, ela não está chateada comigo— Desculpa ter saído correndo daquele jeito.— ela resmunga contra meu ombro— Desculpa.
— Está tudo bem, eu não estou chateado. Fiquei preocupado com você.— admito e me inclino para trás para tentar encará-la. Seco os seus olhos com os polegares e ela solta um sorriso fraco, fungando— Me desculpa pela brincadeira, nem por um momento eu pensei...
— Esquece isso. Não tinha como você adivinhar, nem sabia se ele existia ou não e esse mal-entendido é totalmente culpa minha.— ela balança a cabeça, me interrompendo— É só que parece que não importa quanto tempo passe... dói do mesmo jeito. É uma ferida minha que nunca sara e eu não queria que você soubesse dela tão cedo. Ainda mais agora que acabamos de começar a namorar.
Eu sorrio amarelo e inclino a cabeça para o lado.
— Eu já acho que o "acabamos de começar a namorar" é o momento ideal para conhecermos os segredos mais profundos um do outro.— respondo, passando a mão nos seus cabelos e segurando seu rosto.— Inclusos aqueles que mais doem.— Dakaria está tão tristonha que eu fico com pena. Ela baixa o olhar e aperta minha cintura, sem querer me encarar de volta— Mas... por mais que isso mate meu lado curioso... eu entendo se só quiser conversar sobre isso mais para frente.— acrescento fazendo careta. Alguém próximo a ela morreu e não foi de causas naturais, eu não vou julgá-la se ela não quiser falar a respeito.
— Não, você está certo. É só que... é difícil falar em voz alta para o garoto que eu gosto que meu irmãozinho morreu por minha culpa.— ela levanta os olhos castanhos para encarar minha reação. Uno as sobrancelhas. O irmão dela morreu há quase uma década, Dakaria acabou de fazer aniversário de dezoito, então ela era uma criança quando aconteceu.
— Não vejo como isso seria possível.— concluo. Dakaria se afasta do meu abraço e vai para perto da janela quebrada do quarto.
— Você tem que confiar em mim dessa vez, George.
— Eu confio em você todas as vezes.
— Então acredite em mim quando lhe digo que é culpa minha meu irmão ter morrido.— ela se volta para mim, sua voz sai embargada. Eu mordo o lábio e sacudo a cabeça.
— Não.— respondo com simplicidade.
— O dia era doze de outubro de 1986.— ela começa a narrar em alto e bom tom— Dacre e eu estávamos na casa do meu avô. Mamãe e papai estavam trabalhando, vovô estava caído de bêbado e fazia muito frio do lado de fora. Estávamos no Canadá, sempre faz frio lá, mas aquele dia em especial... nossa, parabenize a natureza pelo desempenho.— ela abre um sorriso amargurado e gesticula com raiva. Vê-se a mágoa em seus olhos, o ódio além de tudo— O Dacre não queria sair de casa aquele dia, George!— ela volta a chorar e cerra os dentes enquanto fala, como que para não perder a postura— Mas eu o obriguei a sair, porque eu queria patinar no gelo, eu queria que ele fosse comigo porque eu não conseguia sair sem ele.— ela vai elevando o tom de voz e eu sinto o clima pesando sem que eu possa fazer qualquer coisa. Ela precisa colocar para fora— Dacre Saint Thomas morreu afogado porque a porra do gelo cedeu e sabe qual a pior parte, George?— ela deixa escapar uma risada e eu me aproximo até a metade do quarto— Era para eu ter morrido com ele, mas eu fui salva. Sabe o quão injusto isso é?
— Não foi sua culpa, Dakaria.— balanço a cabeça embora entenda porque ela a carregue. Muito provavelmente eu me culparia pela morte de qualquer um de meus irmãos mesmo que não fosse culpa minha, mas agora é um daqueles momentos que o bom senso nos obriga a sermos hipócritas— Não foi culpa sua.
Ela sacode a cabeça, teimosa. Quer me mostrar o que? Quer que eu lhe atire pedras porque ela quis sair de casa no seu aniversário? É óbvio que ela não queria matar o próprio irmão, ela não fez nada de errado.
Dakaria arregaça as mangas e me exibe o antebraço, aquele cuja cicatriz me chamou a atenção no dia que nos conhecemos.
— Era para eu ter morrido duas vezes aquele dia.
— Dakaria. Para.
— Duas vezes, George. Por causa de milímetros...
— Para, Dakaria!— elevo o tom de voz, irritado. Ela deixa os braços caírem e morde o lábio ao me encarar com impotência— O que você quer com isso?
— A verdade veio, eu só estou te mostrando toda ela! Estou sendo sincera.
— Está sendo exagerada.— rebato e ela comprime os lábios— Está tentando me assustar? Acha mesmo que eu vou te julgar como culpada, como se você tivesse programado tudo desde o começo?
— Eu só preciso que você entenda...
— Não, eu preciso que você entenda.— a repreendo— Você quer sentir culpa pela morte dele porque tem medo de superar.— digo e o seu semblante se suaviza por um momento. Ela fica indecifrável por uns segundos e eu continuo— Mas já aconteceu, Dakaria. E eu tenho certeza que se seu irmão foi uma pessoa tão boa quanto você é, ele odiaria te ver assim; se isolando em todos seus aniversários, se remoendo de algo que nenhum dos dois podia controlar porque vocês eram duas crianças!
— Eu era a mais velha, George! Eu falhei com ele!
— Você não falhou com ele, Dakaria... mas está falhando agora, por não deixá-lo ir.— dei de ombros e ela baixou o olhar para os meus pés— Você o conheceu, acha que ele iria gostar de te ver assim?
Ela levanta os olhos e cruza os braços sob os peitos.
— É sério que você usou esse argumento?— ela funga. Sorrio de canto, maroto.
— Cala a boca, eu mandei só os melhores e você sabe disso.— retruco e ela revira os olhos, me arrancando uma risada fraca.— Você não respondeu. Ele iria gostar de te ver assim?
Dakaria descruza e cruza os braços novamente, relutando em me dar a resposta óbvia.
— Não... ele não gostaria.
— Então pronto. Todo mundo sabe que o único caminho para sair do fundo do poço é indo para cima, é isso que você tem que fazer e eu não vejo problemas em te dar uma mãozinha. Como seu namorado, sabe?— eu abro os braços e a chamo para mim, sacudindo as mãos— Venha cá, coisinha.— chamo com o meu melhor sorriso amigável no rosto— Vem cá, vem, eu sei que você quer.— insisto enquanto ela banca a teimosa.
Mordendo o lábio inferior, ela bate o pé que nem uma garotinha birrenta e vem fechar os braços ao redor de minha cintura. Nossos corpos se encaixam e eu beijo sua cabeça. Por mais que sua história seja lamentável, eu fico feliz de saber mais alguma coisa sobre ela. Muitas peças se encaixam e eu a conheço cada vez mais, que era exatamente o que eu sempre quis. Conhecer Dakaria Saint Thomas.
Isso é só o começo, eu tenho certeza.
— Ele teria adorado conhecer você, ruivo.— ela sussurra com a cabeça contra o meu peito, ainda chorosa, com certeza podia ouvir meu coração batendo. Eu sorrio com o nariz enfiado entre seus cabelos.
— Eu tenho certeza que eu também teria adorado conhecê-lo.
Nós ficamos em silêncio por uns segundos longos, apenas aquecendo um ao outro com o corpo.
— Amora?— quebro o gelo.
— Oi?
— Não chora mais não? Essa experiência me deixou desesperado.— ela sabe que eu estou brincando, por isso ri.
— Me desculpa.
— Argh, só depois de uns beijinhos eu te perdoo.
— Eu não vou te beijar, ruivo, ainda não escovei os dentes.
— Ainda bem que eu sou apaixonado por você e pelo seu bafinho. Vem cá, vem. Me dá uma bitoquinha— faço bico e então eu tento beijá-la, porém ela mete a mão na minha cara para me afastar, aí eu sei que vai ficar tudo bem. A gente vai sobreviver.
Agora meu projeto de vida é fazer essa garota feliz. Quem melhor do que eu para isso, não é mesmo?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top