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CAPÍTULO VINTE E DOIS:
꧁ Peguem essa coruja! ꧂
Dakaria Saint Thomas
A letargia do sono me abraça e eu não tenho coragem para deixar a minha cama. Me obrigo a abrir os olhos, porém minhas pálpebras parecem estar coladas, o que dificulta muito meu trabalho. Quando consigo, tudo o que vejo são as cortinas fechadas do dossel da minha cama. Estico a mão preguiçosamente para abri-lo e espiar minha melhor amiga dormindo envolta por um casulo. Olho ao redor e vejo que todas minhas colegas estão apagadas.
Afundo o rosto no travesseiro e me obrigo a me sentar, sei que estou descabelada e não quero me deparar com nenhum espelho tão logo. Deslizo para fora da cama e por algum motivo olho para a minha mesa de cabeceira, deparando-me então com o calendário. Meu cérebro demora a processar que hoje é dia doze de outubro.
Doze de outubro! Santa Rowena, hoje é dia doze de outubro!
Tão rápido a preguiça se esvai do meu corpo, logo eu corro para o banheiro pronta para me preparar. Sofri com a escova de cabelo e tive de apelar para a magia. Lavei o rosto rapidamente e com uma agressividade que eu não costumo ter comigo mesma, mas estou com pressa para desaparecer antes que Pamela acorde. É sábado, é pior ainda para que eu possa escapar. Teremos tempo livre
Por sorte, eu sempre tenho uma mochila pronta para o dia de correria.
A coisa é que... eu odeio comemorar meu aniversário, não comemoro desde os meus nove anos. Odeio, odeio muito mesmo. E passei a odiar mais ainda com a insistência de meus melhores amigos para me dar uma festa digna como se eu tivesse que encarar esse dia como se fosse uma coisa boa, e não um rastro da minha maior falha.
Ando como se estivesse pisando em ovos, minhas pantufas se tornam minhas melhores amigas nesta hora. Lentamente, abaixo-me ao lado de minha cama e puxo minha mochila reserva já equipada e a coloco no ombro olhando fixamente para Pam que rola para o outro lado como se tivesse ficado incomodada com minha encarada. Prendo o cabelo e puxo minha varinha de debaixo do travesseiro. Invoco meu casaco com accio e o prendo na mochila, respiro fundo e me preparo para correr. No meio de todo aquele silêncio a caminhada até a porta foi tensa, mas assim que eu puxo a maçaneta, sinos se acionam sobre minha cabeça e eu sei que tenho que aumentar a velocidade rapidamente. Olho para trás e Pamela se senta abruptamente.
— Espera aí! Karia!— ela grita agitando todas as garotas no quarto. Eu passo e bato a porta, usando da magia para prendê-la ali dentro, corro escadas abaixo e vejo mais uma armadilha para mim ali. Nikolas Black adormecido na poltrona virado para as escadas do dormitório feminino. Fico tensa como uma presa minúscula completamente cercada, não dá para ser justa com Nikolas, ele sempre foi excepcional em duelos. Segurei minha varinha com força e animei a manta que ele tinha sobre os ombros para que ela criasse vida e se fechasse envolta da cabeça do Black, o acordando de súbito e o distraindo o suficiente para que eu conseguisse correr em direção das grandes e abertas janelas que temos na nossa comunal. Subi o muro sentindo a brisa fria da manhã beijar meu rosto, quando olhei para trás, Nikolas estava de pé e atirava a manta no chão, com os cabelos negros completamente em pé, arrepiados como se ele tivesse tomado choque.
— Thomas, não ouse!— ele grita, vermelho, e eu forço um sorriso.
— Desculpa!— alego e pulo da janela em um mergulho de nadadora.
— Thomas!— foi a última coisa que ouvi antes de me transformar e voar para a liberdade.
⋆
Eu estou com fome. Pensei que poderia resistir por mais algumas horas, mas realmente meu estômago parecia estar ameaçando começar a se digerir.
Bufo e passo os pergaminhos para o chão, arrumando a carta junto das outras com a intenção de finalizá-la mais tarde. A casa dos gritos range com o vento e eu me levanto com preguiça. Passar horas sentadas no chão é desconfortável, mas eu não quero nem chegar perto daquela velha cama repleta de aranhas e que pode despencar com o peso de um algodão sobre ela.
Puxo o assoalho maltratado e coloco as cartas dentro da caixa de sapatos depois de depositar um beijo na mais velha delas, começando tudo a nove anos atrás. O silêncio incomoda meus ouvidos, como se aqui eu fosse esquecida pelo mundo, não por escolha minha. Mas eu prefiro que seja assim. Ficar sozinha hoje é como honrar a memória de Dacre, é o mínimo que eu poderia fazer. Essa dor é só minha e ninguém mais precisa se martirizar comigo.
No meio do silêncio sepulcral, desejei intensamente que meu mais novo amigo, George Weasley, estivesse comigo. Quis que ele estivesse aqui para me animar como tem feito desde que nos conhecemos. Engraçado que só de pensar no nome do ruivo, um sorriso quer brotar no meu rosto. Eu gosto muito de sua companhia, mas está cedo para ele saber de certas coisas.
Deixo o casaco sobre minha mochila fechada e me levanto batendo na calça, encarando o vilarejo de Hogsmead através da janela com vidro quebrado e empoeirada. Já deve ser umas onze horas da manhã, vejo alguma movimentação de pessoas ao longe e peso os prós e os contras de comprar uma comida aqui mesmo. O máximo que os vendedores poderiam fazer é me perguntar porque não estou na escola, mas eu também quero usar o banheiro...
Penso em ir para o Caldeirão Furado, mas eles não tem o que eu quero. Suspiro e balanço a cabeça, desistente. Não tem porque eu ficar tão reclusa, o castelo é grande e meus amigos são apenas dois.
Decidida, saio da casa nem um pouco assombrada e olho para todos os lados para ter certeza de que não tem ninguém me vendo. Mais uma vez, me transformo, e voo de volta para Hogwarts.
Lá do alto, a visão que tenho do terreno é simplesmente majestosa, o vento batendo contra meu bico e brincando com as penas de minhas asas é gostoso e voar é sempre uma maravilha. É como se eu pudesse respirar o ar mais puro existente. Sobrevoo apenas parte da Floresta Proibida, a casa de Rubeo Hagrid e o gramado da frente. Olho para o lago a tempo de ver um tentáculo cumprimentando a superfície. Mais corujas sobrevoam o castelo para fazerem entregas semanais, mas estão são poucas. Eu desvio delas e vou para o lado do campo de quadribol, onde avisto alguns jogadores treinando. Os uniformes vermelhos me atraem e eu me distraio de meu real objetivo. Reluto, mas não penso demais antes de mudar de direção, parte de mim muito ansiosa em ver os cabelos de fogo de um rapaz em especial.
Os jogadores montados em suas vassouras se moviam velozmente, não vi tacos nem bolas voando, então logo deduzi que estivessem apostando corrida com o capitão, Harry Potter, na liderança. Eles se moviam em um círculo grande de um jeito que me deixou tonta. Subiam em uma espiral enquanto eu voava para uma das arquibancadas presentes e pousava tranquilamente em um banco sem deixar minha forma animaga.
Não é difícil encontrar um Weasley no meio daqueles garotos, sendo sincera, deve ser impossível não reconhecê-los. Alguns dos rapazes e uma garota desistem de seguir o capitão e reclamam de tontura, George e Fred continuam, um tentando tirar o outro da brincadeira. As suas risadas reverberam meu corpo e internamente eu sorrio. George, sendo o que está na cola de Harry, estica a mão para alcançar o capitão, porém Potter é rápido demais e ele não consegue.
Fred bate na parte de trás da vassoura do gêmeo e os dois acabam perdendo o equilíbrio, me deixando alerta quando eles começam a perder altitude. Alço voo para a frente da arquibancada e olho para baixo vendo que os dois estão bem, Fred ri, de ponta cabeça com a vassoura e George gesticula para ele com raiva por ter sido tirado da corrida.
— Eu estava quase lá, seu idiota!— George diz.
— Nós dois sabemos que você nunca vai alcançar o Potter, maninho.— Fred vira a vassoura e sorri balançando a cabeça.
— Nem você.— George lhe dá um murro no ombro e o outro sacode os ombros, como se já tivesse se acomodado com a ideia.
— Edwiges?— uma voz masculina chama minha atenção para cima e eu me deparo com Harry Potter se aproximando de mim voando calmamente como se não tivesse ganhado uma corrida de lavada agora há pouco. A confusão deixa seu rosto quando ele olha nos meus olhos—Ah, desculpe, amiguinha, eu te confundi.— ele passa a mão na minha cabeça e eu só não me encolho porque até que é um afago gostoso. Bato as asas em sinal de aprovação e o mais novo sorri para mim— O que está fazendo para esses lados?— ele pergunta, inclinando a cabeça para o lado, seus olhos verdes são mais claros que os de George, mas jamais mais intensos. É compreensível sua curiosidade, já que as corujas preferem evitar o campo de quadribol, sempre alguns dos jogadores as assustam. Eu olho para baixo e vejo os gêmeos Weasley subindo com os olhos em mim. Bato as asas, agitada com o sorriso que George me oferece.
— Algum bilhete de casa, Harry?— Fred pergunta, mais curioso com uma possível notificação alheia do que com uma coruja onde não devia.
— Não, ela não é minha e não tem nada preso na sua patinha.— o Potter responde ainda acariciando minha cabeça. Eu ameaço lhe bicar e ele para imediatamente. George estende a mão para me fazer carinho também, porém eu pulo para o seu braço e ele ri quando minhas garras se prendem no seu uniforme.
— Tudo bem então.— ele deixa e eu caminho no seu braço até seu ombro.
— Parece que ela gostou de você.— Fred cerra os olhos e me encara enquanto eu me esfrego contra o rosto do seu gêmeo— Que estranho, pensei que corujas da neve só tivessem olhos claros. Nunca vi uma de olhos escuros.
— Elas tem olhos escuros quando filhotes.— George comenta, acariciando minha asa e sorrindo enquanto eu relaxava no seu ombro. Era bom estar com ele, me senti muito mais tranquila pela primeira vez desde que esse dia começou— Mas você já está crescida, não é, meu bem?— ele murmura para mim e tenta olhar nos meus olhos. Seu rosto sardento está corado pela corrida contra o vento. Ele é tão lindo, que ser odioso.
— Acho que o treino foi bom, por hoje.— Harry Potter volta a falar, atraindo a atenção dos gêmeos.— Eu vou tomar uma ducha. Boa corrida, George, você quase me alcança. Não vou deixar chegar tão perto da próxima vez.— ele brinca e os Weasley o vaiam o vendo se afastar, voltando para o chão.
— Eu te falei!— George bate no ombro de Fred pela milésima vez. Fred revira os olhos.
— Vamos, estou faminto. Deixa sua amiga aí.— Fred diz indo pelo mesmo caminho que Harry. George volta a me encarar, seus olhos brilhando.
— Bem que você parece uma amiga minha mesmo.— ele comenta e sorri, sempre esperto demais para o meu gosto— Tem os olhos dela.— e ele não me tira do seu ombro, descendo comigo até o chão. Ao descer da vassoura, eu esfrego mais uma vez minha bochecha contra a sua. O ruivo ri e se encolhe como se tivesse recebido cócegas.
— O que ainda está fazendo com ela?— Fred pergunta, confuso e tirando as cotoveleiras— Vai roubar a coruja de alguém.
— Não é minha culpa se ela gosta de mim.— George rebate.
— WEASLEY!— o grito bem conhecido por mim nos alcança e nós três nos voltamos na direção dele, Pamela e Nik se aproximam em passos apressados— SEGURA ELA!— assim que ela termina de falar, eu levanto voo, fugindo sem que os gêmeos demonstrem qualquer indicio de que tentariam me prender— KARIA, EU VOU TE PEGAR!— ela grita, mas eu já estou longe. Não enquanto eu puder voar, madame.
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