Capítulo 26 - Segredos da Discórdia

Escorado na parede de sua cela, Lancer não fazia ideia do que estava acontecendo do lado de fora daquelas grades. Sua cabeça não parava de girar, sempre voltando para a memória das torturas as quais foi submetido. Seu corpo doía e não respondia mais, a única coisa que ele podia sentir era o sangue jorrando para fora de seus ferimentos enquanto tentava levar oxigênio para o cérebro.

Em alguns momentos ele alucinou, vendo figuras distorcidas e ouvindo vozes do além. Provavelmente das pessoas que ele matou enquanto estava sob o controle de Khoasang. Ou talvez só fossem alucinações aleatórias mesmo, ele não estava bem o suficiente para pensar nessas coisas.

Lancer pensou estar ouvindo coisas de novo, quando os sons dos passos começaram. No entanto, se provaram muito reais para o seu gosto, quando Heilos parou em frente a sua cela, acompanhado da indígena Kauane e do grande Sieron.

O lanceiro apenas sorriu amigavelmente.

- Meus amigos! Como senti falta de vocês! Sieron, está ótimo sem barba, parece mais jovem. E você Kauane, mais bonita do que nunca.

- Quieto, traidor asqueroso - Kauane cospe suas palavras cheias de veneno, contendo-se para não o estrangular.

- Assim você me ofende. Eu nunca te fiz nada.

- Lancer - Sieron interrompe - Você apenas está complicando as coisas.

- Você sabe por que está aqui.

- Sempre direto ao ponto, Heilos. Você nunca muda. Gosto disso.

Os dois se encararam, o lanceiro se recusou a desviar o olhar. Kauane podia sentir a energia que emanava dele, claramente desafiando o antigo amigo - e agora seu rei - a anunciar o fim da sua jornada.

Os segundos em silêncio pareceram horas. Nenhum dos dois ousou a desviar o olhar ou dizer uma palavra sequer, isso já estava ficando entediante e Sieron sabia que isso estava esgotando o pouco de calma que restava no corpo de Kauane. Assim, com um pigarro para limpar a garganta, o viking resolveu se pronunciar.

- Lancer, apenas pode parar de gracinha e ouvir o comunicado?

- Ah, claro, tudo bem, mas sério, pra que? - seus olhos analisaram cada um dos integrantes do trio - Eu sei que vieram dizer que serei executado em praça pública. Eu conheço as regras.

Heilos suspira

- Me pergunto por que está tão tranquilo com isso.

- Apenas cumpri minha última missão, majestade.

- Que missão? - Kauane pergunta, e Heilos a olha por cima do ombro.

- Kauane, Sieron, estão dispensados.

- O que?! - em outro momento, o espanto dos dois teria sido cômico e esperado, no entanto, naquele momento, apenas estava sendo irritante para o guerreiro

- Apenas saiam. Nos vemos depois. Não questionem.

-... Sim, senhor.

Sério, Sieron fez uma pequena reverência e saiu andando. Kauane estreitou os olhos para o rei, e seguiu o exemplo do companheiro, apenas obedeceu a ordem e saiu da prisão.

Juntos, os dois caminharam para longe da saída. Quando chegaram a uma distância segura, Kauane agarrou a primeira pequena decoração que encontrou no caminho e lançou contra a parede com um grito raivoso.

- DESGRAÇADO!

- Kauane, se acalme!

- Me acalmar? Me acalmar?! Sério isso Sieron?!

- Sim! Você não pode simplesmente surtar do nada!

- Sim, eu posso. Ah, como posso. Aquele filho de uma puta vai ficar de papinho com aquele traidor! De onde eu venho nós fazíamos o miserável passar por mesmo todo sofrimento que causou.

- Não estamos na sua tribo, não estamos na Hydarth de 600 anos atrás. - ele a segura pela cintura e a ergue do chão com grande facilidade, a envolvendo em um abraço apertado - Pronto, se acalme, é o melhor.

Kauane estava vermelha de raiva, respirando com força para expelir toda a fúria de alguma forma. O aperto de Sieron era forte, mas confortável, o que a ajudou a se acalmar. Em pouco tempo, seu coração desacelerou e ela se acalmou, bocejando de sono.

- Não foi você que me tranquilizou, eu cansei. Que fique claro.

Com um sorriso tranquilo, Sieron a começou a andar, levando-a consigo para o quarto, pronto para colocar a guerreira indígena para dormir como uma criança exausta.

- Com toda certeza.

****

Alisha estava sentada em uma poltrona, olhando fixamente a garota negra a sua frente, procurando qualquer sinal de que havia algo errado. Não era possível que ela havia desistido tão fácil assim de discutir, aquela era a mesma pessoa que ela conheceu ou realmente havia apenas mudado? Era difícil de saber.

Enquanto a Zashti quebrava a cabeça com o pequeno enigma, Marla caminhava pela biblioteca procurando por algo interessante para ler, completamente ciente de que era observada e analisada, fazendo questão de confundir ainda mais a amiga.

Ao encontrar um livro interessante, Marla se sentou em um sofá e esticou as pernas, se aconchegando para tentar começar uma longa leitura. Antes de iniciar, seus olhos analisaram novamente a sala, mais uma vez vendo uma Alisha sentada a encarando e um Nemesis deitado atrás da poltrona, tão imóvel que parecia uma estátua. Ele com certeza estava no sétimo sono.

Sorrindo sonsa, Marla começou:

- O que há de errado, Alisha?

- Tudo. - rebate - Você não está sendo você.

- Eu garanto que estou muito bem, não se preocupe.

- Garante é? - Alisha franze as sobrancelhas, se controlando para não se irritar. Ou ao menos tentando - Não parece.

- Não perca a paciência. Confie em mim. Eu estou perfeitamente bem.

- Eu não acredito em você! - esbraveja - Não importa o que eu faça, você sempre me desobedece. Eu te mandei embora pra que ficasse segura! Supera isso! Eu não preciso de você sempre Marla! Não precisa bolar um plano pra me ajudar!

Marla ficou em silêncio, pensando no que dizer. Até mesmo Nemesis abriu um olho, prestando atenção no que estava acontecendo. Ele podia sentir as energias delas colidindo, e parecia que até mesmo os objetos e a natureza haviam feito silêncio para que a tensão entre elas ficasse ainda mais evidente. Duas jovens fortes que sabiam o que queriam fazer, uma incapaz de satisfazer os desejos da outra.

Alisha respira fundo, tentando voltar a manter a calma. Tão focada na garota a sua frente que não percebeu a porta sendo aberta.

- Eu tô tentando te explicar há muito tempo, é o que eu preciso fazer. O livro me escolheu, eu não posso ir contra isso. E sua presença apenas está me deixando mais preocupada. Não é seguro.

- Eu vou ficar bem, Alisha. Eu sei me defender. Eu estive estudando, posso te ajudar.

- Eu não quero a sua ajuda! Eu não preciso de você! Eu que preciso fazer isso! Pro seu bem!

- Pro meu bem? Pro MEU bem?! Ou pro seu?!

- Óbvio que pro seu! - Alisha a olha, confusa com a situação. Talvez os sentimentos de Marla fossem complexos demais para sua mente compreender. - Por que mais me importaria com a sua segurança?!

- Você está se achando no topo, não é? Não precisa se explicar, eu já saquei tudo. Você continua falando "ah eu não gosto disso, nem daquilo", mentira! Você gosta! Você ama toda essa atenção e importância, você ama estar sendo mimada num castelo com tudo do bom e do melhor!

- Isso é coisa da sua cabeça! Eu nunca trocaria o amor da minha família e a sua amizade por tudo isso!

- Você já trocou!

- Do que está falando?! Enlouqueceu de vez?!

Marla se levantou e jogou o livro com tudo na cabeça de Alisha, pegando-a de surpresa. A Zashti resmungou de dor e colocou a mão livre na cabeça, bem onde a capa dura do livro a acertou, garantindo que não estava sangrando.

Enquanto isso, a garota negra continuou a desabafar.

- Você está aqui almoçando com um rei e sua corte ao invés de estar em casa com seu pai e seu cachorro! Ou será que preciso enfiar isso na sua cabeça?!

- Vem então! Tenta! - a Zashti se levanta com o mesmo livro na mão, jogando ele de volta em Marla, que se defendeu com os braços - Mágica de circo!

- Com licença? - diz o homem que estava parado na porta.

- O que é?! - Marla e Alisha respondem ao mesmo tempo, olhando para a figura masculina.

Skure apenas continuou ali, parado, olhando as duas adolescentes com os nervos a flor da pele respirando feito cavalos após uma corrida. Ele com certeza não queria saber os detalhes da discussão.

- O Heilos pediu para avisar que teremos uma execução amanhã.

- Uma execução? Sério isso? - Marla ergue uma sobrancelha - Que arcaico.

- É, fazer o que né. Bem vinda a Ophiocus, garota.

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