Capitulo 24 - Sentimentos

Marla se espreguiçou, resmungando de forma fofa e satisfeita ao se sentir revigorada. Dois meses haviam se passado desde que ela foi expulsa de Daechya. Dois meses que ela nao vê Alisha, e nem tem notícias dela. No colégio, as coisas nao estavam indo bem para a garota desaparecida, e em casa, pior ainda.

Através da conexão que foi estabelecida entre elas durante a viagem para Daechya, Marla podia ver que a mais nova estava alegre, treinando todos os dias, e isso a deixava furiosa. Dia após dia Alisha era submetida a treinos de resistência e velocidade, fazendo-a abusar das suas poucas habilidades de ginastica, que evoluíram e quase se tornaram as habilidades de uma ginasta profissional.

Enquanto isso, o que Marla estava fazendo? Aprendendo história e magia. Havia sim o treino físico, mas nao era tao interessante quanto o de sua amiga. Em apenas dois meses, Alisha foi capaz de melhorar, enquanto no mesmo período de tempo, Marla nao conseguia nem se equilibrar em cima de uma rocha. Dia após dia, Marla se sentia sendo deixada para trás.

Aproveitando da folga para descansar, ela usou o Cristal Estrelar para viajar ate a pizzaria onde o pai de sua amiga trabalhava. Marla olhou para o cristal, tentada a fazer outra tentativa de abrir um portal para Daechya, mas deixou a ideia de lado ao lembrar-se do que aprendeu: para viajar de Hydarth para Daechya e vice versa, um Cristal Estrelar deve absorver a energia do seu mestre durante, no minimo, um ano, para que nao seja uma viagem mortal.

Ao guardar o cristal no bolso do macacão jeans, a Hyd respirou fundo, acalmando seu coração, e então, entrou.

Como sempre, a pizzaria estava movimentada. Da cozinha, a garçonete entrava e saia com os pedidos e comandas. Instantes depois, Richard saiu de lá, sem o avental ou as proteções, e sorriu olhando para a mais nova.

- Marla. Faz um tempo -  seu sorriso era muito menor que o se meses atrás, e em seu rosto havia as marcas do cansaço. Marla sentiu pena dele. - Como está?

- Eu estou bem, mas e você? Como está?

O sorriso dele sumiu, e ele passou por ela, chamando-a para o lado de fora. A garota o seguiu, e parou com ele debaixo de uma das árvores protegidas da calçada.

- Eu nao sei mais o que fazer. Eu... A minha filha sumiu, nao dá notícias há semanas. Tenho medo de algo ter acontecido. - nesse momento, ele começou a chorar, finalmente compartilhando com alguém parte de seu sofrimento.

Marla fechou a mao em punho, quase se machucando com as próprias unhas, mesmo tendo-as cortado para não quebrarem no treino. Ela estava com raiva. Como Alisha pôde permiti-lo sofrer? Ele, apesar de sozinho, era um pai de dar inveja, e ainda sim, ela foi capaz de deixa-lo sozinho e desesperado. Ela nao sentia sua falta?

- Calma, tio. - Marla sorri da forma mais brilhante que pôde, quase assustando o homem. - Eu sei onde ela está, e ela está bem.

Richard segurou seus ombros com desespero evidente. Marla se assustou, segurando os pulsos dele, instintivamente pronta para torce-los, mas se conteve

- Onde ela está?! Por que não dá notícias?!

Ela respirou fundo, acalmando sua mente. Nao vai fazer mal contar...

- Ela está em outra dimensão, treinando duro para ser uma heroína e derrotar um vilão.

-.... Que?

- Eu nao posso te contar mais, mas tenha em mente que você é um pai maravilhoso e dedicado. Ela esta perfeitamente bem, saiba disso.

A mais nova levou as mãos ate seu rosto, tocando as laterais de seu crânio e massageando, fazendo magia fluir para seu cérebro.

No mesmo instante, todo o seu sofrimento começou a desaparecer, juntamente com a enxaqueca insuportável que o incomodava. Todo o seu corpo relaxou, e Marla viu em sua face como todo o desespero era substituído por uma enorme tranquilidade.

Richard pôde sentir algo acariciando sua mente. Era a mesma sensação de ter os dedos macios e habilidosos de uma profissional massageando todo o seu corpo ao mesmo tempo, desfazendo todos os nós em seus músculos sofridos, só em seus órgãos e cérebro. Que tipo de bruxaria era essa? Essas coisas realmente existiam? Aparentemente sim, ja que ele foi capaz de ver pequenos fragmentos de memória da garota negra que estava em sua frente, no entanto, ele nao se importou. Sentia que nao precisava se importar.

Um livro, um outro mundo, magia, monstros, ciência, castelos, dragões e templos. Nada disso fazia sentido, mas ao mesmo tempo fazia. Então, tão rápido quanto apareceram, essas memórias desapareceram, e Richard havia voltado a ser o homem tranquilo que era antes. Nenhuma memória restou. Para ele, Alisha não havia sumido, e estava apenas passando um tempo na casa da amiga.

Marla se afastou, respirando fundo e recobrando a postura. Sentindo-se minimamente preparada, movimentou os dedos, sua magia tirando o mais velho do transe. Então, ele sorriu.

- Marla! Como está Alisha?

- Você ligou pra ela duas horas atrás, tio! - Marla riu, e manteve o sorriso no rosto - Mas ela está bem. Eu vim pedir uma pizza pra gente comer.

- Claro claro! - ele seguiu com ela para dentro, a ajudando a arranjar uma mesa - Faça seu pedido, vou caprichar pra vocês.

- Obrigada!

****

Os portões da muralha da capital de Ophiocus estavam abertos, com o objetivo de permitir que a água da chuva escorresse sem muitos problemas. No alto da muralha, arqueiros faziam sua ronda,  protegendo o povo da cidade de qualquer possível ataque; e do lado de fora da cidade, alguns lanceiros vigiavam os pontos cegos e interceptavam educadamente qualquer um que tentasse entrar na cidade.

Todos os dias eles faziam as mesmas coisas: chegavam para o expediente, pegavam seus arcos e mantinham a atenção. Nos últimos anos, ninguém havia atacado a cidade, ate agora.

Um dos vigias havia tentado falar com aquele cavaleiro, mas nao teve sucesso. O cavalo marrom passou correndo pelo guarda, o derrubando e avançando para os portões. Em questão de segundos, o cavaleiro puxou um arco das costas e atirou, atingindo com suas flechas os ombros dos arqueiros que tentaram o acertar. Havia algo estranho, nao eram flechas! Eram apenas galhos de árvore podres, que foram raspados com uma lâmina para poderem ser utilizados como flechas.  

Enquanto gritavam de dor e agradeciam por estar vivos, o cavalo e seu cavaleiro avançaram para dentro da cidade, começando um caos generalizado. Por onde passavam, pessoas gritavam saindo do caminho, animais de abate fugiam e caixotes de produtos eram derrubados.

Os guardas da cidade empunharam suas espadas e avançaram sem medo, atacando o invasor. Em contrapartida, o invasor nao parecia ter intenções de lutar, ordenando que seu equino apenas desviasse dos ataques.

O castelo se tornou mais próximo, e o invasor sorriu com um pequeno fragmento de esperança. Era um milagre ter chegado até ali sem ter sido capturada, isso custaria sua vida.

Em um momento desesperado, o equino simplesmente atravessou a porta de madeira da ala dos curandeiros. A porta explodiu em pedaços de madeira com um estrondo, se espalhando por todo o lugar, assustando os curandeiros.

Maicon pegou uma adaga e se aproximou pronto para apunhalar o invasor, apenas para se deter ao perceber que o cavaleiro ousado, era ninguém mais ninguém menos que a garota que ele atendeu. Rider, a garota de cabelos prateados que Lancer adotou.

- O que esta fazendo aqui?!

- Doutor! - ela parecia desesperada, sua aparência era das piores, e seus ferimentos, preocupantes, para dizer o mínimo. - Por favor, eu preciso da sua ajuda!

O cavalo relinchava de dor, com as patas parcialmente queimadas e pedaços de madeira em seu corpo. Maicon respirou fundo, abaixando a adaga e olhando para os guardas que se acumulavam na entrada.

- Saiam, por favor. E providenciem uma porta Nova. Ela está comigo.

Os soldados se entreolharam, duvidosos com a decisão do médico.

- Saiam! - Maicon esbravejou, assustando até os outros curandeiros.

Incapazes de questionar, os guardas sairam, recolhendo as armas e voltando para seus postos.

Maicon ajudou Rider a se sentar, e correu para pegar seus equipamentos, começando a analisa-la enquanto os outros curandeiros aplicando sedativos no Audax, para que ele nao se machucasse mais ainda.

- O que aconteceu?

- As Bestas - a jovem abandonou sua pose segura de si e se curvou, apertando com força a lança que tinha em mãos, começando a chorar - Atacaram a gente. Ele ficou pra trás. Eu... Eu não quero ficar sozinha de novo.

O mestre curandeiro respirou fundo, acariciando o cabelo dela, sujo de sangue e terra, quase perdendo sua cor prata brilhante. Sem ter muito o que dizer para consola-la, o mais velho apenas a abraçou, dando a ela todo o seu apoio. Felizmente, era o que a garota mais precisava naquele momento.

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